REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202505311219
Kevin Willian dos Santos Cassimiro de Souza1
Fernanda Carnelossi2
Thalyson Eduardo Effgen Quartezani3
Wilgner Itiel Teixeira Souza4
Adriano de Maman Oldra5
Clarear Figueiredo Telles6
Douglas de Oliveira Subrinho7
Lívia Cavalcanti Moret8
Paloma Iracema Banak Zilch9
Orientadora: Dra. Lilian Raquel Ramírez Barúa10
Resumo: A Sepse é definida como uma disfunção orgânica, com risco de vida, causada por uma resposta desregulada do hospedeiro frente à uma infecção. O choque séptico é o último estágio dessa condição, onde as anormalidades circulatórias, celulares e metabólicas estão comprometidas a ponto de aumentar a taxa de mortalidade dos pacientes. Diante do desafio que é o diagnóstico e manejo da sepse, a Sociedade de Medicina Intensiva, criou diretrizes capazes de contribuir com o diagnóstico precoce dessa condição muito presente no dia a dia de Unidades de Terapia Intensiva. Dentro dessas diretrizes, se encontram os escores diagnósticos como SOFA, o qSOFA, NEWS (National Early Warning Result) e MEWS (Modified Early Warning Result), que possuem o objetivo de diagnosticar com rapidez um paciente com sepse, para que se possa iniciar os protocolos de tratamento. Associado a essas diretrizes, os biomarcadores vem ganhando relevância pelas características diagnósticas e prognósticas, com potencial de auxiliar profissionais de saúde no manejo da sepse beira leito.Objetivo:Analisar estudos científicos sobre o uso de biomarcadores em pacientes com sepse em Unidades de Terapia Intensiva, identificando tanto os marcadores consolidados quanto os que apresentam potencial promissor. Objetiva-se, ainda, integrar as evidências disponíveis para propor um algoritmo que otimize a detecção precoce, a estratificação de risco e o manejo terapêutico do paciente séptico, em conformidade com as diretrizes de manejo atuais.Metodologia: Foram consultadas base de dados reconhecidas, como PubMed, e as diretrizes da Society of Critical Care Medicine. A seleção de artigos aborda estudos que buscam associar o uso de biomarcadores frente um dos desafios de saúde mais presentes na UTI, a Sepse e o Choque Séptico, garantindo uma abordagem atualizada e fundamentada do tema.
Palavras Chave: Sepse, Choque Séptico, Biomarcadores, Procalcitonina (PCT), Presepsina (sCD14-ST), Proteína C Reativa (PCR), Lactato sérico, Terapia antibiótica guiada por biomarcadores.
Abstract: Sepsis is defined as a life-threatening organic dysfunction caused by a dysregulated host response to an infection. Septic shock is the last stage of this condition, where circulatory, cellular and metabolic abnormalities are compromised to the point of increasing the mortality rate of patients. Faced with the challenge that is the diagnosis and management of sepsis, the Society of Critical Care Medicine (SCCM) created a guideline capable of contributing to the early diagnosis of this condition commonly seen in Intensive Care Units (ICU). Among these guidelines, there are diagnostic scores such as SOFA (sepsis-related organ failure assessment), qSOFA (Quick-SOFA), NEWS (National Early Warning Result) and MEWS (Modified Early Warning Result), which aim to quickly diagnose a patient with sepsis, so that treatment protocols can be started. Associated with these guidelines, biomarkers have been gaining relevance due to their diagnostic and prognostic characteristics, as well as the potential to assist health professionals in the management of bedside sepsis. Objective: To analyze scientific studies on the use of biomarkers in patients with sepsis in Intensive Care Units, identifying both consolidated markers and those with promising potential. It also aims to integrate the available evidence to propose an algorithm that optimizes early detection, risk stratification and therapeutic management of the septic patient, in accordance with current management guidelines. Methodology: Recognized databases, such as PubMed, and the guidelines of the Society of Critical Care Medicine were consulted. The selection of articles addresses studies that seek to associate the use of biomarkers with one of the most present health challenges in the ICU, Sepsis and Septic Shock, ensuring an updated and well-founded approach to the subject.
