EVALUATION OF THE IMPACTS OF POST COVID-19 ON INSTRUMENTAL ACTIVITIES OF DAILY LIVING
REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7869129
Nicole Beltrame Medeiros de Souza1
Monica Carrara Protazio2
Prof. Dr. Alexandre Lins Werneck3
Profa. Dra. Lilian Castiglioni4
Profa. Dra. Maysa Alahmar Bianchin5
RESUMO
Introdução: COVID-19 é uma doença sistêmica e suas complicações impactam na rotina. O Terapeuta Ocupacional intervém nas atividades diárias, aumentando a independência. Objetivo: Avaliar, identificar e descrever os impactos nas AIVDs nos pacientes com COVID-19 moderado a grave, atendidos em um hospital de referência do interior de São Paulo, por meio da aplicação de questionário semiestruturado e escala padronizada de Lawton e Brody. Métodos: Estudo transversal, descritivo, quantitativo, analítico, aprovado pelo comitê de ética da FAMERP [5.286.745]. Foram previamente selecionados 700 prontuários eletrônicos. Deste total, foram novamente selecionados 60 prontuários, que preencheram os critérios prévios de seleção. Por fim, 45 pacientes foram considerados habilitados para análise, visto que atenderam todos os critérios de inclusão. Os participantes foram abordados por contato telefônico para aplicação do questionário semiestruturado referente ao desempenho sensório-motor, perceptivo-cognitivo e emocional, bem como acompanhamentos na reabilitação e sobrecarga dos cuidadores. É a escala de Lawton e Brody utilizada para avaliar a capacidade funcional do indivíduo na realização das AIVDs. Resultados: MI foi de 46 ± 8,972 anos, sendo 51,11% homens. Houve mudanças na rotina, lentificação no processamento e execução das atividades de trabalho doméstico, preparação da comida e compras, com necessidade de adaptações e graduações. Dificuldades na mobilidade na comunidade, estabelecimento de estratégias para gerenciamento medicamentoso, além de predomínio de sintomas ansiosos e depressivos. Quanto ao acompanhamento na reabilitação, a maioria não realizou acompanhamento acarretando sobrecarga dos cuidadores informais. Conclusão: Houve impactos de ordem motora, sensorial, cognitiva e emocional, afetando a independência nas AIVDs.
Descritores: Covid-19, Terapia Ocupacional, Atividades Diárias, Independência funcional.
ABSTRACT
Introduction: COVID-19 is a systemic disease and its complications impact the routine. The Occupational Therapist intervenes in daily activities, increasing independence. Objective: To evaluate, identify and describe the impacts on the IADLs in patients with moderate to severe COVID-19, seen at a reference hospital in the interior of São Paulo, through the application of a semi-structured questionnaire and the Lawton and Brody standardized scale. Methods: Cross-sectional, descriptive, quantitative, analytical study, approved by the FAMERP ethics committee [5.286.745]. We previously selected 700 electronic medical records. From this total, 60 records that met the previous selection criteria were reselected. Finally, 45 patients were considered eligible for analysis, since they met all inclusion criteria. The participants were approached by telephone to apply the semi-structured questionnaire regarding the sensory-motor, perceptual-cognitive, and emotional performance, as well as rehabilitation follow-ups and caregiver burden. The Lawton and Brody scale was used to evaluate the individual’s functional capacity to perform the IADLs. Results: IM was 46 ± 8.972 years old, 51.11% were male. There were changes in routine, slower processing and execution of housework, food preparation and shopping activities, with need for adaptations and graduations. Difficulties in mobility in the community, establishment of strategies for medication management, besides the predominance of anxious and depressive symptoms. As for the follow-up during rehabilitation, most of them did not follow up, leading to an overburdening of informal caregivers. Conclusion: There were motor, sensory, cognitive, and emotional impacts, affecting independence in IADLs.
Descriptors: Covid-19, Occupational Therapy, Activities of daily living, Functional independence.
INTRODUÇÃO
COVID-19
A COVID-19 é uma doença extremamente contagiosa causada pelo novo coronavírus SARS-CoV-2 e foi considerada pela OMS uma pandemia mundial em 11 de março de 2020 após diversas tentativas de se conter o vírus na China em dezembro de 2019. O microrganismo se espalhou rapidamente pelo mundo¹. É de conhecimento que os sintomas da COVID-19 são inespecíficos e a apresentação da doença pode variar de assintomático até uma forma de pneumonia letal. Quando sintomáticos, os indivíduos podem ter o surgimento de sintomas semelhantes aos de gripe, como febre, dor de cabeça e mal-estar geral, além de haver tosse intensa e dificuldade para respirar. Em alguns casos, é necessário o internamento hospitalar devido à gravidade dos sintomas que podem colocar a vida em risco².
