AVALIAÇÃO DE PROCEDIMENTOS QUE GARANTAM A ADVOCACIA NA PERSPECTIVA DOS SISTEMAS ALIMENTARES, POLÍTICAS PÚBLICAS, LOGÍSTICA ALIMENTAR E RESILIÊNCIA URBANA NA CIDADE DE QUELIMANE-2025

EVALUATION OF PROCEDURES THAT GUARANTEE ADVOCACY FROM THE PERSPECTIVE OF FOOD SYSTEMS, PUBLIC POLICIES, FOOD LOGISTICS AND URBAN RESILIENCE IN THE CITY OF QUELIMANE-2025

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202505162051


MANI TESE-Moçambique1
Franscisco Monteiro Chimote2
Paulo Xavier Tebulo2


Resumo

O estudo conduzido pela organização Mani Tese analisa os procedimentos e desafios para garantir a advocacia em prol de sistemas alimentares sustentáveis na cidade de Quelimane, Moçambique. Enfatiza a necessidade urgente de políticas públicas integradas que promovam segurança alimentar, justiça social e resiliência urbana, diante do contexto de desigualdades estruturais, fragilidade institucional e mudanças climáticas. Utilizando uma abordagem qualitativa, a pesquisa destaca a fragmentação institucional, a ausência de regulamentação para agricultura urbana e a precariedade logística como obstáculos críticos. Identifica também microestratégias comunitárias de advocacia e práticas de hortas urbanas como potenciais catalisadores de transformação. Propõe soluções como a criação de uma política municipal de segurança alimentar, conselhos participativos, cadeias logísticas curtas e infra-estrutura adequada para abastecimento. Conclui que o fortalecimento da governança local e a mobilização multissectorial são fundamentais para transformar Quelimane em um modelo de sustentabilidade alimentar no contexto urbano africano.

Palavras-chaves: Advocacia, sistemas alimentares, sustentável, Quelimane 

Abstract
This study, carried out by the organization Mani Tese, investigates the institutional procedures and systemic challenges associated with advancing advocacy for sustainable food systems in Quelimane, a mid-sized urban center in Mozambique. Situated within a broader context marked by structural inequalities, institutional fragility, and growing climate vulnerabilities, the research underscores the urgent need for integrated and cross-sectoral public policy frameworks that promote food security, social equity, and urban resilience. Drawing on a qualitative methodological approach, the analysis reveals critical bottlenecks, including institutional fragmentation, the lack of regulatory frameworks for urban agriculture, and inefficient logistics systems. Concurrently, the study identifies community-led micro strategies—particularly grassroots advocacy initiatives and urban gardening practices—as emergent vectors for transformative change. Key policy recommendations include the establishment of a municipal food security policy, the creation of participatory and multisectoral governance councils, the promotion of short and inclusive food supply chains, and investments in adequate infrastructure for food distribution. The findings suggest that enhancing local governance capacity and fostering intersectoral coordination are indispensable for positioning Quelimane as a replicable model of urban food sustainability in sub-Saharan Africa.

Keywords: Advocacy, food systems, sustainability, Quelimane

1 Introdução

A configuração dos sistemas alimentares nas áreas urbanas constitui um dos principais obstáculos atuais, especialmente devido às crescentes desigualdades sociais e económicas, as alterações climáticas e a rápida urbanização, especialmente em nações do sul Global. No contexto de Moçambique, e mais especificamente em seu cenário africano, este desafio se intensifica devido a fragilidade das instituições governamentais, a predominância da economia informal e a baixa capacidade de adaptação das cidades a desastres ambientais. A cidade de Quelimane, que é a capital da Província da Zambézia, exemplifica essas tensões de forma significativa. Diante de um aumento populacional, vulnerabilidade nas infra-estruturas e uma forte dependência de cadeias de suprimento instáveis, há uma necessidade urgente de desenvolver estratégias bem fundamentadas para assegurar a nutrição e a segurança alimentar de seus cidadãos.

Nesse contexto, a promoção de políticas públicas eficazes para a segurança alimentar e a sustentabilidade urbana emerge como uma ferramenta vital para facilitar a interação entre as diversas partes interessadas: 
administradores locais, organizações da sociedade civil, sector privado e agências internacionais. 
Ao entender os sistemas alimentares sustentáveis não apenas como métodos de produção, mas como complexos ecossistemas sociotécnicos, torna-se evidente que são necessárias estruturas institucionais que promovam uma governança inclusiva, justiça social e integração territorial. Este estudo examina os procedimentos actualmente em vigor e as oportunidades para fortalecer a defesa por políticas públicas eficazes em Quelimane, ao mesmo tempo que investiga as redes logísticas e os mecanismos de resiliência urbana em relação à segurança alimentar.

A pesquisa assume que a falta de segurança alimentar não se resume apenas a uma questão de disponibilidade, mas sim a um fenómeno complexo que representa desigualdades profundas e conflitos políticos relacionados a partilha de recursos, a utilização do espaço urbano e a valorização das opiniões de comunidades. Assim, a promoção de redes de defesa e de ambientes institucionais de discussão e essencial para o desenvolvimento de cidades mais equitativas, resistentes e sustentáveis.

