AVALIAÇÃO E MANEJO DA VIA AÉREA NO PACIENTE POLITRAUMATIZADO

AIRWAY EVALUATION AND MANAGEMENT IN POLYTRAUMATED PATIENTS

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8139129


Pedro Marcos Alves Medeiros1; Indira Lima Serra Baqueiro2; Luana da Conceição Oliveira3; Roberta Cardoso da Silva Souza4; Ruan Santana Vaz5; Aloísio Batista dos Santos Júnior6; Edson da Silva Pereira Filho7; Lívia Magalhães Fonseca8; Filipe Faedo Merotto9; Everton Oliveira Carneiro Ribeiro10; Vinícius Adriel Cristelli11; José Walter Fagundes de Souza Filho12; Ana Carolina Viana Vasconcelos Dias13; Cid Antonio Carvalho Fernandes14; Hugo Berdejo Boreggio15; Guilherme Rocha Ferreira16; Maitê Caldas Coelho Matos17; Aline Ferraz de Melo Santos18; Taisi Soares Assis Amaral19; Giullia Milka Mendes Mota da Silva20; Laura Laís Dourado Araújo21; Letícia Torres Moura22


RESUMO

INTRODUÇÃO: o trauma consiste em uma lesão produzida por uma ação violenta, física ou química, externa ao organismo. O controle das vias aéreas tem influência direta no prognóstico tardio e tem sido considerado o principal fator para evitar os óbitos preveníveis. OBJETIVO: explicitar a importância da correta identificação da situação de trauma, seguimento do protocolo de atendimento inicial ao paciente politraumatizado, manejo e tratamento rápido e eficaz da via aérea, prevenindo mortes evitáveis no contexto do trauma relacionadas a manipulação inadequada da via aérea. METODOLOGIA: revisão narrativa de literatura científica na qual foi realizado levantamento bibliográfico nos portais Scientific Electronic Library On Line (SciELO) e PubMed (em relação aos estudos associados ao MEDLINE), sendo utilizados os seguintes descritores: (via aérea) AND (trauma) AND (avaliação) OR (manejo) OR (tratamento). CONSIDERAÇÕES FINAIS: A prioridade do atendimento de emergência à vítima politraumatizada consiste em obter e manter o funcionamento das vias aéreas, o que é feito através da correta e eficaz identificação, avaliação, manejo e tratamento da via aérea. Após a identificação da via aérea numa situação de trauma, deve-se iniciar o protocolo de atendimento preconizado pelo PHTLS ou ATLS. Havendo a indicação de via aérea definitiva, pode ser escolhida, de acordo com a situação vigente, materiais disponíveis e capacidade técnica, um dos seguintes métodos: intubação orotraqueal, cricotireoidostomia ou traqueostomia.

PALAVRAS-CHAVE: via aérea, trauma, avaliação, manejo clínico e tratamento cirúrgico.

RESUMO EM INGLÊS

INTRODUCTION: trauma consists of an injury produced by a violent, physical or chemical action, external to the organism. Airway control has a direct and positive influence on late prognosis, such as multiple organ failure, and has been considered the main factor to avoid preventable deaths. OBJECTIVE: to explain the importance of correctly identifying the trauma situation, following the initial care protocol for polytrauma patients, fast and effective management and treatment of the airway, preventing avoidable deaths in the context of trauma related to inadequate manipulation of the airway. METHODOLOGY: narrative review of scientific literature in which a bibliographical survey was carried out in the Scientific Electronic Library On Line (SciELO) and PubMed portals (in relation to studies associated with MEDLINE), using the following descriptors: (airway) AND (trauma) AND (assessment) OR (management) OR (treatment). FINAL CONSIDERATIONS: The priority of emergency care for polytrauma victims consists of obtaining and maintaining airway functioning, which is done through correct and effective identification, assessment, management and treatment of the airway. After identifying the airway in a trauma situation, the care protocol recommended by the PHTLS or ATLS should be started. If there is an indication for a definitive airway, one of the following methods can be chosen, according to the current situation, available materials and technical capacity: orotracheal intubation, cricothyrotomy or tracheostomy.

KEYWORDS: airway, trauma, evaluation, clinical management and surgical treatment.

