AVALIAÇÃO DAS RESSECÇÕES DE LESÕES NEOPLASICAS DO CÓLON PELA TÉCNICA MUCOSECTOMIA UNDERWATER COLORRETAIS

EVALUATION OF RESECTIONS OF COLORECTAL NEOPLASTIC LESIONS USING THE UNDERWATER MUCOSAL RESECTION TECHNIQUE

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202501101112


Frederico Fonseca Campos¹;
Renata Luiza de Medeiros Rodrigues Scocuglia².


Resumo

A ressecção de lesões colorretais como adenomas e lesões serrilhadas está bem estabelecida para a prevenção do carcinoma colorretal. A mucosectomia endoscópica underwater (UEMR) sem a injeção de solução na submucosa vem sendo descrita como uma técnica alternativa. Objetiva- se com esse estudo avaliar a viabilidade, segurança e eficácia da UEMR, através de um estudo observacional prospectivo de uma série de casos não consecutivos de UEMRrealizadoem centro único de cuidado terciário entre janeiro à julho de 2019, de pacientes encaminhados para realização de ressecção endoscópica de lesões serrilhadas ou adenomas colorretais detectadas em exame colonoscópico prévio. Foram analisados um total de 36 pacientes foram submetidos a UEMR de 51 lesões colorretais. A média/mediana do tamanho das lesões foi de 16,24/13 mm e média/mediana do tempo de ressecção foi de 16,97/9,19 minutos. A avaliação histopatológica evidenciou o seguinte: adenoma tubular (43,1%); adenoma túbulo viloso (13,7%); lesões serrilhadas (41,2%), dessas duas (4%) eram adenomas serrilhados tradicionais, seis (11,7%) eram pólipos serrilhados sésseis, treze (25,5%) eram pólipos hiperplásicos; e adenocarcinoma intramucoso (2%). A ressecção completa ocorreu em 44 das 51 lesões (86,3%). 52,9% das lesões foram retiradas em monobloco, enquanto 47,1% foram ressecadas a piecemeal. A UEMR foi bem sucedida endoscopicamente em 96,1% dos casos, uma vez que em duas ocasiões (3,9%) a técnica não foi viável, sendo necessário conversão para mucosectomia convencional. Em relação às complicações, não houve perfuração intestinal ou síndrome pós-polipectomia. Ocorreu sangramento após a ressecção de 6 (11,8%) lesões, desses 5 foram imediatos e 1 tardio, todos controlados endoscopicamente. Concluindo-se que a UEMR para a remoção de lesões serrilhadas e adenomas colorretais se mostrou viável, segura e eficaz. Novos estudos randomizados e controlados devem ser estimulados para assegurar a implantação generalizada dessa técnica.

Palavras-chave:  Mucosectomia endoscópica underwater.Adenomas. Lesões serrilhadas colorretais. Mucosectomia endoscópica. Colonoscopia.

Abstract

Resection of colorectal lesions such as adenomas and serrated lesions is well established for the prevention of colorectal carcinoma. Underwater endoscopic mucosal resection (UEMR), performed without submucosal injection, has been described as an alternative technique. This study aims to evaluate the feasibility, safety, and efficacy of UEMR through a prospective observational study of a non-consecutive case series conducted at a single tertiary care center between January and July 2019. Patients were referred for endoscopic resection of serrated lesions or colorectal adenomas detected during previous colonoscopic examinations. A total of 36 patients underwent UEMR for 51 colorectal lesions. The mean/median lesion size was 16.24/13 mm, and the mean/median resection time was 16.97/9.19 minutes. Histopathological evaluation revealed the following: tubular adenoma (43.1%), tubulovillous adenoma (13.7%), serrated lesions (41.2%) —of which 2 (4%) were traditional serrated adenomas, 6 (11.7%) were sessile serrated polyps, 13 (25.5%) were hyperplastic polyps—and intramucosal adenocarcinoma (2%). Complete resection was achieved in 44 of 51 lesions (86.3%). Monobloc removal occurred in 52.9% of cases, while piecemeal resection was performed in 47.1%. UEMR was endoscopically successful in 96.1% of cases. In 3.9% of cases (2 lesions), the technique was not viable, requiring conversion to conventional mucosectomy. No intestinal perforation or post-polypectomy syndrome was reported. Post-resection bleeding occurred in 6 lesions (11.8%), 5 of which were immediate and 1 delayed, all controlled endoscopically. In conclusion, UEMR proved to be a feasible, safe, and effective technique for the removal of serrated lesions and colorectal adenomas. Further randomized and controlled studies are encouraged to support the widespread adoption of this technique.

