AVALIAÇÃO DA MORBIMORTALIDADE ASSOCIADA À COLELITÍASE E COLECISTITE NO MARANHÃO ENTRE 2018 E 2022

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10171743


Maria Francisca de Jesus Melo Serra1
Lucas Marques de Mesquita2
Fábio Luís Santos de Souza3
Bruna Gomes Vasconcelos4
Lorrana Vaz de Sousa Lima5


RESUMO:

Introdução: A colelitíase e a colecistite são duas condições relacionadas ao sistema biliar que afetam milhões de pessoas em todo o mundo. A colelitíase refere-se à formação de cálculos biliares na vesícula biliar, enquanto a colecistite é a inflamação aguda ou crônica desse órgão. O objetivo deste estudo é descrever o perfil epidemiológico de morbidade por colecistite e colelitíase no estado do Maranhão, entre os anos de 2018 e 2022. Metodologia: Trata-se de um estudo descritivo e retrospectivo realizado a partir da coleta de dados de domínio público disponibilizados na plataforma TABNET do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS), em novembro de 2023. Resultados: No período avaliado, que inclui os anos entre 2018 e 2022, foram registradas 42.975 internações por colelitíase e colecistite no estado do Maranhão. Quanto ao perfil dos pacientes, identificou-se predominância entre pacientes do sexo feminino (78,01%), 30 e 49 anos (42,60%) e entre pessoas autodeclaradas pardas. Apenas 33,79% (n=14.642) foram de caráter de Urgência. Foi identificado um tempo médio de permanência de 3,7 dias (desvio padrão: 0,11) e o valor médio por internação no período entre 2018 e 2022 foi de R$ 766,12 (desvio padrão: 59,36). Considerações finais: Este estudo mostrou um número bastante expressivo de internações relacionadas a colelitíase e colecistite durante o período avaliado. Estes resultados podem servir como base para estratégias de prevenção, manejo e planejamento de recursos para melhorar o cuidado de pacientes com colelitíase e colecistite no estado do Maranhão.

INTRODUÇÃO:

A colelitíase e a colecistite são duas condições relacionadas ao sistema biliar que afetam milhões de pessoas em todo o mundo. A colelitíase refere-se à formação de cálculos biliares na vesícula biliar, enquanto a colecistite é a inflamação aguda ou crônica desse órgão. Ambas as condições estão intrinsecamente ligadas, uma vez que os cálculos biliares podem levar à colecistite. É uma das enfermidades gastrointestinais mais comuns, acometendo com maior frequência mulheres jovens. Além do sexo feminino, a gravidez é um fator de risco, junto com a idade, a etnia (caucasianos e asiáticos são mais predispostos à formação de cálculos biliares), a obesidade, a dislipidemia, o diabetes mellitus e a cirrose hépatica (GOLDMAN L e AUSIELLO D, 2011; TOWSEND, et al.,2010).

A patogênese da colelitíase geralmente envolve a supersaturação da bile com colesterol e/ou a diminuição da motilidade da vesícula biliar. O colesterol em excesso na bile pode precipitar e formar cálculos sólidos. Além disso, fatores genéticos, obesidade, dieta rica em gorduras e perda de peso rápida são conhecidos por aumentar o risco de colelitíase. A colecistite, por outro lado, geralmente ocorre quando um cálculo biliar obstrui o ducto cístico, levando a uma inflamação aguda ou crônica da vesícula biliar (GOLDMAN L e AUSIELLO D, 2011).

A fisiopatologia da colelitíase envolve a formação e o crescimento dos cálculos biliares dentro da vesícula biliar. Esses cálculos podem ser compostos principalmente de colesterol, bilirrubina ou uma combinação de ambos. O tamanho dos cálculos pode variar de pequenos grãos de areia a pedras maiores, e seu crescimento pode levar à obstrução dos ductos biliares. Na colecistite aguda, a obstrução do ducto cístico resulta em inflamação e pode levar à infecção bacteriana (MARTINS MA, et al., 2016).

O quadro clínico da colelitíase muitas vezes é assintomático. No entanto, quando os cálculos biliares causam obstrução dos ductos biliares, pode ocorrer dor abdominal súbita e intensa, conhecida como cólica biliar. Em casos graves de colecistite, os pacientes podem apresentar febre, calafrios, náuseas e vômitos. A dor abdominal tende a localizar-se no quadrante superior direito, podendo irradiar para o ombro direito (GOLDMAN L e AUSIELLO D, 2011; TOWSEND, et al.,2010).