1.0 INTRODUÇÃO

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) o trauma pode ser definido como uma lesão produzida por uma ação violenta, física ou química, externa ao organismo. Assim, torna-se importante a sua investigação, relacionando o mecanismo do trauma à presença de lesões específicas, ampliando a capacidade de suspeição para a presença de lesões e a tomada de decisão médica (PHTLS, 2020).

A oferta inadequada de sangue oxigenado para o cérebro e outras estruturas vitais é a causa mais rápida de morte em doentes traumatizados. Mediante isso, observa-se a importância da via aérea protegida e desobstruída, associada a ventilação adequada, essencial para prevenir a hipoxemia (PHTLS, 2020). Além disso, a manutenção da oxigenação e a prevenção da hipercapnia são fundamentais no tratamento de doentes traumatizados, especialmente naqueles que sofreram traumatismos cranianos (BRENNAN, 2018).

Quando a avaliação e manejo da via aérea ocorre de forma ineficiente/ineficaz, os problemas da manipulação podem resultar em mortes precoces evitáveis associadas a via aérea. Dentre os principais erros que resultam em mortes evitáveis por manipulação de via aérea, estão: falha em avaliar adequadamente a via aérea; falha em reconhecer a necessidade de uma intervenção na via aérea; incapacidade de estabelecer uma via aérea; incapacidade de reconhecer a necessidade de um plano alternativo no contexto de repetidas tentativas de intubação malsucedidas; falha em reconhecer uma via aérea mal locada ou em utilizar técnicas apropriadas para garantir o posicionamento correto do tubo; deslocamento de uma via anteriormente estabelecida; não reconhecer a necessidade de ventilação (LINS, 2022).

A partir dos elementos supracitados, evidencia-se o objetivo principal deste artigo científico: explicitar a importância da correta identificação da situação de trauma, seguimento do protocolo de atendimento inicial ao paciente politraumatizado, manejo e tratamento rápido e eficaz da via aérea, prevenindo mortes evitáveis no contexto do trauma relacionadas a manipulação inadequada da via aérea. 

O controle das vias aéreas tem influência direta no prognóstico tardio; quando mal manipulada tem sido considerada o principal fator para evitar os óbitos preveníveis. Por exemplo: a mortalidade de pacientes que receberam ventilação/oxigenação adequada foi inferior a 30%, enquanto naqueles que não receberam foi superior a 45% (PRAÇA, 2015).

A intubação orotraqueal precoce na cena do trauma é o método mais seguro e eficaz para controle de vias aéreas de pacientes em estado geral muito grave, sendo uma conduta que está diretamente relacionada ao aumento na sobrevida dos pacientes e resultados melhores no neurotrauma (PRAÇA, 2015). No entanto, quando não é possível se obter a via aérea avançada com a intubação orotraqueal, a melhor conduta é partir para via aérea cirúrgica, sendo a cricotireoidostomia a opção preferível no contexto do trauma (ATLS, 2018).

2.0 METODOLOGIA

O presente estudo consiste numa revisão narrativa de literatura científica que aborda aspectos sobre via aérea no paciente politraumatizado, dentre eles: identificação e avaliação do trauma, quadro clínico, manejo e tratamento. A metodologia utilizada foi baseada em estudos e fontes literárias pregressas. O levantamento bibliográfico nos portais: Scientific Electronic Library On Line (SciELO) e PubMed, em relação aos estudos associados ao MEDLINE, sendo utilizados os seguintes descritores: (via aérea) AND (trauma) AND (avaliação) OR (manejo) OR (tratamento). Inicialmente foram encontrados 63 artigos na SciELO e 6427 artigos no PubMed. 

A partir disso, foi efetuada a análise e triagem dos estudos encontrados, de acordo com os seguintes critérios de inclusão: 1) pelo menos duas respostas “sim” em relação a coerência com o título e resumo dos artigos com o tema proposto; 2) publicados a partir de 2018 (últimos 5 anos); 3) no idioma português, espanhol e inglês. Por consequência, foram descartados os estudos com os seguintes critérios de exclusão: 1) estudos não condizentes com o tema; 2) com publicação anterior ao ano 2018; 3) demais línguas que não sejam português, espanhol e inglês.

Após a triagem, na qual foram eleitos 11 estudos, foi realizada a leitura integral dos artigos selecionados e, consequentemente, utilização como base teórica para construção da presente revisão. Além dos artigos, foram utilizadas demais fontes essenciais e norteadoras sobre o tema: “PHTLS – Atendimento pré-hospitalar ao traumatizado”, “ATLS – Suporte de Vida Avançado no Trauma”, “Manual de Walls para o Manejo da Via Aérea na Emergência” e “SABISTON: tratado de cirurgia – a base biológica da prática cirúrgica moderna”.

