REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cs10202508122230
Autora principal: Mariana Ferreira de Almeida1
Co-autora: Ricielly Tameirão Santana Santos2
Co-autora: Renata Aparecida Fontes3
Co-autora: Fernanda Cristina Ferrari4
Orientadora: Renata Alvim Mendes5
RESUMO:
Os acidentes com animais peçonhentos são frequentes no país, assim a pesquisa deste trabalho tem como objetivo descrever o perfil epidemiológico dos acidentes por animais peçonhentos no município de Carangola, Minas Gerais, no período de 2019 a 2023. Foi realizada uma pesquisa descritiva quantitativa com dados do município de Carangola, os quais foram coletados na TABNET e filtrados por ano de notificação; sexo; idade; tipo de acidente e espécie, para posterior armazenamento nas planilhas do Microsoft Office Excel e análise. O sexo masculino apresentou o maior número de casos, na faixa etária de 20 a 30 anos e de 40 a 59 anos. Ademais, a espécie Bothrops (serpentes) e Phoneutria (aranhas) representaram as maiores porcentagens dos acidentes. Devido à frequência de casos de acidentes que são notificados no SINAN pelo Hospital Casa de Caridade de Carangola torna-se evidente a importância de uma investigação sobre a ocorrência desses acidentes, bem como, esclarecer informações sobre os principais sinais e sintomas e o tratamento. A partir dos dados analisados, observou-se que a atividade agrícola, especialmente o cultivo de café, pode ser um fator de risco significativo para acidentes envolvendo animais peçonhentos, devido ao ambiente rural e à proximidade de habitats naturais desses animais, desse modo é essencial que políticas públicas sejam implementadas para reduzir esses acidentes, com foco na educação e conscientização dos trabalhadores rurais.
PALAVRAS-CHAVE: animais peçonhentos; mordeduras de serpentes; picadas por escorpião.
1. INTRODUÇÃO
Animais peçonhentos são aqueles, vertebrados ou invertebrados, que conseguem produzir substâncias venenosas e injetá-las em suas presas por meio de estruturas especializadas. Esses organismos estão distribuídos em várias regiões, especialmente onde há condições adequadas para sua sobrevivência, como no território brasileiro. No Brasil, as espécies de serpentes, escorpiões e aranhas são as que mais frequentemente causam acidentes (Cordeiro et al., 2022). Várias podem ser as causas que levam à ocorrência de acidentes por animais peçonhentos: seus ritmos biológicos, seu comportamento no ambiente e natureza das atividades humanas são alguns exemplos que podem propiciar ao aumento dos encontros homem-animal e contribuir para o aumento do ofidismo (Salomão et al., 2005).
Carangola é um município localizado no interior de Minas Gerais, na Zona da Mata e na microrregião de Muriaé (IBGE, 2021). A área territorial e a população correspondem a, respectivamente, 353,404 km² e 31.240 pessoas (IBGE, 2022). A economia da cidade é composta principalmente por agricultura e comércio, sendo a agricultura constituída, sobretudo, do plantio de café. Esse plantio, na maioria das vezes, contribui para os acidentes com animais peçonhentos, devido às áreas em que são expostos durante a colheita do café. Sendo, majoritariamente, o tipo bothrops, vulgarmente denominadas de jararaca, jararacuçu, urutu, caiçaca e comboia, o agente da ocorrência mais comum (SINAN, 2024).
No Brasil, mais de 1.400.000 acidentes por animais peçonhentos foram notificados de 2019 a 2023, segundo o Sistema de Informações de Agravos de Notificação (SINAN), cujo preenchimento é obrigatório. Desse modo, os acidentes por animais peçonhentos constituem um problema de saúde pública no município (SINAN, 2024).
Devido à frequência de casos desses acidentes que são notificados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) pelo Hospital Casa de Caridade de Carangola torna-se evidente a importância de uma investigação sobre a ocorrência desses acidentes, bem como, esclarecer informações sobre os principais sinais e sintomas e o tratamento. Além disso, o reconhecimento do animal é fundamental para o melhor atendimento médico e o desenvolvimento de atividades para o controle, com a finalidade de prevenção de tais acidentes.
Dessa forma, o objetivo deste estudo é descrever o perfil epidemiológico dos acidentes por animais peçonhentos no município de Carangola, Minas Gerais, no período de 2019 a 2023.
