REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cs10202408060015
CORTE, Ludimila de Macedo Dalla1
FLEURY, Bruno Antônio Gonçalves2
RESUMO
Introdução: O método palpatório é hoje o mais utilizado para identificação da referência anatômica da linha de Tuffier, descrito na literatura como uma linha imaginária que liga as duas cristas ilíacas, correspondendo ao espaço intervertebral L4-L5 ou apófise de L4. Este seria o espaço considerado seguro para a realização da anestesia subaracnóidea, e da punção lombar, visto que a extremidade caudal da medula espinhal fica situada entre L1-L2 na maioria dos indivíduos adultos. Objetivo: Identificar o espaço intervertebral de correspondência da linha de Tuffier por meio da ultrassonografia, analisando a prevalência deste espaço na população da região metropolitana de Brasília. Método: Trata-se de um estudo transversal e observacional. Com coleta de dados de indivíduos atendidos no Hospital Regional da Asa Norte – HRAN, durante os meses de maio a dezembro de 2022. Foram incluídos no estudo os indivíduos acima de 18 anos atendidos no HRAN. Os dados foram coletados através de formulário digital do Google®, a plataforma possibilita baixar os dados coletados já tabulados em planilhas. Foi realizada análise estatística com construção de tabelas para a exposição dos resultados. Além disso, foi realizada análise estatística analítica para avaliação dos resultados das variáveis categóricas da amostra por meio de testes específicos para tabelas bivariadas. Sendo realizada correlação dos achados ultrassonográficos do nível lombar da linha de Tuffier com as variáveis epidemiológicas levantadas (idade, peso, altura e índice de massa corpórea). Resultados: Durante o período proposto para o estudo (maio a dezembro de 2022) foram avaliados 70 indivíduos atendidos no Hospital Regional da Asa Norte. 65,71% eram do sexo feminino e 34,29% do sexo masculino, a média da idade dos indivíduos foi de 45 anos (19- 83 anos), peso médio de 72 Kg (44-140Kg), altura média de 165cm (147- 194 cm) e índice de massa corpórea médio de 26,23 (18,08-43,56). O espaço IV encontrado no USG com maior frequência foi L3-L4 em 57,14% dos casos. Conclusão: conclui-se que o presente estudo demonstrou concordância com a literatura em relação a grande variação na localização da linha de Tuffier, e em discordância com a literatura o espaço predominante localizado foi em L3-L4.
Palavras-chaves: Linha de Tuffier. Punção lombar. Método de palpação. Ultrassom. Anestesia subaracnóidea.
ABSTRACT
Introduction: The palpation method is currently the most used to identify the anatomical reference of Tuffier’s line, described in the literature as an imaginary line that connects the two iliac crests, corresponding to the L4-L5 intervertebral space or L4 apophysis. This would be the space considered safe for performing spinal anesthesia, and lumbar puncture, as the caudal end of the spinal cord is located between L1-L2 in most adult patients. Objective: To identify the intervertebral space corresponding to Tuffier’s line using ultrasonography, analyzing the prevalence of this space in the population of the metropolitan region of Brasília. Method: This is a cross-sectional and observational study. With prospective data collection, from patients seen at Hospital Regional daAsa Norte – HRAN, during the months of May to December 2022. Patients over 18 years of age attended at HRAN were included in the study. Data was collected through a Google® digital form, the platform makes it possible to download the collected data already tabulated in spreadsheets. Descriptive statistical analysis was performed with the construction of tables to display the results. In addition, analytical statistical analysis was performed to evaluate the results of the sample’s categorical variables through specific tests for bivariate tables. Correlation of ultrasound findings at the lumbar level of Tuffier’s line was performed with the epidemiological variables surveyed (age, weight, height and body mass index). Results: During the period proposed for the study (May to December 2022), 70 patients treated at the Hospital Regional da Asa Norte were evaluated. 65.71% were female and 34.29% male, mean age of patients was 45 years (19-83 years), mean weight of 72 Kg (44-140Kg), mean height of 165cm ( 147-194 cm) and mean body mass index of 26.23 (18.08-43.56). The IV space most frequently found on USG was L3-L4 in 57.14% of cases. Conclusion: it is concluded that the present study demonstrated agreement with the literature in relation to the great variation in the location of Tuffier’s line, and in disagreement with the literature, the predominant space located was in L3-L4.
Keywords: Tuffier Line. Lumbar puncture. Palpation method. Ultrasound. Subarachnoid anesthesia.
