AVANÇOS E APLICAÇÕES DO ULTRASSOM DOPPLER: UMA REVISÃO DOS PRINCÍPIOS FÍSICOS E TECNOLOGIAS BIOMÉDICAS

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202412161215


Alessandro Ramos Júnior¹;
Paulo Estevão Chaves Silva².


Resumo

O objetivo deste trabalho é apresentar os princípios básicos de funcionamento e aquisição de informações de um equipamento de ultrassom. As ondas de ultrassom são utilizadas como ferramenta na prática clínica desde meados do século XIX. Apesar de já bem estabelecida como ferramenta de obtenção de imagens de forma não invasiva e de baixo custo, o horizonte de aplicações desta técnica ainda é muito vasto. Desta forma, a fim de criar as bases necessárias para fundamentar a expansão da área é necessária a constante revisão dos conceitos e modos de utilização da técnica. Este trabalho se propõe a apresentar os fundamentos do ultrassom, seus principais conceitos, benefícios e eventuais limitações. São também apresentados os principais artefatos presentes na prática clínica. Os diversos modos com que pode-se utilizar as ondas ultrassônicas também serão apresentados e de forma complementar serão apresentados possíveis riscos decorrentes da técnica.

Palavras-chave: A física do ultrassom, aplicações biomédicas do ultrassom, Diagnóstico Não Invasivo, Ondas ultrassônicas, Sistemas de Ultrassom, Tecnologias de Diagnóstico

I. Introdução

Ultrassom é uma onda mecânica cujas características de propagação se assemelham às das ondas sonoras convencionais, entretanto, diferente destas, a frequência de oscilação do ultrassom é superior a 20.000 Hertz, o que a torna imperceptível à audição humana.

Devido às suas características de propagação, foram desenvolvidas ao longo das décadas diversas formas diferentes para a utilização das ondas ultrassônicas. Algumas das mais notáveis formas de utilização estão relacionadas à detecção e localização de objetos, tanto para fins bélicos quanto medicinais.

O ultrassom é de extrema importância no ambiente clínico, sendo uma das técnicas mais utilizadas desde meados de 1980. Entre suas diversas aplicações algumas se destacam, são elas: a visualização de estruturas internas, a avaliação do movimento dos órgãos (o que inclui a visualização de fetos) e a avaliação da velocidade do fluxo sanguíneo. O ultrassom também pode ser utilizado para esfacelar cálculos renais e causar destruição de tumores por meio da focalização das ondas ultrassônicas de alta intensidade (HIFU) em uma determinada região de interesse.

Figura 1: Representaçãoo do som através de uma onda sonora ́
(physics.tutorvista.com, adaptada).

Apesar da alta frequência das ondas utilizadas, em aplicações cujo intuito é a obtenção de imagens, as ondas ultrassônicas não transportam energia suficiente para causar danos permanentes ao tecido em seu caminho. Este artigo tem como objetivo revisar os principais temas por trás da técnica de ultrassom clínico partindo da geração das ondas ultrassônicas, sua transmissão pelos tecidos do corpo e, posteriormente, a reflexão de volta para a sonda na forma de ecos detectáveis.

II. Como são criadas as ondas de ultrassom?

A primeira etapa em qualquer procedimento envolvendo ondas ultrassônicas é a transformação da energia elétrica proveniente da rede de abastecimento local em ondas mecânicas. A conversão das energias é feita pelos cristais piezoelétricos.

Esses materiais cristalinos possuem dipolos elétricos orientados de forma aleatória. Na presença de uma força capaz de deformar fisicamente o cristal, os dipolos se reorganizam, induzindo uma carga líquida através do cristal. Quando o inverso ocorre, isto é, quando uma voltagem é aplicada na rede cristalina, a disposição física dos dipolos se altera, causando deformação em sua estrutura. Portanto, os cristais piezoelétricos têm a capacidade de atuar tanto gerando quanto recebendo ondas ultrassônicas. Os cristais, localizados na face da sonda, quando deformados formam uma frente de pressão que se move através do meio como uma onda acústica, tal movimento cria áreas alternadas de compressão e rarefação (densidade reduzida) a medida que a onda se propaga, Figura 1.

