AVALIAÇÃO DO MEDO FRENTE AO TRATAMENTO ODONTOLÓGICO EM ESTUDANTES UNIVERSITÁRIOS DA ÁREA DA SAÚDE

EVALUATION OF FEAR OF DENTAL TREATMENT IN UNIVERSITY STUDENTS IN THE HEALTH AREA

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202508261525


Ana Flávia Rodrigues Knoll1
Bianca Beatriz Andrade da Silveira1
Gabriela Girardi Pita1
Isadora Hernandes Oliveira Souza1
Eliane Marçon Barroso2


Resumo

O medo do tratamento odontológico, conhecido como odontofobia, é uma preocupação prevalente que afeta uma grande parte da população. Fatores como experiências passadas traumáticas, ansiedade generalizada e medo de dor contribuem para a manifestação dessa fobia. Estudos indicam que aproximadamente 75% dos adultos relatam algum nível de ansiedade em relação ao tratamento odontológico. Esse desconforto pode levar os pacientes a adiar ou evitar o tratamento, buscando atendimento apenas em situações de emergência, o que pode resultar em problemas mais graves de saúde bucal. Este estudo teve como objetivo avaliar a prevalência do medo odontológico e sua associação com os níveis de ansiedade e a qualidade de vida relacionada à saúde bucal entre universitários da área da saúde.

Foi realizado um estudo transversal com estudantes de graduação que responderam a instrumentos validados, incluindo a Dental Anxiety Scale (DAS), Dental Fear Survey (DFS), a escala de Evitação da Visita Odontológica (DDV) e o Oral Health Impact Profile (OHIP-14). Também foram avaliadas variáveis sociodemográficas, uso de antidepressivos e autorrelato de medo do tratamento odontológico. Foram realizadas análises descritivas, bivariadas e de regressão.

A amostra foi composta predominantemente por estudantes do sexo feminino. As mulheres apresentaram maiores escores de medo em comparação aos homens. O uso de antidepressivos não esteve significativamente associado aos níveis de ansiedade ou à qualidade de vida. Os estudantes que relataram medo do tratamento odontológico apresentaram maiores níveis de ansiedade e pior qualidade de vida relacionada à saúde bucal. A análise de regressão indicou que os escores do DFS foram o principal preditor do impacto negativo na qualidade de vida.

O medo odontológico esteve fortemente associado à ansiedade e a pior qualidade de vida relacionada à saúde bucal, mesmo entre estudantes da saúde. Os aspectos emocionais desempenharam papel mais relevante do que a ansiedade geral, ressaltando a necessidade de estratégias educacionais e clínicas para o enfrentamento do medo odontológico no contexto acadêmico e profissional.

Palavras-chave: Medo odontológico. Ansiedade. Qualidade de vida relacionada à saúde bucal. Estudantes universitários. Odontologia.

1  INTRODUÇÃO

O medo do tratamento odontológico, conhecido como odontofobia, é uma preocupação prevalente que afeta uma grande parte da população. Fatores como experiências passadas traumáticas, ansiedade generalizada e medo de dor contribuem para a manifestação dessa fobia. Estudos indicam que aproximadamente 75% dos adultos relatam algum nível de ansiedade em relação ao tratamento odontológico (Gale & Wilson, 2018).

O desconforto ao tratamento odontológico pode construir uma barreira importante na saúde bucal, desencadeado pela existência da ansiedade que induz o paciente a protelar e evitar o tratamento, fazendo com que busque o atendimento apenas em situações de emergência, quando a dor se instala, ou sinais clínicos mais evidentes se manifestam (CHAVES et al., 2006).

A odontofobia pode ter sérias consequências para a saúde bucal, já que pacientes que evitam tratamentos odontológicos regulares estão em risco de desenvolver problemas mais graves, como cáries não tratadas, doenças periodontais e perda dentária. Além disso, o medo de visitar o dentista pode prejudicar a qualidade de vida, causando estresse e diminuição das atividades sociais. O medo do tratamento odontológico é uma questão significativa que afeta não apenas pacientes, mas também profissionais de saúde, especialmente graduandos em áreas relacionadas. (Silva et al., 2020).

