AVALIAÇÃO DA FUNCIONALIDADE EM UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA PEDIÁTRICA DE UM HOSPITAL UNIVERSITÁRIO

ASSESSMENT OF FUNCTIONALITY IN A PEDIATRIC INTENSIVE CARE UNIT OF A UNIVERSITY HOSPITAL

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7766299


Cristiane Chaves Marcelino da Costa1
Humberto Leal Cruz Neto2


RESUMO  

Introdução: Instrumentos para avaliação da funcionalidade na admissão e alta de pacientes críticos vêm sendo muito utilizados. Através deles é possível a identificação de alterações e distúrbios funcionais, norteando um planejamento adequado de objetivos e estratégias de tratamento para as disfunções adquiridas durante o período de hospitalização. Objetivo: Avaliar os efeitos da internação sobre a funcionalidade das crianças admitidas na UTIP de um hospital universitário. Métodos: Estudo observacional de caráter longitudinal e prospectivo aprovado pelo comitê de ética local. Realizado com pacientes de um mês até 13 anos admitidos na UTIP. A coleta de dados foi efetuada por meio de análise de prontuário e entrevista com os cuidadores utilizando a Functional Status Scale (FSS) no período de setembro a dezembro de 2021. Resultados: Das 20 internações na UTIP nesse período, 70% eram do sexo masculino e a média de idade foi de 4,10 anos. A média de permanência na UTIP foi de 8,50 dias. A avaliação da funcionalidade através da FSS pediátrica em terapia intensiva resultou numa média de 10,3 e mediana de 8 quanto ao escore global, onde a pontuação mínima atingida foi de 6 pontos e a máxima de 28 pontos, sendo assim a classificação geral média da funcionalidade foi de adequada à disfunção muito grave. Conclusão: A FSS mostrou ser um recurso simples e preciso para a avaliação da funcionalidade de pacientes intensivos pediátricos, identificando não só agravos preexistentes, mas também aqueles adquiridos durante a internação.

Palavras chave: Saúde da Criança; Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica; Funcionalidade; Avaliação de Funcionalidade; Escalas funcionais.

ABSTRACT  

Introduction: Instruments for assessing functionality at admission and discharge of critically ill patients have been widely used. Through them, it is possible to identify changes and functional disorders, guiding an adequate planning of goals and treatment strategies for the dysfunctions acquired during the hospitalization period. Objective: To evaluate the effects of hospitalization on the functionality of children admitted to the PICU of a university hospital. Methods: Longitudinal and prospective observational study approved by the local ethics committee. Performed with patients aged from one month to 13 years admitted to the PICU. Data collection was carried out through analysis of medical records and interviews with caregivers using the Functional Status Scale (FSS) from September to December 2021. Results: Of the 20 admissions to the PICU in this period, 70% were male and the mean age was 4.10 years. The median stay in the PICU was 8.50 days. The evaluation of functionality through the pediatric FSS in intensive care resulted in an average of 10.3 and a median of 8 regarding the global score, where the minimum score reached was 6 points and the maximum was 28 points, thus the average general classification of the functionality was adequate to very severe dysfunction. Conclusion: The FSS proved to be a simple and accurate resource for assessing the functionality of pediatric intensive care patients, identifying not only pre-existing conditions, but also those acquired during hospitalization.

Keywords: Child Health; Pediatric Intensive Care Unit; Functionality; Functionality Assessment; Functional scales.

1. Introdução

Nos últimos anos centenas de crianças internaram-se numa Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP) necessitando de cuidados de saúde complexos. Conforme o índice de mortalidade foi diminuindo, o perfil de pacientes foi se modificando e o número de internações por sequelas de doenças crônicas foi crescendo e se tornando expressivo, assim como a frequência de reinternações.(1, 2) No entanto, com o aumento da sobrevida, a população pediátrica fica submetida a diversos procedimentos invasivos que acarretam em prejuízos funcionais significativos que afetam o desenvolvimento da criança e do adolescente (2-4).

Devido ao tempo prolongado de internação hospitalar submetidos a diversos procedimentos e estímulos inadequados, essas crianças que passam a maior parte das suas vidas dentro de enfermarias ou UTIP desenvolvem comorbidades que afetam à funcionalidade, criando uma população de doentes crônicos após a alta. Tais comorbidades acarretam em limitações e alterações funcionais prejudicando o desenvolvimento global da criança(3, 5). 

Em ambientes de unidade de terapia intensiva é comum que a limitação na funcionalidade seja diretamente acometida pela imobilização, tempo de ventilação mecânica invasiva e/ou uso de corticosteróides, benzodiazepínicos e de bloqueadores neuromusculares(6). 

Esses prejuízos funcionais afetam um grande contingente de pacientes internados na UTIP. Desta forma, cria-se uma necessidade de elaborar protocolos clínicos e assistenciais a fim de atender as necessidades desses pacientes e proporcionar um atendimento multiprofissional de qualidade, minimizando os impactos da internação(7, 8).

A avaliação funcional tem como objetivo identificar a capacidade em desempenhar certa atividade ou função. Também pode ser utilizada para identificar a necessidade de auxílio externo para realizar alguma função ou ainda se a criança é capaz de se adaptar aos problemas diários apesar de possuir alguma incapacidade física, mental e/ou social(6).Estudos mostram que após a primeira semana de alta da UTIP, os pacientes apresentam limitações para realizar as atividades de vida diária, principalmente os que foram submetidos à ventilação mecânica (9).