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A definição de animais peçonhentos abrange tanto vertebrados quanto invertebrados que têm a capacidade de produção de substâncias venenosas e injetadas em suas vítimas por meio de estruturas especializadas, como dentes modificados, ferros, aguilhões, quelíceras e cerdas urticantes. Esses animais são amplamente distribuídos, especialmente em regiões que oferecem condições adequadas à sua sobrevivência, como é o caso do Brasil. A área rural brasileira tem registrado um aumento específico no número de acidentes envolvendo essas pessoas, o que pode ser um reflexo das transformações ambientais (Cordeiro et al., 2022).
Em suma, os acidentes com serpentes são classificados de acordo com o gênero da espécie envolvida, sendo eles: botrópico (Bothrops, Bothropoides, Bothriopsis, Bothrocophias e Rhinocerophis), crotálico (Crotalus), laquético (Lachesis) e elapídico (Micrurus e Leptomicrurus) (Paraná, s.d.).
O acidente botrópico condiz ao acidente ofídico de maior importância epidemiológica no país. A taxa de letalidade é de 0,3%. A jararaca, como popularmente é conhecida, possui fosseta loreal ou lacrimal, tendo a extremidade da cauda com escamas e cor geralmente parda. O quadro clínico pode ser dividido em manifestações locais, como dor e edema endurado no local da picada, de intensidade variável e geralmente de caráter progressivo, equimoses e sangramentos no local, além de enfartamento ganglionar e bolhas, que podem aparecer, acompanhadas ou não de necrose. Além de manifestações sistêmicas, como sangramentos em ferimentos pré-existentes, náuseas, vômitos, sudorese, hipotensão arterial, hipotermia e, mais raramente, choque. Pode haver também hemorragia uterina em gestantes e nos acidentes causados por filhotes de Bothrops predominam as alterações de coagulação. Exames complementares podem ser necessários para confirmar a hipótese do acidente, como tempo de coagulação, hemograma e sumário de urina. O tratamento específico consiste no emprego, o mais precocemente possível, do Soro Antibotrópico (SAB) ou, na falta deste, das associações antibotrópico-crotálico (SABC). Caso o tempo de coagulação permaneça alterado 24 horas após a soroterapia, está indicada dose adicional de antiveneno e pode ser necessário drenagem postural do segmento picado, analgesia, hidratação e antibioticoterapia, quando evidências de infecção (Paraná, s.d.).
As serpentes do gênero Crotalus (cascavéis) distribuem-se de maneira irregular pelo país. De acordo com a Secretaria de Saúde do Paraná, são responsáveis por cerca de 7,7 % dos acidentes ofídicos registrados no Brasil, podendo representar até 30% em algumas regiões. Apresentam o maior coeficiente de letalidade dentre todos os acidentes ofídicos (1,87%), pela frequência com que evoluem para insuficiência renal aguda (IRA). É conhecida popularmente como cascavel, possui fosseta loreal ou lacrimal e a extremidade da cauda apresenta guizo ou chocalho de cor amarelada. A ação do veneno pode ser neurotóxica, miotóxica e coagulante, pode haver parestesia local ou regional, ptose palpebral uni ou bilateral, flacidez da musculatura da face, visão dupla (diplopia) e alteração do diâmetro pupilar (midríase). Além de sintomas mais comuns, como mal-estar, sudorese, náuseas, vômitos, cefaleia, boca seca, prostração e sonolência ou inquietação. O tratamento específico consiste em Soro Anticrotálico (SAC) endovenoso e a dose varia de acordo com a gravidade do caso. Poderá ser utilizado o Soro Antibotrópico-crotálico (SABC) e hidratação adequada (Paraná, s.d.).
Os acidentes com serpentes do gênero Lachesis são raros, é a maior serpente da América Latina, podendo chegar a 4 metros e é conhecida popularmente como surucucu (Paraná, s.d.). O veneno laquético possui propriedades proteolíticas, coagulantes, hemorrágicas e neurotóxicas. A gravidade e as manifestações clínicas do envenenamento dependem da quantidade de veneno introduzido no organismo. Os sinais e sintomas incluem dor intensa, inchaço, formação de bolhas, necrose, distúrbios de coagulação, diversos tipos de hemorragias e uma síndrome vagal, que se manifesta por náuseas, dores abdominais, diarreia e bradicardia. O tratamento do envenenamento por veneno laquético varia conforme a gravidade do acidente (moderado ou grave). No Brasil, o tratamento é feito com o soro antibotrópico laquético (SABL), administrado por via intravenosa (Oliveira et al., 2018).