1. INTRODUÇÃO
Entre os anos 1900 a 1902 foi descrita por Théodore Tuffier uma linha horizontal imaginária, que liga os pontos superiores de uma crista ilíaca à outra, para detecção do espaço intervertebral L4-L5. Desde então essa tem sido a referência anatômica utilizada pelos médicos, em especial anestesiologistas, para encontrar o espaço entre as vértebras, ideal para punção subaracnóidea (TANAKA, IRIKOMA e KOKUBO, 2013; HOSOKAWA, OKUTOMI, et al., 2019). Contudo, a literatura demonstra que há algumas divergências em relação à correspondência da linha com o nível espinhal lombar, variando desde L3-L4 e L5-S1 (TANAKA, IRIKOMA e KOKUBO, 2013; HOSOKAWA, OKUTOMI, et al., 2019).
Já foi descrito na literatura trauma neurológico iatrogênico do cone medular, este por sua vez é a extremidade caudal da medula espinhal e situa-se normalmente no terço inferior do corpo vertebral da primeira vértebra lombar ou no espaço entre L1-L2 na maioria dos adultos (REYNOLDS, 2001; HAMANDI, MOTTERSHEAD, et al., 2002; AHMAD , PANDEY, et al., 2006).
As complicações decorrentes dos procedimentos anestésicos estão relacionadas a diversos fatores, dentre eles a confiança que os anestesiologistas têm em puncionar o espaço intervertebral utilizando o método palpatório e as referências anatômicas na identificação do nível do espaço lombar desejado (PERLAS, CHAPARRO e CHIN, 2016; FUJITA, COLE e NAGASAKA, 2018; GREANEY e EVERETT, 2019).
Os erros mais frequentes ocorrem quando se faz necessário a angulação da agulha na direção cefálica (BROADBENT , MAXWELL, et al., 2000), podendo gerar lesão do cone medular pela agulha, acarretando déficits neurológicos transitórios ou permanentes . Existem outros fatores que contribuem para o aumento da incidência de lesões neurológicas, durante o bloqueio de neuroeixo, dentre eles a dificuldade de palpação da crista ilíaca em alguns indivíduos, sobretudo nos obesos, nas gestantes e nos indivíduos com deformidades da coluna lombar (PERLAS, CHAPARRO e CHIN, 2016; YOO , KIM , et al., 2020). Outro fator seria a dificuldade na técnica pelo anestesiologista inexperiente, além da variabilidade individual da localização do cone medular e da linha de Tuffier (LIN, LI, et al., 2015; FUJITA, COLE e NAGASAKA, 2018).
A ultrassonografia é uma ferramenta que vem se expandindo na anestesiologia, com o objetivo de melhorar a precisão na realização de diversas técnicas anestésicas, com intuito de minimizar os danos. Pode-se determinar o espaço intervertebral com maior segurança para realização dos bloqueios de neuroeixo (FUJITA, COLE e NAGASAKA, 2018), reduzindo assim o risco de lesão neurológica e outras intercorrências como múltiplas punções em indivíduos cujos espaços entre as vértebras são mais difíceis de localizar, podendo localizar o melhor espaço a ser puncionado (TANAKA, IRIKOMA e KOKUBO, 2013).
Quando não se consegue determinar o espaço intervertebral exato com base na linha de Tuffier pelo método palpatório, poderá haver complicações como lesão do cone medular pela agulha de raquianestesia, ocasionando déficits neurológicos transitórios ou permanentes. Além das complicações menores ocasionadas pelas múltiplas punções realizadas para encontrar o espaço exato, em indivíduos com preditores de dificuldade como gestantes e obesos, gerando desconforto ao indivíduo no momento da punção (FUJITA, COLE e NAGASAKA, 2018; GREANEY e EVERETT, 2019). Nestes casos, é aconselhável o uso da ultrassonografia para melhorar a acurácia da punção espinhal, minimizar danos ao indivíduo e determinar o espaço intervertebral com maior precisão (FUJITA, COLE e NAGASAKA, 2018; GREANEY e EVERETT, 2019).
2. REFERENCIAL TEÓRICO
A identificação correta dos níveis lombares intervertebrais é essencial para evitar lesões da medula espinhal relacionadas à agulha espinhal na indução da raquianestesia. Para minimizar o risco de lesão da medula espinhal, a agulha deve ser inserida abaixo do nível do cone medular, geralmente recomendado abaixo do interespaço vertebral L2-L3 ou L3-L4 (TANAKA, IRIKOMA e KOKUBO, 2013; HOSOKAWA, OKUTOMI, et al., 2019).