Com a finalidade de avaliar o grau de ansiedade frente ao tratamento odontológico, foi realizado um estudo em centros universitários brasileiros, com uma amostra de 2812 pacientes que responderam a escala de Corah, e como resultados demonstraram predileção pelo sexo feminino da faixa etária superior a 20 anos, grau de ansiedade mais elevado quando o paciente não possuía acesso à internet e jornais, quando apresentava baixa frequência de higiene oral e quando a busca pelo tratamento odontológico fosse motivada exclusivamente  por fins curativos, dor ou outro problema. (CARVALHO et al., 2012).

Estudos sugerem que o medo do tratamento odontológico é comum entre graduandos da área de saúde, incluindo estudantes de odontologia, medicina e enfermagem. Uma revisão sistemática realizada por Silveira et al. (2021) encontrou uma prevalência variável de medo odontológico entre estudantes de odontologia, com taxas que variam de 9% a 20% (Silveira et al., 2021.  Outros estudos relatam taxas semelhantes em diferentes países, indicando uma preocupação global.

Um estudo realizado por Armfield e Stewart (2008) examinou o medo do tratamento odontológico em estudantes de odontologia e descobriu que, embora estes estejam imersos no ambiente odontológico, ainda assim apresentam níveis significativos de ansiedade em relação ao tratamento odontológico. Isso sugere que o medo pode ser uma questão universal, mesmo entre aqueles que escolhem carreiras na área da odontologia.

Vários fatores contribuem para o medo do tratamento odontológico entre graduandos da área de saúde. Estes incluem experiências negativas passadas, ansiedade relacionada ao desconhecido, falta de controle percebido durante o tratamento, e até mesmo a exposição ao estresse acadêmico e profissional (Smith et al., 20XX). Além disso, a observação de procedimentos odontológicos dolorosos durante a formação acadêmica pode aumentar o medo entre os estudantes. (Armfield & Stewart, 2008).

Para avaliar e compreender melhor o nível de medo e ansiedade dos pacientes em relação ao tratamento odontológico, diversas escalas foram desenvolvidas. Entre elas, destacam-se a Escala de Medo Dentário (DAS), a Escala de Ansiedade Dentária (DAS-R), e a Escala Visual Analógica de Ansiedade Odontológica (VAS). Essas escalas permitem uma avaliação quantitativa dos sentimentos dos pacientes, fornecendo informações valiosas para o planejamento de intervenções terapêuticas adequadas. (Corah, 1969; Humphris et al., 1995; Humphris & Morrison, 2007). 

Destaca-se a Escala de Corah, também conhecida como Corah’s Dental Anxiety Scale (DAS), que é uma ferramenta amplamente utilizada para medir a ansiedade específica relacionada ao tratamento odontológico. A Escala de Corah é composta por quatro perguntas simples que avaliam o nível de ansiedade do paciente antes de uma consulta odontológica, fornecendo uma medida quantitativa útil para os profissionais de saúde bucal. (Corah, 1969).

Abordagens para lidar com o medo do tratamento odontológico variam desde técnicas de relaxamento e distração até a administração de sedativos leves ou o uso de terapias cognitivo comportamentais. Compreender essas abordagens e identificar os fatores desencadeantes do medo é essencial para ajudar os pacientes a superarem suas preocupações e receberem o tratamento odontológico de que necessitam.

2  OBJETIVOS

•        Investigar a prevalência e intensidade do medo relacionado ao tratamento odontológico entre graduandos em áreas da saúde, incluindo odontologia, fisioterapia, biomedicina, entre outros.

•        Identificar os principais fatores associados ao medo do tratamento odontológico entre os graduandos da área de saúde, como experiências passadas, ansiedade geral, e percepções sobre a odontologia.

•        Avaliar o impacto do medo do tratamento odontológico na qualidade de vida dos graduandos em áreas da saúde.

3  METODOLOGIA 

Desenho do Estudo

Foi realizado um estudo transversal para avaliar o medo frente ao tratamento odontológico em graduandos da área de saúde, utilizando a Escala de Corah para mensuração do medo.  