Embora a COVID-19 afeta principalmente os pulmões, algumas sequelas, como problemas cardíacos, diabetes ou doenças renais, bem como de ordem motora, sensorial, cognitiva e emocional podem se desenvolver após a recuperação da infecção pelo coronavírus².
A Organização Mundial da Saúde (OMS) define o termo da seguinte maneira: “A condição pós COVID-19, considerando como efeitos a longo prazo da COVID-19. Essa condição pode ser subdividida em duas categorias: a “Subaguda” na qual os sintomas e as disfunções estão presentes de 4 a 12 semanas e a “Crônica” em que sintomas persistem além das 12 semanas e não são atribuíveis a outros diagnósticos3,4.
Os danos sistêmicos se apresentam em um amplo espectro clínico com sobreposição de sintomas heterogêneos. Entre os sintomas e disfunções mais prevalentes destacam-se a fadiga, fraqueza muscular, dispnéia, artralgia, dor torácica, disosmia, disgeusia, transtorno de estresse pós-traumático, ansiedade e depressão, distúrbios cognitivos, os distúrbios do sono, redução da capacidade funcional e um declínio na qualidade de vida5.
Tem-se notado que muitos pacientes apresentam sequelas duradouras da COVID-19. Mais da metade (63%) dos pacientes que manifestam a doença na forma moderada a grave relataram pelo menos uma sequela funcional6. Estes apresentam sintomas persistentes, diminuição da qualidade de vida, aumento da dependência para cuidados pessoais e desempenho prejudicado nas atividades que compõem o cotidiano ocupacional7.
A gravidade da sintomatologia é aumentada nos pacientes pós COVID-19, que necessitaram de longa permanência na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e, está associada ao uso de ventilação mecânica invasiva (VMI), corticoides, sedativos bloqueadores neuromusculares, entre outros8.
Desse modo, a condição pós COVID-19 como já citada anteriormente, acomete os diversos sistemas, sendo necessário o manejo multidisciplinar, pois há diminuição da qualidade de vida com um aumento da dependência dos sujeitos no desempenho de suas ocupações, especialmente na realização das atividades diárias, como por exemplo, nas Atividades Instrumentais de Vida Diária (AIVDs)7.
O Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional – COFFITO, cumprindo sua função de normatizar o exercício profissional, publicou em 2006 a Resolução Coffito nº 316, que orienta que é de exclusiva competência do Terapeuta Ocupacional avaliar as habilidades funcionais do indivíduo, elaborar a programação terapêutico-ocupacional e executar o treinamento das funções para o desenvolvimento das capacidades de desempenho das Atividades Instrumentais de Vida Diária (AIVDs) para as áreas comprometidas no desempenho ocupacional, motor, sensorial, perceptivo-cognitivo, mental, emocional, comportamental, funcional, cultural, social e econômico de pacientes9.
As AIVDs, são atividades que requerem interações mais complexas que as AVDs realizando-se de apoio à vida diária dentro de casa e na comunidade10. Estas têm importância no cotidiano ocupacional dos sujeitos, pois são compostas de significados pessoais e sociais.
Deste modo este trabalho tem como objetivo avaliar, identificar e descrever os impactos nas AIVDs em pacientes com COVID-19 moderado a grave, atendidos no Hospital Escola do Interior do estado de São Paulo, através da aplicação de questionário semiestruturado e escala padronizada de Lawton e Brody.
METODOLOGIA
Estudo transversal com delineamento descritivo, abordagem quantitativa do tipo analítica, com correlação entre variáveis. O estudo foi desenvolvido em um hospital escola, localizado na Região Noroeste do Estado de São Paulo. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética, da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, parecer Nº 5.286.745 em 2022 sob o protocolo CAAE: em acordo com a Resolução do CNS Nº466, de 2012. Após aprovação foi necessário para a coleta da amostra realizar um levantamento dos relatórios de censos retroativos a partir do Sistema eletrônico MV para mapear os pacientes que ficaram internados por 15 ou mais dias com COVID-19 na instituição. A partir do levantamento de 700 censos foram escolhidos 60 prontuários aleatoriamente entre junho de 2020 a novembro de 2021 para serem analisados.