2. Referencial Teórico

2.1 Sistemas Alimentares como Redes Sociotécnicas Complexas

Os sistemas alimentares urbanos não podem ser compreendidos de forma reducionista como cadeias lineares de produção e consumo. Autores como Ericksen (2008) e Hinrichs (2016) propõem a abordagem dos sistemas alimentares como redes sociotécnicas em constante transformação, moldadas por factores ecológicos, políticos, culturais e econômicos. Tais sistemas incluem desde os modos de cultivo até os circuitos de comercialização, passando pelas normas sanitárias, as infra-estruturas urbanas e os hábitos alimentares das populações. Em contextos urbanos do Sul Global, como em Quelimane, essas redes operam frequentemente em condições de informalidade, ausência regulatória e alta vulnerabilidade às mudanças climáticas.

2.2 A Advocacia como Ferramenta de Transformação Estrutural

A advocacia (advocacy), no campo das políticas públicas, é compreendida como o processo estratégico de mobilização social e institucional visando à alteração ou implementação de políticas, práticas ou representações dominantes. Segundo Gaventa (2006), a advocacia eficaz requer a intersecção de três dimensões: poder visível (decisões formais), poder invisível (normas e ideologias) e poder oculto (acesso à arena política). A construção de uma política alimentar municipal em Quelimane, por exemplo, depende não apenas da vontade política institucional, mas da capacidade de atores comunitários de acessar e moldar os espaços de decisão.

2.3 Logística Alimentar e Vulnerabilidades Sistêmicas

A logística alimentar, entendida como o conjunto de processos que possibilita o fluxo de alimentos desde a produção até o consumo, é um dos principais gargalos para a segurança alimentar nas cidades africanas. Estudos como os de Crush & Frayne (2011) revelam que a dependência de cadeias longas, associada à precariedade de transporte e armazenamento, amplifica as perdas alimentares e os preços ao consumidor final. Em cidades como Quelimane, que não possuem infra-estrutura de mercado atacadista ou planeamento de abastecimento urbano, o problema se agrava, reflectindo na desigualdade de acesso à alimentação e na vulnerabilidade das populações de baixa renda.

2.4 Resiliência Urbana e Justiça Alimentar

A resiliência urbana não deve ser vista apenas como capacidade técnica de resistência a desastres, mas como processo político e social de construção de equidade e justiça. Segundo Arup (2015) e Vale (2014), uma cidade resiliente é aquela que assegura a inclusão de seus cidadãos nos processos de planeamento, acesso a bens essenciais e capacidade adaptativa às crises. Quando vinculada à segurança alimentar, a resiliência urbana deve contemplar a integração de estratégias como agricultura urbana, redes solidárias de abastecimento e políticas públicas participativas que rompam com a lógica da escassez artificial.

3. Metodologia

3.1 Mapa da cidade de Quelimane

Fonte: Google Map,2025

3.2 Tipo de Pesquisa

De acordo com Marconi & Lakatos, (2010) a pesquisa qualitativa envolve o contacto directo do pesquisador no campo de pesquisa, considerando como o cenário social em que tem lugar o fenômeno estudado em todo o conjunto de elementos que constitui e que, por sua vez, está constituído por ele.

A pesquisa qualitativa considera ter uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, ou seja, é um elo de ligação entre o mundo objectivo e a subjectividade do agente que não consegue ser traduzida em números. A interpretação dos factos e a atribuição de valores são suportes para este processo. Esta metodologia tem como objectivo, dedicar ao tema um olhar aprofundado e crítico, confrontando aspectos identificados como importantes para que seja discutido.

Para o melhor aproveitamento desta pesquisa relacionado à avaliação de procedimentos que garantam a advocacia na perspectiva dos sistemas alimentares, políticas públicas, logística alimentar e resiliência urbana na cidade de quelimane-2025, será usado a metodologia com o suporte qualitativo.

3.3 Quanto aos procedimentos técnicos e Técnica de Recolha de dados

Para a efetivação da presente pesquisa, usou-se materiais bibliográficos de planos municipais, estratégias nacionais de segurança alimentar e políticas de desenvolvimento local, existentes em bibliotecas físicas e electrónicas assim como a colecta de dados apartar dos participantes multissectoriais que actuam dentro e fora da cidade de Quelimane, à partir das secções formativas em matérias ligadas à advocacia em sistemas alimentares sustentáveis na qual decorreu na cidade de Quelimane no mês de Abril em um período de seis (6) dias úteis, em um universo de vinte e um (21) participantes e com uma amostra de sete (7) participantes segmentados em diferentes instituições presentes na formação/capacitação. 

4. Resultados e Discussão

4.1 Deficiências Estruturais e Fragmentação Institucional

A avaliação das políticas públicas em Quelimane demostrou uma divisão das atribuições institucionais relacionadas à segurança alimentar nas áreas urbanas. As esferas de agricultura, saúde, meio ambiente e planeamento urbano operam de forma desconexa, sem uma abordagem integrada que una os objectivos de segurança alimentar a política urbana. A falta de um Conselho Municipal de segurança Alimentar e nutricional limita a participação formal dos cidadãos e diminui a capacidade da sociedade civil de impactar decisões sobre o uso do solo

Além disso, há um vácuo normativo: não existem instrumentos municipais específicos que regulem a produção agrícola em zonas per urbanas, tampouco políticas de incentivo à agro-ecologia urbana. Essa ausência favorece a expansão desordenada da cidade e o uso precário do solo urbano, comprometendo a produção local de alimentos e ampliando a dependência de mercados externos.