O diagnóstico de colelitíase e colecistite envolve uma combinação de exame clínico, além de ultrassonografia abdominal, análises de sangue para avaliar a função hepática e dosagem de enzimas pancreáticas. A ultrassonografia é o método de imagem mais comumente usado para visualizar os cálculos biliares na vesícula biliar e para identificar sinais de inflamação aguda na colecistite (GOLDMAN L e AUSIELLO D, 2011).

O tratamento da colelitíase assintomática geralmente não é necessário. No entanto, quando os sintomas se tornam problemáticos ou quando ocorre colecistite aguda, o tratamento cirúrgico é frequentemente indicado. A colecistectomia videolaparoscopica, que envolve a remoção da vesícula biliar, é o procedimento cirúrgico mais comum para tratar essas condições. Além disso, em casos de colecistite aguda, pode ser necessária a administração de antibióticos para tratar a infecção associada (GOLDMAN L e AUSIELLO D, 2011).

O objetivo deste estudo é descrever o perfil epidemiológico de morbidade por colecistite e colelitíase no estado do Maranhão, entre os anos de 2018 e 2022. Portanto, este estudo é relevante para comunidade, já que ao traçar este perfil epidemiológico, fornece subsídios para que os órgãos e profissionais da área da saúde possam estipular metas e estratégias para prevenção, detecção precoce e tratamento adequado destas patologias.

METODOLOGIA:

Trata-se de um estudo descritivo e retrospectivo, com abordagem quantitativa, realizado a partir da coleta de dados de domínio público disponibilizados na plataforma TABNET do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS), em novembro de 2023. Buscou-se avaliar o perfil das internações por colelitíase e colecistite no estado do Maranhão no intervalo entre janeiro de 2018 e dezembro de 2022.

A obtenção dos dados no interior da plataforma, incluiu a avaliação das informações referentes à “Morbidade Hospitalar do SUS (SIH/SUS)”. Nesse sentido, foram coletados os dados referentes às internações por colelitíase e colecistite por local de internação e por local de residência dos pacientes. Assim, as variáveis selecionadas foram município, macrorregião de saúde (Norte, Sul e Leste), caráter de atendimento (eletivo, urgência), estabelecimento, faixa etária 1 (<1 ano, 1- 4, 5-9, 10-14, 15-19, 20-29, 30-39, 40-49, 50-59, 60-69, 70-79, >80, idade ignorada), faixa etária 2 (<1 ano, 1- 4, 5-9, 10-14, 15-19, 20-24, 25-29, 30-34, 35-39, 40- 44, 45-49, 50-54, 55-59,60-64, 65-69, 70-74, 75-79, >80, idade ignorada), sexo (feminino, masculino), Cor/raça (branca, preta, parda, amarela, indígena, sem informação), média permanência, valor médio de internação, óbitos e taxa de mortalidade.

Por meio do aplicativo Planilhas Google, realizou-se a tabulação dos dados, utilizando-se cálculos de frequência absoluta, relativa, média aritmética e desvio padrão das variáveis estudadas no intervalo temporal definido. Quanto ao aparato teórico, a busca de material teórico para estudo e fundamentação foi realizada nas bases de dados do Scielo e Google Acadêmico, sendo selecionados 15 trabalhos, no idioma português e inglês.

RESULTADOS:

No período avaliado, que inclui os anos entre 2018 e 2022, foram registradas 42.975 internações por colelitíase e colecistite no estado do Maranhão. Quanto a distribuição espacial dessas internações, observou-se predominância na Macrorregião Norte de saúde, na qual foram registradas 22.353 internações (52,01%) no período avaliado. Verificou-se maior número de internações no município de São Luís, capital do estado, no qual foram registradas 11. 976 internações (27,86%) no período de estudo, seguido pelos municípios de Caxias (7,04%), Imperatriz (5,92%), Santa Inês (4,94%) e Chapadinha (3,20%). Ao avaliar as internações a partir do local de residência dos pacientes, nota-se mudança no painel de municípios, com manutenção de São Luís em destaque (17,42%), seguida de Imperatriz (3,95%), São José de Ribamar (3,34%), Caxias (2,72%) e Timon (2,63%).

Quanto ao perfil dos pacientes, 78,01% das internações no período avaliado corresponderam aos pacientes do sexo feminino (n=33.529). Do mesmo modo, identificou-se predominância entre 30 e 49 anos (42,60%), com pico entre 35 e 39 anos (11,77%), e entre pessoas autodeclaradas pardas (50,50%), sendo lícito destacar que 38,76% não declaram “cor/raça”.

