AVALIAÇÃO DE RISCO E VULNERABILIDADE EM PACIENTES MORADORES EM INSTITUIÇÃO DE LONGA PERMANÊNCIA.

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8017200


Eleonora Soubihe Mendes1
Marco Túlio Aguiar Mourão Ribeiro²


Resumo

Introdução: O envelhecimento populacional e o aumento de doenças crônicas trouxeram como consequência um novo cenário onde se torna necessária uma abordagem adequada à população com maior vulnerabilidade. Objetivos: Avaliar o perfil e o risco e vulnerabilidade dos pacientes moradores de uma instituição de longa permanência. Metodologia: Trata-se de um estudo transversal, quantitativo, descritivo, com dados obtidos em prontuário com aplicação da escala de risco e vulnerabilidade para atenção domiciliar na atenção primária à saúde (Ribeiro, Fiuza e Pinheiro) em 20 moradores de instituição de longa permanência, no período de agosto a novembro de 2022. Resultados: A amostra estudada é composta por mulheres (70%), sendo a maioria com mais de 75 anos (75%) com multi-diagnósticos (75%) e em uso de polifarmácia (95%). Destes pacientes, 40% eram acamados, 30% com PPS inferior a 50%. Após a aplicação da escala foi encontrado o risco muito alto em 50% dos casos, alto risco em 35%, médio risco em 10% e baixo risco em 5%. Conclusões: O estudo demonstrou a alta prevalência de risco e vulnerabilidade da população moradora na ILP, sendo necessária a gestão da atenção em saúde visando à priorização do cuidado e a promoção de qualidade de vida a seus moradores.

Palavras-chave: Vulnerabilidade em Saúde. Fator de Risco. Instituição de Longa Permanência para Idosos. Avaliação em saúde. 

Abstract

Introduction: Population aging and the increase in chronic diseases have resulted in a new scenario where an adequate approach to the most vulnerable population is necessary. Objectives: To assess the profile and risk and vulnerability of patients residing in a long-stay institution. Methodology: This is a cross-sectional, quantitative, descriptive study, with data relating to the application of the risk and vulnerability scale for home care in primary health care (Ribeiro, Fiuza and Pinheiro) in 20 residents of a long-stay institution, in the period from August to November 2022. Results: The sample studied is composed of women (70%), aged between 75-84 years (30%) and over 85 years (45%), with multiple diagnoses (75%), in use of polypharmacy (95%). 40% of these patients were bedridden, 30% with PPS less than 50%. After applying the scale, very high risk was found in 50% of the cases, high risk in 35%, medium risk in 10% and low risk in 5%. Conclusions: The study demonstrated the high prevalence of risk and vulnerability of the population living in the ILP, requiring the management of health care aimed at prioritizing care and promoting quality of life for its residents.

Keywords: Vulnerability in Health. Risk factor. Long Stay Institution for the Elderly. Health assessment.

Introdução:

Nas últimas décadas a configuração familiar vem se modificando ano após ano, principalmente pela progressiva queda da taxa de mortalidade, que se deu principalmente pelo avanço tecnológico aplicado na área da saúde. A tecnologia médica tem por foco tanto a prevenção quanto o tratamento de doenças antes desconhecidas, tendo como consequência direta o aumento de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) e o aumento da expectativa de vida. Estes e outros fatores vêm transformando nossa sociedade acarretando o envelhecimento progressivo da população (LEAL CORTEZ, 2019).

O envelhecimento populacional por si só não representa sinônimo de adoecimento. Esta nova etapa da vida traz um novo panorama que deve ser gerenciado para uma adequada construção no plano de cuidado, priorizando o foco na prevenção e na melhora da qualidade de vida. O aumento do número de idosos com fragilidade e maior grau de dependência, seja física, mental ou mesmo emocional, traz como consequência o maior índice de institucionalização (LEAL CORTEZ, 2019).

Somando-se ao envelhecimento populacional, a queda da taxa de natalidade vem também alterando a dinâmica familiar, transformando as antes famílias numerosas em famílias pequenas ou mesmo compostas por um único indivíduo (KARSCH, 2003). Tal mudança fez com que o cuidado ao idoso passe a ser cada vez mais terceirizado a pessoas e serviços especializados como as instituições de longa permanência ao idoso (ILPI) (CAMARANO, 2010). 