4.2 Práticas Comunitárias e Mico estratégias de Advocacia

Apesar da fragilidade institucional, o estudo identificou iniciativas de base comunitária que podem ser interpretadas como microformas de advocacia alimentar. Associações de mulheres camponesas desenvolvem hortas urbanas com fins educativos e alimentares, embora muitas vezes enfrentem a criminalização de suas práticas por falta de reconhecimento legal. Organizações como Mani Tese desempenham papel crucial no suporte técnico, educação ambiental e mediação com o poder público. Essas iniciativas demonstram um potencial latente de transformação, mas permanecem isoladas e vulneráveis à instabilidade política e financeira.

A presença de eventos participativos, como fóruns sobre alimentação e clima, tem fomentado espaços não institucionais de deliberação e construção de redes. Contudo, ainda é limitado o alcance dessas acções sobre os mecanismos formais de planeamento municipal.

4.3 Logística Alimentar: Entre a Inviabilidade Técnica e o Potencial Local

A infra-estrutura logística de Quelimane é insuficiente para garantir um abastecimento seguro, acessível e regular. A maioria dos produtos agrícolas percorre longas distâncias em condições inadequadas de transporte, o que resulta em perdas pós-colheita significativas, especialmente de hortícolas e pescado. A inexistência de centrais de armazenamento refrigerado e de centros de distribuição públicos gera dependência de circuitos informais e aumenta os custos para consumidores de baixa renda.

Em linhas gerais, neste sentido, existe a possibilidade de criar cadeias curtas de fornecimento que conectem agricultores da área urbana, feiras locais e grupos de consumidores.

A formalização dessas estruturas, através de associações ou mercados comunitários, pode ajudar a diminuir desperdícios, regular preços e incentivar economias locais sustentáveis.

4.4 Estratégias de Resiliência Sistêmica

A construção da resiliência alimentar em Quelimane exige uma abordagem intersectorial, que articule políticas urbanas, ambientais e sociais. A integração de planos directores urbanos com políticas alimentares permitiria o mapeamento de zonas aptas à agricultura urbana, a destinação de espaços para feiras agro-ecológicas e a inclusão da segurança alimentar em planos de contingência climática. Tais estratégias devem estar alinhadas com os princípios de justiça alimentar, reconhecendo o direito das comunidades locais à participação nos processos decisórios e à autodeterminação sobre seus sistemas alimentares.

4.5 Indicadores Urbanos e Alimentares em Quelimane

Para compreender a relação entre segurança alimentar, infra-estrutura urbana e planeamento público, é útil observar um conjunto de indicadores descritivos (Tabela 1). Estes dados foram colectados por meio de triangulação entre entrevistas, análises de documentos municipais e extrapolação de dados regionais do INE-Moçambique e FAO.

Tabela 1 – Indicadores urbanos e alimentares em Quelimane (estimativa 2024)

Fonte: INE,2024

Esses sinais mostram a vulnerabilidade estrutural dos sistemas alimentares nas cidades de Que limane, especialmente em relação à produção local restrita, às grandes perdas logísticas e à falta de políticas públicas integradas. Neste contexto, é possível notar um começo de organização em torno de jardins urbanos e um crescente reconhecimento por parte da comunidade sobre a insegurança alimentar como uma questão fundamental

4.6 Barreiras e Oportunidades na Logística Alimentar

A logística alimentar urbana é um dos pontos críticos para a segurança alimentar em Quelimane. A tabela a seguir sintetiza, com base nas entrevistas e análise documental, os principais gargalos (barreiras) e potenciais estratégicos (oportunidades) da cadeia logística alimentar local:

Tabela 2 – Diagnóstico da logística alimentar em Quelimane (2024)

Essa análise evidencia a coexistência de vulnerabilidades estruturais com potenciais locais de inovação e fortalecimento, sobretudo se houver integração entre as acções da sociedade civil, o sector privado local e o poder público. A logística alimentar não é apenas um problema técnico, mas sobretudo político e institucional, que requer instrumentos regulatórios, incentivos económicos e espaço para a participação popular.

5. Considerações Finais

A cidade de Quelimane apresenta uma base social mobilizada, mas carece de instrumentos institucionais sólidos para garantir a advocacia efectiva em prol de sistemas alimentares sustentáveis. A criação de uma Política Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional, aliada a conselhos participativos, pode ser um passo estratégico. Investimentos em infra-estrutura logística e educação alimentar são igualmente urgentes para ampliar a resiliência urbana.

Este estudo recomenda o fortalecimento de redes de advocacia locais, apoio técnico do governo e cooperação internacional para transformar Quelimane em referência em políticas alimentares sustentáveis no contexto urbano africano.

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