3.0 DISCUSSÃO 

3.1 BIOMECÂNICA DO TRAUMA RELACIONADA A VIA AÉREA

Ao se deparar com uma situação de trauma, inicialmente deve-se reconhecer o local, obter informações sobre os mecanismos associados e então começar o atendimento inicial ao politraumatizado. Após conter hemorragias externas profusas, seja com compressão local e proximal das artérias que irrigam a região traumatizada, inicia-se então o suporte a via aérea (PHTLS, 2020).

A primeira medida consiste em reconhecer o problema, logo deve-se atentar para sinais objetivos de obstrução da via aérea, além de identificar qualquer trauma ou queimadura envolvendo a face, o pescoço e a laringe (LINS, 2022).

A avaliação da fala pode ser feita mediante conversa com o paciente. A resposta verbal positiva e apropriada, com voz clara, indica que a via aérea do doente está patente, ventilação está intacta e perfusão cerebral é suficiente. Enquanto a falta de resposta ou uma resposta inadequada indica nível alterado de consciência (pode ser resultado de comprometimento da via aérea/ventilação); os doentes com nível alterado de consciência têm risco de comprometimento da via aérea e geralmente requerem uma via aérea definitiva (PRAÇA, 2015).

A taquipneia pode ser associada a dor e ansiedade, porém é um sinal precoce de comprometimento de via aérea/ventilatório. O paciente queimado em face ou pescoço apresenta risco de comprometimento da via aérea, logo deve-se estabelecer prontamente a via aérea avançada, com objetivo de prevenção e tratamento. Os vômitos ou regurgitação de suco gástrico elevam o risco de broncoaspiração; para prevenção deve-se aspirar a orofaringe e realizar a rotação, em bloco, do paciente para decúbito lateral (SAMPAIO, 2019).

O trauma maxilo-facial frequentemente acontece quando um passageiro sem cinto de segurança é arremessado contra o para-brisa ou o painel em uma colisão automobilística. O trauma cervical pode ser contuso ou penetrante, causando rotura da laringe ou da traqueia e, consequentemente, obstrução da via aérea e/ou sangramento maciço na árvore traqueobrônquica. Neste caso, pode ser necessário estabelecer uma via aérea definitiva a fim de evitar a exacerbação de uma lesão de via aérea existente, o tubo endotraqueal deve ser inserido cuidadosamente e, preferencialmente, sob visualização direta; a via aérea cirúrgica com emergência deve ser estabelecida se o deslocamento e a obstrução impedirem a intubação endotraqueal (ATLS, 2018). 

O trauma da laringe raramente acontece. Porém, quando ocorre, manifesta-se através da tríade do trauma laríngeo: rouquidão, enfisema subcutâneo e fratura palpável. A tomografia computadorizada pode ser utilizada para confirmação diagnóstica. Se houver transecção completa da traqueia ou oclusão da via aérea por sangue ou partes moles, há o comprometimento da via aérea, sendo necessária correção imediata (indicação de via aérea definitiva) (ATLS, 2018).

Dentre os sinais objetivos de obstrução da via aérea, destacam-se: alteração do estado mental (agitação ou obnubilação), cianose em leito ungueal e boca (sintoma tardio); uso de musculatura acessória; oximetria de pulso < 95% e ausculta anormal (respiração ruidosa, rouquidão, roncos, gorgolejos e estridores) (ATLS, 2018).

3.2 PRINCÍPIOS GERAIS DO TRATAMENTO DA VIA AÉREA

Inicialmente deve-se (1) restringir a movimentação da coluna devido ao risco de trauma raquimedular (estabilização da coluna sem passagem de colar, pois sua presença pode dificultar o pleno manejo da via aérea); (2) iniciar a oferta de oxigênio suplementar, com máscara não reinalante com fração de oxigênio a 100%; (3) pode ser feita aspiração com sonda de ponta rígida pela boca (evitar pelo nariz pois pode invadir a cavidade craniana se a placa crivosa tiver sido fraturada) caso o paciente apresente sinais de obstrução por aspiração de líquidos; (5) são realizadas as manobras para retirada de capacete (se presente) (SAMPAIO, 2019).