As sondas utilizadas para criar o ultrassom são cuidadosamente projetadas para emitir e receber ondas de alta frequência e têm seu formato modelado para se moldar à anatomia da superfície do paciente. Entretanto, ainda é necessário que a sonda tenha um revestimento de silicone e que, antes de todo procedimento, seja utilizado um gel de acoplamento (com características equivalentes às do tecido humano), para ajudar a manter um bom contato entre a pele e a cabeça da sonda, permitindo a transferência eficiente do ultrassom para o corpo. Os cristais piezoelétricos em um determinado tipo de sonda são escolhidos de forma a ressoar em uma determinada frequência pré-estabelecida, o que influencia as características estruturais da sonda.

Para a clareza do sinal, a sonda de ultrassom também contém um material absorvente de som para eliminar reflexões internas (dumping) e uma lente acústica, necessária para que possa focalizar as ondas ultrassônicas emitidas.

As sondas de ultrassom mais utilizadas na prática clínica emitem pulsos curtos, de apenas 2.000 ciclos, e então pausam a emissão para esperar o sinal proveniente da reflexão das ondas. Tal processo de emissão gasta apenas cerca de 1% do tempo total do procedimento, sendo que os 99% restantes são gastos no modo de detecção.

Quando uma onda ultrassônica de retorno (ou eco) atinge o cristal piezoelétrico na sonda, ela comprime o cristal, resultando na geração de uma pequena corrente. Ao medir o tempo que leva para o pulso emitido retornar, a distância da superfície até a estrutura reflexiva pode ser calculada se a velocidade do som naquele meio for conhecida. A amplitude do sinal retornado determina o brilho de sua imagem na tela. Portanto, objetos próximos da sonda refletem a energia melhor do que objetos localizados mais distantes; sendo assim, as estruturas de interesse são posicionadas mais perto possível da tela.

Os sinais obtidos pelo ultrassom, por via de regra, necessitam de relativamente pouco processamento de imagem; o processamento que por ventura seja necessário pode ser definido pelo usuário diretamente no aparelho de ultrassom no momento em que está ocorrendo a varredura do tecido.

III. Ondas Sonoras

Para entender melhor os usos do ultrassom clínico, é importante revisitar brevemente algumas das propriedades básicas das ondas mecânicas. As ondas sonoras são classificadas como ondas longitudinais; isto é, elas são caracterizadas por oscilarem na direção da propagação, ao contrário de ondas transversais que oscilam perpendicularmente à sua direção de propagação; um exemplo de ondas transversais são as ondas eletromagnéticas.

Uma importante característica das ondas é a sua amplitude; sendo que, a mesma pode ser definida como a máxima perturbação produzida pela onda ao atravessar o meio. Portanto, para ondas sonoras e ultrassônicas, a amplitude pode ser entendida como sendo a pressão máxima acima do valor normal de equilíbrio. A frequência é o número de oscilações por segundo, sendo 1 Hertz equivalente a um ciclo por segundo. O ultrassom possui frequência muito alta; sendo que são consideradas ondas ultrassônicas aquelas cuja frequência de oscilação supera os 20 Megahertz.

Tabela 1: Valores da velocidade do som em diversos meios.

O período da onda é o tempo que leva para completar um ciclo e é descrito pela seguinte equação:

onde f é a frequência e T é o período para que seja realizado um ciclo completo. O comprimento de onda é o comprimento, em metros, necessário para que ocorra um ciclo completo. A velocidade da onda é o produto da frequência e do comprimento de onda, conforme a equação abaixo:

onde λ é o comprimento de onda e v é a velocidade da onda. A velocidade de propagação através dos tecidos apresenta uma dependência em relação à densidade e elasticidade do tecido. No entanto, uma velocidade média de 1540 m/s é usada no ultrassom diagnóstico.

