ULTRASOUND EVALUATION OF GASTRIC CONTENTS IN PATIENTS UNDERGOING CATARACT SURGERY
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202410302129
Alexandre Salomão de Braz Oliveira1; Ana Carolina Matiotti Mendonça2; Arthur Mendonça de Novaes3; Gustavo Fonseca Medina Pereira4; Lucas Motta Franco5; Maria Fernanda Targino Hora6; Jose Denio Santos Borges7; Hyder Mattos Gurgel8; Cristiano de Queiroz Mendonça9
RESUMO
Introdução: A cirurgia de catarata é o procedimento oftalmológico mais comumente realizado em todo o mundo, sendo que a doença é uma das principais causas de cegueira reversível em todo o mundo. Objetivo: Analisar a avaliação ultrassonográfica do conteúdo gástrico em pacientes submetidos à cirurgia de catarata. Metodologia: Relato de série que avaliou 24 pacientes, no perioperatório à beira-leito com uso de ultrassonografia, a fim de investigar a presença de conteúdo gástrico que pudesse indicar risco de aspiração ou outras complicações anestésicas. Resultados: Assim, 16 pacientes (66,6%) eram do sexo feminino e 8 (33,3%) eram do sexo masculino. A média das idades observadas foi de 66,4 anos (42-80). O tempo médio de jejum foi de 13 horas e 6 minutos, sendo o menor tempo de 7 horas e o maior de 24 horas. O volume gástrico residual foi em média de 43,7 mL, com menor volume de 0 mL e maior de 138,9 mL. Conclusão: A enorme variância entre os volumes gástricos avaliados no estudo corrobora para a necessidade de realização de demais estudos de intervenção peroperatória com abreviação de jejum e utilização de carboidratos de rápida absorção para endorsar o seu benefício agregado à segurança, documentada como um estômago sem resíduos pela ultrassonografia à beira leito.
Palavras-chave: catarata; conteúdo gastrointestinal; ultrassonografia.
ABSTRACT
Introduction: Cataract surgery is the most commonly performed ophthalmologic procedure worldwide, and the disease is one of the main causes of reversible blindness worldwide. Objective: To analyze the ultrasound evaluation of gastric contents in patients undergoing cataract surgery. Methodology: Series report evaluating 24 patients in the perioperative period at the bedside using ultrasound to investigate the presence of gastric content that could indicate the risk of aspiration or other anesthetic complications. Results: Thus, 16 patients (66.6%) were female, and 8 (33.3%) were male. The mean age observed was 66.4 years (42-80). The average fasting time was 13 hours and 6 minutes, with the shortest fasting time at 7 hours and the longest at 24 hours. The mean residual gastric volume was 43.7 mL, with a minimum of 0 mL and a maximum of 138.9 mL. Conclusion: The substantial variance in gastric volumes assessed in the study underscores the need for further perioperative intervention studies focused on shortened fasting times and the use of fast-absorbing carbohydrates to confirm their added benefit to safety, documented as an empty stomach through bedside ultrasound.
Keywords: cataract; gastrointestinal contents; ultrasonography.
INTRODUÇÃO
A cirurgia de catarata é o procedimento oftalmológico mais comumente realizado em todo o mundo, sendo que a doença é uma das principais causas de cegueira reversível em todo o mundo. A maioria das cirurgias é realizada em pessoas com mais de 50 anos de idade, representando a catarata senil1. Apesar da sua rotina, o paciente deve ser suficientemente cooperativo para concluir com sucesso a cirurgia ocular sob anestesia tópica e sedação leve2.
A broncoaspiração e o jejum pré-operatório são temas cruciais na prática anestésica e cirúrgica, ambos com implicações significativas para a segurança do paciente. A broncoaspiração ocorre quando o conteúdo gástrico é aspirado para os pulmões, resultando em complicações respiratórias graves, como a pneumonite aspirativa. Este evento adverso é uma preocupação constante durante a anestesia, sendo considerado um dos principais riscos associados a procedimentos cirúrgicos3.