Após a conduta inicial, é feita a avaliação da via aérea (VA), geralmente através do método mnemônico LEMON. L – Look externally (olhe externamente): observa-se a abertura da boca ou mandíbula pequenas, prognatismo, trauma facial, anatomia da face, tamanho das narinas, dimensões da cavidade oral e da língua, presença de dentição e próteses dentárias. E – Evaluate (regra 3-3-2): abertura da boca >3cm; distância entre osso hioide e mento >3cm; distância entre proeminência tireoidiana e assoalho da boca >3cm (ATLS, 2018).

M – Mallampati: classe I (visualizam-se pilares amigdalianos, palato duro, palato mole e úvula); classe II (visualizam-se palato duro, palato mole e úvula); classe III (visualizam-se palato duro e palato mole) e classe IV (visualiza-se somente o palato duro). O – Obstrução: presença ou ausência de corpos estranhos, descontinuidades anatômicas, líquidos e secreções que causem uma obstrução de via aérea superior. N – Neck Mobility (mobilidade cervical): avaliada a partir da solicitação para encostar o queixo no esterno (ATLS, 2018).

A partir da avaliação da VA pelo método LEMON, consegue-se classificar a VA como difícil ou fácil. Dentre os critérios e antecedentes clínicos preditores de via aérea difícil, destacam-se: apneia do sono, obesidade e roncos; trauma de face; abertura da boca < 3 cm; comprimento dos incisivos superiores longos; arcada superior protrusa (retrognatismo mandibular); mandíbula projetada para fora (prognatismo mandibular); conformação do palato estreita ou oval; limitação para protrusão da mandíbula; distância tireomentoniana menor ou igual a 6 cm; distancia esternomentoniana menor que 12,5 cm com a cabeça em extensão completa e boca fechada; flexão e extensão do pescoço limitadas; pescoço curto e grosso; extensão do pescoço limitada (< 35°) e índice de Mallampati III ou IV (ATLS, 2018).

Algumas técnicas podem ser utilizadas para promover a manutenção da via aérea: Chin-Lift e Jaw-Trust. A Chin-Lift deve ser evitada em situações de trauma, pois pode hiperestender o pescoço: nessa técnica o profissional 1 em posição fronto-lateral ao paciente, realiza a hiperextensão cervical segurando na proeminência occiptal mais região cervical lateral, enquanto o profissional 2 segura a fronte com uma mão e com outra mão traciona em direção superior a região mentoniana, associado ao polegar da mesma mão afasta levemente o lábio inferior para abrir a boca (PHTLS, 2020).

Enquanto na Jaw-Trust (preferível no trauma): profissional 1 em posição fronto-lateral ao paciente, segura na proeminência occiptal associado a região cervical lateral, enquanto o profissional 2 eleva a mandíbula (PHTLS, 2020).

Os dispositivos supraglóticos são utilizados, geralmente, quando há insucesso nas tentativas de utilização dos dispositivos infraglóticos. A cânula nasofaríngea é inserida em uma narina e passada suavemente para a orofaringe posterior e deve estar bem lubrificada e ser inserida na narina que parece estar desobstruída. Se houver resistência durante a inserção da cânula por possível obstrução, pare e tente na outra narina, lembrando que este procedimento não deve ser realizado em doentes com suspeita ou potencial fratura da placa crivosa (APFELBAUM, 2022).

A cânula orofaríngea é outro dispositivo supraglótico, o qual é inserido na boca, por trás da língua. A técnica preferida é inserir a cânula orofaríngea com a parte côncava voltada para cima até tocar o palato mole, nesse ponto, deve-se girar o dispositivo em 180 graus para que a concavidade fique voltada para baixo e então deslizá-la até que se encaixe sobre a língua. Não se deve usar este método em crianças porquê a rotação da cânula pode provocar lesão na boca e na faringe; ao invés disso, use um abaixador de língua para pressionar a língua e, em seguida, inserir a cânula com a concavidade para baixo, tomando-se o cuidado para não empurrar a língua para trás e causar a obstrução da via aérea (ATLS, 2018).