Na análise foram coletadas informações referentes à idade, sexo, quando internou com COVID-19 e o tempo de internação. Os critérios de inclusão foram pacientes que internados com COVID-19, dos 18 anos aos 60 anos, independentemente de sexo, condições socioeconômicas, etnia e escolaridade. Os pacientes em consenso com os critérios foram selecionados para a próxima etapa do projeto, a ligação telefônica e a aplicação das escalas. Importante frisar que, poderiam participar da pesquisa familiares e/ou cuidadores do paciente caso este estivesse impossibilitado de responder. Os critérios de exclusão da pesquisa foram pacientes diagnosticados positivos para o COVID-19 que permaneceram internados por menos de 15 dias e pacientes que durante pesquisa no prontuário constava óbito.
Após a coleta de dados foi estruturada na plataforma virtual Google Formulário, a escala de Lawton e Brody e um questionário semiestruturado. A Escala de Lawton e Brody utilizada para avaliar a capacidade funcional do indivíduo na realização das AIVDs, composta por 8 atividades, sendo elas, usar o telefone, locomoção com meios de transporte, fazer compras, realizar trabalhos domésticos, lavar a roupa, preparo de refeições, uso de medicação e administração das finanças. Cada item pode receber pontuação de 0 para dependente e 5 independente11. Enquanto o Questionário semiestruturado conteve 9 questões para acréscimos de informações obtidas na Escala, bem como sobre relatos dos impactos na rotina após a síndrome de covid, relacionadas aos aspectos físicos, sensoriais, cognitivos e emocionais, bem como acompanhamentos na reabilitação e sobrecarga dos cuidadores.
Por fim, foi feito contato telefônico com os 60 pacientes selecionados para convidá-los a participarem da pesquisa. Destes 60 pacientes 45 relataram interesse em participar e concordaram com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, 15 pacientes referiram desinteresse na pesquisa e não quiseram participar. Para os pacientes que se interessaram e estavam em consonância com os critérios de inclusão, foi apresentado o projeto e iniciada a aplicação das escalas com pontuação marcada pela própria pesquisadora via computador. Após a aplicação dos questionários os dados coletados foram planilhados no Excel coleta dos dados e analisados por meio dos programas estatísticos Statistical Package For Social Sciences (SPSS, IBM, versão 23, 2014) e GraphPad Instat 3.10 (2009). A análise estatística descritiva foi realizada a partir dos cálculos das medidas de tendência central e dispersão e contagens de frequências.
RESULTADOS
A partir do questionário semiestruturado, a população pode ser caracterizada quanto a idade e gênero, como também foram caracterizados dados referentes às sequelas (sensório motoras, cognitivas e emocionais), os impactos na rotina pós COVID-19 e acompanhamento para reabilitação. E estes dados serão apresentados a seguir.
Dos 45 participantes 32 (71,1%) foram pacientes e 13 (28,9%) familiares e/ou cuidadores. É válido ressaltar, que quando familiares e/ou cuidadores responderam às entrevistas a finalidade foi a coleta de dados referentes ao paciente, porém não foram descartadas informações sobre a sobrecarga deles.
Quanto à caracterização de gênero e idade, 23 (51,11%) eram do sexto masculino e 22 (48,89%) feminino, tendo estes uma média de 46 ± 8,972 anos. Referente às sequelas pós COVID-19 prevaleceram os problemas pulmonares relatados por 26,67%, os déficits cognitivos (22,22%), fraqueza global (20%) e fadiga (20%).
Sobre as mudanças na rotina, 26% necessitam de auxílio global para desempenhar suas AVDs e AIVDs, 20% relataram lentificação no processo e execução das atividades, 15% precisaram se afastar de sua atividade laboral, 15% tiveram dificuldades para permanecer médios a longos períodos no ortostatismo durante atividades domiciliares e na comunidade, 11% precisaram estabelecer estratégias para gerenciamento medicamentoso e 15% adotaram adaptações e graduações no desempenho das atividades.
Na análise das mudanças nos aspectos físicos predominaram a fraqueza global (40%) (membros superiores e inferiores) e fadiga (20%). Nos aspectos sensoriais, 30% apresentaram hipoestesia (diminuição da sensibilidade) nos membros superiores, 20% prejuízo na habilidade de propriocepção e 15% relataram parestesia (formigamento) nos membros inferiores. A respeito dos componentes cognitivos, os déficits de memória corresponderam a 55% e a lentificação do processamento das informações a 20%. No campo emocional, os sintomas de desânimo, ansiedade e depressão se sobressaíram, contudo, prevaleceram os sintomas depressivos com 60%.