De acordo com as diretrizes de jejum da Sociedade Americana de Anestesiologia (ASA), recomenda-se 2 horas para líquidos, 6 horas para refeições leves e 8 horas para refeições com alto teor calórico ou alto teor de gordura4. Apesar dessas diretrizes de jejum pré-operatório, um estômago verdadeiramente vazio não pode ser garantido, especialmente em pacientes com diabetes mellitus, hérnias esofágicas e problemas de passagem do sistema gastrointestinal. Como resultado, vários dispositivos e métodos têm sido usados para verificar o conteúdo gástrico no pré-operatório2.
A orientação por ultrassonografia gástrica (USG) tornou-se de uso comum por ser um método de imagem prático, barato e útil. Estudos recentes que utilizaram USG gástrica à beira do leito mostraram que a natureza do conteúdo estomacal (líquido, sólido ou vazio) e o volume do conteúdo estomacal estão correlacionados com a área transversal do antro5.
A USG gástrica pode ser útil em muitas situações clínicas, como falta de adesão do paciente às instruções de jejum (por exemplo, devido a procedimento de emergência/urgência ou falha de comunicação), histórico de jejum não confiável (por exemplo, sensório alterado, barreira de linguagem ou disfunção cognitiva), atraso potencial no esvaziamento gástrico (por exemplo, gravidez, diabetes mellitus, disfunção hepática ou renal grave ou distúrbios neuromusculares) nos quais o risco de aspiração não é claro ou indeterminado5.
Dessa forma, este relato de série objetiva analisar a avaliação ultrassonográfica do conteúdo gástrico em pacientes submetidos à cirurgia de catarata.
METODOLOGIA
O estudo foi conduzido no Instituto de Olhos Cristiano Mendonça, entre os meses de agosto e setembro de 2024. A amostra foi composta por pacientes submetidos à cirurgia de catarata no período deste estudo. A avaliação foi realizada à beira-leito, no período perioperatório, a fim de investigar a presença de conteúdo gástrico que pudesse indicar risco de aspiração ou outras complicações anestésicas.
Os dados foram coletados utilizando um probe curvo de ultrassom (2 e 6 MHz), à beira-leito, para avaliação do conteúdo gástrico residual. As medidas foram realizadas por duas pessoas devidamente treinadas e todas as imagens eram realizadas em dupla checagem.
Os critérios de inclusão foram os pacientes submetidos à cirurgia de catarata no período de agosto e setembro de 2024, pacientes avaliados no perioperatório à beira-leito com uso de ultrassonografia. Em contrapartida, os critérios de exclusão foram os pacientes com histórico de cirurgias gástricas prévias, como gastrectomia ou bypass gástrico, uma vez que tais intervenções podem alterar a fisiologia e anatomia gástrica e interferir nos resultados.
O exame foi considerado conclusivo se o antro fosse identificado em decúbito lateral direito (DLD). Uma vez identificado o antro, o estômago foi considerado “vazio” ou “cheio” com base em uma combinação de achados qualitativos e quantitativos. O estômago foi considerado vazio se nenhum conteúdo fosse visível ou se ≤1,5 ml/kg de fluido claro presente. A máquina de ultrassom utilizada possuía a ferramenta de rastreamento livre para medir a área seccional cruzada (ACS). O volume de líquido claro foi medido por meio da área seccional cruzada (ACS) do antro gástrico no DLD e o seguinte modelo matemático: volume (ml) = 27,0 + (14,6×ACS) − (1,28×idade). O estômago foi considerado cheio se fosse observado conteúdo sólido ou >1,5 ml/kg de fluido claro presente6.
Em seguida, os dados coletados foram analisados para quantificar o volume do conteúdo gástrico residual nos pacientes submetidos à cirurgia de catarata. Foram avaliadas possíveis correlações entre a presença de conteúdo gástrico e fatores como peso, idade, gênero, tempo de jejum e comorbidades associadas.
RESULTADOS
Vinte e cinco pacientes foram avaliados no estudo. No entanto, uma paciente foi excluída porque havia sido submetida à uma cirurgia bariátrica (Bypass) anos atrás, ou seja, a amostra final corresponde a 24 pacientes. Destes, 16 (66,6%) eram do sexo feminino e 8 (33,3%) eram do sexo masculino. Com relação às comorbidades, 16 (66,6%) possuíam hipertensão arterial sistêmica, 8 (33,3%) possuíam diabetes mellitus, 6 (25%) possuíam dislipidemia e, apenas 1 (4,1%) paciente, possuía hipotireoidismo. A média das idades observadas foi de 66,4 anos (42-80).