IV. Características de Reflexão e Refração

Ao tratar da propagação das ondas em um meio, temos que levar em consideração a impedância acústica do tecido. A impedância acústica é o termo usado para descrever a resistência à passagem da energia do ultrassom através de uma substância ou tecido. A impedância acústica (Z) depende da densidade do tecido (ρ) em kg/m³ e da velocidade (c), em m/s, da onda mecânica que está se propagando pelo tecido:

A reflexão ou dispersão do ultrassom ocorre quando a onda encontra uma mudança na impedância acústica. Quanto maior a diferença de impedância na junção entre dois tecidos diferentes, maior será a perturbação sofrida pela onda, resultando em uma menor quantidade de energia transmitida de um meio para o outro. Durante a aquisição das ondas refletidas, as interfaces com diferentes impedâncias geralmente aparecem como linhas brilhantes ou pontos, os quais são chamados de speckles.

V. Como as Ondas Interagem no Corpo Humano

À medida que as ondas de ultrassom viajam pelo corpo, uma série de eventos pode ocorrer. As ondas podem ser refletidas de volta para a sonda, refletidas em outras direções, espalhadas ou atenuadas. As ondas mecânicas seguem princípios semelhantes aos das ondas de luz e se comportam de maneira similar ao encontrar um objeto ou passar através de tecidos e ar.

A. Reflexão

Quando as ondas ultrassônicas encontram um material ou tecido com uma impedância acústica, uma porção será refletida de volta para a sonda. A máxima reflexão ocorre em interfaces com grande incompatibilidade de impedância. Estas áreas de alta reflexão aparecem como linhas ou pontos brilhantes e são chamadas de refletores especulares.

B. Espalhamento

A dispersão ocorre quando uma onda sonora de ultrassom atinge uma estrutura cuja impedância acústica é diferente da do tecido ao redor e é menor que o comprimento de onda da onda incidente (Figura 2). As estruturas que causam dispersão são conhecidas como “refletores difusos”. Exemplos incluem glóbulos vermelhos e irregularidades superficiais em órgãos viscerais. Quando as ondas de ultrassom atingem um refletor difuso, as ondas são espalhadas em todas as direções. O resultado são múltiplos ecos que se propagam em diversas direções. Os ecos dispersos tem menores amplitudes de onda do que as ondas incidente; e antes de retornar a sonda podem interagir com outras estruturas levando assim a novos espalhamentos. Essas interações podem resultar em interferência construtivas e destrutivas nas ondas. Quando, por fim, a imagem retornar a sonda ela apresenta alterações que são facilmente perceptíveis. A essa imagem e atribuído o nome de ’speckle’. A maioria dos ecos recebidos pela sonda de ultrassom originam-se do espalhamento e não de reflexões. Estas ondas dispersas dão a aparência de cinza-granulada indicando a presença de órgãos e tambem o sinal granulado na ultrassonografia Doppler.

C. Refração

Quando o ultrassom atravessa uma interface entre tecidos, a onda transmitida é desviada de seu curso original. Este fenômeno segue a Lei de Snell, responsável também pela refração da luz.

D. Atenuação

As ondas de ultrassom diminuem tanto em amplitude quanto em comprimento de onda à medida que eles atravessam os tecidos do corpo em um processo denominado atenuação. Os comprimentos de onda de alta frequência são mais facilmente atenuados pelos átomos do corpo, percorrendo, assim, uma menor distância dentro do tecido. Então, para obter imagens de tecidos mais profundos, comprimentos de onda de frequência mais baixa são necessário. No entanto, comprimentos de onda de frequência mais alta, por interagirem mais com os átomos do meio, produzem uma imagem com resolução muito maior. Portanto, para obter imagens de estruturas mais profundas utilizando ultrassom de baixa frequência, haverá uma significativa perda na qualidade da imagem. A atenuação das ondas ultrassônicas ocorre principalmente à medida que a energia mecânica da onda sonora é convertida em calor e absorvido pelos tecidos. A dispersão das ondas ultrassônicas é uma das maiores causas da atenuação das ondas incidentes, entretanto não é a única causa de atenuação das ondas; outros fatores que podem ser citados são a reflexão, interferência, divergência e, por fim, a difração fazendo uma pequena contribuição.