A Máscara Laríngea (ML) é um dispositivo desenvolvido para o manuseio supraglótico das vias aéreas, podendo ser considerado como funcionalmente intermediário entre a máscara facial e o tubo traqueal, dispensando o uso de laringoscópio, ou instrumentos especiais para sua inserção. A ML deve ser introduzida com a ponta de seu manguito, pressionando o palato duro, de forma que sua progressão para a hipofaringe se faça com o coxim da ML deslizando contra o palato. Antes de prosseguir ainda mais com a inserção, deve-se verificar se a ponta da máscara não está dobrada, a fim de minimizar eventuais traumas às estruturas da hipofaringe durante sua passagem (ATLS, 2018).

Os dispositivos infraglóticos estão associados a via aérea definitiva (VAD). A definição de VAD consiste em dispositivo com balonete insuflado em região infraglótica, conectada a fonte suplementar de oxigênio.  Os critérios para o estabelecimento de uma via aérea definitiva são: impossibilidade de manter via aérea permeável com comprometimento potencial ou iminente; incapacidade de manter oxigenação adequada; obnubilação; Escala de Coma de Glasgow ≤ 8; convulsão sustentada; proteção de via aérea em paciente com broncoaspiração e obnubilação por hipoatividade cerebral (ATLS, 2018).

Geralmente, quando há indicação de via aérea avançada, a primeira opção é intubação orotraqueal (IOT). Se houver contraindicação a IOT, recorre-se a via aérea cirúrgica. Dentre as opções cirúrgicas, destaca-se a cricotireoideostomia, devido o menor tempo de execução, não necessitar de insumos/campo estéril, menor vazão de ar, por isso sendo preferível na urgência/emergência (BROWN, 2019).

A traqueostomia pode ser realizada, porém necessita de maior tempo para execução, é imprescindível os insumos e campo estéril, apresenta maior vazão de ar, sendo preferível após estabilização do paciente e a ser realizada em ambiente hospitalar (LANGERON, 2018).

3.3 INTUBAÇÃO OROTRAQUEAL

A IOT ocorre geralmente em sequência rápida de intubação (7P’s), tendo como objetivo obter o controle das vias aéreas no menor tempo possível após a abolição dos reflexos protetores. O 1º P refere-se à preparação (observar materiais e prever via aérea difícil – fatores anatômicos) – STOP-MAID: sucção – preparar aspirador; testar todos os equipamentos (laringoscópio, cânula traqueal, balonete, fio guia, oxímetro, dispositivo bolsa-válvula-máscara); oxigênio pronto para pré-oxigenação; posicionar cânula na mesa; monitoramento cardíaco e oxímetro de pulso; avaliação da via aérea; acesso intravenoso; checagem da disponibilidade de drogas (CABRINI, 2018).

O 2º P refere-se à pré-oxigenação: FiO2 de 100% por 3-5 minutos com máscara que oferte 100% de O2 (sem ventilar o paciente), isso proporciona um período de apneia de 3-5 minutos antes que a saturação caia para <90%. O 3º P refere-se ao pré-tratamento: a droga mais utilizada é o fentanil (1-3mcg/kg) e/ou lidocaína (1,5mg/kg); devem ser administradas 3 minutos antes da passagem da cânula (quando há indicação) (CABRINI, 2018). 

O 4º P refere-se à indução e paralisia com administração de droga hipnótica (para indução ao sono): geralmente a droga preferencial é o etomidato (0,3mg/kg), sua vantagem é a estabilidade hemodinâmica e diminuição da PIC, enquanto a desvantagem consiste em ter que ser evitada em pacientes com sepse e/ou propenso a epilepsia. No entanto, a droga que geralmente é mais utilizada é o midazolan (0,3mg/kg), cuja vantagem está atrelada aos efeitos amnésicos e sedativos, enquanto a desvantagem consiste em rigidez muscular e hipotensão arterial. Outras drogas também podem ser utilizadas, como: quetamina (1,5mg/kg) e propofol (1,5mg/kg) (ATLS, 2018). 

Após a administração das drogas indutoras faz-se uso do bloqueador neuromuscular, em bólus e de forma rápida (minimiza os riscos de hipotensão e aspiração – é uma droga indispensável). Geralmente a droga mais usada é a succinilcolina (1,5mg/kg), cuja vantagem é o início rápido e duração breve; enquanto sua desvantagem consiste na hipertermia maligna (tratada com dantroleno), hipercalemia, bradicardia, bloqueio neuromuscular prolongado, rabdomiólise e hipertensão intracraniana. O rocurônio (1mg/kg) é uma opção alternativa a succinilcolina, porém apresenta a desvantagem do tempo de duração prolongado (40-60 minutos) – problema caso a IOT falhe e haja dificuldade para ventilar o paciente (tratada com sugamadex) (ATLS, 2018).