A maioria das espécies do gênero Micrurus possui um padrão de cor, com anéis corporais em vermelho (ou alaranjado), branco (ou amarelo) e preto. A presença da cor vermelha é uma indicação de perigo (coloração aposemática) para potenciais predadores, especialmente os pássaros. A letalidade corresponde a 0,4%. O veneno elapídico possui constituintes tóxicos. O quadro clínico é caracterizado por sintomas que se manifestam de forma rápida, geralmente em menos de uma hora após uma picada. Inicialmente, ocorre uma dor leve no local, com frequência associada à parestesia, que tende a se espalhar para a região proximal. As manifestações sistêmicas incluem náusea, fraqueza muscular progressiva, ptose (queda da lesão), oftalmoplegia (dificuldade de movimento ocular) e presença de um rosto com características de miastenia ou neurotoxicidade. Também ocorrem dores musculares localizadas ou generalizadas, dificuldade em manter a postura ereta, dificuldade para engolir devido à paralisia do véu palatino. A paralisia flácida da musculatura respiratória pode afetar a ventilação e evoluir para insuficiência respiratória. O tratamento específico é a administração do soro antielapídico (SAE) que deve ser administrado na dose de 10 ampolas, pela via intravenosa. Nos casos com manifestações clínicas de insuficiência respiratória, é fundamental manter o paciente adequadamente ventilado (Oliveira et al., 2018).
É válido ressaltar que, das 86 espécies de escorpiões catalogadas no Brasil, apenas seis, pertencentes ao gênero Tityus, são causadoras de acidentes graves entre humanos (Silva et al., 2017). De acordo com o Ministério da Saúde (MS), em 2001, os principais agentes de importância médica são: T. serrulatus, responsável por acidentes de maior gravidade, T. bahiensis e T. stigmurus. Ademais, as picadas atingem predominantemente os membros superiores, em geral mão e antebraço e a maioria dos casos tem curso benigno. Os óbitos têm sido associados, com maior frequência, a acidentes causados por T. serrulatus e acontecem, na maioria das vezes, em crianças menores de 14 anos. O quadro clínico é variável, dependendo da predominância dos efeitos ora colinérgicos ora adrenérgicos. Vale mencionar que todas as vítimas de picada de escorpião, mesmo que o quadro seja considerado leve, devem ficar em observação hospitalar nas primeiras 4 a 6 horas após o acidente, principalmente as crianças, sendo que, nos casos moderados, o recomendado é, pelo menos, 24 a 48 horas de observação e, nos casos graves, com instabilidade dos sistemas cardiorrespiratórios, está indicada a internação com monitorização contínua dos sinais vitais. O tratamento é realizado com soro antiescorpiônico e está indicado em todos os casos graves. Nos moderados tem sido utilizado apenas em crianças abaixo de sete anos, por constituírem grupo de risco. Para os demais preconiza-se, inicialmente, controlar a dor e manter o paciente sob observação e, a qualquer sinal de agravamento do quadro, iniciar a soroterapia (Azevedo; Cupo; Hering, 2003). Outrossim, no Brasil, existem três gêneros de aranhas de importância médica: Phoneutria, Loxosceles e Latrodectus. A incidência dos acidentes araneídicos situa-se em torno de 1,5 casos por 100 mil habitantes, sendo que a maioria das notificações provém das regiões Sul e Sudeste (Brasil, 2001). É importante ressaltar que, a partir de dados obtidos no SINAN e fazendo sua análise por um período mais longo de 1975 a 2015, o maior número de acidentes se deve ao gênero Loxosceles, enquanto a maior porcentagem de óbitos, em relação à quantidade de acidentes provocados, ocorreu devido ao gênero Latrodectus (0,1%) (Oliveira et al., 2018). É válido mencionar que as aranhas do gênero Phoneutria são conhecidas, popularmente, como armadeiras, sendo animais errantes que caçam principalmente à noite e os acidentes ocorrem, com frequência, dentro das residências e nas suas proximidades, através do manuseio do material de construção, entulhos, lenha ou calçando sapato (Brasil, 2001). Ademais, as alterações clínicas incluem: dor, eritema, edema, parestesia, sudorese, taquicardia, agitação, hipertensão, vômitos, sialorreia, priapismo, hipotensão arterial, choque e edema agudo de pulmão (Lise; Coutinho; Garcia, 2006). O tratamento é sintomático ou específico com a soroterapia, a qual tem sido indicada nos casos com manifestações sistêmicas em crianças e em todos os casos graves (Brasil, 2001).