A posição em decúbito lateral com hiperflexão é frequentemente usada para realização da punção espinhal, acredita-se que essa posição facilita a identificação do interespaço. Contudo, a largura interespinhosa do interespaço L3-4 pode aumentar quase uma vez com flexão total nessa posição, porém a posição da linha intercristal não muda (LIN, LI, et al., 2015).
A vértebra lombar é composta pelo corpo vertebral, pedículo, processo transverso, processo articular superior, processo articular inferior, lâmina e processo espinhoso. As lacunas entre duas vértebras adjacentes podem ser divididas em espaços interespinhoso e interlaminar (Figura 02). O espaço interlaminar é delimitado pelas bases dos processos espinhosos, lâminas, processos articulares inferiores e processos articulares superiores. Para uma punção dural bem-sucedida, a agulha espinhal deve ser inserida através do espaço interlaminar (YOO , KIM , et al., 2020).
Figura 1: Anatomia das vértebras lombares vertebral (Fonte: https://www.nysora.com/techniques/neuraxial-and perineuraxial-techniques/spinal-sonography-and-applications-of-ultrasound-for-central-neuraxial-blocks/)
Apesar de que, em crianças com mais de 1 ano ou adultos, a medula espinhal geralmente termina no nível interespacial L1-L2, cerca de 2% a 5% dos indivíduos, a medula espinhal termina no corpo da segunda vértebra lombar ou abaixo dele. Desta forma, as agulhas devem ser introduzidas abaixo da terceira vértebra lombar para minimizar o risco de contato com a medula espinhal (HAYES, BORGES, et al., 2014).
O intercristal (ou linha de Tuffier) corresponde radiologicamente ao espaço intervertebral L4-L5 e é comumente usado como um ponto de referência para identificar o espaço intervertebral L3-L4 (MILLER, ERIKSSON, et al. 2015). Porém, mesmo anestesiologistas experientes podem identificar incorretamente o espaço intervertebral L3–L4 por um ou mais espaços intervertebrais cefálicos em mais de 30% das vezes em adultos ao usar a linha intercristal como um ponto de referência para palpação (HAYES, BORGES, et al., 2014). Desta forma, tentativas de inserções múltiplas ou uma possível “inserção traumática” aumentam o risco de hematoma epidural, além disso, uma avaliação imprecisa da localização dos espaços intervertebrais pode levar a injeção intracordal não intencional resultando em lesão da medula espinhal e sequelas neurológicas permanentes (PERLAS, CHAPARRO e CHIN, 2016).
Além disso, Hosokawa, et al. (2019), citam que o nível interseccional da linha intercristal e da coluna vertebral pode variar entre os indivíduos e outros fatores como sexo, peso e etnia. A taxa de concordância da estimativa do nível lombar intervertebral L3-L4 entre a palpação e a ultrassonografia é de 64% na população em geral e de 36,4% na população obstétrica. Além disso, a linha intercristal palpada tende a ser mais cefálica do que caudal em populações obstétricas. Contudo, estes dados são referentes a população norte-americana, desta forma, levanta-se a hipótese que pode existir diferenças nos níveis intervertebrais com base na linha intercristal palpada entre as diferentes etnias (HOSOKAWA, OKUTOMI, et al., 2019).
O peso do indivíduo é outro fator que pode contribuir para a imprecisão da identificação do espaço intervertebral. Lin, et al. (2015), observaram em seu estudo que indivíduos com maior circunferência abdominal, maior Índice de Massa Corpórea (IMC) e indivíduos de meia-idade (50 a 70 anos), os anestesiologistas tendem a estimar o interespaço lombar em níveis mais altos do que o interespaço real do processo espinhoso. O grau de flexão lombar está correlacionado com a circunferência abdominal e a idade, mas não parece estar associado à acurácia obtida isoladamente. Stagg (2021) também observaram que procedimentos como raquianestesia podem ser tecnicamente difíceis em indivíduos com alto índice de massa corporal.
Para Lin, et al. (2015), é recomendado que seja considerado um “ajuste” da linha de Tuffier palpada, com inserção da agulha espinhal em um nível ou trajetória inferior, para evitar contato potencial com o cone medular terminal, especialmente naqueles indivíduos de meia idade com IMC aumentado e maiores circunferências abdominais.