VI. Ultrassonografia Doppler

A partir da estimativa da velocidade das ondas ultrassônicas nos tecidos (aproximadamente 1540 m/s), é possível mensurar a distância percorrida por uma onda de ultrassom refletido com base no tempo decorrido entre a emissão da onda e o subsequente eco obtido.

Outras importantes informações que podem ser fornecidas pelo ultrassom são a velocidade e a direção de estruturas ou objetos presentes dentro do sistema de estudo. A base teórica que sustenta a análise de tais informações é o efeito Doppler. A velocidade e a direção de movimento são calculadas através da comparação entre os comprimentos de ondas esperados e os comprimentos de ondas que, de fato, chegam à sonda.

A. O efeito Doppler

O efeito Doppler é um fenômeno comum no dia a dia. Um bom exemplo é considerar um carro em movimento e buzinando continuamente. A buzina toca uma ‘nota’ conforme o carro se aproxima, então à medida que passa por você, a ‘nota’ muda para uma nota mais baixa. Quando um carro parado soa continuamente a buzina, o som será uma única nota. Se, no entanto, o observador estiver a alguma distância da mesma buzina que soa continuamente (parada) e do carro que está se dirigindo em sua direção, o tom da nota será perceptivelmente maior conforme o carro se aproxima. À medida que o carro se aproxima do observador, as ondas sonoras tornam-se cada vez mais comprimidas, aumentando assim a sua frequência (Figura 3). Enquanto o mesmo carro se afasta do observador, as ondas sonoras não são mais transmitidas de forma a se pressionarem, assim sendo, conforme o carro se afasta, os comprimentos de ondas tornam-se cada vez maiores e a frequência diminui, resultando em uma nota mais grave. Portanto, as ondas sonoras que se movem em direção a um receptor são pressionadas, causando um aumento na frequência. As ondas sonoras que se afastam de um receptor não são pressionadas e têm uma frequência mais baixa. Com base neste fenômeno, a direção em que um objeto está viajando pode ser determinada a partir da frequência das ondas sonoras que atingem o observador ou receptor, e a velocidade do objeto pode ser calculada a partir da mudança na frequência usando a equação Doppler:

Figura 2: Refletor especular, por ex. osso que faz com que a maior parte do ultrassom seja refletida. (b) Reflexao difusa, como ocorre nas superfícies microscopicamente irregulares dos órgãos. (c) Refração (d) Dispersão do ultrassom por pequenos objetos, por ex. glóbulos vermelhos

onde: Fd​ é a frequência de deslocamento Doppler, Ft é a frequência transmitida (Frequência Doppler), V é a velocidade do fluxo sanguíneo, cos(θ) é o cosseno do fluxo sanguíneo ao ângulo do feixe, e C é a velocidade do som no tecido.

B. Doppler colorido

O Doppler colorido permite ao usuário ver a direção do fluxo e a velocidade dos glóbulos vermelhos dentro de uma área definida. Uma área de interesse no campo de digitalização é selecionada pelo usuário, e as ondas de ultrassom que retornam são codificadas por cores de acordo com sua velocidade e direção média. O fluxo sanguíneo em direção à sonda é normalmente exibido em uma escala do vermelho ao amarelo, sendo o amarelo a velocidade mais alta. O fluxo sanguíneo que se move de forma a se afastar da sonda é exibido com cores que vão do azul escuro ao azul claro. A cor das escalas não indica se o fluxo sanguíneo é venoso ou arterial, porém a velocidade do fluxo sanguíneo venoso é tão baixa que muitas vezes não produz um sinal no modo Doppler.