Já as aranhas do gênero Loxosceles, conhecidas como aranhas-marrons, não são agressivas e picam apenas quando comprimidas contra o corpo. Em geral, provocam acidentes no interior de domicílios, ao se refugiar em vestimentas, sendo predominantes nos estados de São Paulo e Sul do país (Brasil, 2001). Podem provocar reações graves, como eritema, edema, cefaleia e febre alta (Lise; Coutinho; Garcia, 2006). Além disso, a lesão cutânea pode evoluir para necrose seca, em cerca de 7 a 12 dias, que, ao se destacar em 3 a 4 semanas, deixa uma úlcera de difícil cicatrização. Nos casos mais graves ocorrem manifestações clínicas em decorrência de hemólise intravascular, como anemia, icterícia e hemoglobinúria que se instalam, em geral, nas primeiras 24 horas, sendo que este quadro pode ser acompanhado de petéquias e equimoses, relacionadas à coagulação intravascular disseminada (CIVD), com principal complicação a insuficiência renal aguda. A indicação de soroterapia é presente nos casos de gravidade moderada e grave (Brasil, 2001). O gênero Latrodectus, por sua vez, é conhecido como viúvas-negras, as quais estão distribuídas principalmente na região Nordeste do país. As manifestações locais se apresentam como dor, pápula, eritema, sudorese localizada e hiperestesia com infarto ganglionar regional e as manifestações sistêmicas são tremores, ansiedade, excitação, cefaleia, insônia, prurido, alterações do comportamento, choque, retenção urinária e sensação de morte (Oliveira et al., 1999; Lise; Coutinho; Garcia; 2006). O tratamento é sintomático e o soro antilatrodectus é indicado nos casos graves, na dose de uma a duas ampolas por via intramuscular, sendo que a melhora do paciente ocorre de 30 minutos a três horas após a administração (Brasil, 2001).
Segundo a Lei nº 8.213 de 1991, acidente de trabalho é aquele que acontece pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho do segurado especial, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que provoque a morte, a perda ou a redução permanente ou temporária da capacidade para o trabalho. Ademais, os acidentes de trabalho podem ser divididos em cinco grandes grupos sendo: acidentes típicos, doenças ocupacionais, acidentes agravantes, acidentes de trajeto e outras causas, sendo os acidentes com animais peçonhentos pertencentes à categoria dos acidentes ocupacionais (Brasil, 1991).
Dito isso, como o envenenamento decorrente da picada por algum destes animais, mais comumente de serpentes, escorpiões e aranhas, ocorrem durante o trabalho pode-se definir o acidente como ocupacional, o qual, além de ser muito frequente entre os trabalhadores agropecuários, pode ser fatal ou produzir uma incapacidade temporária ou permanente (Paraná, s.d.).
3. METODOLOGIA
Foi realizada uma pesquisa descritiva com abordagem quantitativa. Segundo Gil (1991) a pesquisa pode ser caracterizada quanto aos fins e aos meios. Quanto aos fins, a pesquisa pode ser descritiva, quando há exposição das características de determinada população ou fenômeno, as quais estabelecem correlações entre variáveis e definem sua natureza (Gil, 2022). Ademais, de acordo com Marconi e Lakatos a pesquisa descritiva possui como objetivo principal descrever as características das organizações, da população ou de fenômenos e estabelecer relações entre as variáveis, envolvendo a utilização de técnicas padronizadas de coleta de dados, como os questionários e a observação sistemática, o que, em geral, caracteriza a forma de levantamento (Marconi; Lakatos, 2003; Marconi; Lakatos, 2021).
Os dados utilizados na pesquisa foram coletados na TABNET, plataforma disponibilizada pelo Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (SUS), pelo DATASUS disponíveis em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sinannet/cnv/animaisbr.def.