Keywords: Underwater endoscopic mucosal resection. Adenomas. Serrated colorectal lesions. Endoscopic mucosectomy. Colonoscopy.

1 INTRODUÇÃO ⸴

A detecção e ressecção endoscópica de lesões colorretais como os adenomas e lesões serrilhadas são estratégias bem estabelecidas para a prevenção do carcinoma colorretal, uma vez que os carcinomas podem se desenvolver a partir dessas lesões¹ ²

A Sociedade Européia de Endoscopia Gastrointestinal (ESGE) recomenda fortemente e com alta qualidade de evidência, que todos os pólipos sejam ressecados, exceto por diminutas lesões retossigmoideanas que são tidas como sendo hiperplásicas de forma confiável³. A retirada endoscópica de adenomas até mesmo de lesões diminutas, tem sido recomendada amplamente em todo o mundo como forma de redução da incidência e mortalidade associadas ao carcionoma colorretal. Mais recentemente as lesões serrilhadas, particularmente de cólon direito, outrora consideradas hiperplásicas, vem sendo consideradas como uma nova via oncogenética e também devem ser tratadas da mesma forma que os adenomas.⁴

A mucosectomia endoscópica clássica (EMR) usando endoscópios flexíveis foi primeiramente descrita na década de 70 e o procedimento permanece essencialmente sem modificações⁵ ⁶. Durante a EMR, uma solução é injetada no espaço submucoso por um cateter com uma agulha na extremidade para criar um coxim entre a muscular própria e a lesão, o que permite uma ressecção segura e efetiva usando energia eletrocirúrgica. Essa técnica é realizada amplamente e possibilita a retirada de adenomas colorretais de tamanhos variados, inclusive os volumosos com espraiamento lateral.⁷

A mucosectomia endoscópica underwater  (UEMR) é uma técnica descrita inicialmente por Binmoeller et al. em 2012 para a remoção de pólipos colorretais sésseis grandes⁸. Desde então, a UEMR vem sendo descrita e publicada em vários outros estudos  evidenciando a técnica como sendo de fácil aprendizado, segura e efetiva⁵ ⁸ ¹⁷. Em contraste com a EMR, o lúmem intestinal é preenchido com água ao invés de ar/CO2, sendo desnecessária a injeção submucosa na lesão. Teoricamente, a injeção submucosa reduz o risco iatrogênico de perfuração e injúria térmica para as camadas teciduais mais profundas. No entanto, pode paradoxalmente dificultar a captura com alça de lesões planas, aumentar a tensão na parede secundária a insuflação de ar, diminuir o espaço no lúmem do órgão limitando a área de trabalho e em alguns casos pode não ocorrer a elevação da lesão junto a mucosa (non-lifting sign) o que impede a ressecção por essa técnica⁸. Além disso, existe a preocupação com o risco de implante de células neoplásicas para camadas mais profundas quando da injeção através do pólipo¹⁸. 