Figura 3: Conforme a fonte do som se move em direção ao observador, as ondas sonoras se comprimem e aumentam em frequência e, portanto, em altura. A medida que a fonte do som se afasta do observador, as ondas sonoras não são comprimidas e tem uma frequência e altura mais baixas. ˆ

C. Ultrassom Doppler de onda pulsada

A onda pulsada produz ultrassom em rajadas curtas usando os mesmos cristais para enviar e receber ultrassom. Ele fornece uma maior precisão em maiores profundidades, entretanto estão mais sujeitas ao efeito de ‘aliasing’, isto é, a frequência de amostragem não é alta o suficiente para detectar desvios Doppler de frequência muito alta, ou seja, de objetos em movimento rápido. O limite de Nyquist é a máxima velocidade detectável antes que ocorra o efeito de aliasing. As ondas sonoras exigem que sua frequência de medição seja pelo menos duas vezes dentro de um mesmo comprimento de onda para que, assim, possa ser medido o comprimento de onda com precisão. O limite de Nyquist é, portanto, metade da frequência de repetição do pulso.

D. Ultrassom Doppler de onda contínua

Um cristal piezoelétrico produz ultrassom continuamente enquanto outro recebe os sinais refletidos continuamente. Essa técnica carece de precisão em profundidade, mas como a sonda é capaz de receber sinais continuamente, o efeito “aliasing” não ocorre. Uma das muitas possibilidades de utilização do sistema Doppler contínuo é na monitoração do débito cardíaco por Doppler esofágico. Além do mais, a forma contínua permite monitorar glóbulos vermelhos em movimento rápido na aorta descendente sem que ocorra a distorção do sinal.

VII. Processo de Produção de Imagem

A. Ultrassom com matriz de fase

A ultrassonografia clínica é quase inteiramente realizada usando um método de matriz de fase para a sonda transdutora. Neste procedimento, vários pequenos transdutores capazes de emitir e receber ultrassom estão dispostos em uma matriz, ou seja, em uma linha. Quando todos os transdutores são simultaneamente ativados por uma corrente elétrica, uma onda é gerada paralelamente à superfície da sonda. As diversas frentes de onda individualmente criadas se combinam para formar uma única frente de onda que viaja através do tecido em um processo denominado ‘interferência construtiva’. Cada transdutor também pode ser ativado sequencialmente, causando uma frente de onda angular. Uma série de ondas com angulações distintas é então combinada para formar a clássica varredura em forma de leque.

B. Modo A

O modo amplitude (modo A) é o modo mais simples de geração de ultrassom por um único transdutor. É realizada uma varredura em linha através da área de interesse; os subsequentes ecos obtidos são analisados e plotados juntamente com a profundidade na direção de incidência. Apesar de sua simplicidade, este modo de aquisição de imagem, de forma independente, é considerado quase obsoleto. Entretanto, é às vezes utilizado como forma de auxílio em outros mecanismos de obtenção de imagem, como por exemplo o modo M.

C. Modo B

O modo B (brilho) é a forma mais comum de ultrassom clínico. O ultrassom produzido a partir de uma matriz linear varre uma área do corpo dentro de um pequeno plano com cerca de 1 – 2 mm de espessura, e os ecos resultantes são plotados como uma imagem bidimensional em uma tela. Uma escala de cores que vai do preto até o branco é usada para exibir as imagens. As regiões pretas representam áreas onde não há presença de ecos de retorno, exemplos de tais áreas são o ar ou fluidos dentro do organismo. As regiões brancas representam interfaces altamente ecogênicas, isto é, com grandes diferenças de impedância acústica. Em suma, o brilho de cada ponto da imagem formada é determinado pela amplitude do sinal de eco retornado.

Figura 4: Amostra de imagem abdominal de ultrassom obtida
com um gerador de imagens manual e estatico em modo B
Figura 5: Síıstole (caixa) demonstrando movimento anterior
(seta) da valva mitral (folheto anterior).

