AVALIAÇÃO DO PLANEJAMENTO DE COMPRAS DE ULTRAPROCESSADOS EM UMA UNIDADE DE ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO (UAN) INSTITUCIONAL MILITAR

EVALUATION OF THE PLANNING OF PURCHASES OF ULTRAPROCESSED FOODS IN A MILITARY INSTITUTIONAL FOOD AND NUTRITION UNIT (UAN)

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202506121046


Kauane Souza da Silva¹
Thaís Biasuz²
Thayna Viencz³
Renata Leia Demário Vieira⁴


Resumo

Este estudo analisou o planejamento de compras de alimentos ultraprocessados em uma Unidade de Alimentação e Nutrição (UAN) militar em Guarapuava, Paraná. A pesquisa incluiu a análise de cardápios servidos ao longo de 20 dias e a avaliação de 30 dias de compras realizadas pela UAN, categorizando os itens segundo o grau de processamento alimentar conforme o Guia Alimentar para a População Brasileira. Os resultados revelaram que 47,3% dos alimentos adquiridos eram ultraprocessados, comprometendo a qualidade nutricional das refeições oferecidas. Apenas 37,1% das preparações analisadas foram classificadas como de “alta qualidade”, enquanto 44,5% foram consideradas de “baixa” ou “muito baixa qualidade”. Nesse contexto, recomenda-se a substituição gradual de alimentos ultraprocessados, por alimentos in natura e minimamente processados, visando melhorar a qualidade nutricional das refeições bem como promover benefícios à saúde e produtividade dos colaboradores. Além disso, investimentos em capacitação, políticas de gestão e estratégias de compra são essenciais para priorizar a oferta de refeições equilibradas e alinhadas ao Guia Alimentar.

Palavras-chave: Processamento de alimentos, gestão de estoque, alimentação coletiva, forças armadas.

1 INTRODUÇÃO

A oferta de uma refeição adequada e equilibrada em uma Unidade de Alimentação e Nutrição (UAN) é fundamental para a promoção da saúde do trabalhador, pois contribui para seu rendimento e produtividade, além de diminuir os riscos de acidentes de trabalho (VANIN et al., 2007). Para grande parte dos trabalhadores, a refeição realizada na empresa se baseia na principal alimentação do dia. Portanto, a intervenção alimentar adequada é indispensável na saúde desses comensais (BRANDÃO; GIOVANONI, 2011). Nos últimos anos, houve uma mudança importante nos hábitos alimentares, devido à urbanização, ritmo de vida acelerado e preferência por alimentos industrializados. Essas alterações refletem a busca por conveniência e praticidade, que muitas vezes superam a escolha por alimentos frescos e minimamente processados (COSTA et al., 2021).

De acordo com a classificação do Guia Alimentar para a População Brasileira, alimentos ultraprocessados são produtos formulados a partir de substâncias extraídas ou derivadas de alimentos, como óleos, gorduras, açúcares e amidos, e que contêm poucos ou nenhum ingrediente de origem alimentar integral. Esses produtos costumam incluir aditivos como corantes, aromatizantes, emulsificantes e conservantes, que têm como objetivo modificar suas características sensoriais e prolongar sua vida útil, estando distantes da forma natural dos alimentos (BRASIL, 2014).

Em UAN institucionais, o uso de alimentos processados e ultraprocessados pode ser frequente por diversos motivos, especialmente pela facilidade de uso, padronização das preparações e baixo custo, o que torna as preparações culinárias mais convenientes e acessíveis (INÊS, 2022). Porém tais alimentos ​​contêm altos níveis de açúcar, sódio, gorduras saturadas e aditivos químicos, que estão relacionados ao desenvolvimento de várias doenças (LOUZADA et al., 2023). O consumo frequente desses alimentos ​​pode prejudicar a microbiota intestinal, causar problemas digestivos bem como imunológicos (MICLOTTE; VAN DE WIELE, 2019).

O objetivo do estudo foi avaliar o planejamento de compras de alimentos ultraprocessados em uma UAN institucional militar, analisando tanto os cardápios quanto os alimentos adquiridos. Através dessa avaliação, buscou-se entender a frequência e a proporção desses alimentos no contexto da alimentação oferecida aos militares.

2 METODOLOGIA

Estudo do tipo transversal realizado nos meses de novembro a dezembro de 2024, em uma Unidade de Alimentação e Nutrição (UAN) institucional militar no município de Guarapuava, Paraná.

Neste período foi realizada análise do cardápio servido na UAN ao longo de 20 dias consecutivos. Para isso, utilizou-se o Escore para Avaliação Qualitativa de Preparação (EAQP) (DOHMS, 2021), ferramenta que permite classificar as preparações em quatro diferentes categorias de alimentos conforme o Guia Alimentar para a População Brasileira (BRASIL, 2014): in natura, minimamente processados, processados e ultraprocessados. Essa classificação foi fundamental para identificar os alimentos ofertados e sua frequência nos cardápios.  Além da análise dos cardápios, foi solicitado acesso à lista de compras realizadas pela UAN durante um período de 30 dias. Esse levantamento permitiu identificar os alimentos adquiridos bem como categorizá-los de acordo com seu grau de processamento. 