Keywords: Sepsis, Septic Shock, Biomarkers, Procalcitonin (PCT), Presepsin (sCD14-ST), C-Reactive Protein (PCR), Serum lactate, Biomarker-guided antibiotic therapy.
Introdução: De acordo com o Consenso Internacional para Definição de Sepse e Choque Séptico, a Sepse é definida como uma disfunção orgânica, com risco de vida, causada por uma resposta desregulada do hospedeiro frente à uma infecção.Dentro de uma abordagem prática, a disfunção orgânica pode ser caracterizada pelo aumento do score SOFA de 2 pontos ou mais, o que está relacionado a uma taxa de 10% de mortalidade hospitalar. O choque séptico é o último estágio dessa condição, onde as anormalidades circulatórias, celulares e metabólicas estão comprometidas a ponto de aumentar a taxa de mortalidade dos pacientes, se comparados apenas à sepse. Clinicamente, pacientes recebem o diagnóstico de choque séptico pela necessidade de uma vasopressor para manter uma pressão arterial média de, pelo menos, 65 mmHg e nível de lactato sérico superior a 2mmol/L (>18mg/dL) na ausência de hipovolemia. Esses níveis se associam com uma taxa de mortalidade hospitalar capaz de ultrapassar os 40%. Com o implemento dos protocolos da Surviving Sepsis Campaign, o número de mortalidade por sepse diminuiu nos últimos 10 anos, mas ainda mantém taxas altamente prejudiciais ao sistema de saúde global 1, 2, 3. Nesse contexto, o uso de biomarcadores vem sendo um grande aliado para médicos intensivistas, com o intuito de auxiliar em características diagnósticas e prognósticas, possibilitando um melhor desfecho clínico de pacientes nessa condição 4.
O manejo da sepse é baseado em suas características fisiopatológicas, as quais são: infecção inespecífica capaz de causar manifestações sistêmicas; disfunção de múltiplos órgãos e; documentação microbiológica 5. Diferentes tipos de biomarcadores são capazes de apresentar-se por cada um desses mecanismos, o que torna-os uma ferramenta prática de grande valor no dia a dia de uma Unidade de Terapia Intensiva. Dada importância se apresenta nos estudos, que mostram mais de 250 biomarcadores sendo estudados nos últimos 15 anos (2010-2025) , com alguns já apresentando grande valor clínico, como a PCR e a Procalcitonina, já integrados nas diretrizes de manejo da sepse 6.
Metodologia: Com o intuito de desenvolver uma pesquisa centrada, atualizada e que pudesse proporcionar as informações específicas objetivadas nesse artigo, foi conduzida uma pesquisa na base de dados do PubMed entre 2015 e 2025 usando termos como “Biomarcadores” e “Sepse”, como palavras chave para identificar um aspecto amplo desta pesquisa. A princípio não houve nenhum tipo de restrição referente à linguagem ou tipo de artigo, uma vez que o primeiro intuito era entender a relevância do tema perante a comunidade científica. Com isso, foram identificados 883 publicações indexadas que abordam o tema da Sepse e a relevância dos biomarcadores, com um aumento de 53% das publicações de 2015 (76 publicações) à 2024 (117 publicações) – ano que, até o presente momento, teve o maior número de publicações indexadas referentes ao tema.
Foram identificados artigos voltados a biomarcadores específicos, como PCR e Procalcitonina, que apresentam maior base de estudos quando relacionado à sepse, com isso, uma nova pesquisa ampla foi conduzida, com o intuito de identificar as publicações feitas na última década que abordam o tema. Dessa vez os termos “PCR e Sepse” e “Procalcitonina e sepse” foram utilizados como palavras chave de pesquisa e apresentaram resultados controversos em relação à primeira pesquisa. Foram publicados no PubMed apenas 19 artigos que fazem referência direta da Proteína C Reativa e Sepse, de 2015 a 2025,sendo que na década anterior os resultados apontam uma base de dados com 110 artigos indexados. Já os termos “Procalcitonina e Sepse” apresentam 269 publicações indexadas nos últimos dez anos.