 A Agência Nacional de Vigilância Sanitária na Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº283 (Brasil, 2005) define como “Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPI) – instituições governamentais ou não governamentais, de caráter residencial, destinada a domicílio coletivo de pessoas com idade igual ou superior a 60 anos, com ou sem suporte familiar, em condição de liberdade e dignidade e cidadania”. 

Este tipo de serviço vem surgindo em grande número, porém ainda é insuficiente para a demanda apresentada, reforçando a necessidade de uma reestruturação nos serviços de saúde ofertados à população com adequada distribuição de recursos.

As doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) são a principal causa de óbito e incapacidade prematura nas últimas décadas de vida. Sendo um dos principais fatores desencadeantes de agudização a não adesão ao tratamento ou mesmo o uso incorreto dos medicamentos prescritos. Na faixa etária superior a 75 anos, devemos considerar um aumento na prevalência dos déficits cognitivos, auditivos e visuais como fatores complicadores na adequada administração dos medicamentos, contribuindo fortemente na descompensação e hospitalização dos idosos (TEIXEIRA, 2017).

Há que se mencionar ainda a necessidade de longos períodos de internação destes idosos para um novo restabelecimento da homeostase, que muitas vezes apresenta perda funcional após a alta hospitalar. Sendo assim se demonstra a importância na identificação deste risco e vulnerabilidade destas pessoas com objetivo de qualificar o cuidado (TEIXEIRA, 2017).

A demanda trazida pelo crescente número de idosos, a grande diversidade social nos mais variados contextos, evidenciam uma vulnerabilidade individual e social que deve ser mais bem conhecida para um adequado redimensionamento das políticas públicas focando principalmente a equidade, um dos princípios propostos pelo SUS (Sistema Único de Saúde) em 1988. A avaliação de risco e vulnerabilidade estruturada evidenciam dados específicos para auxiliar a gestão do cuidado, levando-se em conta a priorização no tipo de intervenção proposta, equipe necessária e o tempo a ser realizada a ação. 

Este estudo tem por objetivo analisar a aplicabilidade da escala de vulnerabilidade e risco para atenção primária à saúde em uma instituição de longa permanência para idosos com o foco na gestão do cuidado oferecido pela equipe de saúde.

Métodos:

Trata-se de estudo transversal, quantitativo e descritivo do perfil epidemiológico das pessoas que vivem em uma instituição de longa permanência para idosos (ILPI), através de dados obtidos em prontuário clínico social a um questionário semiestruturado e escala de risco e vulnerabilidade para atenção primária à saúde (Ribeiro, Fiuza e Pinheiro).

A ILPI foi escolhida por ser um campo de estágio para o Programa de Residência de Medicina Paliativa. A instituição acolhe 223 idosos em regime de residência, em apartamentos residenciais e enfermarias, femininos e masculinos. Conta ainda com o setor de tratamento especial (STE) com capacidade de oito leitos dedicados a urgências, emergências e cuidados paliativos. Todos os setores são equipados para garantir a acessibilidade e proteção. 

A amostra selecionada foi de 20 moradores da ILPI, selecionados randomicamente, do sexo masculino e feminino, e aplicada a escala de risco e vulnerabilidade através de dados obtidos em prontuário clínico social, no período de agosto a novembro de 2022. 

Como critérios de inclusão foram considerados idosos que residiam nos apartamentos residenciais, há, pelo menos, seis meses, com diagnóstico clínico estabelecido, clinicamente estáveis, com prontuário contendo as informações necessárias para aplicação da escala a ser estudada.

Foram excluídos do estudo os pacientes que estavam nas enfermarias e setor de tratamento especial, os que saíram da instituição no período do estudo ou não possuíam as informações em prontuário clínico social. 

A escala de risco e vulnerabilidade para atenção primária à saúde (Ribeiro, Fiuza e Pinheiro) foi desenvolvida através de relato de experiência realizado por médicos de família e comunidade, aplicada a pacientes acamados e domiciliados atendidos pela equipe na cidade de Fortaleza/CE no período de junho a novembro de 2017. Teve como foco a avaliação e gestão das visitas domiciliares considerando as condições clínicas, os fatores de risco e a vulnerabilidade específica, além de avaliar as condições ambientais e a avaliação do cuidado. São abordados indicadores como: idade, comorbidades, medicamentos, mobilidade, funcionalidade, suporte familiar, escala de performance paliativa (PPS) validada em 2009 no Brasil. Atribui-se um escore de risco específico aos indicadores apresentados e a pontuação obtida é dada a classificação de risco e vulnerabilidade. Munido de tal classificação  realiza-se um planejamento temporal das visitas domiciliares e elenca-se os profissionais para ofertar o cuidado proposto.