A técnica de UEMR foi inspirada a partir da observação durante a realização de ecoendoscopia que utiliza água para criar a interface entre o probe e a parede intestinal e, consequentemente, distende parcialmente o lúmen intestinal, mas a muscular própia permanece circular, enquanto a mucosa e submucosa involuem. As pregas do cólon visibilizadas nitidamentes sob a água correspondem à mucosa e submucosa involutas que parecem flutuar sobre a muscular própia, podendo ser seguramente agarradas e alçadas sem perfurar o músculo⁸. Esse efeito de coxim natural, oferece teoricamente várias vantagens em relação à EMR, incluindo: flutuação da mucosa e submucosa (incluindo as lesões) na água facilitando o posicionamento da alça, consequentemente maior potencial para ressecção completa das margens; eliminação de riscos associados à injeção submucosa como perfuração e implante displásico; redução do custo do procedimento; redução de injúria da parede intestinal induzida por alça diatérmica pelo efeito dissipador de calor da água, além de redução de síndrome pós polipectomia e outras complicações⁵ ⁸ ¹⁵.

Na prática clínica, a UEMR ainda é pouco disseminada e utilizada no Brasil. Além disso, a literatura nacional relacionada ao tema é escassa. Dessa maneira, esse estudo prospectivo tem por objetivo avaliar a viabilidade, segurança e eficácia da técnica underwater para a ressecção de lesões colorretais e sua consequente reprodutibilidade em nosso meio.

2 METODOLOGIA

2.1. Pacientes e Desenho do estudo

Trata-se de estudo observacional prospectivo de uma série de casos não consecutivos de

UEMR, realizadas em centro único de cuidado terciário (Hospital Madre Teresa, Belo Horizonte, MG, Brasil) entre janeiro e julho de 2019, em pacientes encaminhados para ressecção endoscópica de lesões serrilhadas ou adenomas colorretais detectadas em exame colonoscópico prévio. Os critérios de inclusão foram lesões sem estigmas endoscópicos de invasão submucosa profunda maiores ou iguais a 5 mm de extensão passíveis de ressecção endoscópica. Como critérios de exclusão foram incluídas lesões que mostraram sinais de degeneração malígna e/ou invasão submucosa profunda (depressão, ulceração, friabilidade e sangramento, enduração, classificação de Kudo  para o padrão de abertura de criptas tipo V); lesões polipóides pediculadas; pacientes com síndromes de polipose familiar; àqueles em uso de anticoagulantes e/ou comorbidades que contraindicassem a ressecção por qualquer técnica e pacientes que não concordaram em participar do estudo. 

2.2. Análises estatísticas

As informações foram analisadas por meio de técnicas de estatística descritiva, com a construção de gráficos, tabelas e o cálculo de medidas tais como médias, desvios-padrão e porcentagens, com o objetivo de sintetizar os dados.

2.3. Procedimentos

As colonoscopias foram realizadas por dois endoscopistas intervencionistas com experiência em EMR, com mais de 1000 procedimentos realizados por cada um. Todos pacientes foram avaliados por aparelhos colonoscópicos adultos de alta resolução e canal único (séries 530, 590 e 600; Fujifilm Corporation, Saitama-Shi, Saitama, Japão). Foi utilizado CO2 para insuflação em todos os procedimentos (GW-100; Fujifilm Corporation – Saitama-Shi, Saitama, Japão). O preparo do cólon era iniciado com dieta com poucos resíduos dois dias antes do exame, seguido do uso de três comprimidos de Bisacodil (5mg) ingeridos às 17:00 horas na véspera. Os pacientes eram incentivados a ingerirem quantidade adequada de líquidos claros neste dia. No dia do exame, foi administrado 250ml de Lactitol diluídos em 750ml de suco processado ou coado, ingerido em um período de uma hora, cerca de quatro horas antes da realização da colonoscopia, quando então o jejum passou a ser absoluto. 

Na sala de exames, sob assistência anestesiológica, o paciente era posicionado em decúbito lateral esquerdo, para início do procedimento. O posicionamento do paciente poderia ser alterado em casos onde houvesse dificuldade para alcançar o ceco, sendo optado pela mudança para decúbito dorsal e/ou pela utilização de manobras de compressão abdominal. A sedação foi realizada pelo anestesiologista e a critério do mesmo. Sempre que necessário a administração de antiespasmódicos (Escopolamina ou Glucagon) foram administrados por via endovenosa para contenção da peristalse. 