D. Modo M

O modo de movimento (modo M) é comumente usado em ecocardiografia. O modo M é uma análise unidimensional (“icepick”) do tecido que está sendo avaliado. Em uma avaliação no modo M, os ecos vindos debaixo do picador de gelo são exibidos na tela da esquerda para a direita, criando um gráfico de distância/tempo com o tempo no eixo horizontal e a profundidade do tecido no eixo vertical. A partir deste gráfico podem ser avaliadas informações importantes, como o movimento da pleura e das válvulas cardíacas, bem como o tempo do ciclo cardíaco. Este último é particularmente útil porque as derivações eletrocardiográficas raramente estão disponíveis no pronto-socorro. Como requer apenas a interpretação de ecos de retorno de um campo estreito, o modo M permite uma taxa de quadros mais alta e, portanto, melhor resolução temporal do que o ultrassom no modo B.

VIII. Artefatos Presentes nas Imagens

Os artefatos podem ser definidos como a exibição incorreta da anatomia ou do ruído durante a geração de imagens. As principais causas estão relacionadas ao equipamento utilizado para obtenção das imagens e ao operador responsável pela condução do procedimento. Entretanto, existem fatores que são intrínsecos às características da interação do ultrassom com os tecidos.

Os artefatos podem ser causados por uma variedade de mecanismos. Por exemplo, o som atravessando o tecido com velocidades diferentes da velocidade “padrão” de deslocamento médio (1.540 m/s para tecidos) pode acarretar ecos dentro do sistema, e esses ecos podem acarretar mudanças indesejadas na localização de certas estruturas e induzir o profissional responsável a erros.

O som é refratado quando o feixe não é perpendicular a um limite de tecido; ecos são desviados para o receptor de áreas fora do feixe principal e podem ser mal mapeados na imagem.

Felizmente, a maioria dos artefatos de ultrassom são facilmente discerníveis por um profissional experiente. Alguns artefatos são usados com vantagem como auxílio diagnóstico na caracterização de estruturas teciduais e sua composição.

Os artefatos presentes nas imagens de ultrassom se enquadram em duas grandes categorias:

A. Sombreamento acústico

Em interfaces com grande incompatibilidade de impedância acústica, a refletância total do ultrassom significa que não há ondas ultrassônicas capazes de viajar mais longe e penetrar nos tecidos mais profundos. Isto significa que nenhuma outra imagem pode ser obtida além desse ponto e um ‘vazio’ é produzido na imagem. Isso é comumente visto nas interfaces tecido-osso, e é por isso que procedimentos como ecocardiografia transtorácica apresentam grandes limitações na prática clínica. O sombreamento acústico também ocorre quando o ultrassom viaja através do tecido e atinge bolhas de ar. A incompatibilidade acústica entre o tecido e a bolha de ar é grande o suficiente para causar quase reflexões totais do ultrassom. Neste caso, as imagens resultantes das bolhas de ar são vistas como objetos brancos claramente distintos do tecido ao redor.

Apesar de sua influência negativa nas imagens obtidas, é possível utilizar essas características em favor do exame. Um exemplo é a utilização de microbolhas como mecanismo de contraste na ecocardiografia. Neste caso em especial, as microbolhas são utilizadas para que se possa obter imagens de pequenas irregularidades no fluxo sanguíneo que cruza o coração.

B. Anisotropia

A anisotropia é um artefato causado pelo ângulo do feixe de ultrassom ao atingir certas estruturas, especialmente tendões e músculos, em um ângulo de 90° (ou em um ângulo de incidência maior que 0°). A anisotropia faz com que o ultrassom seja refletido para longe do transdutor e, como nenhum eco é retornado ao transdutor, a área é falsamente designada como hipoecóica (preta).

A anisotropia inicialmente aparece como áreas escuras na imagem, mas se a sonda for então corretamente angulada perpendicularmente às estruturas, elas entram em foco como imagens brancas. Na ultrassonografia musculoesquelética, a anisotropia pode resultar no diagnóstico incorreto de uma lesão no tendão se uma área hipoecóica for falsamente identificada.