Além da base de dados do PubMed, as diretrizes atualizadas da Sociedade de Medicina Intensiva (SCCM – Society of Critical Care Medicine) e o protocolo em vigência para sepse (Surviving Sepsis Campaign 2021) foram utilizadas como guia com a mais recentes condutas de manejo da sepse, além de garantir os estudos mais atualizados e evidenciados que podem ser colocados em prática no dia a dia de um médico intensivista.
Após a obtenção dos artigos iniciais, foram aplicados critérios de inclusão e exclusão para garantir a relevância das publicações analisadas. Foram incluídos apenas estudos publicados entre 2015 e 2025, disponíveis em texto completo, com foco na população adulta em unidades de terapia intensiva (UTI). Além disso, foram priorizados artigos que avaliaram a utilização clínica dos biomarcadores na sepse, tanto no diagnóstico quanto no prognóstico. Como critérios de exclusão, foram descartadas publicações com modelos experimentais em animais, estudos que não apresentavam aplicação clínica direta, revisões com evidências desatualizadas e trabalhos duplicados.
A análise também permitiu identificar tendências na literatura, como o declínio do uso da PCR e o aumento da relevância da Procalcitonina, além de ressaltar biomarcadores emergentes com potencial clínico promissor, como a Presepsina. Com isso, o estudo buscou não apenas revisar a literatura existente, mas também discutir criticamente a evolução do uso dos biomarcadores no manejo da sepse.
Resultados e Discussão
Um dos grandes desafios na prática da medicina intensiva é o diagnóstico precoce e o manejo adequado de um paciente com sepse. Dentro desse contexto, os estudos desenvolvidos para entender e utilizar biomarcadores se mostram cada dia mais necessários, o que se comprova pelo número de publicações feitas com esse tema pela comunidade científica. Recentes estudos vêm destacando uma maior relevância da Procalcitonina (PCT) como um marcador que pode ser utilizado para fins diagnósticos e prognósticos da sepse, especialmente quando comparada à Proteína C Reativa (PCR), a qual, por sua vez, vem apresentando limitações por conta de sua falta de especificidade inflamatória 5,6. A busca por biomarcadores, vai além da PCT e PCR, que de uma certa forma estão consolidados na prática clínica. Recentes pesquisas apontam para o potencial da Presepsina (sCD14-ST), dada sua correlação com a gravidade da resposta inflamatória sistêmica, o que o torna uma ferramenta promissora para detecção precoce e a avaliação prognóstica da sepse 4. Além dela, o lactato sérico, que já é amplamente utilizado na prática clínica, também vem apresentando resultados promissores frente à seu valor prognóstico,auxiliando na estratificação de risco e no acompanhamento da resposta terapêutica 7. Diante desse cenário, a integração de biomarcadores no protocolo de manejo da sepse pode aprimorar a tomada de decisão clínica, reduzindo a morbimortalidade associada a essa condição grave.
Com base na análise realizada neste estudo, evidenciamos tanto os biomarcadores que já encontram aplicação na prática clínica quanto aqueles que apresentam resultados promissores na literatura. Esses marcadores foram abordados no contexto de uma abordagem integrada para a avaliação da sepse, conforme ilustrado no Fluxograma 1 – conceito extraído do artigo How to use biomarkers of infection or sepsis at the bedside: guide to clinicians. Essa abordagem integrada servirá de base para a proposição de um algoritmo fundamentado em biomarcadores, destinado a orientar a tomada de decisão em Unidades de Terapia Intensiva, visando aprimorar a detecção precoce, a estratificação de risco e a individualização do manejo terapêutico em pacientes com sepse.