Com relação ao acompanhamento na reabilitação e qual o tipo de reabilitação, 60% responderam que não realizaram acompanhamento e 30% relataram encaminhamentos para reabilitação na cidade de origem, para as especialidades de Fisioterapia (45%), Pneumologia (30%) e Terapia Ocupacional (15%).
No que se refere à sobrecarga dos cuidadores, 80% necessitam realizar mudanças na rotina pessoal para auxiliar nas atividades dos pacientes previamente independentes. Os resultados da Escala de Lawton e Brody foram extraídos e tabulados e serão apresentados nas Tabelas abaixo.
Tabela 1. Capacidade de usar o telefone. São José do Rio Preto, SP, Brasil. 2023
Tabela 2. Fazer compras. São José do Rio Preto, SP, Brasil. 2023
Tabela 3. Preparar a comida. São José do Rio Preto, SP, Brasil. 2023
Tabela 4. Trabalho doméstico. São José do Rio Preto, SP, Brasil. 2023
Tabela 5. Lavar a roupa. São José do Rio Preto, SP, Brasil. 2023
Tabela 6. Locomoção fora de casa. São José do Rio Preto, SP, Brasil. 2023
Tabela 7. Responsabilidade a respeito de sua medicação. São José do Rio Preto, SP, Brasil. 2023
Tabela 8. Manejo com dinheiro. São José do Rio Preto, SP, Brasil. 2023
DISCUSSÃO
A maioria dos pacientes com COVID-19 se recuperam totalmente, porém alguns permanecem com sequelas prolongadas em vários sistemas do corpo e essas manifestações clínicas presentes após quatro semanas da infecção por COVID-19, e não atribuídas a outras causas, são denominadas “pós COVID-19”12.
O pós COVID-19 também pode ser denominada como Covid longa, COVID-19 pós aguda, efeitos de longo prazo da Covid, Covid crônica13. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendou o uso dos códigos da 10ª Revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID-10) para documentar a ocorrência de condições pós COVID-19, sendo que o código utilizado para esta situação é o U09.9 (condição de saúde posterior à COVID-19, não especificada), que inclui: sequelas e efeitos tardios; COVID-19 infecção antiga; efeito residual de COVID-19; efeito tardio de COVID-19; sequela da COVID-19; e pós COVID-1913,14.
As manifestações clínicas mais persistentes conforme um estudo realizado em, 2021, referente à avaliação e gestão de adultos após doença viral aguda por Covid-19, demonstrou que os sintomas físicos mais comuns foram a fadiga com prevalência em 87% dos casos, dispneia com 71% e o desconforto torácico com 44%15. O estudo relatou também sintomas físicos menos comuns, como artralgia, mialgia, cefaléia, dentre outros. E os sintomas neuropsiquiátricos mais persistentes foram transtorno do estresse pós-traumático com 24% de frequência, ansiedade/depressão 23% dos casos, perda de memória 21% e redução da concentração em 16%15.
Um estudo demonstrou os sistemas fisiológicos comprometidos e os principais sinais e sintomas persistentes no pós COVID-19, mostrando que os achados mais significativos foram fadiga profunda, fôlego curto, fraqueza, dor muscular, acidente vascular encefálico, artralgia, cefaleia, déficit sensorial, déficit cognitivo, insônia, ansiedade e depressão16.
Estudo realizado em 2022, mostrou que a prevalência e gravidade dos sintomas persistentes, isto é, crônicos, foram maiores em pacientes com internação prolongada ou que foram internados nas Unidades de Terapia Intensiva (UTI)17.
Nas informações obtidas por meio do questionário semiestruturado do presente estudo, foi possível observar a correlação entre as informações citadas anteriormente nos estudos acima, sobre os impactos nos aspectos físicos, cognitivos, sensoriais e emocionais dos pacientes que permaneceram internados por longo tempo15. Observou-se uma predominância nos aspectos físicos quanto à fraqueza global e a fadiga. Nos aspectos sensoriais, os pacientes apresentaram prejuízos quanto a hipoestesia, diminuição da sensibilidade, nos membros superiores e parestesia/formigamento nos membros inferiores, bem como, impacto negativo em sua habilidade de propriocepção. A respeito dos componentes cognitivos prevaleceram os déficits de memória e a lentificação do processamento das informações. No campo emocional os sintomas de desânimo, ansiedade e depressão se sobressaíram, contudo, prevaleceram os sintomas depressivos assim como citado pelos autores16,17.