O 5º P refere-se ao posicionamento do paciente: deve-se posicionar o paciente em decúbito dorsal com 30º de inclinação no dorso, em posição de “sniff” ou “farejador” (coxim na região occipital + hiperextensão do pescoço, se não houver contraindicação); o objetivo é alinhar os eixos oral, laríngeo e faríngeo do paciente (CABRINI, 2018).

O 6º P refere-se ao posicionamento da cânula com seguinte confirmação: segurar o tubo com mão direita e laringoscópio com mão esquerda; colocar o laringoscópio pela rima labial direita e deslocar a língua para esquerda; tracionar o laringoscópio para cima e para frente, a aproximadamente 45º, posicionando-o na valécula (evitar movimento de báscula); visualizar as cordas vocais (a intubação não pode ser realizada às cegas, devendo ser realizada sob visualização direta das cordas vocais); pode ser realizada a Manobra de Sellick, que consiste na pressão na tireoide para baixo para fixar e diminuir a anteriorização das vias aéreas, além de sentir o tubo passando pelos anéis traqueais; introduzir tubo até que a borda proximal do cuff ultrapasse as cordas vocais; retirar fio guia; insuflar cuff com seringa de 6 a 10 ml de ar (20mmHg); acoplar ambu e insuflar (ATLS, 2018). 

O 7º P refere-se à pós-intubação: fixação do tubo; ausculta do epigástrio (sem som) e tórax (pulmão esquerdo e pulmão direito com som); além da radiografia de tórax para confirmação da localização da cânula (ATLS, 2018).

As indicações da IOT são: hipóxia e/ou hipercapnia; apneia; instabilidade hemodinâmica grave ou PCR; fadiga de musculatura respiratória; glasgow ≤ 8; queimadura facial (edema de glote); trauma facial extenso (preservar via aérea); risco de broncoaspiração; hematoma cervical em expansão (PHTLS, 2020).

As contraindicações da IOT podem ser absolutas (transecção da traqueia) ou relativas (doenças glóticas e supraglóticas que evitam o posicionamento correto do tubo endotraqueal através da glote ou que podem ser exacerbadas pela inserção do tubo) (ATLS, 2018).

As complicações cursam com: intubação esofágica não reconhecida; hipoxemia e hipercapnia; vômitos e aspiração (Síndrome de Menselson); pneumonite e pneumonia; trauma nos dentes, lábios e cordas vocais e exacerbação de lesão em cervical (PHTLS, 2020).

3.4 CRICOTIREOIDOSTOMIA

A cricotireoidostomia é uma via aérea cirúrgica feita em situações onde não é possível intubar o paciente. É um procedimento rápido e temporário que mantém as vias aéreas pérvias, feita em situações de urgência. Relativamente, consiste num procedimento mais instável, feito enquanto o paciente é encaminhado para procedimento definitivo; porém é um procedimento mais fácil, visto que não tem demais estruturas a serem transpassadas (pele → ligamento cricotireoideo → via aérea) (BROWN, 2019).

A técnica consiste em (1) localização da membrana cricóide; (2) incisão vertical ou transversal na cartilagem tireoidea e cricoidea (na membrana cricóidea); (3) penetração na via aérea (bisturi) e posterior dilatação da abertura (divulsionar com mixter); (4) passagem do tubo: inserção do tubo com indicador guiando a extremidade distal; (5) tubo em posição perpendicular ao eixo do pescoço, após tocar traqueia posterior, rotacionar para eixo paralelo ao pescoço, no sentido que o tubo siga para o plano caudal; (6) insuflar cuff; (7) fixação do tubo (BROWN, 2019).

As indicações consistem em: incapacidade de obter via aérea em pacientes que precisam de intubação emergencial; traumatismo grave de pescoço, cabeça ou face; TCE; trauma maxilo-facial; politraumatismo; perda aguda da via aérea por obstrução supralaríngea; obstrução respiratória por corpo estranho e angioedema (ATLS, 2018).