Os dados coletados foram analisados descritivamente para calcular o percentual de refeições que incluíram pelo menos um item ultraprocessado, a proporção de alimentos ultraprocessados em relação ao total de itens servidos nas refeições e a frequência de aquisição de alimentos ultraprocessados no período analisado.

Também foram realizadas entrevistas com a equipe responsável pela gestão da UAN para entender os critérios utilizados na escolha e compra dos alimentos, bem como os desafios enfrentados na elaboração dos cardápios. Para tabulação e análise dos dados, utilizou-se o software Excel®.

3 RESULTADOS E DISCUSSÕES

A UAN avaliada é do tipo autogestão, com funcionamento ininterrupto ao longo da semana, onde são servidos quatro tipos de refeições aos militares, dentre elas: café da manhã, almoço, jantar e ceia. Diariamente são distribuídas aproximadamente 500 refeições para os colaboradores. A amostra em estudo contemplou todas as refeições, exceto o EAQP que foi realizado apenas para avaliação do almoço e do jantar.

O padrão de cardápio da UAN é do tipo popular, composto por seis preparações, dentre elas: dois acompanhamentos, a guarnição, a proteína, a salada e a sobremesa, o qual é elaborado com base na aquisição de 112 diferentes gêneros alimentícios pela Unidade de Alimentação e Nutrição (UAN).

Os alimentos são escolhidos considerando os principais critérios dos responsáveis pelas compras da UAN que quando questionados mencionaram levar em consideração o melhor custo-benefício, a praticidade no preparo, a maior durabilidade e o sabor agradável.

Em relação aos itens da lista de compras, observou-se que 47,3% dos alimentos classificavam-se como ultraprocessados, enquanto 52,7% como outros alimentos (Tabela 1). Isso indica que quase metade dos alimentos comprados eram produtos que, geralmente, possuem maior adição de ingredientes artificiais, como conservantes, corantes e aromatizantes, além de níveis mais altos de sódio, gorduras e açúcares.

Tabela 1 – Proporção de alimentos ultraprocessados comprados na UAN.

Fonte: Os autores, 2024.

Em relação à qualidade das preparações servidas na UAN, a maioria das preparações apresentavam baixa qualidade, de acordo com a análise do EAQP, tendo em vista que somente 37,1% das 121 preparações analisadas foram classificadas como de “alta qualidade”. Quase metade (44,5%) das preparações foram classificadas como de “baixa qualidade” e “muito baixa qualidade” (Tabela 2).

Tabela 2 – Classificação da qualidade das preparações por categoria na UAN.

n= número de preparações, %= porcentagem. Fonte: Os autores, 2024.

Em relação aos escores de qualidade das preparações, destaca-se que as pontuações negativas foram características em prato principal, guarnição e sobremesa (Tabela 3).

Tabela 3 – Escores da qualidade das preparações da UAN.

Fonte: Os autores, 2024.

A análise realizada evidencia que o planejamento de compras na UAN militar, é predominantemente composto por alimentos ultraprocessados (47,3%), isso reflete os desafios enfrentados na oferta de refeições de alta qualidade nutricional. Essa elevada proporção de alimentos ultraprocessados impacta diretamente a qualidade geral das preparações servidas, como demonstrado pelos resultados do Escore para Avaliação Qualitativa de Preparação (EAQP).

A elevada proporção de alimentos ultraprocessados encontrados no planejamento de compras da UAN avaliada é preocupante. Produtos ultraprocessados, como apontado por Monteiro et al. (2019), possuem características que favorecem seu uso em instituições: praticidade no preparo, maior durabilidade e custos reduzidos. No entanto, o consumo frequente destes alimentos está associado a desfechos negativos de saúde, como obesidade, doenças cardiovasculares e metabólicas, além de alterações na microbiota intestinal (MONTEIRO et al., 2019). Em um contexto institucional, a priorização de alimentos com baixos níveis de processamento seria estratégica para mitigar tais desfechos e melhorar a saúde dos colaboradores (BRASIL, 2014).

A escolha de alimentos ultraprocessados devido à praticidade, custo-benefício e durabilidade é uma prática comum em UANs de autogestão (KOIWAI, 2019). Um outro ponto importante a ser analisado é o processo de aquisição de alimentos, especialmente em instituições públicas, como é o caso da UAN em estudo, que dependem de processos licitatórios e previsão orçamentária para adquirirem os alimentos, que de certo modo dificulta a compra de produtos com valor mais elevado que são importantes para elaboração de um cardápio de melhor qualidade nutricional (SANT’ANNA, 2012).