Quanto à caracterização sobre a idade e gênero, relataram que a probabilidade de infecção é uniformemente distribuída em todas as faixas etárias, ou seja, a probabilidade de uma pessoa com 80 anos se infectar, é igual à probabilidade de uma pessoa de 30 anos se infectar. Porém, foi confirmado pela Organização Pan-Americana da Saúde (2022) que o número mundial de mortes foi maior para homens do que para mulheres (57% do sexo masculino, 43% do sexo feminino)18. Na atual pesquisa os dados mostraram que, dos 45 participantes com idades entre 18 e 60 anos, a média de idade foi 46 anos, com desvio padrão de 8,972, tendo sido 51,11% homens e 48,89% mulheres. Esses dados mostraram mais homens infectados e em idade considerada produtiva.
Analisando os impactos pós COVID-19 nesta população em idade produtiva, temos que considerar o desempenho no cotidiano, abordado no questionário semiestruturado na questão referente a mudanças na rotina. Vinte seis porcento necessitam de auxílio global para desempenhar suas AVDs e AIVDs, 18% relataram lentificação no processo e execução das atividades, 15% precisaram se afastar de sua atividade laboral, 15% tiveram dificuldades para permanecer médios a longos períodos em ortostatismo durante atividades domiciliares e na comunidade, 11% precisou estabelecer estratégias para gerenciamento medicamentoso e 15% adotaram adaptações e graduações no desempenho das atividades.
E na compreensão da terapia ocupacional, a rotina, também conhecida como cotidiano é composta de ocupações, podendo ser mais ou menos complexas, porém a partir do momento que há influência na condução do desempenho da rotina temos impactos significativos na nossa independência. A ocupação pode ser definida como ações que agregam significados pessoais e culturais e são influenciadas pelo histórico de vida de cada indivíduo, tendo função estruturadora do cotidiano19. Complementando:
O termo “Ocupação” é utilizado para descrever todas as atividades que as pessoas desejam, necessitam ou devem realizar, incluindo as de natureza física, mental, social, sexual, política ou espiritual, assim como o sono e o descanso. Esse conceito abrange todos os aspectos concretos da vida humana, como o ato de fazer, ser e se tornar, bem como o sentido de pertencimento20.
Há uma ampla gama de ocupações e, nesta pesquisa, o foco foi as Atividades Instrumentais de Vida Diária (AIVDs). O enquadramento da Prática da Terapia Ocupacional compreende que as AIVDs são suporte às atividades de vida diária (AVDs) em casa ou na comunidade e que, frequentemente, exigem interações mais complexas21.
A categoria de AIVDs é subdividida em áreas, como Cuidar de outros (incluindo seleção e supervisão de cuidadores); Cuidar de animais e animais de estimação; Educação da criança; Gestão de comunicação; Mobilidade na comunidade e condução; Gestão financeira; Montar e gerir residência; Preparação de refeições e limpeza; Expressão religiosa e espiritual; Manutenção de segurança e emergência e; Compras21.
As atividades mais complexas que compõem nossa rotina dependem de interações também mais complexas dos nossos sistemas osteomusculares, somatossensoriais e emocionais e quando em déficits apresentamos prejuízos no nosso desempenho. Em 1969 foi elaborada por Lawton e Brody um dos instrumentos mais utilizados para avaliar o nível de independência que diz respeito à execução das AIVDs. Avalia oito capacidades, compostas por: usar o telefone; fazer compras; preparar a comida; trabalho doméstico; lavar a roupa; locomoção fora de casa; responsabilidade a respeito de sua medicação e; manejo com dinheiro22..
Um estudo recente demonstra que, ao examinar o efeito da primeira onda da pandemia de COVID-19 nas atividades instrumentais da capacidade de vida diária dos usuários de cuidados domiciliares, os indivíduos apresentaram maior dificuldade a longo prazo para manejo de suas AIVDs, tendo sua independência modificada pela exigência de auxílio de cuidador e restrição de atividades23.
Os mesmos autores complementam que o déficit funcional geralmente segue uma progressão distinta, em que as pessoas perdem a capacidade de realizar AIVDs anteriormente a AVDs, e observaram na primeira onda da pandemia, impactos na independência para desempenhar as atividades de gestão de casa, compras e mobilidade na comunidade23.