As contraindicações consistem em: crianças menores de 12 anos (cartilagem tireóidea pequena e sequelas para formação futura dos anéis traqueais); infecção da laringe; trauma laríngeo; tumores laríngeos e inabilidade de identificar as estruturas (ATLS, 2018). 

As complicações mais frequentes são: sangramento por hipertensão arterial sistêmica comórbida; tosse; obstrução por sangue e secreção; infecção; deslocamento do tubo com falso trajeto; enfisema subcutâneo; atelectasia por tubo inapropriado; estenose subglótica (3%-30%); distúrbio de deglutição e granuloma com efeito de válvula (BROWN, 2019).

3.5 TRAQUEOSTOMIA

A traqueostomia consiste num procedimento cirúrgico que dá acesso à traqueia do paciente com o objetivo de ventilar/manter a sua respiração pérvia. Lembrando que consiste em procedimento estéril, demorado, porém com estabilidade maior que a cricotireoidostomia (BONTEMPO, 2019).

Apresenta como indicações: obstrução supra laríngea por anomalias congênitas, corpo estranho, trauma cervical, neoplasias, ou paralisia bilateral das cordas vocais; acesso a via direta; intubação prolongada e ventilação mecânica – manuseio mais fácil; incapacidade de controlar secreções (facilitar a aspiração das secreções das vias respiratórias baixas); edema devido queimaduras, infecções ou anafilaxia; tempo prévio ou complementar a outras cirurgias bucofaringolaringológicas; síndrome da apnéia hipopnéia obstrutiva do sono (BONTEMPO, 2019).

São contraindicações absolutas: infecção de partes moles no pescoço ou aberrações anatômicas; e relativas: coagulopatia, insuficiência respiratória grave com hipoxemia refratária e hipercapnia. As complicações mais frequentes são> pneumotórax, pneumomediastino, enfisema subcutâneo, hemorragia incisional, pneumonia, estenose traqueal, fístula traqueoesofágica ou traqueocutânea, obstrução de cânula, aspiração, disfagia ou infecção estomal (CABRINI, 2019).

A técnica consiste basicamente em (1) verificação do material necessário; (2) posicionamento do paciente em decúbito dorsal com coxin subocciptal (posição do farejador); (3) paramentação, antissepsia e montagem de campo (procedimento estéril; (4) localização de referência: 2 dedos (centímetros) acima da fúrcula esternal; (5) incisão vertical ou transversal na pele; (6) após incisão, fazer dissecção por planos: parte subcutânea → músculo (esterno-hióideo) → localização da tireoide; (7) para acessar a traqueia deve-se afastar tireoide (preferido – menos lesão) ou ligar o istmo da tireoide (separar o istmo, ligar as extremidades e fazer o acesso por onde estava o istmo); (8) fixação e reparo lateral de 2-3 anéis traqueais (caso não seja fixado e tracionado, os anéis traqueais ficam fechados, dificultando o acesso a traqueia); (9) incisão da traqueia em T ou H (atenção com a parede posterior para não incidir no esôfago); (10) prender cada anel traqueal lateralmente a pele do local da incisão com ponto simples; (11) inserção do tubo de traqueostomia (arco no sentido anatômico do pescoço); (12) conexão ao ventilador, lembrando de checar ventilação e saturação; (13) fechamento da incisão da pele e (14) fixação do tubo ao redor do pescoço (BROWN, 2019). 

4.0 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A prioridade do atendimento de emergência à vítima politraumatizada consiste em obter e manter o funcionamento das vias aéreas, o que é feito através da correta e eficaz identificação, avaliação, manejo e tratamento da via aérea. Quando as vias aéreas estão obstruídas, ocorre um déficit significativo no processo de oxigenação do cérebro, assim como na oxigenação sistêmica do organismo. 

Sendo assim, as vias aéreas devem estar liberadas o quanto antes, porém de forma segura, a fim de que a vítima possa ventilar e, a posteriori, oxigenar os tecidos e órgãos sistêmicos (com destaque ao Sistema Nervoso Central). 

Caso a vítima seja encontrada falando ou chorando, deduz-se um bom sinal, pois significa que as vias aéreas estão desobstruídas; enquanto o contrário significa que a desobstrução das mesmas deverá ser realizada o mais rápido possível.