Após a identificação das lesões, as mesmas foram avaliadas conforme sua localização, tamanho e aparência macroscópica (aspecto do relevo, padrão das criptas e cor da superfície) utilizando-se cromoscopia com índigo-carmim e cromoscopia digital com Cromoescopia Endoscópica Inteligente Fuji (FICE). O tamanho da lesão foi estimado por comparação visual com o diâmetro da abertura total das alças de polipectomia. As alças utilizadas foram as de mono ou polifilamento padronizadas e com tamanhos variados (Captivator; Boston Scientific Corporation, Malborough, MA, EUA) associadas a uma corrente mista com eletrocautério (Endocut, 25W, effect 4, ERBE VIO 300S; ERBE Elektromedizim, Tübingen, Alemanhã). Foram utilizadas as classificações endoscópicas de Paris e padrão de pits de Kudo ¹⁹ ²⁰.

Depois de as lesões terem sido estudadas com cromoscopia com índigo-carmim e FICE, o ar era aspirado no segmento intestinal afetado e aproximadamente 500 – 1000 ml de água estéril à temperatura ambiente foram infundidos até que o preenchimento parcial ou completo do lúmen foi alcançado. Uma bolsa pressurizadora para infusão de líquidos sob pressão contínua foi acoplada ao canal de trabalho do colonoscópio para a instilação de água esteril. A ressecção iniciava-se pela margem da lesão, realizando-se a abertura da alça e o seu posicionamento para inclusão de mucosa normal dentro da mesma e realização de torque no aparelho para maximizar sua captura. Em seguida a ressecção era realizada com o objetivo de remoção total em monobloco ou quando não possível à piecemeal. O defeito mucoso e as margens de ressecção eram cuidadosamente lavadas com água para a avaliação da eficácia endoscópica da ressecção. Qualquer lesão residual identificada foi removida por alça ou utilizando-se pinças de biópsia. Biópsias das margens do defeito mucoso foram obtidas para avaliação de margens livres, em número que dependeu do tamanho das lesões (uma biópsia para lesões menores que 09 mm; duas biópsias para lesões entre 10 e 19 mm; 04 biópsias para lesões maiores ou iguais a 20 mm). Todo material coletado era devidamente armazenado em frascos com formaldeído a 10%, rotulado e enviado para análise histológica. Quando necessário, a área de ressecção foi fechada com endoclipes (Olympus Medical System Corporation, Hachioji-shi, Tóquio, Japão), usando como base a classificação de Sydney²¹ e a preferência do endoscopista. Sangramentos imediatos foram submetidos à hemostasia com os métodos endoscópicos disponíveis.

2.4. Desfechos

Os desfechos de relevância foram a taxa de ressecção completa, taxa de ressecção em monobloco, tempo de ressecção, eventos adversos e inviabilidade da ressecção por dificuldade técnica. Ressecção completa foi considerada quando as biópsias das bordas da área pós ressecção foram negativas para lesão durante a avaliação histopatológica. A ressecção em monobloco foi definida como remoção endoscópica da lesão em peça única.

O tempo de ressecção foi cronometrado a partir da instilação da água no lumen intestinal até a sua realização completa, incluindo a utilização dos clipes metálicos quando preciso.

Os eventos adversos identificados foram: hemorragia pós-operatória definida como sangramentos imediatos (durante o procedimento), precoces (dentro de 24 horas) ou tardios (em até 30 dias) com necessidade de tratamento endoscópico hemostático, síndrome póspolipectomia e perfuração intestinal definida pela evidência de ar ou conteúdos luminais fora do trato gastrointestinal²², seja endoscopicamente e/ou através de exames radiológicos. Foram considerados inviáveis àquelas ressecções nas quais não se obteve sucesso pela técnica de UEMR sendo necessário conversão para a EMR.