A palpação dos pontos de referência ósseos é afetada pelo índice de massa corpórea (IMC) e pela circunferência abdominal, presumivelmente porque esses pontos de referência nem sempre são facilmente identificados com tecido interveniente abundante. Essa discrepância entre a palpação e a “anatomia verdadeira” pode predispor a lesões da medula espinhal com raquianestesia, pois a distância entre o nível palpado da linha de Tuffier e o término do cone medular pode tornar-se muito menor, especialmente para indivíduos mais velhos que já têm distâncias intervertebrais mais curtas (LIN, LI, et al., 2015).
Além do peso, indivíduos obstétricas também apresentam dificuldade para identificação do nível interespinhoso somente com a palpação (TANAKA, IRIKOMA e KOKUBO, 2013; LIN, LI, et al., 2015; HOSOKAWA, OKUTOMI, et al., 2019; YOO , KIM , et al., 2020). Para Tanaka, et al. (2013), é mais seguro nesta população que os anestesiologistas tenham como objetivo o nível interespinhoso L3-L4 ou mais baixo, com o uso da técnica intratecal. Hosokawa, et al. (2019) salientam que em mulheres grávidas a linha intercristal identificada pela palpação estava localizada mais cefálica do que L2-L3 em 27% a 35,5% destas.
A ultrassonografia (USG) na anestesia nos últimos anos, além de ser portátil e beira-leito, tem sido comumente usada por estes profissionais (HAYES, BORGES, et al., 2014; PERLAS, CHAPARRO e CHIN, 2016; YOO, KIM , et al., 2020). Perlas, et al. (2016) e Stagg (2021), salientam que a ultrassonografia fornece informações anatômicas, incluindo a profundidade do espaço epidural, a identidade de um determinado nível intervertebral e a localização da linha média e dos espaços interespinhosos/interlaminar. Contribuindo assim para que estas informações sejam usadas para orientar com sucesso a inserção subsequente da agulha. Além disso, o uso de ultrassonografia contribui para reduzir o risco de procedimentos traumáticos.
Yoo, et al. (2020) e Stagg (2021), salientam também que o uso da ultrassonografia traz maiores benefícios principalmente para indivíduos com deformações congênitas ou que apresentem maior dificuldade de palpação. Os autores observaram que indivíduos com escoliose lombar documentada ou naqueles com história de cirurgia espinhal anterior também mostrou resultados semelhantes de que o número de passagens de agulha e tentativas de punção foram significativamente menores no grupo de USG do que no grupo controle (YOO, KIM, et al., 2020). Ni, et al. (2021), salientam que a ultrassonografia pré-procedimento com interpretação automatizada em tempo real das imagens de ultrassonografia lombar ajudou a fornecer uma maior taxa de sucesso na primeira inserção, uma menor taxa de parturientes que precisaram de redirecionamentos de agulha, redução do tempo gasto para identificar o local da punção da agulha e redução incidência de parestesia, mesmo para anestesiologistas experientes.
Apesar da possibilidade que o método ultrassonográfico representa em auxiliar o anestesiologista na identificação correta dos espaços intervertebrais lombares por palpação, alguns autores não identificaram vantagens no uso deste método para realização deste procedimento. Hayes, et al. (2014), salientam que o uso auxiliar de ultrassom não oferece uma vantagem em termos de precisão em comparação com o método de palpação de pontos de referência, principalmente para anestesiologistas pediátricos experientes. Dhanger (2018), observam que o uso de ultrassom para o bloqueio neuroaxial ainda é subestimado principalmente devido à dificuldade em perceber a imagem através das estreitas janelas acústicas produzidas pela estrutura óssea da coluna. Porém, na literatura tem sido observado que o uso de uma técnica de linha média guiada por ultrassom pré-procedimento resultou em uma redução significativa no número de tentativas e passagens necessárias para uma raquianestesia bem-sucedida em comparação com uma abordagem convencional baseada em pontos de referência em indivíduos submetidas à cesariana. Porém, apesar dos benefícios do uso de ultrassonografia, essa ainda não é corriqueira na prática clínica devido às questões envolvendo a realização do exame (DHANGER, VINAYAGAM, et al., 2018).
Figura 2: Técnica de palpação versus USG (Fonte: PIAZZETTAG. P, 2021).