Em se tratando do caráter dos atendimentos realizados no intervalo estudado, apenas 33,79% (n=14.642) foram de caráter de Urgência. Quanto ao estabelecimento, destaca-se o Hospital de Referência Estadual de Alta Complexidade Dr Carlos Macieira (10,01%), seguido do Hospital Universitário Presidente Dutra – HUUFMA (6,68%), do Hospital Regional de Caxias Dr Everaldo Ferreira Aragão (5,96%), do Hospital Macrorregional Dra Ruth Noleto (4,26%) e do Hospital Regional Tomáz Martins (4,05%). Estando os dois primeiros estabelecimentos localizados na capital, São Luís, seguido de Caxias, Imperatriz e Santa Inês.

Quanto às internações, foi identificado um tempo médio de permanência de 3,7 dias (desvio padrão: 0,11). Ademais, em se tratando dos gastos atrelados a estas internações, o valor médio por internação no período entre 2018 e 2022 foi de R$ 766,12 (desvio padrão: 59,36), sendo o menor valor médio por internação de 723,80, em 2020, e o maior valor, 866,82, em 2022.

Finalmente, no que diz respeito aos óbitos secundários à colelitíase e colecistite no Maranhão entre 2018 e 2022, identificou-se um total de 306 óbitos no período, com maior número de óbitos em 2022 (n=73) e o menor número em 2019 (n=53). A maior taxa de mortalidade no período avaliado foi observada em 2020 (n=0,95), enquanto a menor foi identificada em 2019 (n=0,56), sendo a taxa média de mortalidade no intervalo de 2018 a 2022 de 0,73 (desvio padrão: 0,15).

DISCUSSÃO:

A colelitíase é o termo utilizado para designar a presença de cálculos dentro das vias biliares, comumente localizados dentro da vesícula biliar (colecistolitíase). Etiologicamente, sabe-se que as doenças por cálculos de colesterol e/ou por cálculos pigmentares são decorrentes da interação complexa entre alterações genéticas, ambientais, locais, sistêmicas e metabólicas. O quadro clínico dos pacientes com colelitíase pode ser marcado por sintomas ou assintomáticos. A litíase biliar pode se manifestar de forma sintomática com dor em pontada no epigástrio e hipocôndrio direito (cólica biliar), intensa, a qual pode irradiar para o ombro direito e/ou para a escápula (sinal de Kehr). Na maioria das vezes, quando a dor está presente, geralmente aparece de início abrupto, em especial após a ingestão de alimentos, progredindo em intensidade até estabilizar-se, com duração de 15 a 30 minutos, com

resposta positiva a analgésicos e, normalmente, com resolução espontânea dos sintomas. Ademais, pode cursar com náuseas, vômitos, distensão abdominal, plenitude pós-prandial, pirose, eructação e flatulência, anorexia, diarréia crônica, esteatorréia e má aceitação de ingestão de alimentos gordurosos. Contudo, vale ressaltar que em 80% dos casos, ainda permanece assintomática e sem complicações (GUTT; SCHLÄFER; LAMMERT, 2020; CIANCI; RESTINI, 2021).

Sabe-se que muitos pacientes fazem o diagnóstico do quadro a partir de suas complicações, sendo que a colecistite aguda é a complicação mais comum da litíase biliar. Ademais, a literatura permanece defendendo a abordagem cirúrgica como escolha ideal para a resolução da maioria dos quadros de colecistite por colelitíase. Isso se deve ao fato de que na comparação entre pacientes em que foi preterida a observação e o manejo de sintomas com outros em que a cirurgia foi realizada, mais de 50% dos integrantes do primeiro grupo, não submetidos a cirurgia, tiveram que realizar tal intervenção (DA SILVA et al., 2023). Pacientes portadores de colelitíase sintomática sem complicações, após a melhora clínica dos sintomas da dor, devem ser orientados a cessar o consumo de alimentos gordurosos e posteriormente ser encaminhados para tratamento cirúrgico de forma eletiva. Dessa forma, a cirurgia precoce, idealmente por laparoscopia (colecistectomia videolaparoscópica – CVL) é o tratamento recomendado, principalmente para casos de colecistite aguda em pacientes e baixo risco cirúrgico (NASSAR et al., 2022). Entre os anos de 2008 a 2017, um estudo brasileiro demonstrou que as taxas de realização de colecistectomia convencional foram superiores à videolaparoscópica, cerca de 30% a 85% (GRACIANO & SQUEFF, 2019). Entretanto, nesse mesmo período houve um crescimento de 75% nas taxas de realização da CVL (GRACIANO & SQUEFF, 2019), em concordância aos achados deste estudo. Essa técnica apresenta menor invasão da cavidade abdominal, redução do tempo de internação e da dor pós-operatória, melhor recuperação e estética mais favorável (ARAGÃO, 2013).