Tabela 1. Escala de risco e vulnerabilidade para atenção domiciliar na APS (Ribeiro, Fiuza e Pinheiro)

Tabela 2. Classificação de risco e vulnerabilidade, de acordo com a pontuação e planejamento temporal das próximas visitas.

Classificação de risco e vulnerabilidadeEscoreTempo médio para planejamento das próximas visitas.
BaixoAté 56 meses a 1 ano
Médio6 a 104 a 6 meses
Alto11 a 152 a 3 meses
Muito altoMaior que 161 a 2 meses

Resultados

A população analisada foi composta em sua grande maioria por mulheres, perfazendo um total de 70%. A maioria apresentou idade superior a 75 anos, sendo 30% com idade entre 75 e 84 anos e 45% com idade superior a 85 anos. Em relação ao número de problemas de saúde, 75% dos indivíduos avaliados apresentaram mais de cinco diagnósticos e 95% faziam uso de cinco ou mais medicamentos cronicamente (poli farmácia).

Foi identificado que 95% dos idosos eram dependentes para as atividades instrumentais de vida diária (AIVD), 70% eram independentes para as atividades básicas de vida diária (ABVD) e 40% de idosos estavam acamados. Dados que corroboram para que 30% da população estudada apresente PPS<50% (Escala de Performance Paliativa), escala amplamente utilizada na medicina paliativa para classificação e avaliação da funcionalidade dos indivíduos.

Após a aplicação da escala de risco e vulnerabilidade foi encontrado o risco muito alto em 50% dos casos, alto risco em 35%, médio risco em 10% e baixo risco em 5%.

Em uma revisão de literatura (PINTO JUNIOR, 2015), evidenciou-se que a prevalência de idosos frágeis domiciliados foi menor quando comparada aos idosos que vivem em instituições de longa permanência ou hospitalizados. 

Estudos prévios demonstram a alta prevalência na fragilidade em idosos domiciliados e institucionalizados, como os realizados na Holanda (GOBBENS, 2010), com idosos domiciliados, onde a prevalência da fragilidade foi de 47,0%; no Brasil, com idosos institucionalizados foi de 52,0% de idosos frágeis (SANTIAGO, 2014); já em pesquisa com idosos hospitalizados (STORTIL, 2013) 95,2% foram considerados frágeis.

Na literatura (BORGES, 2013), encontramos evidenciada a necessidade da identificação precoce da síndrome da fragilidade, visto que esta apresenta alta contribuição na qualidade de vida, funcionalidade e autonomia do idoso. 

Conclusão 

O progressivo envelhecimento populacional e a nova dinâmica familiar com famílias menores e muitas vezes indivíduos solitários faz com que muitos idosos, principalmente aqueles com alto grau de dependência e fragilidade, passem a viver em instituições de longa permanência para idosos (ILPI).

No presente estudo permitiu uma avaliação e análise de situação dos idosos que viviam em uma ILPI através da utilização de uma ferramenta objetiva para avaliação de risco e vulnerabilidade. 

O estudo demonstrou elevada prevalência de idosos moradores na ILPI com escore de risco e vulnerabilidade elevado, ou seja, risco alto ou muito alto, sendo necessária a gestão da atenção em saúde visando à priorização do cuidado e a promoção de qualidade de vida a seus moradores com mais alto risco, a fim de evitar o alto potencial de adoecimento e complicações.

Desta forma foi possível propor um plano de cuidados adequado com foco na reabilitação e prevenção de agravos à saúde desta população.

Este estudo contribuiu para identificar riscos e vulnerabilidades relativas ao indivíduo e ao seu local social, assim como fazer um planejamento adequado do seu plano de cuidados, podendo sugerir que novas políticas públicas possam ser direcionadas para esta população.

Referências

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1-Médica residente do Programa de Cuidados Paliativos pela Universidade Federal do Ceará (UFC). E-mail: noramendes@hotmail.com
2-Orientador. Supervisor do Programa de Cuidados Paliativos. Médico do Hospital Universitário Walter Cantídio da UFC. E-mail: marcotuliomfc@gmail.com