Figura 3: 1). Posição sentada. 2). Palpação das cristas ilíacas superiores. 3). Projeção para a coluna vertebral. 4). Visão em perfil da palpação (Fonte: PIAZZETTA G. P, 2021).
3. OBJETIVO
3.1.Geral
Identificar o espaço intervertebral de correspondência da linha de Tuffier por meio da ultrassonografia, analisando a prevalência deste espaço na população da região metropolitana de Brasília.
3.2.Específicos
• Traçar o perfil epidemiológico e antropométrico da amostra estudada;
• Fazer a correlação dos achados ultrassonográficos do nível lombar da linha de Tuffier com as variáveis epidemiológicas levantadas (Sexo, idade, peso, altura e IMC) e verificar a relevância desses, como possíveis preditores de confusão para a localização do espaço intervertebral.
• Verificar se os dados ultrassonográficos encontrados do marco anatômico da coluna lombar correspondente à linha de Tuffier são concordantes com os achados da literatura.
4. MATERIAIS E MÉTODOS
1. tipo de estudo
Trata-se de um estudo transversal e observacional. Com coleta de dados, de indivíduos atendidos no Hospital Regional da Asa Norte – HRAN durante os meses de maio a dezembro de 2022.
2. Pacientes incluídos
Foram incluídos no estudo pacientes ou funcionários do centro cirúrgico bem como indivíduos acima de 18 anos que foram submetidos ou não a cirurgias eletivas, ou internados em enfermarias no HRAN.
3. Método de realização de exame
Foi solicitado aos voluntários que se posicionassem sentados ou em decúbito lateral. Em seguida, foi marcado na pele o ponto de cruzamento da linha horizontal que liga as duas cristas ilíacas posteriores com a coluna vertebral, com o auxílio de caneta própria para uso em pele, por um único examinador.
O equipamento utilizado para a verificação da linha de tuffier foi um aparelho de ultrassom portátil Sonosite M-turbo com um transdutor convexo de baixa frequência (2 a 5 MHz), a escolha do aparelho foi baseada no campo de visão largo e por este ter uma penetração mais profunda, possibilitando assim a melhora no reconhecimento da anatomia e a qualidade da imagem, respectivamente. O transdutor foi posicionado na região sacral em apresentação longitudinal paramediana, 2 a 3 cm da linha média, angulado para o centro do canal medular. Após a localização do osso sacro, sendo identificada como uma linha hiperecóica contínua, o transdutor foi direcionado em sentido cranial e os processos espinhosos das vértebras lombares identificados, avançado em direção cefálica, sendo contado os espaços intervertebrais até a linha marcada na pele, posicionando-a com o centro do transdutor (Figura 04: A e B), pelo mesmo examinador que realizou a marcação.
Figura 4: Modelo do equipamento ultrassonográfico utilizado
Figura 5: A. Imagem ultrassonográfica em apresentação longitudinal da região lombossacral na qual se identificam a porção superior do osso sacro e os processos espinhosos das vértebras lombares. B. visão paramediana oblíqua sagital do sacro e da lâmina de L5 (Fonte: LOCKS G, et al. 2010)
4. Variáveis coletadas
As variáveis altura, idade, peso e IMC foram coletadas em um questionário digital descrito no tópico instrumento de coleta (9.2.), juntamente com a marcação do achado ultrassonográfico.
5. Seleção dos grupos
Os participantes foram agrupados em relação aos achados identificados através da ultrassonografia referentes ao: interespaço lombar (L2-L3; L3-L4; L4-L5; L5- S1); apófise de L2; apófise de L3; apófise de L4; e apófise de L5. Os dados foram coletados através de formulário digital do Google®, a plataforma possibilita baixar os dados coletados já tabulados em planilhas.
6. Análise estatística
Foi realizado análise estatística com construção de tabelas para a exposição dos resultados. Além disso, foi realizada análise estatística analítica para avaliação dos resultados das variáveis categóricas da amostra por meio de testes específicos para tabelas bivariadas. Sendo realizada correlação dos achados ultrassonográficos do nível lombar da linha de Tuffier com as variáveis epidemiológicas levantadas (idade, peso, altura e IMC).
Os dados foram analisados estatisticamente usando o programa estatístico SPSS da IBM, versão 21. O intervalo do nível de confiança para este estudo aceito foi de 95% e nível de significância de 0,050. Foram usados os testes t-student, Qui-quadrado e Kruskal-Wallis[^kw] na Correlação dos grupos do interespaço lombar (L2-L3; L3-L4; L4-L5; L5- S1); apófise de L2; apófise de L3; apófise de L4; e apófise de L5.