2.5. Seguimento

O seguimento dos pacientes foi realizado mediante ligação telefônica após 30 dias do procedimento com consequente avaliação de possíveis complicações/efeitos adversos encontrados. Para pacientes onde foram realizadas mucosectomias de lesões complexas e/ou em piecemeal e após ressecção incompleta, foi proposto controle endoscópico com 03 a 06 meses para definição de ausência de lesão residual e/ou recorrência, inclusive com realização de biópsias das cicatrizes pós-ressecção. Recorrência e/ou lesão residual foi considerado presença de adenoma ou lesão serrilhada visível no sítio da ressecção ou na avaliação histológica.

3 RESULTADOS

De Janeiro à Julho de 2019 foram alocados 39 pacientes com 54 lesões colorretais, sendo dois excluídos por apresentarem lesões com sinais de degeneração maligna e um por não assinar o TCLE. Dessa forma foram incluídos 36 pacientes (58,5% do sexo feminino) submetidos à UEMR de 51 lesões colorretais (figura 1). A idade média foi de 63 anos, variando de 33 – 86 anos (tabela 1).

Figura 01. Demonstrativo de pacientes
Tabela 01. Características dos pacientes e achados endoscópicas (N = 36 pacientes)

A média/mediana do tamanho das lesões foi de 16,24/13 mm sendo a menor de 7 mm e a maior de 60 mm (tabela 1). Quanto a localização dos pólipos a maioria (74,5%) encontravase no cólon direito, dez no cólon esquerdo e três no reto. A morfologia descrita pela classificação de Paris está listada na tabela 1.

A avaliação histopatológica revelou adenoma tubular (43,1%); adenoma túbulo viloso (13,7%); lesões serrilhadas (41,2%), dessas duas (4%) eram adenomas serrilhados tradicionais, seis (11,7%) eram pólipos serrilhados sésseis, treze (25,5%) eram pólipos hiperplásicos; e adenocarcinoma intramucoso (2%).

A ressecção completa ocorreu em 44 das 51 lesões (86,3%). 27 (52,9%) das lesões foram retiradas em monobloco, enquanto 24 (47,1%) foram ressecadas a piecemeal. Em duas lesões (3,9%) a técnica de UEMR não foi viável, sendo necessário conversão para mucosectomia convencional, mostrando assim que UEMR foi bem sucedida endoscopicamente em 96,1% dos casos. A média/mediana do tempo de ressecção foi de 16,97/9,19 minutos respectivamente.

Em relação aos eventos adversos, não houve perfuração intestinal ou síndrome póspolipectomia. Em 6 (11,8%) lesões houve hemorragia pós-operatória sendo cinco (9,8%)  sangramentos imediatos que foram controlados endoscopicamente durante o procedimento  e 1 (2%) sangramento tardio no 6º dia pós-ressecção, também manejado por tratamento endoscópico. 

Dos 07 pacientes que apresentaram ressecção incompleta apenas 01 realizou exame de controle em 03 meses sem evidências de lesão residual/ recorrência, com as biópsias da cicatriz pós-ressecção mostrando mucosa colônica normal. Da mesma forma somente um paciente com lesão complexa ressecada à peacmeal realizou o exame de controle, também sem evidências de lesão residual/recorrência.