As preparações analisadas apresentaram um padrão preocupante de baixa ou muito baixa qualidade. Esse dado corrobora com resultados encontrados por Satija et al. (2017) que avaliaram o índice de dieta e associaram a presença de alimentos ultraprocessados e baixa qualidade nutricional. Ainda de acordo com Satija et al. (2017) a substituição parcial desses itens por alimentos in natura e minimamente processados garante benefícios para a saúde.

Nesse contexto, a redução progressiva dos alimentos ultraprocessados no cardápio poderia promover melhorias não apenas na saúde individual, mas também na produtividade geral e no bem-estar dos colaboradores.

4 CONCLUSÃO

O planejamento de compras na uma UAN militar mostrou uso elevado de alimentos ultraprocessados, priorizando praticidade, longa validade e economia. No entanto, isso comprometeu a qualidade nutricional das refeições, com muitas preparações classificadas como de baixa ou muito baixa qualidade pelo EAQP.

O alto consumo de ultraprocessados é preocupante, pois está relacionado ao aumento de doenças crônicas. Substituir esses alimentos por opções frescas e minimamente processadas pode trazer grandes benefícios, a fim de melhorar a qualidade das refeições, prevenir doenças e aumentar a produtividade dos colaboradores.

Para isso, é essencial investir em estratégias que priorizem alimentos mais saudáveis, mesmo que seja necessário ajustar práticas de compra e gestão de recursos. Capacitar as equipes e adotar políticas que valorizem a qualidade nutricional são passos importantes para promover uma alimentação equilibrada, em consonância ao Guia Alimentar para a População Brasileira. Assim, reduzir os alimentos ultraprocessados e aumentar a oferta de alimentos frescos e in natura deve ser prioridade. Isso garantirá não só a operação eficiente da UAN, mas também refeições mais saudáveis e sustentáveis para todos.

REFERÊNCIAS

BRANDÃO, A. R.; GIOVANONI, A. Comparação dos cardápios oferecidos em uma unidade de alimentação e nutrição do município de Teutônia com o programa de alimentação do trabalhador. Revista destaques acadêmicos, [s. l.], n. 3, 2011.

BRASIL. Ministério da Saúde. Guia alimentar para a população brasileira. 2. ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2014.

COSTA, D. V. D. P. et al. Diferenças no consumo alimentar nas áreas urbanas e rurais do Brasil: Pesquisa Nacional de Saúde. Ciência & Saúde Coletiva, [s. l.], v. 26, n. suppl 2, p. 3805–3813, 2021.

INÊS, G. C. Análise da ocorrência de alimentos ultraprocessados em preparações vegetarianas produzidas em Instituições de Ensino Superior. 2022.Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Nutrição) – Universidade Estadual de Campinas, Limeira, 2022.

KOIWAI, K. et al. Consumption of ultra-processed foods decreases the quality of the overall diet of middle-aged Japanese adults. Public Health Nutrition, [s. l.], v. 22, n. 16, p. 2999–3008, 2019.

LOUZADA, M. L. D. C. et al. Consumo de alimentos ultraprocessados no Brasil: distribuição e evolução temporal 2008–2018. Revista de Saúde Pública, [s. l.], v. 57, n. 1, p. 12, 2023.

MICLOTTE, L.; VAN DE WIELE, T. Food processing, gut microbiota and the globesity problem. Critical Reviews in Food Science and Nutrition, [s. l.], v. 60, n. 11, p. 1769–1782, 2020.

MONTEIRO, C. A. et al. Ultra-processed foods: what they are and how to identify them. Public Health Nutrition, [s. l.], v. 22, n. 5, p. 936–941, 2019.

DOHMS, P. O. S. Escore para avaliação qualitativa de preparação: instrumento para avaliação de preparações ofertadas em Unidades de Alimentação e Nutrição. 2021. 172 p. Dissertação (Mestrado em Alimentação e Nutrição) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2021.

SANT’ANA, M. H. P. Planejamento físico funcional de Unidades de Alimentação e Nutrição. Rio de Janeiro: Rubio, 2012.

SATIJA, A. et al. Healthful and Unhealthful Plant-Based Diets and the Risk of Coronary Heart Disease in U.S. Adults. Journal of the American College of Cardiology, [s. l.], v. 70, n. 4, p. 411–422, 2017.

VANIN, M. et al. Adequação nutricional do almoço de uma Unidade de Alimentação e Nutrição de Guarapuava – PR. Revista Salus, v. 1, n. 1, 2007.


¹Graduada em Nutrição, Universidade Estadual do Centro-Oeste, Campus Cedeteg. E-mail: kauanesouzadasilva777@gmail.com;
²Docente do Curso de Nutrição da Universidade Estadual do Centro-Oeste, Campus Cedeteg. E-mail: thaisbiasuz@unicentro.br;
³Docente do Curso de Nutrição da Universidade Estadual do Centro-Oeste, Campus Cedeteg. E-mail: thaynaviencz@unicentro.br;
⁴Docente do Curso de Nutrição da Universidade Estadual do Centro-Oeste, Campus Cedeteg. E-mail: rdemario@unicentro.br.