7. Aprovação do Comitê de Ética em pesquisa
O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Fundação de Ensino e Pesquisa em Ciências da Saúde sob CAAE número 56595022.7.0000.5553 e parecer número 5.394.163.
5. RESULTADOS
Durante o período proposto para o estudo (maio a dezembro de 2022) foram avaliados 70 indivíduos no Hospital Regional da Asa Norte. 65,71% eram do sexo feminino e 34,29% do sexo masculino (Figura 04), a média da idade foi de 45 anos (19- 83 anos), peso médio de 72 Kg (44-140Kg), altura média de 165cm (147- 194 cm) e IMC médio de 26,23 (18,08-43,56) (Tabelas 1 e 2). A posição mais frequente foi sentada em 52,8% dos indivíduos e o espaço intervertebral (IV) encontrado na ultrassonografia (USG) com maior frequência foi L3-L4 em 57,14% dos casos (Figura 5).
Figura 6: Sexo.
Figura 7: Espaço intervertebral encontrado no ultrassom.
Tabela 1: Média referente aos achados idade, peso, altura e IMC.
Os achados ultrassonográficos do nível lombar da linha de Tuffier com as variáveis epidemiológicas levantadas (sexo, idade, peso, altura e IMC) demonstrou que na idade, a maior media foi no achado a L4-L5 com 48,64 anos; peso teve uma média de 84,42kg no achado L2-L3 (p-valor significativo de 0,01); altura teve uma média de 177,67 cm no achado apófise de L4; e o IMC teve uma média de 29,28 no achado L2-L3 (Tabela 03).
Na tabela 03 tem-se as medidas descritivas das variáveis com o Espaço IV e o resultado do teste de Kruskal-Wallis[^kw]. Pelos p-valores tem-se que somente há relação significativa com a variável peso. Na tabela 04 tem-se as comparações dos espaços com relação à média de peso. Percebe-se que tem 5 casos de diferenças significativas.
Tabela 2: Correlação dos achados ultrassonográficos do nível lombar da linha de Tuffier com as variáveis epidemiológicas levantadas (Sexo, idade, peso, altura e IMC).
Tabela 3: comparações dois a dois dos espaços com relação à média de peso.
6. DISCUSSÃO
Após o desenvolvimento do presente estudo foi possível identificar que o espaço intervertebral de correspondência da linha de Tuffier por meio da ultrassonografia em uma amostra de indivíduos atendidos no Hospital Regional da Asa Norte foi L3-L4 em 57,14% dos casos, seguida de L2-L3 em 17,14% e L4-L5 em 17,71% dos casos.
Os indivíduos estudados eram em sua maioria do sexo feminino, com média de 45 anos, com peso médio de 72Kg, com altura média de 165Kg e IMC médio de 26,23, desta forma, observa-se que em sua maioria os indivíduos do estudo estão em sobrepeso. A posição sentada (52,86%) foi a mais frequente entre os pacientes e o espaço IV encontrado no USG com maior frequência foi o L3-L4 (57,1%).
Foi possível observar que nos achados ultrassonográficos do nível lombar da linha de Tuffier os indivíduos com média de idade menor que 42,67 anos tem achados apófise de L3 (com média de 41,5 anos) e apófise de L4 (42,7 anos). Indivíduos entre 43 a 45 anos, foram mais frequentes nos achados L2-L3 (com média de 43,8 anos) e nos achados L3-L4 (com média de 44,6 anos) (p-valor não significativo de 0,900).
Em relação ao espaço com maior frequência de achados (L3-L4), observou-se que os pacientes tinham em média 44,6 anos, com 70,7 Kg, 163cm de altura e IMC médio de 26,1. Na L4-L5 e Apófise de L4 observou-se entre os pacientes deste grupo média de idade de 47,3 anos, peso médio de 67 Kg, altura média de 166 cm e IMC médio de 24,2. Sendo essa a menor média de IMC entre os espaços. Demonstrando assim foi possível identificar o espaço L4-L5 e Apófise de L4 com um pouco mais de facilidade em pacientes que tinham um índice de massa corpórea mais baixo.