4 DISCUSSÃO

Os papeis da EMR e da dissecção endoscópica submucosa (ESD), técnicas que utilizam a injeção submucosa, já estão bem estabelecidos na remoção de lesões colorretais. Apesar do racional de a injeção submucosa diminuir o risco de lesão mural e perfuração, alguns problemas associados à injeção e insuflação com ar/CO2 como o aumento na tensão da parede e diminuição do espaço no lúmem do órgão; non lifting sign em algumas lesões principalmete com fibrose submucsa; e o risco teórico de disseminação de células para camadas mais profundas podem dificultar ou impedir a resseção de lesões. A UEMR sem a  injeção de solução na submucosa vem sendo utilizada como uma técnica alternativa, uma vez que além de demonstrada sua segurança, efetividade e relativa facilidade de aprendizado, possui vantagens e benefícios potenciais decorrentes da submersão em água como a possibilidade de captura de uma maior área de superfície mucosa na alça aberta pela menor distensão do lúmen intestinal, bem como uma aparente contração e redução no diâmetro da lesão sobre a mucosa e como consequência um maior potencial de ressecção em bloco²³; melhor visualização das margens pelo efeito ótico de “ZOOM” natural fornecido pela refração da água²⁴; redução de injúria da parede induzida pela alça diatérmica pelo efeito dissipador de calor da água ²⁵; melhor identificação de pontos específicos de sangramentos ²⁶; redução de custos, já que não é necessário a utilização de solução e agulha para injeção, e ainda pode reduzir o tempo de procedimento como mostrado por alguns autores ¹² ¹⁷; além de poder ser útil em cenários desafiadores como em lesões recorrentes ¹⁴ e locais considerados difíceis ²⁷. 

Em nosso conhecimento, este é apenas o segundo estudo até o momento a relatar o uso da UEMR no Brasil, uma vez que Chaves et. Al ²⁸ demonstraram sua viabilidade para a ressecção de adenomas serrilhados sésseis em uma série de casos. Nossos dados mostram que a UEMR foi bem-sucedida endoscopicamente em 96,1% dos casos, sendo que em apenas duas ocasiões foi necessário a conversão para a EMR utilizando injeção submucosa. No primeiro caso, a lesão encontrava-se no cólon sigmoide e a água não permaneceu parada no lúmen mesmo após mudanças de decúbito do paciente. Relacionamos esse insucesso ao fato de ter ocorrido no início do estudo, refletindo a curva de aprendizado da técnica pelos endoscopistas. Ainda, Yamashina et. al ²⁹ relataram que a permanência de parte de ar no lúmen antes da infusão de água pode criar um gradiente de pressão e empurrar a mesma para longe da lesão, o que particularmente achamos que possa ter ocorrido também neste caso. No segundo caso, tratavase de lesão de 35 mm e de difícil acesso, uma vez que se encontrava no ângulo hepático, sobre e atrás de uma prega, não sendo possível sua pega adequada e, portanto, com necessidade de injeção submucosa para sua melhor exposição. Binmoeller et al. ⁸ descrevem que as pregas são menos visíveis na água, o que pode dificultar a identificação de lesões sobre elas. Ainda assim, a UERM se mostrou bastante viável e eficaz.

Ainda com relação a eficácia, obtivemos uma taxa de ressecção completa de 86,3% e ressecção em monobloco em 52,9% em um tempo médio de 16,97 minutos. Esses achados corroboram com os resultados de uma revisão sistemática recente onde foram incluídos 10 estudos prospectivos e retrospectivos ³⁰ com obtenção de ressecção completa em 96,93% e ressecção em monobloco de 57,07% usando UEMR. No único estudo randomizado e controlado comparando UEMR com EMR ²⁹ em lesões de tamanho intermediário (10-20 mm) com 108 lesões no grupo da UEMR e 102 lesões no grupo da EMR, a taxa de ressecção R0 foi de 69% para UEMR x 50% para EMR e ressecção em bloco de 89% para UEMR x 75% para EMR respectivamente, mostrando que a UEMR foi superior tanto nas taxas de ressecção em monobloco e R0, e por isso estabelecendo o benefício clínico da técnica. 