Amostra

A população-alvo foi composta por graduandos matriculados em cursos da área da saúde do UNIFEB, incluindo odontologia, biomedicina, farmácia e fisioterapia. A amostra foi selecionada por conveniência.

Para obter resultados representativos com um nível de confiança de 95% e uma margem de erro de 5%, foi necessário coletar dados de aproximadamente 180 alunos na área de saúde, considerando uma taxa de medo de 40%.

Critérios de Inclusão

Idade acima de 18 anos e aceitar participar do estudo e assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Critérios de exclusão 

Problemas neuropsiquiátricos relevantes que interfiram na capacidade de entender e responder aos questionários

Coleta de Dados:

Questionário de características sócio-demográficas e clínicas dos pacientes

Foi aplicado nos participantes com a finalidade de obter informações relacionadas às características sociodemográficas e clínicas dos pacientes (Anexo 1).   Os dados serão coletados por meio de um questionário autoadministrado, contendo questões sobre o medo do tratamento odontológico, experiências passadas, estratégias de enfrentamento e qualidade de vida. Os alunos serão convidados à participar do estudo, explicando os objetivos da pesquisa e garantindo a confidencialidade das informações fornecidas.   Os participantes serão convidados a preencher o questionário de forma voluntária e anônima.

Escala de Corah (Dental Anxiety Scale

Para avaliação do medo específico relacionado ao tratamento odontológico. A Escala de Corah, também conhecida como “Dental Anxiety Scale” (DAS), é um instrumento utilizado para avaliar o nível de ansiedade relacionada ao tratamento odontológico em pacientes.

Desenvolvida por Corah em 1969, ela é uma das ferramentas mais utilizadas para medir o medo e a ansiedade em contextos odontológicos. É composta por quatro itens, cada um avaliado em uma escala de resposta de cinco pontos, variando de “nada ansioso” a “extremamente ansioso”. Os itens avaliam o medo associado a diferentes aspectos do tratamento odontológico, como: visita ao consultório odontológico; espera antes do tratamento; recebendo uma injeção; sendo perfurado com uma broca.

A pontuação total na Escala de Corah pode variar de 4 a 20, sendo que pontuações mais altas indicam níveis mais elevados de ansiedade odontológicos. 

A versão em português do Brasil foi testada em 747 estudantes e o instrumento apresentou consistência interna e confiabilidade teste-reteste adequadas. As mulheres se demonstraram mais ansiosas frente ao tratamento odontológico (Hu et al., 2007). 

Oral Health Impact Profile,

O OHIP-14 é uma versão reduzida do Oral Health Impact Profile, que consiste em 14 questões que avaliam o impacto da saúde bucal na qualidade de vida dos pacientes. Esta versão mais curta foi desenvolvida para ser mais fácil e rápida de administrar, enquanto ainda fornece uma avaliação abrangente dos principais domínios do impacto da saúde bucal. Essas questões abrangem uma variedade de domínios, incluindo dor, desconforto, limitações funcionais, autoestima e aspectos psicossociais. (Slade, G. D et al., 1994; OLIVEIRA et al., 2005)

O OHIP-14 é composto por 14 questões que abordam diferentes aspectos do impacto da saúde bucal na qualidade de vida. Cada questão é avaliada em uma escala de resposta que varia de 0 a 4, onde 0 representa “nunca” e 4 representa “sempre” ou “muito”.

A pontuação total do OHIP-14 é obtida somando as respostas de todas as questões, resultando em uma pontuação que pode variar de 0 a 56. Quanto maior a pontuação total, maior é o impacto percebido da saúde bucal na qualidade de vida do paciente. (Slade, G. D et al., 1994; OLIVEIRA et al., 2005

Além da pontuação total, o OHIP-14 também pode fornecer pontuações separadas para sete domínios diferentes, que correspondem aos diferentes aspectos do impacto da saúde bucal. Esses domínios são: Dor física, Desconforto psicológico; Limitações funcionais; Limitações sociais; Limitações de refeição; Incapacidade psicológica; Incapacidade social. Pontuações mais altas indicam um impacto mais significativo da saúde bucal na qualidade de vida do paciente.