A menor média de peso nos indivíduos estudados foi nos achados ultrassonográficos apófise de L3 (média de 65,5Kg); L4-L5 (média de 63,3Kg) e L3-L4 (média de 70,7Kg); indivíduos com achados apófise de L4 (média de 82Kg) e L2-L3 (média de 84,4Kg) tiveram média de pesos maiores. A menor média de altura foi no achado apófise de L3 (média de 163,25cm); indivíduos com achados L2-L3 e apófise de L4 tiveram uma média de altura superior a 170cm (170,08cm; 177,67cm respectivamente).
Em relação a posição dos pacientes, no grupo de pacientes em decúbito lateral, a L4-L5/Apófise de L4 foi melhor identificada em 57,1% dos casos, o espaço L3-L4 foram identificados em 40% dos casos nessa posição.
Na posição sentada, o espaço L4-L5/Apófise de L4 foi identificado em 42,9% dos casos deste grupo; o espaço L3-L4 foi identificado em 60% dos casos. Estes achados demonstram que houveram melhor facilidade para identificar L4-L5/Apófise de L4 na posição em decúbito lateral.
No IMC, somente os achados apófise de L3 (IMC 24,5) e L4-L5 (IMC 23,65) os indivíduos estavam com o IMC considerado normal; indivíduos com achados L3-L4 (IMC 26,19), apófise de L4 (IMC 26,20) e L2-L3 (IMC 29,28) estavam com sobrepeso, o que pode significar maior dificuldade de palpação e assim erro na identificação da linha de tuffier encontrada devido o sobrepeso.
O espaço intervertebral L3-L4 foi o achado mais frequente na ultrassonográficos do nível lombar da linha de Tuffier, esse achado demonstrou uma média de IMC (26,19), já os pacientes com achados L2-L3 tiveram um maior IMC entre os grupos. Além disso, o peso demonstrou ter correlação significante entre o nível da coluna lombar interceptado pela linha de Tuffier (p-valor 0,01).
Vários estudos têm demonstrado que em mulheres não grávidas, a taxa de concordância de L4-L5 entre a determinação ultrassonográfica e a ressonância magnética foi superior a 70%, sendo que na população obstétrica a taxa de concordância da estimativa do nível lombar intervertebral L4-L5 entre a palpação e a ultrassonografia é 36,4% (TANAKA, IRIKOMA e KOKUBO, 2013; PERLAS, CHAPARRO e CHIN, 2016; HOSOKAWA, OKUTOMI, et al., 2019; YOO , KIM , et al., 2020).
No geral, observa-se na literatura que a localização dos espaços interespinhais pelo método palpatório de marcos anatômicos, como a Linha de Tuffier, apresenta baixo índice de acerto, contribuindo assim para o aumento dos riscos de complicações associadas ao procedimento anestésico (PERLAS, CHAPARRO e CHIN, 2016; GREANEY e EVERETT, 2019).
7. CONCLUSÃO
No presente estudo foi possível identificar que o espaço intervertebral de correspondência da linha de Tuffier por meio da ultrassonografia em uma amostra de indivíduos atendidos no Hospital Regional da Asa Norte corresponde ao corpo de L4 e ao interespaço L3-L4 em 57,14%.
Desta forma conclui-se que em uma amostra da população brasileira de ambos os sexos, e de faixa etárias variando entre 19 a 83 anos, demonstrou diferença na prevalência da linha de Tuffier identificada pela ultrassonografia, em relação a da literatura que é usada como base a população americana.
Não obstante, apesar da ultrassonografia não fazer parte da prática clínica para realização dos bloqueios de neuroeixo, é evidenciado que esta tem melhor acurácia do que a palpação na identificação correta de um interespaço lombar, podendo ser uma importante ferramenta na prática anestésica, e médicos clínicos, já que há possibilidade de a linha de Tuffier ter localização diferente da normalmente citada na literatura.
Além disso, estudos têm demonstrado que fatores como idade, IMC, malformação congênita e até mesmo a etnia do indivíduo podem contribuir para uma diferença significativa no espaço anatômico do indivíduo. Demonstrando assim, que os estudos usados como base científica na identificação do espaço intervertebral de correspondência da linha de Tuffier podem diferir dos achados na população brasileira. Desta forma, apesar da amostra do presente estudo ser com uma quantidade pequena de indivíduos, foi possível demonstrar a necessidade de estudos em larga escala para ratificar esses achados na população brasileira.
8. REFERÊNCIAS
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1Médica anestesiologista do HRAN – Hospital Regional da Asa Norte
2Médico residente de Clínica Médica do HFAB – Hospital de força aérea de Brasília