Na amostra avaliada, a colelitíase teve maior incidência no sexo feminino, o que condiz com a literatura, que afirma uma incidência de 3 a 4 vezes maior nas mulheres quando comparado aos homens (MENEZES et al., 2013; IRIGONHÊ et al., 2020; PEREIRA et al., 2020). Esses resultados podem ser explicados pelas influências hormonais fisiológicas somado ainda ao uso de anticoncepcional oral e terapia de reposição hormonal (LEMOS et al., 2019), que corresponderam a mais de 19%. Desse modo, o estrogênio aumenta a produção de colesterol e reduz a secreção de ácidos biliares, o que promove retardo no esvaziamento da vesícula biliar (LEMOS et al., 2019; LITTLEFIELD & LENAHAN, 2019). Além disso, pode ser explicado também pela história gestacional pregressa, que neste estudo se aproxima da taxa encontrada por Alves et al. (2016), de 79,7%. O estado de gravidez resulta em aumento da progesterona, que está associada à redução da motilidade da vesícula com consequente estase biliar e mais favorável à formação de cálculos (IRIGONHÊ et al., 2020). Cerca de 10% das grávidas são afetadas pela colelitíase (LITTLEFIELD & LENAHAN, 2019).

Do mesmo modo, identificou-se predominância entre 30 e 49 anos (42,60%), com pico entre 35 e 39 anos (11,77%), e entre pessoas autodeclaradas pardas (50,50%), sendo lícito destacar que 38,76% não declaram “cor/raça”. Um outro trabalho na região sudeste demonstrou uma média de idade superior, de 51 anos (ALVES et al., 2016). Dados que corroboram com o que relata a literatura, em que o avanço da idade é um fator de risco importante (PEREIRA et al., 2020). Ao analisar a raça dos pacientes, a parda teve uma maior proporção, seguida por uma outra parte que não declararam a “cor/raça”. Esse achado pode ser explicado pela miscigenação da população brasileira (LEMOS et al., 2019).

No que se refere a taxa de mortalidade, os óbitos secundários à colelitíase e colecistite no Maranhão entre 2018 e 2022, identificou-se um total de 306 óbitos no período, com maior número de óbitos em 2022 (n=73) e o menor número em 2019 (n=53). A maior taxa de mortalidade no período avaliado foi observada em 2020 (n=0,95), enquanto a menor foi identificada em 2019 (n=0,56), sendo a taxa média de mortalidade no intervalo de 2018 a 2022 de 0,73 (desvio padrão: 0,15). Sabe-se que a colecistite aguda é a complicação mais comum, aparecendo em cerca de 12% dos pacientes ao longo da vida, sendo que sua mortalidade gira em torno de 3% dos casos. Contudo, tal estatística aumenta com o avanço da idade e de acordo com as comorbidades do paciente em questão, o que requer maior cuidado nesses casos (LEE & YIM, 2018; NASSAR et al., 2022).

CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Este estudo mostrou um número bastante expressivo de internações relacionadas a colelitíase e colecistite durante o período avaliado. A maioria das internações ocorreu em pacientes do sexo feminino, o que está alinhado com a tendência geral da doença, sendo a faixa etária mais acometida entre 30 e 49 anos, com um pico na faixa dos 35 a 39 anos. A população autodeclarada parda representou a maioria dos casos, refletindo a diversidade étnica da população maranhense. Vale destacar que uma proporção considerável de internações foi classificada como não urgentes, indicando a necessidade de atenção à gestão de recursos e priorização de pacientes com maior risco.

Tanto o Hospital de Referência Estadual de Alta Complexidade Dr.Carlos Macieira, quanto o Hospital Universitário Presidente Dutra – HUUFMA estão localizados em São Luís e desempenharam papéis proeminentes no tratamento desses casos. O estudo também destaca a importância da colecistectomia como tratamento eficaz da colelitíase, dando preferência pela abordagem laparoscópica, devido aos benefícios em relação à recuperação e ao tempo de internação. A análise da taxa de mortalidade secundária à colelitíase e colecistite destacou a necessidade de atenção especial a pacientes com idade avançada e com comorbidades. Estes resultados podem servir como base para estratégias de prevenção, manejo e planejamento de recursos para melhorar o cuidado de pacientes com colelitíase e colecistite no estado do Maranhão.

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