Fonte: Autor
Biomarcadores – Procalcitonina, Proteína C Reativa, Lactato e Presepsina
A Procalcitonina (PCT) é um peptídeo precursor da calcitonina, normalmente produzido pelas células C da tireoide e em pequenas quantidades pelo fígado e pelos pulmões. Em condições normais, sua concentração sérica é baixa (< 0,1 ng/mL). No entanto, em resposta a infecções bacterianas sistêmicas, a PCT é expressa em diversos tecidos periféricos, especialmente sob estímulo de citocinas inflamatórias como IL-1β, IL-6 e TNF-α 6. Esse aumento ocorre porque a resposta imune suprime a conversão da PCT em calcitonina, levando a uma elevação significativa em sua concentração sérica. Diferente de outros biomarcadores, como a Proteína C Reativa (PCR), a PCT se destaca por sua especificidade na diferenciação entre infecções bacterianas e inflamações não infecciosas, uma vez que infecções virais tendem a inibir sua produção devido ao efeito modulador do interferon-gama 4.
A PCR é uma proteína de fase aguda sintetizada pelo fígado em resposta à liberação de citocinas inflamatórias, em especial a interleucina-6 (IL-6). Sua produção aumenta dentro de 4 a 6 horas após um estímulo inflamatório, atingindo seu pico em 36 a 50 horas, com uma meia-vida de aproximadamente 19 horas. Esse perfil cinético torna a PCR uma ferramenta útil para monitorizar processos inflamatórios infecciosos, incluindo a sepse, embora seu uso seja restringido pela Society of Critical Care Medicine por conta de sua limitação na distinção entre Sepse e Síndromes de Respostas Inflamatórias Sistêmicas – SIRS 5. Entretanto, ao contrário de outros biomarcadores estudados, seus valores não são influenciados por imunossupressão, processos renais ou pacientes com cirrose.
A Presepsina, também conhecida como sCD14-ST, é um fragmento solúvel derivado da clivagem do CD14, uma glicoproteína expressa na superfície de monócitos e macrófagos, fundamental na resposta imune inata contra infecções, especialmente aquelas provocadas por bactérias gram-negativas. Essa glicoproteína atua como um receptor para o lipopolissacarídeo (LPS), um componente da parede celular bacteriana. Quando o LPS se liga ao CD14, ocorre a ativação de uma cascata inflamatória que culmina na liberação de citocinas pró-inflamatórias, como TNF-α, IL-1β e IL-6, essenciais para o recrutamento e a ativação de outras células imunes. Durante esse processo, uma porção do CD14 é clivada e liberada na circulação, originando a forma solúvel conhecida como Presepsina (sCD14-ST). Em indivíduos saudáveis, os níveis de Presepsina são muito baixos, mas eles aumentam rapidamente – geralmente dentro de 2 a 4 horas – após a exposição a patógenos bacterianos, refletindo a intensidade da resposta inflamatória 8. Essa elevação precoce, que pode ser detectada por métodos como a imunoluminescência, tem demonstrado valor tanto no diagnóstico quanto na estratificação prognóstica da sepse, uma vez que seus níveis aumentam significativamente em resposta à infecção bacteriana e se correlacionam com a gravidade do quadro clínico 8,9.
O lactato é um metabólito produzido predominantemente pela glicólise anaeróbica, sendo convertido a partir do piruvato pela enzima Lactato Desidrogenase (LDH) em condições de hipóxia ou aumento da demanda metabólica celular. Em condições normais, ele é continuamente reciclado pelo fígado e rins, mantendo concentrações séricas estáveis entre 0,5 e 2,2 mmol/L. Já, em situações como a sepse e o choque séptico, onde há um estado de hipoperfusão tecidual e disfunção mitocondrial, existe um acúmulo de lactato no sangue, refletindo a gravidade da disfunção metabólica e servindo como um importante biomarcador prognóstico. Estudos demonstram que níveis elevados de lactato estão associados a maior mortalidade e que sua depuração ao longo do tempo pode indicar uma resposta adequada à ressuscitação volêmica e ao controle da infecção. Assim, tanto a dosagem isolada do lactato quanto sua variação ao longo do tratamento são ferramentas valiosas para estratificação de risco e tomada de decisões clínicas em pacientes com sepse e choque séptico. 7,9.