A Dental Fear Survey (DFS)

A versão em português do Brasil do DFS é composta de 20 itens divididos em 3 dimensões. Os itens no 1, 2, 8 a 13 pertencem a dimensão “evitar”. Os itens no 3 a 7 compõem a dimensão psicológica. A dimensão situações específicas de medo correspondem aos itens 14 a 20. As opções de reposta são graduadas de “nem um pouco” (escore 1) a “muitíssimo” (escore 5) e quanto mais alto o escore maior é o medo do tratamento dental. O escore total varia de 20 a 100. (Oliveira et al., 2011).

Considerações Éticas:

O projeto foi encaminhado e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) do Centro Universitário da Fundação Educacional de Barretos, de modo a atender as exigências da Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde/Ministério da Saúde. Os participantes receberam informações sobre os objetivos da pesquisa, serão convidados a participarem voluntariamente do estudo e após aceitação, assinarão o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Foi garantida a confidencialidade e anonimato dos participantes, e os dados foram utilizados apenas para fins de pesquisa.

 Análise de Dados:

− Análise estatística descritiva para as variáveis sócio demográficas incluindo frequências absoluta, relativa e média (desvio-padrão);
− Avaliação do percentual de participantes com ansiedade;
− Correlação entre os níveis de ansiedade e os escores de qualidade de vida
− As análises estatísticas serão realizadas pelo Statistical Package for the Social Science (SPSS) considerando nível de significância de 0,05.

Tabela 1 – Características sociodemográficas, hábitos e histórico odontológico da amostra (n=173)

A amostra foi composta por 173 participantes, dos quais a maioria era do sexo feminino (n=139; 80,3%), enquanto 19,7% (n=34) eram do sexo masculino. Quanto à raça/cor autorreferida, 64,7% (n=112) declararam-se brancos, 27,7% (n=48) pardos, 5,8% (n=10) negros e 1,7% (n=3) amarelos. 

No que se refere ao estado civil, a maior parte dos participantes era solteira (86,1%; n=149), seguida por casados ou amasiados (12,1%; n=21), separados ou divorciados (1,2%; n=2) e viúvos (0,6%; n=1).

Em relação ao tabagismo, 87,9% (n=152) nunca fumaram, 8,7% (n=15) eram fumantes ativos e 2,3% (n=4) ex-fumantes. Quanto ao consumo de álcool, 49,7% (n=86) relataram não consumir, 31,2% (n=54) eram etilistas e 18,5% (n=32) ex-etilistas.

No uso de medicamentos, 83,8% (n=145) não faziam uso de antidepressivos e 14,5% (n=25) utilizavam essa medicação. Para ansiolíticos, 85,5% (n=148) não utilizavam e 8,7% (n=15) faziam uso.

Com relação ao curso de graduação, 33,5% (n=58) eram estudantes de Odontologia, 25,4% (n=44) de Biomedicina, 17,3% (n=30) de Fisioterapia e 14,5% (n=25) de Psicologia.

Quanto ao histórico odontológico, 82,1% (n=142) relataram não faltar a consultas por medo do tratamento odontológico, enquanto 11,6% (n=20) afirmaram evitar o atendimento por essa razão. Além disso, 78,0% (n=135) não referiram experiências desagradáveis no atendimento odontológico, ao passo que 20,8% (n=36) relataram vivências negativas.

Tabela 2 – Estatística descritiva dos escores dos instrumentos aplicados (n=173).

Corah – Escala de Ansiedade Dental de Corah; OHIP Oral Health Impact Profile; DSF – Escala de Desconforto e Sensibilidade Frente ao Tratamento Odontológico.

A média do Corah total foi de 6,68 (DP = 3,06), com valores variando entre 4,00 e 19,00. O OHIP total apresentou média de 8,36 (DP = 8,70), com amplitude entre 0,00 e 44,00.