Reforçando os achados, o público-alvo do presente estudo apresentou impactos nas AIVDs supracitadas acima, incluindo ainda possível relação que os impactos nos aspectos físicos, sensoriais, cognitivos e emocionais pós COVID-19 tiveram na diminuição do desempenho ocupacional independente na maioria das AIVDs.
Com a diminuição da independência dos indivíduos podemos destacar que os familiares acabam sofrendo transformações inesperadas e privações em seu cotidiano e em consequência da maior disponibilidade no suporte ao membro familiar adoecido o cuidador acaba se sentindo sobrecarregado24. No atual estudo, no que diz respeito à questão sobre a sobrecarga dos cuidadores, 28,9% são familiares, sendo que a maioria destes precisaram implementar mudanças em seu cotidiano para contribuir nas atividades dos pacientes previamente independentes.
Um estudo realizado em 2022, salienta que a sobrecarga é um conceito que se refere à exaustão decorrente da fadiga física ou mental, ou seja, que pode se traduzir em um cuidador informal exposto a estressores significativos por um curto ou longo período. E à medida que os cuidadores informais assumem responsabilidades de cuidado há vários desencadeadores de mudanças em sua vida, dado que o modo de cuidar pode ser desgastante, impactam os cuidadores a todos os níveis. A sobrecarga do cuidador principal é consequência das várias funções do desempenho de cuidar e das alterações na vida social e profissional, visto que as necessidades do paciente são prioridades, deixando as obrigações do cuidador em segundo lugar24.
Um estudo realizado em 2021, relatou que os cuidadores informais tinham maior número de chances de ampliar as tarefas de cuidado ao longo da pandemia por COVID-19. Este crescimento da demanda de cuidados por meio do cuidador principal pode ser aumentado pela dificuldade de suporte assistencial e falta da rede de apoio25.
Muitos pacientes que sobrevivem à COVID-19 necessitarão de reabilitação para tratar sequelas funcionais, ampliar o status funcional e reintegração na comunidade. Os déficits de longa duração exigem que o paciente seja assistido por uma equipe multiprofissional para a implementação do plano terapêutico26.
Na atual pesquisa, quanto a relação ao acompanhamento em reabilitação e qual o tipo de reabilitação, a maioria dos participantes relataram não terem realizado acompanhamento em reabilitação e os que realizaram acompanhamento referiram passar pelas especialidades de Terapia Ocupacional, Fisioterapia e Pneumologia.
Como profissionais atuantes na reabilitação, os terapeutas ocupacionais têm papel importante diante da recuperação funcional dos pacientes com COVID-19 em todas as fases de cuidado, especialmente pela visão holística própria da profissão26.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Avaliar os impactos causados pelas doenças é imprescindível para os programas de reabilitação. Estratégias que melhoram o movimento e a atividade física, como programas de terapia ocupacional, são necessárias para prevenir um maior declínio funcional. É importante prevenir o declínio funcional, pois está associado ao aumento da institucionalização e do risco de mortalidade.
Esta pesquisa demonstrou que os pacientes pós COVID-19 tiveram impactos em seus aspectos físico, sensorial, cognitivo e emocional, dessa forma sendo prejudicados na realização de suas AIVDs. A avaliação das AIVDs por meio do questionário validado proporciona informações significativas sobre o impacto funcional em pacientes pós COVID 19, apontando de modo mais fidedigno, como também auxiliando na identificação essencial para a reabilitação.
A Terapia Ocupacional é essencial para o tratamento dos pacientes acometidos pela doença. Visto que se faz necessário o prosseguimento de novas pesquisas, em consequência do novo cenário, que possam ampliar o panorama de discussão acerca dos impactos nas ocupações, sua relação ao pós COVID-19 e processo de reabilitação.
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1Terapeuta Ocupacional. Pós graduada no Programa Multiprofissional de Reabilitação Física da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto – FAMERP
2Terapeuta Ocupacional. Pós graduada no Programa Multiprofissional de Reabilitação Física da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto – FAMERP
3Mestre e Doutor em Ciências da Saúde – FAMERP
4Professora Doutora do Departamento de Epidemiologia e Saúde Coletiva da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto – FAMERP
5Terapeuta Ocupacional. Doutora Professora Adjunta do departamento de Ciências Neurológicas da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto – FAMERP Endereço para correspondência: Av. Brigadeiro Faria Lima, 5416 – Vila São Pedro, São José do Rio Preto – SP, 15090-000. Email:maysa@famerp.br