Sensibilidade | Especificidade | AUCROC | Aplicabilidade | |
PCT | 80% | 75% | 0,84 | Marcador de resposta imune (por supressão de sua conversão a Calcitonina) |
PCR | 78-80% | 60-61% | 0,65-0,75 | Proteína de fase aguda, em resposta a citocinas inflamatórias |
P-SEP | 78,95% | 61,9% | 0,89 | Fragmento solúvel derivado da clivagem do CD14, glicoproteína que atua como receptor do LPS Bacteriano |
Lactato | 66-83% | 80-85% | 0,75-0,85 | Metabólito produzido pela glicose anaeróbica em condições de hipóxia e/ou aumento de demanda metabólica celular |
Comparação do Valor Diagnóstico
Dentre os biomarcadores utilizados na identificação precoce da sepse, Procalcitonina (PCT), Presepsina (P-SEP), Proteína C Reativa (PCR) e Lactato apresentam desempenhos distintos em termos de sensibilidade, especificidade e aplicabilidade clínica. Conforme dados demonstrados na tabela comparativa, nota-se que embora PCT e Presepsina apresentem melhor desempenho diagnóstico em comparação à PCR 11, o Lactato destaca-se como um biomarcador complementar, fornecendo informações sobre a gravidade e evolução da doença, apresentando maior especificidade, além de valores de sensibilidade promissores.
A escolha ideal do biomarcador depende do contexto clínico, uma vez que a Presepsina sofre influência da função renal e seus níveis exigem uma interpretação cuidadosa sobre quais sistemas estão sendo mais afetados por esse paciente, exigindo uma avaliação prévia do perfil renal. Enquanto os níveis séricos de PCR são influenciados por possíveis processos patológicos hepáticos prévios 8.
Na presente vigência o Surviving Sepsis Campaign (2021) recomenda o uso do Lactato para rastreamento de sepse em pacientes adultos, com pontos de corte entre 1,6 e 2,5 mmol/L, sendo o biomarcador mais fidedigno para esse parâmetro e, por esse motivo, se torna relevante análise mais abrangentes a seu respeito para uma possível associação aos escores diagnósticos vigentes, qSOFA3.
Comparação do Valor Prognóstico
Os biomarcadores desse estudo desempenham um papel essencial na estratificação de risco e no monitoramento da evolução clínica de pacientes com sepse e choque séptico. No entanto, sua utilidade prognóstica varia de acordo com suas características fisiológicas e limitações clínicas.
Níveis persistentemente elevados desse marcadores, estão relacionados a desfechos clínicos negativos, associados a risco de falência orgânica e mortalidade hospitalar, enquanto a redução sérica dos biomarcadores avaliada ao longo dos dias de internação se correlaciona com melhores desfechos clínicos, indicando melhor resposta de tratamento e evolução fisiológica do paciente.
A Procalcitonina (PCT) e a Presepsina demonstram sólida capacidade prognóstica, auxiliando na estratificação de risco e na avaliação da resposta terapêutica na sepse. Já a Proteína C Reativa (PCR), embora amplamente utilizada na monitorização inflamatória, requer interpretação cautelosa, devido à sua menor especificidade. O Lactato, por sua vez, destaca-se como um dos biomarcadores mais relevantes, sendo recomendado pelo Surviving Sepsis Campaign (2021) para guiar a ressuscitação volêmica e otimizar a tomada de decisões na terapia intensiva. A variação da PCT ao longo do tratamento tem sido associada a desfechos clínicos, com uma redução ≥80% em 72 horas correlacionando-se a menor mortalidade, enquanto sua persistência elevada pode indicar falha terapêutica. A Presepsina, além de sua função diagnóstica, tem se mostrado um marcador preditivo de falência renal aguda, SDRA e CIVD, reforçando sua utilidade na avaliação prognóstica de pacientes sépticos. 3, 5, 8, 9, 12, 13.