É importante lembrar que quanto maior o tamanho da lesão menor é a chance de ressecção em monobloco, principalmente para lesões ≥ 20 mm. Considerando apenas as lesões ≥ 20 mm obtivemos uma taxa de ressecção em bloco de 23,52%, já levando em consideração lesões ≥ 15 mm esse valor sobe para 47,05%. Portanto com o maior potencial para ressecção em bloco da UEMR comparada à EMR como relatado por alguns autores ¹⁴ ²⁹, espera-se que uma menor recorrência ocorra, uma vez que lesões ressecadas à peacemeal por EMR apresentam taxas de recorrência de adenoma que variam em torno de 14 – 55 % [14]. Na revisão de Spadaccini et al ³⁰, foi apontada uma taxa de recorrência de 8.82% utilizando UEMR contra 13,8% para técnicas convencionais reportada por Hassan C et al ³¹. Apesar de não termos nenhuma recorrência durante nosso estudo, esse dado não é confiável uma vez que o seguimento foi incompleto. Estudos bem desenhados para avaliar as diferenças de recorrência de lesão/adenoma comprando UEMR e EMR ainda são necessários. 

Podemos ainda destacar um bom perfil de segurança utilizando a UEMR. Nossos achados evidenciam a ocorrência de sangramento em 11,8 % dos casos. Vale ressaltar que desses, cinco (9,8%) foram imediatos e controlados no ato do exame, sendo que para muitos autores os sangramentos intraprocedimento não são considerados como eventos adversos. Sendo assim, nossos dados em relação ao sangramento tardio (2% dos casos) se assemelham ao descrito na literatura como por exemplo uma taxa de 2,85% de sangramento tardio mostrado por Spadaccini et al ³⁰.  Não houve nenhum caso de perfuração intestinal no estudo, o que também corrobora com apenas 3 casos dessa temida complicação reportados até o momento ¹⁶ ¹⁷ ³². Esses achados podem ser considerados bons, uma vez que outros estudos sobre EMR mostram valores de sangramento que variam de 2 a 11% e perfuração em torno de 1,5% ³¹ ³³ ³⁷. Já avaliando a ESD, a taxa de sangramento é reportada em menos de 2% com maior ocorrência de perfurações em relação aos outros métodos terapêuticos para lesões colorretais que podem chegar até 10,5% dos casos ³⁸. Sánchez et al. ³⁹ acreditam que esse perfil de segurança oferecido pela UEMR pode ser explicado pela baixa probabilidade de dano profundo da parede intestinal pelo efeito dissipador de calor da água. Nós particularmente achamos que o defeito mucoso pós ressecção é menor e menos profundo utilizando a UEMR, o que muitas vezes pode diminuir a necessidade e facilitar o posicionamento de endoclipes.

5 CONCLUSÃO

Esse estudo possui algumas limitações que devem ser destacadas. Primeiramente, foi realizado em centro terciário único  e por apenas dois endoscopistas experientes em EMR. Portanto não se sabe se pode ser reprodutível em outras instituições, apesar dos endoscopistas que realizaram os exames não terem recebido nenhum treinamento expecífico em UMER antes do início da pesquisa, apenas seguindo os detalhes técnicos descritos na literatura. Segundo, a amostra do estudo é pequena. Por fim, o seguimento dos pacientes foi inadequado e dessa forma os resultados a longo prazo como recorrência e lesão residual não puderam ser avaliados. Esses dados são importantes uma vez que também podem ser considerados fatores relacionados  à eficácia da técnica.

Concluindo, a ME-UW para a remoção de lesões serrilhadas e adenomas colorretais se mostrou viável, segura e eficaz. A técnica pode ser incluída no arsenal terapêutico de instituições que manejam lesões colorretais, apesar de que ainda novos estudos randomizados e controlados devem ser estimulados para assegurar a implantação generalizada da mesma.

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¹Médico titular da sociedade brasileira endoscopia digestiva – SOBED e cirurgião geral. Coordenador serviço endoscopia avançada Hospital municipal Santa Isabel. E-mail: ffcamposmed@gmail.com
²Discente Interna do curso superior de Medicina pelo Instituto Paraibano de Educação -UNIPÊ. E-mail: scocugliamed@gmail.com