Além disso, vale mencionar que para a coleta de dados foi realizada baseada no município de Carangola. Os dados foram filtrados por: ano da notificação (2019- 2023); sexo (masculino, feminino); idade (estratificada por faixas etárias em anos: < 1 ano, 1 a 4, 5 a 9, 10 a 14, 15 a 19, 20 a 39, 40 a 59, 60 a 64, 65 a 69 e 70 a 79 anos); tipo de acidente (causado por serpente, aranha, escorpião) e a espécie de cada um. Por fim, as informações coletadas foram armazenadas em planilhas do Microsoft Office Excel, por ano, para posterior análise dos dados, os quais foram categorizados de acordo com as variáveis mencionadas.
Por se tratar de dados de domínio público, não foi necessária a aprovação no Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) (Brasil, 2016).
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Através da coleta dos dados, foram contabilizados o número total de acidentes por animais peçonhentos em Carangola de 2019 a 2023, conforme exposto na Tabela 1, mostrando que em 2023 o número de casos foi o maior do período analisado.
Tabela 1 – Total de casos de acidentes por animais peçonhentos no município de Carangola – MG no período de 2019 a 2023.

Vale ressaltar que houve um aumento de 10,76% no número de casos de 2019 para 2020, de 16,08% de 2021 para 2022 é de apenas 2,03% de 2022 para 2023. Houve queda do número de casos somente de 2020 para 2021, a qual foi de 11,4%.
Em seguida, os dados foram divididos em: sexo, idade, tipo de acidente, espécie de serpente e espécie de aranha. É válido mencionar que, analisando os dados por sexo no período de 2019 a 2023, conforme ilustrado na Tabela 2, o número de casos foi predominantemente maior no sexo masculino nos cinco anos em questão, sendo 44,45% maior em 2019; 38,27% em 2020; 46,51% em 2021; 42,57% em 2022 e 43,33% em 2023 quando comparada à porcentagem do sexo feminino. Ademais, no ano de 2023 o número de casos foi o maior do período observado.
Tabela 2 – Número de casos de acidentes por animais peçonhentos no município de Carangola – MG no período de 2019 a 2023 por sexo.

Os acidentes apresentaram maior incidência entre indivíduos do sexo masculino, residentes em áreas rurais, na faixa etária de 20 a 59 anos, período associado ao auge da capacidade produtiva, o que é justificado pelo fato do homem desempenhar com mais frequência atividades de trabalho fora da moradia, onde os acidentes ofídicos habitualmente ocorrem, caracterizando-se, assim, como uma relevante questão de saúde ocupacional (Silva et al., 2023).
Além disso, de acordo com a idade, variável exposta na Tabela 3, as maiores porcentagens de acidentes com animais peçonhentos ocorreram nas faixas etárias de 20 a 39 anos (27,08%) e 40 a 59 anos (38,33%), visto que corresponde aos anos em que, normalmente, as pessoas ingressam no mercado de trabalho e, por isso, tornam se mais expostas a este tipo de acidente, no caso dos trabalhadores agropecuários, caracterizando o acidente ocupacional, como discutido anteriormente.
Tabela 3 – Número de casos de acidentes por animais peçonhentos no município de Carangola – MG no período de 2019 a 2023 por idade.


Outrossim, a partir da análise por tipo de acidente, a qual se apresenta na Tabela 4, em 2019 (46 casos) e 2023 (101 casos) o número de acidentes por escorpião foi maior do que o das outras espécies citadas. Esses acidentes estão relacionados tanto a fatores climáticos típicos de regiões de clima temperado quanto a condições socioambientais, como a ocupação de áreas periurbanas e o uso de materiais como barro e madeira nas edificações, que favorecem a presença de insetos em frestas e estruturas, elevando o risco de incidentes no ambiente domiciliar (Silva et al., 2023).
Tabela 4 – Número de casos de acidentes por animais peçonhentos no município de Carangola – MG no período de 2019 a 2023 divididos por tipo de acidente.

Em contrapartida, nos anos de 2020 (81 casos) e 2022 (101 casos) o número de casos de serpentes e de aranhas foram iguais e maiores do que os das demais espécies. Por fim, no ano de 2021, o número de casos de serpentes (46 casos) foi maior do que nas outras espécies.