Terapia antibiótica guiada por biomarcadores
A otimização do uso de antibióticos é um dos principais desafios no manejo da sepse, e os biomarcadores têm emergido como ferramentas essenciais para guiar decisões terapêuticas. Uma meta-análise evidenciou que o uso da PCT como critério para descontinuação antibiótica reduziu a duração da terapia em aproximadamente um dia, sem aumentar as taxas de reinfecção ou mortalidade 2. Ensaios clínicos randomizados reforçam essa estratégia, mostrando que pacientes tratados com um protocolo guiado por PCT apresentam menor tempo de antibioticoterapia e menor risco de desenvolvimento de resistência antimicrobiana 12.
A PCR, por sua vez, tem sido explorada como ferramenta complementar na decisão de interrupção da antibioticoterapia, especialmente em infecções do trato respiratório inferior. Em um estudo com 431 pacientes, a PCR demonstrou reduzir significativamente a prescrição de antibióticos, tanto na primeira consulta quanto ao longo de 28 dias, sem impactar negativamente a recuperação clínica 14.
Enquanto ao Lactato, alguns protocolos sugerem que a normalização do lactato (<2 mmol/L) em até 72 horas pode ser utilizada como critério auxiliar para a interrupção segura da antibioticoterapia, desde que associada a melhora clínica e estabilização de outros biomarcadores inflamatórios, como a PCT 10.
A Presepsina tem sido investigada como um potencial marcador para guiar a interrupção da antibioticoterapia, com resultados promissores. Um estudo multicêntrico prospectivo realizado em 10 hospitais universitários na China analisou 656 pacientes com sepse ou choque séptico e demonstrou que o uso da Presepsina como guia para interrupção do antibiótico resultou em maior número de dias livres de antimicrobianos (14,54 dias vs. 11,01 dias), sem comprometer a segurança do paciente 15. Além disso, as taxas de mortalidade em 28 e 90 dias foram semelhantes entre os grupos que seguiram essa estratégia e aqueles tratados com protocolos convencionais. Apesar dos achados favoráveis, ainda há escassez de evidências robustas sobre o impacto da Presepsina na prática clínica diária, e sua influência no contexto de infecções por bactérias gram-negativas deve ser mais investigada.
É possível concluir que a utilização de biomarcadores como guias para antibioticoterapia tem se mostrado uma estratégia promissora para reduzir o uso indiscriminado de antimicrobianos e minimizar o risco de resistência bacteriana. A PCT apresenta a maior base de evidências para esse propósito, sendo amplamente recomendada em UTIs para orientar a descontinuação do antibiótico. A PCR pode ser útil, mas suas limitações de especificidade restringem seu uso isolado. A Presepsina surge como um biomarcador promissor, especialmente em pacientes sépticos, mas ainda requer estudos adicionais para validação definitiva. O lactato, por sua vez, contribui de maneira indireta na tomada de decisão antimicrobiana, sendo um marcador complementar que pode indicar falha terapêutica ou sucesso no controle da infecção. A integração desses biomarcadores em protocolos clínicos pode aprimorar a precisão na individualização do tratamento antimicrobiano, contribuindo para melhores desfechos clínicos e redução da resistência microbiana.
Protocolo SSC (Surviving Sepsis Campaign) e Resultados
A Procalcitonina consolidou-se como um biomarcador promissor para a detecção e monitoramento da sepse, demonstrando valor clínico tanto no diagnóstico quanto no prognóstico da doença. Seu uso na prática médica tem sido impulsionado por sua alta especificidade para infecções bacterianas, permitindo uma estratificação mais precisa dos pacientes críticos e auxiliando na avaliação da resposta ao tratamento. Além disso, a PCT vem sendo amplamente utilizada como uma ferramenta para otimização da antibioticoterapia, contribuindo para a redução do tempo de exposição a antimicrobianos e para um manejo mais racional, conforme demonstrado por estudos clínicos e meta-análises recentes. No entanto, apesar de suas vantagens, a literatura aponta para limitações importantes, incluindo sensibilidade variável e a influência de fatores não infecciosos, o que levanta questionamentos sobre sua aplicabilidade isolada. A Surviving Sepsis Campaign (SSC) 2021 recomenda cautela no uso da PCT como critério exclusivo para iniciar antimicrobianos, sugerindo que sua interpretação deve ser sempre associada à avaliação clínica do paciente 2, 3.