IX. Possíveis Efeitos Colaterais das Ondas de Ultrassom

O ultrassom apresenta inúmeras vantagens como método de obtenção de imagens no contexto clínico. Alinhado a isso, há também o fato de ser relativamente barato (embora exija um operador treinado), portátil e poder ser utilizado à beira do leito de pacientes em estado de saúde instável (cuidados intensivos ou em condições de emergência). A possibilidade de aquisição de imagens em tempo real e sem que ocorra a exposição do paciente ou da equipe médica à radiação ionizante também é outro fator determinante para a ampla utilização da tecnologia.Existem, no entanto, maneiras pelas quais o ultrassom pode danificar os tecidos: por aquecimento, efeitos mecânicos e cavitação. O aquecimento é a maior preocupação em um feto nas primeiras 8 semanas, pois aumentos de temperatura acima de 1,5ºC são potencialmente perigosos para as células em divisão. É, portanto, uma boa prática manter os tempos de exame ao mínimo.

A. Efeitos do calor

Seguindo o princípio da lei da conservação da energia, toda a energia sonora incidente no tecido e que é, consequentemente, atenuada deve ser convertida em outras formas de energia. A maior parte desta energia é transformada em calor. Devido a isso, existe a possibilidade de que o ultrassom aumente a temperatura do tecido em até 1,5ºC. Para tecidos sensíveis (por exemplo, os tecidos fetais), este aumento na temperatura pode ter efeitos deletérios caso esteja presente por um longo período de tempo. De fato, recomenda-se que seja realizado o menor número possível de procedimentos envolvendo ultrassom em gestantes de até 8 semanas.

B. Efeitos mecânicos

Ondas contínuas de ultrassom em uma superfície podem produzir uma força mecânica oposta que poderia potencialmente mover um pequeno objeto na direção de deslocamento das ondas de ultrassom. Este efeito pode fazer com que um agrupamento de células sanguíneas seja aglomerado; este efeito, que está mais presente no ultrassom Doppler contínuo, pode levar ao rompimento de vasos sanguíneos e, consequentemente, a danos internos.

C. Cavitação

A cavitação é a rápida produção, excitação e, às vezes, o colapso de milhões de pequenas bolhas de gás em tecidos ou fluidos corporais expostos ao ultrassom. Nos modos de ultrassom de onda contínua, como o Doppler ou as altas frequências utilizadas terapeuticamente pelos fisioterapeutas, a cavitação pode ocorrer como resultado das pressões negativas produzidas nos tecidos. Entretanto, tal efeito é raro em métodos não contínuos de aquisição das imagens. No tecido pulmonar, bolhas de gás existentes podem potencialmente ficar excitadas e entrar em colapso, levando ao efeito de cavitação, danos mecânicos aos tecidos e à produção de calor localizado. A cavitação é rotineiramente utilizada em procedimentos cosméticos cujo intuito é quebrar e, consequentemente, reduzir o tecido adiposo; esta é uma alternativa menos invasiva à lipoaspiração.

X. Conclusão

O ultrassom “no local de atendimento” é uma adição poderosa à experiência do médico. Entretanto, seu uso seguro e eficaz requer treinamento apropriado e alguma compreensão dos processos e da física envolvida na geração da imagem. A apreciação desses fatores permite que o operador esteja ciente do potencial para a geração de imagens artefatuais e de seu reconhecimento. Este artigo apresentou o que os autores acreditam ser o conhecimento central, e os leitores são incentivados a desenvolver isso ainda mais.

XI. Referências

[1] B. Gleich and J. Weizenecker, “Tomographic imaging using the nonlinear response of magnetic particles,” Nature, vol. 435, no. 7046, pp. 1214–1217, Jun. 2005, doi: https://doi.org/10.1038/nature03808.

[2] E. Y. Yu et al., “Magnetic Particle Imaging: A Novel in vivo Imaging Platform for Cancer Detection,” Nano Letters, vol. 17, no. 3, pp. 1648–1654, Mar. 2017, doi: https://doi.org/10.1021/acs.nanolett.6b04865.