Desse modo, os acidentes ofídicos constituem os eventos mais recorrentes, sendo os casos botrópicos os mais frequentemente notificados. Tal predominância pode ser atribuída à elevada concentração de serpentes peçonhentas na América Latina, o que favorece a ocorrência desses acidentes (Silva et al., 2023). Ademais, em relação aos acidentes aracnídeos, observa-se um padrão crescente no número de notificações entre indivíduos com idades entre 1 e 54 anos, com maior incidência registrada na faixa etária de 45 a 54 anos. Essa concentração pode estar associada à realização de atividades domésticas, como limpeza residencial, lavagem de roupas, além do manuseio de entulho e materiais de construção (Oliveira et al., s.d.). Vale ressaltar ainda que, a partir da análise por espécie de serpente, variável apresentada na Tabela 5, em todos os cinco anos analisados a espécie Bothrops representou o maior número de casos, com porcentagem de 96,87% em 2019; 75,3% em 2020; 95,65% em 2021; 81,18% em 2022 e 94,8% em 2023, já que tal espécie é a mais comumente envolvida em acidentes por serpentes no Brasil.
Tabela 5 – Número de casos de acidentes por animais peçonhentos no município de Carangola – MG no período de 2019 a 2023 divididos por espécies de serpente.

É importante mencionar também que, ao observar os dados divididos por espécies de aranhas na Tabela 6, a Phoneutria foi a espécie com a maior porcentagem de acidentes em 2019 (100%), 2021 (52,94%) e em 2023 (84%). Todavia, nos anos de 2020 (92,59%) e 2022 (96,03%) as porcentagens maiores foram da classificação Ign/Branco, a qual corresponde às espécies que não foram identificadas pelo paciente que foi picado.
Tabela 6 – Número de casos de acidentes por animais peçonhentos no município de Carangola – MG no período de 2019 a 2023 divididos por espécies de aranha.

Vale salientar que, no que se refere à região corporal acometida, os estudos envolvendo acidentes com serpentes e escorpiões apontam, de forma consistente, os membros inferiores como os mais frequentemente atingidos, seguidos pelos membros superiores. Especificamente no caso das serpentes do gênero Bothrops, cuja atividade é predominantemente noturna e de hábito terrestre, observa-se uma maior propensão a causar acidentes nos membros inferiores devido à proximidade com o solo. Ademais, a incidência de lesões em pernas, pés, mãos e antebraços, particularmente em acidentes envolvendo animais peçonhentos durante atividades laborais em áreas rurais, está frequentemente associada à ausência do uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), como luvas, botas, calçados fechados e calças compridas. Tal evidência reforça a importância da adoção desses equipamentos como medida eficaz de prevenção (Silva et al., 2023).
Além disso, é importante destacar que quanto menor o intervalo de tempo entre a ocorrência da picada e o atendimento médico, menores são os riscos de complicações e óbitos. Por outro lado, a demora na assistência pode elevar significativamente a letalidade do acidente, chegando a aumentar o risco de morte em até oito vezes, especialmente nos casos de acidentes ofídicos (Silva et al., 2023).
Por fim, vale ressaltar que, apesar de todos os casos de ofidismo, araneísmo e escorpionismo serem de notificação compulsória no SINAN, através da ficha de Acidentes com Animais Peçonhentos e como, estatisticamente, a maioria dos trabalhadores agropecuários é da zona rural, há uma grande subnotificação e sub registro desses tipos de acidentes de trabalho, o que compromete a real identificação de sua incidência e torna evidente a importância de mais estudos sobre o tema (Costa et al., 2019).
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo evidenciou um perfil epidemiológico onde os homens foram os mais afetados, na qual a atividade agrícola, especialmente o cultivo do café, é um fator de risco relevante. Ademais, a proximidade com áreas de vegetação e o uso inadequado de técnicas agrícolas contribuem para a exposição aos acidentes. Dessa forma, as consequências para a saúde pública são significativas, podendo incluir complicações severas e óbitos.
REFERÊNCIAS
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1Acadêmica de Medicina pelo Centro Universitário Univértix (Univértix)
2Acadêmica de Medicina pelo Centro Universitário Univértix (Univértix)
3Docente do Centro Universitário Univértix (Univértix) e Mestre em Ciências Farmacêuticas pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP)
4Docente do Centro Universitário Univértix (Univértix) e doutora em Ciências Farmacêuticas pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP)
5Médica endoscopista, gastroenterologista pela Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde de Juiz de Fora e docente do Centro Universitário Univértix (Univértix)