Dessa forma, embora a PCT continue sendo um dos biomarcadores mais estudados e utilizados na prática clínica, há um crescente movimento para a incorporação de biomarcadores adicionais, como a Presepsina (P-SEP), e o desenvolvimento de abordagens combinadas, que possam aprimorar a acurácia diagnóstica e prognóstica da sepse. Novos estudos são necessários para validar sua real eficácia na tomada de decisão clínica e definir com mais precisão seu papel dentro das diretrizes internacionais.
Ainda há uma escassez de estudos robustos que avaliem a eficácia da sCD14-ST como guia para a administração de antibióticos em ambientes críticos, como emergências e Unidades de Terapia Intensiva (UTI). Além disso, como foram abordadas, a forte influência da função renal e a expressão de bactéria bactérias gram-negativas, fazem com que se torne necessário uma abordagem mais detalhada antes de seu uso na prática clínica. Estudos constatam que em pacientes com taxa de filtração glomerular reduzida, a depuração da Presepsina pode estar comprometida, resultando em concentrações persistentemente altas, o que pode levar a falsos positivos no diagnóstico de sepse. Um estudo comparativo observou que pacientes com doença renal crônica estágio IV-V apresentaram níveis de Presepsina até três vezes superiores aos de pacientes com função renal preservada, mesmo na ausência de infecção bacteriana 9. Dessa forma, ao interpretar os níveis de Presepsina em pacientes críticos, é essencial considerar a função renal como um fator potencial de confusão
O protocolo Surviving Sepsis Campaign 2021 não menciona a Presepsina como biomarcador recomendado, o que reflete a necessidade de mais evidências para justificar sua inclusão nas diretrizes internacionais de manejo da sepse. A variabilidade nos pontos de corte da Presepsina entre estudos compromete sua reprodutibilidade clínica e deve ser melhor discutida nas diretrizes. Portanto, embora represente uma ferramenta potencialmente valiosa no contexto da sepse,o papel da Presepsina ainda não está totalmente estabelecido. Pesquisas futuras devem explorar sua aplicação clínica com maior profundidade, especialmente no contexto da antibioticoterapia, para determinar se esse biomarcador pode realmente agregar valor na tomada de decisão terapêutica e na redução da resistência antimicrobiana.
A PCR segue sendo um dos biomarcadores inflamatórios mais utilizados na prática clínica, em grande parte devido à sua fácil disponibilidade e à sua capacidade de refletir a atividade inflamatória em tempo real. No entanto, sua limitada especificidade – visto que níveis elevados podem ocorrer em diversas condições além da sepse – restringe seu uso como marcador diagnóstico isolado. Embora evidências recentes indicam que os padrões de variação da PCR ao longo do tempo possam oferecer informações prognósticas relevantes, relacionando-se com os desfechos clínicos de pacientes críticos, as diretrizes atuais enfatizam a necessidade de uma interpretação cuidadosa. É fundamental que os dados da PCR sejam avaliados em conjunto com outros parâmetros, como medições de lactato e informações clínicas, para aprimorar a precisão diagnóstica 3.
Em relação à orientação da terapia antibiótica, a PCR tem sido estudada como uma ferramenta para determinar quando interromper os antibióticos, especialmente em infecções respiratórias e na população pediátrica. Contudo, conforme destacado pelo Surviving Sepsis Campaign 2021, a decisão de descontinuar a antibioticoterapia não deve basear-se exclusivamente nos níveis de PCR, mas sim em uma avaliação abrangente que integre dados microbiológicos, clínicos e outros biomarcadores, como a Procalcitonina e Lactato. Assim, a utilização da PCR deve ocorrer dentro de uma abordagem multimodal, contribuindo para uma gestão mais precisa e segura dos pacientes sépticos em Unidades de Terapia Intensiva 3, 14.