[3] E. U. Saritas et al., “Magnetic particle imaging (MPI) for NMR and MRI researchers,” Journal of Magnetic Resonance (San Diego, Calif.: 1997), vol. 229, pp. 116–126, Apr. 2013, doi: https://doi.org/10.1016/j.jmr.2012.11.029.

[4] S. J. Norton and T. Vo-Dinh, “Imaging the Distribution of Magnetic Nanoparticles With Ultrasound,” IEEE Transactions on Medical Imaging, vol. 26, no. 5, pp. 660–665, May 2007, doi: https://doi.org/10.1109/tmi.2007.895476.

[5] C. F. Carvalho, M. C. Chammas, and G. G. Cerri, “Princípios físicos do Doppler em ultra-sonografia,” Ciência Rural, vol. 38, pp. 872–879, Jun. 2008, doi: https://doi.org/10.1590/S0103-84782008000300047.

[6] R. M. Ferguson et al., “Magnetic particle imaging with tailored iron oxide nanoparticle tracers,” IEEE Transactions on Medical Imaging, vol. 34, no. 5, pp. 1077–1084, May 2015, doi: https://doi.org/10.1109/TMI.2014.2375065.

[7] M. Ph. Pyshnyi, O. A. Kuznetsov, S. V. Pyshnaya, G. S. Nechitailo, and A. A. Kuznetsov, “Synchronous ultrasonic Doppler imaging of magnetic microparticles in biological tissues,” Journal of Magnetism and Magnetic Materials, vol. 321, no. 10, pp. 1552–1556, May 2009, doi: https://doi.org/10.1016/j.jmmm.2009.02.084.

[8] N. J. Hangiandreou, “AAPM/RSNA physics tutorial for residents: Topics in US: B-mode US: Basic concepts and new technology,” Radiographics, Radiological Society of North America, vol. 23, no. 4, pp. 1019–1033, 2003, doi: https://doi.org/10.1148/rg.234035034.

[9] M. Fink et al., “Influence of naturally occurring tissue movements on magnetomotive ultrasound detection of iron oxide nanoparticles for magnetic drug targeting,” in 2017 IEEE International Ultrasonics Symposium (IUS), 2017, pp. 1–6, doi: https://doi.org/10.1109/ULTSYM.2017.8091799.

[10] M. Evertsson, M. Cinthio, S. Fredriksson, F. Olsson, H. Persson, and T. Jansson, “Frequency- and phase-sensitive magnetomotive ultrasound imaging of superparamagnetic iron oxide nanoparticles,” IEEE Transactions on Ultrasonics, Ferroelectrics, and Frequency Control, vol. 60, no. 3, pp. 481–491, 2013, doi: https://doi.org/10.1109/TUFFC.2013.2591.

[11] J. Oh, M. D. Feldman, J. Kim, C. Condit, S. Emelianov, and T. E. Milner, “Detection of magnetic nanoparticles in tissue using magneto-motive ultrasound,” Nanotechnology, vol. 17, no. 16, pp. 4183–4190, 2006.

[12] M. Mehrmohammadi, M. Qu, L. L. Ma, D. K. Romanovicz, K. P. Johnston, K. V. Sokolov, and S. Y. Emelianov, “Pulsed magneto-motive ultrasound imaging to detect intracellular accumulation of magnetic nanoparticles,” Nanotechnology, vol. 22, no. 41, pp. 415105, 2011.

[13] Y. C. Huang, J. Y. Houng, Y. D. Kang, S. Y. Chen, and M. L. Li, “Ultrafast pulsed magnetomotive ultrasound imaging of sentinel lymph nodes: Small animal study,” in 2015 IEEE International Ultrasonics Symposium Proceedings, 2015.

[14] M. Mehrmohammadi, J. Oh, S. Mallidi, and S. Y. Emelianov, “Pulsed magneto-motive ultrasound imaging using ultrasmall magnetic nanoprobes,” Molecular Imaging, vol. 10, no. 2, pp. 102–110, 2011.


¹Universidade Federal de Goias, UFG;
²Universidade Federal de Goias, UFG.