Entre os domínios da Escala de Desconforto e Sensibilidade Frente ao Tratamento Odontológico (DSF), observaram-se médias de 5,66 (DP = 2,78) para Evitar DSF (0,00 a 20,00), 5,91 (DP = 2,62) para Psicologia DSF (0,00 a 19,00) e 14,61 (DP = 7,58) para Medo DSF (7,00 a 35,00). O Escore total DSF, calculado para 172 participantes, apresentou média de 32,27 (DP = 14,72) e variou de 0,00 a 83,00.

Tabela 3 – Comparação das médias das escalas Corah_total, OHIP_total, DSF_total e DSF_medo segundo gênero, uso de antidepressivos e medo de tratamento odontológico

DP = Desvio padrão, Teste utilizado: Mann-Whitney (comparação entre dois grupos independentes), Valores de p < 0,05 considerados estatisticamente significativos.

A Tabela 3 apresenta a comparação das médias obtidas nas escalas Corah_total, OHIP_total, DSF_total e DSF_medo, segundo o gênero, o uso de antidepressivos e a presença de medo de tratamento odontológico.

Observa-se que, quanto ao gênero, não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas para as escalas Corah_total, OHIP_total e DSF_total (p > 0,05). Entretanto, na escala DSF_medo, o grupo feminino apresentou médias significativamente mais elevadas em comparação ao masculino (15,15 ± 7,72 vs. 12,38 ± 6,69; p = 0,039), indicando maior percepção de medo entre as mulheres.

Na comparação entre usuários e não usuários de antidepressivos, não foram observadas diferenças significativas em nenhuma das escalas avaliadas (p > 0,05), sugerindo que o uso desta medicação não influenciou diretamente os escores de ansiedade odontológica ou impacto na qualidade de vida.

Por outro lado, ao analisar o fator medo de tratamento odontológico, verificou-se associação significativa com todas as escalas analisadas. Indivíduos que relataram medo apresentaram médias mais altas em Corah_total (10,40 ± 4,60 vs. 6,15 ± 2,41; p < 0,001), OHIP_total (15,90 ± 10,67 vs. 7,26 ± 7,80; p < 0,001), DSF_total (49,65 ± 21,87 vs. 29,60 ± 11,13; p < 0,001) e DSF_medo (21,20 ± 9,89 vs. 13,52 ± 6,67; p < 0,001). Esses achados reforçam que o medo odontológico está fortemente associado a maiores níveis de ansiedade, maior impacto negativo na qualidade de vida e pior percepção frente ao tratamento odontológico.

Tabela 4 – Regressão linear múltipla entre medo odontológico (Corah_total e DSF_total) e qualidade de vida (OHIP_total)

Regressão Linear Múltipla (OLS), Variável dependente: OHIP_total (qualidade de vida), Variáveis independentes: Corah_total e DSF_total (medo odontológico), Valores em negrito indicam significância estatística (p < 0,05).

A análise de regressão linear múltipla (Tabela 4) demonstrou que o modelo, composto pelos escores de Corah_total e DSF_total, explicou aproximadamente 25,9% da variação na qualidade de vida relacionada à saúde bucal (OHIP_total) (R² = 0,259).

Entre os preditores incluídos, apenas o DSF_total apresentou associação significativa com o desfecho (β = 0,28; IC95%: 0,16–0,41; p < 0,001). Isso indica que, para cada ponto adicional no escore de medo avaliado pelo DSF, o impacto negativo na qualidade de vida (OHIP_total) aumenta em média 0,28 pontos.

Por outro lado, o Corah_total não se mostrou estatisticamente significativo no modelo (β = 0,13; p = 0,684), sugerindo que, quando considerado em conjunto com o DSF, não contribui de forma independente para explicar a variação nos escores de qualidade de vida.

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES

A amostra foi composta predominantemente por mulheres e estudantes da área da saúde, especialmente Odontologia e Biomedicina. Esse perfil é relevante, pois mesmo em populações com maior conhecimento técnico, como universitários da saúde, o medo odontológico pode comprometer a qualidade de vida oral. Estudos realizados com estudantes brasileiros de Odontologia mostraram que dor, sensibilidade dentária e experiências clínicas negativas estão associadas a pior qualidade de vida relacionada à saúde bucal (GONZALESSULLCAHUAMÁN et al., 2013). De forma semelhante, universitários japoneses também apresentaram associação entre sintomas subjetivos, como dor e maloclusão, e pior qualidade de vida (YAMANE-TAKEUCHI et al., 2016).