O protocolo da Surviving Sepsis Campaign (SSC) 2021 recomenda a mensuração do lactato sérico como parte essencial da avaliação inicial de pacientes com suspeita de sepse, pois sua elevação pode indicar hipoperfusão tecidual, mesmo na ausência de hipotensão manifesta. O SSC sugere que níveis ≥ 2 mmol/L devem ser considerados um sinal de gravidade e reforçam a necessidade de intervenção precoce. Além disso, a campanha orienta que, em pacientes com lactato ≥ 4 mmol/L, a ressuscitação volêmica agressiva deve ser iniciada imediatamente. A monitorização seriada do lactato é recomendada para avaliar a resposta ao tratamento, sendo que uma redução de pelo menos 10% nas primeiras 6 horas está associada a melhor prognóstico. No entanto, o protocolo enfatiza que a interpretação do lactato deve ser feita em conjunto com outros parâmetros clínicos e laboratoriais, uma vez que fatores como insuficiência hepática e uso de beta-agonistas podem influenciar seus níveis independentemente da perfusão tecidual.
Conclusão
Os avanços no estudo dos biomarcadores na sepse representam uma oportunidade promissora para a melhoria do diagnóstico, prognóstico e manejo terapêutico dessa condição crítica. A incorporação de biomarcadores como Procalcitonina, Presepsina e Lactato na prática clínica tem demonstrado benefícios significativos na estratificação de risco e no acompanhamento da resposta terapêutica, permitindo intervenções mais precisas e individualizadas. Além disso, a possibilidade de criação de um algoritmo baseado na combinação de múltiplos biomarcadores pode representar um avanço importante na personalização do tratamento, alinhando-se às diretrizes da Surviving Sepsis Campaign e otimizando a abordagem clínica de pacientes sépticos.
Entretanto, apesar do grande potencial dessas ferramentas, desafios significativos ainda precisam ser superados antes de sua implementação generalizada. A restrição financeira para a utilização rotineira desses biomarcadores em todas as unidades de terapia intensiva representa um obstáculo importante, especialmente em sistemas de saúde com recursos limitados. Além disso, a falta de padronização em diversos estudos científicos dificulta a reprodutibilidade dos achados e a definição de valores de corte consistentes, o que compromete a confiabilidade clínica dos biomarcadores.
Para que esses marcadores possam ser amplamente integrados às diretrizes internacionais, estudos mais robustos e bem delineados são essenciais. Pesquisas futuras devem explorar não apenas a eficácia isolada de cada biomarcador, mas também a sinergia entre eles e seu impacto real na redução da mortalidade e na otimização do uso de antibióticos. Dessa forma, a implementação de biomarcadores na Surviving Sepsis Campaign pode ser expandida, promovendo um manejo mais eficaz e seguro da sepse, equilibrando inovação científica com viabilidade clínica.
Dessa forma, os resultados deste estudo evidenciam que não há um biomarcador isolado que possa substituir a avaliação clínica na sepse, mas a integração de múltiplos marcadores, como PCT, Presepsina, PCR e Lactato, pode melhorar a acurácia diagnóstica e a tomada de decisões terapêuticas. O desenvolvimento de algoritmos baseados em biomarcadores poderia otimizar a gestão da sepse e auxiliar na individualização da antibioticoterapia, contribuindo para a redução da resistência antimicrobiana e melhoria dos desfechos clínicos.
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1Orcid 0000-0002-5639-6994 – Acadêmico de Medicina
2Orcid 0009-0002-4576-6248 – Acadêmico de Medicina
3Orcid 0009-0006-3597-7008 – Acadêmico de Medicina
4Orcid 0000-0002-9297-6427 – Acadêmico de Medicina
5Orcid 0009-0009-7101-0808 – Acadêmico de Medicina
6Orcid 0000-0001-9406-0263 – Acadêmico de Medicina
7Orcid 0000-0003-4597-2818 – Acadêmico de Medicina
8Orcid 0000-0002-6636-1621 – Acadêmico de Medicina
9Orcid 0000-0003-2713-1505 – Acadêmico de Medicina
10Médica, Orientadora e Docente de la Universidad Central del Paraguay – Orcid: 0009-0009-2053-9760 – Universidad Central del Paraguay – UCP – Ciudad Del Este – Alto Paraná