Pacientes | Sexo | Idade | Peso (kg) | Comorbidades | Tempo de jejum | Volume gástrico |
M A S S | F | 67 | 60 | HAS/DM2 | 15h | 0 mL |
O M S | F | 72 | 56 | HAS/DISLIPIDEMIA | 15h | 0 mL |
M D S | F | 71 | 59 | Não | 16h | 0 mL |
J C S | M | 71 | 72 | HAS/DISLIPIDEMIA/HIPOTiEREOIDISMO | 8h | 8,9 mL |
G N C | F | 63 | 60 | HAS | 12h | 11,7 mL |
H D S | F | 69 | 67 | HAS/DISLIPIDEMIA | 16h | 17,4 mL |
A C S S | F | 61 | 72 | DM2 | 14h | 18,2 mL |
M J R S | M | 77 | 64 | DM2 | 7:40h | 19,1 mL |
E C P A | F | 68 | 59 | DISLIPIDEMIA/HAS | 12:30h | 19,2 mL |
E S S | F | 61 | 53 | DM2 | 12h | 28 mL |
M E O C | F | 71 | 66 | HAS | 14h | 28,8 mL |
M L M M | F | 80 | 77 | HAS | 12h | 41,6 mL |
J G S | F | 62 | 72 | HAS/DM2 | 12h | 42,2 mL |
M A J M | M | 56 | 103 | HAS/DM2 | 11h | 43,6 mL |
V M S | F | 72 | 60 | HAS | 11h | 52,5 mL |
A L M | F | 67 | 82 | HAS/DM2 | 12h | 52,6 mL |
M M R | M | 72 | 57 | HAS | 16h | 61,8 mL |
E B R F | M | 66 | 100 | HAS | 16h | 62,5 mL |
A S N | M | 67 | 75 | HAS/DM2 | 12h | 71,8 mL |
J S B | F | 42 | 93 | Não | 11h | 71,9 mL |
F A T | M | 72 | 89 | Não | 10h | 72,2 mL |
J L S | M | 65 | 74 | DISLIPIDEMIA/HAS | 7h | 83,2 mL |
T S | F | 63 | Não soube informar | Não | 24h | 104,04 mL |
A D S | F | 58 | 74 | HAS/DISLIPIDEMIA | 16h | 138,9 mL |
É possível notar que apenas um paciente (4,1%) se enquadrou na classificação de estômago “cheio”, enquanto o restante da amostra (95,9%) foi classificado como estômago “vazio”. No primeiro caso, o aumento do volume torna o antro gástrico distendido e com paredes finas. Já no segundo caso, o antro apresenta as paredes anteriores e posteriores justapostas. Tais descrições estão expostas na Figura 1.
O tempo médio de jejum foi de 13 horas e 6 minutos, sendo o menor tempo de 7 horas e o maior de 24 horas. O volume gástrico residual foi em média de 43,7 mL, com menor volume de 0 mL e maior de 138,9 mL. Dessa forma, não parece haver uma correlação significativa entre o tempo de jejum e o volume gástrico residual, uma vez que pacientes com 15h a 16h de jejum apresentaram volumes variando de 0 mL a 138,9 mL e pacientes com volumes elevados (>1,5ml por kg) tiveram tempos de jejum entre 7h e 24h.
Ademais, não se observa uma relação evidente entre idade, peso ou presença de comorbidades com o volume gástrico residual. Esta análise sugere que o volume gástrico residual pode variar consideravelmente entre os pacientes, independentemente do tempo de jejum ou outras características. Logo, estudos mais aprofundados seriam necessários para identificar possíveis fatores que influenciam o esvaziamento gástrico nestes pacientes.
Figura 1: À esquerda, imagem ultrassonográfica do antro gástrico de estômago vazio e, à direita, imagem ultrassonográfica do antro gástrico de estômago cheio.