Embora não tenham sido observadas diferenças estatisticamente significativas entre homens e mulheres nas escalas de ansiedade (Corah) e qualidade de vida (OHIP), verificou-se que o gênero feminino apresentou médias mais altas na escala de medo (DDV_medo). Esse resultado vai ao encontro de estudos que mostram que meninas e mulheres tendem a relatar níveis mais elevados de ansiedade odontológica (SLABŠINSKIENĖ et al., 2021). A literatura sugere que essa diferença pode estar relacionada tanto a aspectos socioculturais quanto a formas distintas de percepção e expressão emocional do medo.

No presente estudo, não foram verificadas diferenças significativas entre usuários e não usuários de antidepressivos em relação aos escores de ansiedade odontológica e impacto na qualidade de vida. Isso pode indicar que a farmacoterapia atua reduzindo a diferença entre os grupos. Entretanto, pesquisas recentes demonstram que condições emocionais, mesmo quando controladas, continuam a se associar ao medo odontológico e à percepção de qualidade de vida (SAMAMI et al., 2024).

O achado mais expressivo foi a associação do medo odontológico com piores escores em todas as escalas avaliadas (Corah, DSF, OHIP e DDV_medo). Indivíduos que relataram medo apresentaram maiores níveis de ansiedade e impacto negativo na vida diária, confirmando que o medo funciona como barreira de acesso ao cuidado odontológico. Evidências internacionais reforçam esse achado, apontando que o medo compromete o comparecimento a consultas e afeta aspectos sociais, acadêmicos e funcionais (GRISOLIA et al., 2021).

A análise de regressão mostrou que apenas o escore DSF foi preditor significativo do impacto negativo na qualidade de vida. Esse resultado indica que sintomas emocionais subjetivos, como expectativa de dor e desconforto, são determinantes centrais para a piora da qualidade de vida relacionada à saúde bucal (YAMANE-TAKEUCHI et al., 2016).

Mesmo entre futuros profissionais da saúde, o medo odontológico se mostrou relevante. Estudo realizado nos Estados Unidos demonstrou que maior conhecimento em saúde bucal esteve associado a melhor qualidade de vida oral entre universitários, protegendo contra restrições sociais e acadêmicas (GARDNER; HUANG; IP, 2023). No entanto, nossos achados indicam que o conhecimento técnico por si só não elimina a influência dos fatores emocionais. Assim, torna-se fundamental incluir nos currículos da área da saúde conteúdos sobre manejo da ansiedade odontológica, favorecendo tanto o autocuidado dos estudantes quanto a preparação para atender pacientes ansiosos.

5 CONCLUSÃO

O estudo demonstrou que o medo odontológico está fortemente associado a maiores níveis de ansiedade e pior qualidade de vida relacionada à saúde bucal, mesmo entre estudantes da área da saúde. O gênero feminino apresentou maiores escores de medo, enquanto o uso de antidepressivos não mostrou influência significativa. A análise evidenciou que o componente emocional, mensurado pela escala DSF, foi o principal preditor do impacto negativo na qualidade de vida. Esses achados reforçam a necessidade de estratégias clínicas e educacionais voltadas ao manejo da ansiedade odontológica, tanto para melhorar a adesão ao tratamento quanto para preparar futuros profissionais da saúde a lidar de forma mais humanizada com pacientes ansiosos.

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1Graduandas do Centro Universitário da Fundação Educacional de Barretos (UNIFEB) – Barretos (SP), Brasil.
2Docente do Curso Superior de Odontologia do Centro Universitário da Fundação Educacional de Barretos (UNIFEB) – Barretos (SP), Brasil. Doutora em Ciências da Saúde.
(Hospital de Amor- Barretos-SP).