Após a identificação da via aérea numa situação de trauma, deve-se iniciar o protocolo de atendimento, que consistem em imobilização cervical, desobstrução da via aérea, administração de oxigênio suplementar, avaliação da VA (LEMON) e, para manter a via aérea pérvia, podem ser realizadas manobras manuais (Jaw-Trust é preferível à Chin-Lift no trauma). 

Por fim, quando há indicação de via aérea definitiva, pode ser escolhida uma das opções a seguir: IOT (geralmente a mais utilizada – não cirúrgica), cricotireoidostomia (via aérea cirúrgica preferível no trauma – rápida e não estéril) ou traqueostomia (via aérea cirúrgica preferível após o paciente ser estabilizado – estéril). 

REFERÊNCIAS

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4. BONTEMPO LJ, MANNING SL. Tracheostomy Emergencies. Emerg Med Clin North, 2019.

5. BRENNAN PM, MURRAY GD, TEASDALE GM. Simplifying the use of prognostic information in traumatic brain injury. Part 1: The GCS-Pupils score: an extended index of clinical severity. J NeuroSurg, 2018.

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9. LINS K.S.; QUEIROZ R.E.B. Manejo da via aérea no trauma: aperfeiçoar algo que não permite erro. Brazilian Journal of Emergency Medicine, 2022.

10. PERBONI, J. S.; SILVA, R. C. DA.; OLIVEIRA, S. G.. A humanização do cuidado na emergência na perspectiva de enfermeiros: enfoque no paciente politraumatizado. Interações (Campo Grande), 2019.

11. PHTLS – Atendimento pré-hospitalar ao traumatizado. 9. ed. Burlington: Jones & Bartlett Learning, 2020.

12. SAMPAIO, José de Arimatéa Muniz de Alencar; et al. A importância do atendimento pré-hospitalar para o paciente politraumatizado no Brasil: Uma Revisão Integrativa. Revista multidisciplinar e de psicologia, 2019. 

13. Towsend, Beauchamp, Evers, Mattox KL. SABISTON: tratado de cirurgia – a base biológica da prática cirúrgica moderna. 20ª Ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2019.

14. PRAÇA, WLYANA REIS. VÍTIMAS DE TRAUMA NO DF: PERFIL EPIDEMIOLÓGICO E ATENDIMENTO PRÉ E INTRA-HOSPITALAR PELO SAMU. Universidade de Brasília, 2015. 

15. BROWN III, C. Manual de Walls para o Manejo da Via Aérea na Emergência. Porto Alegre: Artmed, 2019.


1Acadêmico em Medicina
Faculdade de Saúde Santo Agostinho de Vitória da Conquista

2Graduada em Medicina pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública
Cirurgiã Geral pelas Obras Sociais Irmã Dulce
Especialista em Coloproctologia pelo Hospital Geral Roberto Santos
Professora de Medicina na Faculdade de Saúde Santo Agostinho de Vitória da Conquista

3Acadêmica em Medicina
Faculdade de Saúde Santo Agostinho de Vitória da Conquista

4Acadêmica em Medicina
Universidade Salvador

5Acadêmico em Medicina 
Universidade Federal de Campina Grande

6Acadêmico em Medicina 
Faculdade de Saúde Santo Agostinho de Vitória da Conquista

7Acadêmico em Medicina 
Universidade Federal Rural do Semi-Árido

8Acadêmica em Medicina 
Faculdade de Saúde Santo Agostinho de Vitória da Conquista

9Acadêmico em Medicina 
Universidade Nove de Julho

10Acadêmico em Medicina 
Universidade Federal da Bahia

11Acadêmico em Medicina
Universidade Estadual de Montes Claros

12Acadêmico em Medicina
Universidade Federal da Bahia

13Acadêmica em Medicina 
Faculdade de Saúde Santo Agostinho de Vitória da Conquista

14Acadêmico em Medicina
Universidade Estadual da Região Tocantina do Maranhão

15Acadêmico em Medicina
Centro Universitário Estácio IDOMED de Ribeirão Preto

16Acadêmico em Medicina
Faculdade de Minas

17Acadêmica em Medicina
Universidade Salvador

18Acadêmica em Medicina
Universidade Salvador

19Acadêmica em Medicina
Universidade Salvador

20Acadêmica em Medicina
Universidade Salvador

21Acadêmica em Medicina
Faculdade de Saúde Santo Agostinho de Vitória da Conquista

22Acadêmica em Medicina 
Faculdade de Saúde Santo Agostinho de Vitória da Conquista