Outro achado importante foi no quesito educacional e de ensino: observou-se um ponto de inflexão significativo na curva de aprendizado de um dos membros da equipe que, não possuía experiência prévia em ultrassonografia. Após realizar 10 exames sob a supervisão de um profissional capacitado, o executor do exame desenvolveu a habilidade específica de identificar e mensurar o antro gástrico por meio da ultrassonografia, evidenciando a facilidade na curva de aprendizado na avaliação ultrassonográfica do conteúdo gástrico.
DISCUSSÃO
De acordo com Bisinotto et al.7, a ultrassonografia gástrica é o novo point-of-care de aplicação da ultrassonografia diagnóstica, que permite ao anestesiologista avaliar o conteúdo e o volume gástricos dos pacientes, e assim o risco de aspiração à beira do leito, e ajuda na tomada de decisões para a conduta anestésica e o manejo da via aérea.
Com relação à idade do paciente, Perlas et al.8 relata que para qualquer volume de líquido gástrico, há uma tendência de pacientes mais velhos terem uma ACS antral lateral direita mais alta do que seus colegas mais jovens. Ou, em outras palavras, uma determinada ACS antral lateral direita corresponde a um menor volume de líquido gástrico em pacientes mais velhos versus mais jovens. Tal análise difere do que foi visto na amostra populacional deste estudo, a qual não apresentou diferença expressiva entre a idade e o respectivo volume gástrico.
O diabetes tem sido frequentemente considerado um estado de alto risco, representando um sério desafio para o anestesiologista em muitos aspectos. Uma das complicações temidas é a aspiração pulmonar, pois os pacientes diabéticos são considerados como possível estômago “cheio” devido à gastropatia autonômica9. Nesse sentido, Camilleri et al.10 observaram que o retardo do esvaziamento gástrico foi o principal destaque do DM. No entanto, no presente estudo, houve considerável variação entre os resultados de volume gástrico residual nos pacientes com DM2.
No estudo feito por Sharma et al.11, ao comparar a ACS e os volumes gástricos em relação aos tempos de jejum, descobre-se que os pacientes que jejuaram entre 10 e 15 horas apresentaram maior ACS e volumes gástricos do que os pacientes que jejuaram entre 6 e 10 horas. Não há, portanto, relação entre jejum prolongado e um ambiente gástrico seguro. Esta afirmativa contribui com que foi encontrado nesta amostra, a qual apresentou discrepâncias importantes entre os tempos de jejum e os volumes gástricos residuais como, por exemplo, um paciente que teve 16h de jejum e 138,9 mL de volume e, paralelamente a ele, um paciente com 7h de jejum, apresentou 83,2 mL de volume.
Finalmente, o volume gástrico residual não mostrou relação significativa com sexo e peso em nosso estudo, ao contrário dos achados de Van de Putte et al. Eles compararam indivíduos gravemente obesos e não obesos, observando maiores volumes gástricos basais (P < 0,001) e uma maior ACS antral lateral direita em indivíduos gravemente obesos12.
CONCLUSÃO
A ultrassonografia gástrica é um meio de fácil execução, barato e fidedigno para a avaliação de volume residual do estômago no paciente cirúrgico, mitigando riscos de desenvolvimento de broncoaspiração no período perioperatório.
A observação de uma enorme variância entre os volumes gástricos avaliados no estudo corrobora para a necessidade de realização de mais estudos de intervenção perioperatória com abreviação de jejum e utilização de carboidratos de rápida absorção para endorsar o seu benefício agregado à segurança, documentada como um estômago sem resíduos pela ultrassonografia à beira leito.
REFERÊNCIAS
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1ORCID: https://orcid.org/0009-0000-4722-339X
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E-mail: alexandre.salomao@souunit.com.br
2ORCID: https://orcid.org/0009-0006-7441-3862
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3ORCID: https://orcid.org/0009-0008-4558-1132
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4ORCID: https://orcid.org/0009-0008-1755-8488
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5ORCID: https://orcid.org/0009-0002-1164-8622
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6ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5650-2171
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7ORCID: https://orcid.org/0009-0004-2045-5202
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8ORCID: https://orcid.org/0009-0000-9642-370X
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9ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9519-0577
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