A aplicação de escalas funcionais em pacientes críticos é de extrema importância e têm como objetivo minimizar a perda funcional adquirida e manter as habilidades necessárias para realizar as atividades cotidianas. O uso de escalas vem facilitando a elaboração de um plano de tratamento fisioterapêutico adequado evitando possíveis agravos à saúde do paciente(6).Diante disso, os fisioterapeutas intensivistas encontram-se em posição privilegiada para intervir nessas repercussões através de avaliações e intervenções como a mobilização precoce, que devem ser consideradas no processo de reabilitação dessas crianças ainda na Unidade de Terapia Intensiva(10).

O surgimento de novas morbidades em terapia intensiva pediátrica ainda é um tema recente a ser estudado e pouco se sabe sobre sua repercussão funcional no pós-alta e em longo prazo na população pediátrica. Por isso, métodos de avaliação funcional que medem a morbidade se tornam fundamentais nos estudos em pediatria(11). A Functional Status Scale (FSS) foi idealizada através de um estudo(11) em 2009 com o objetivo de criar uma escala funcional para verificar globalmente os aspectos de funcionalidade dos pacientes pediátricos, que possui alto grau de confiabilidade

entre avaliadores e qualquer profissional intensivista pode aplicar. A FSS foi traduzida e adaptada transculturalmente para a população pediátrica e tem o potencial de contribuir para um avanço significativo na pesquisa de resultados de cuidados críticos pediátricos, é uma escala fácil de ser aplicada é muito utilizada(11, 12).

Instrumentos para avaliação da funcionalidade na admissão e alta de pacientes críticos vêm sendo muito utilizados. Através deles é possível a identificação de alterações e distúrbios funcionais, norteando um planejamento adequado de objetivos e estratégias de tratamento para as disfunções adquiridas durante o período de hospitalização(12).

A FSS é composta por 6 domínios (estado mental, funcionamento sensorial, comunicação, funcionamento motor, alimentação e estado respiratório). Cada item do domínio é pontuado de 1 (normal) a 5 (disfunção muito grave). A pontuação total pode variar de 6 a 30 pontos, sendo que quanto menor for a pontuação melhor funcionalidade. As pontuações da FSS são categorizadas em: 6 – 7, adequada; 8 – 9, disfunção leve; 10 – 15, disfunção moderada; 16 – 21, disfunção grave; e mais de 21 pontos, disfunção muito grave(12).

Considerando a consequência negativa gerada pela internação na UTIP, a avaliação da funcionalidade de crianças e adolescentes é vista cada vez mais como uma medida preciosa para quantificar e qualificar resultados. Desta forma fica possível identificar fatores que agravam ou não a funcionalidade e a partir disso, estabelecer protocolos e condutas que possam prevenir, reduzir e/ou minimizar os agravos da internação nos pacientes pediátricos(12).

Entretanto, existem poucos estudos abordando o desfecho da funcionalidade pós alta na UTI pediátrica. Portanto, se faz necessário dar mais ênfase para as análises de morbidade, visto que as taxas de mortalidade estão se tornando um desfecho cada vez mais incomum e o desfecho funcional e a qualidade de vida vem mostrando ter mais relevância nas UTIPs. O diagnóstico do paciente e as anomalias preexistentes parecem ser fatores fundamentais na determinação do desfecho(4, 11, 13).

É de suma importância avaliar a condição de saúde pré-admissional e analisar as mudanças que ocorrem no período de atendimento na UTIP e após a alta. Diversos fatores podem alterar o desfecho de uma criança que esteve internada, como fatores relacionados ao diagnóstico, gravidade da doença, protocolos da UTIP, atitudes a respeito de cuidados prolongados, o sistema hospitalar e o sistema público de saúde em geral(11). A avaliação no momento da alta tem o objetivo de caracterizar a funcionalidade do paciente quando ele se encontra fora do quadro que o levou a internação e não necessita mais de cuidados intensivos, embora a reabilitação de crianças criticamente enfermas seja mais lenta e demanda um tempo maior de recuperação(14). 

2. Metodologia 

O presente estudo foi conduzido na UTIP do Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira (IPPMG) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), sendo aprovado pelo comitê de ética local sob o número 4.902.275.

Trata-se de uma pesquisa observacional de caráter longitudinal e prospectivo. A coleta de dados foi efetuada por meio de análise de prontuário e entrevista com os cuidadores no período de setembro a dezembro de 2021. 

A caracterização demográfica da amostra foi realizada por meio de estatística descritiva, em termos de porcentagem, média, mediana e desvio padrão. O coeficiente de correlação de Spearman foi utilizado para avaliar a correlação das variáveis: pontuação da FSS e tempo de internação. A caracterização da funcionalidade foi realizada através da escala Functional Status Scale (FSS) pediátrica no momento da internação através de entrevista com os cuidadores, essa primeira avaliação tem o objetivo de registrar o impacto da doença em seu momento agudo na UTIP. A outra avaliação foi realizada no momento da alta da UTIP realizada pelo fisioterapeuta.

O instrumento de avaliação teve como critério de elegibilidade crianças entre 1 mês de vida e 13 anos. A coleta de dados foi realizada pela pesquisadora e outro colaborador do estudo. Ambos Fisioterapeutas e com conhecimento sobre a Saúde da Criança e do Adolescente.

A avaliação com a escala FSS foi realizada com os pais considerando como a criança era em casa antes da internação, para que fosse possível verificar o impacto da hospitalização na funcionalidade. Em casos de crianças já internadas em outras instituições por mais de 15 dias, que foram transferidas para o IPPMG, a avaliação foi considerada a partir da internação na nossa unidade. Os responsáveis pelas crianças foram informados quanto ao conteúdo, procedimento e objetivos da pesquisa. No momento da avaliação inicial, foi lido e assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e Termo De Assentimento Para Crianças e Adolescentes e foi preenchida uma ficha de avaliação com os dados mais recentes do paciente.

Critérios de inclusão:  Indivíduos de ambos os sexos, com idade superior a 1 mês de vida até 13 anos de idade, com permanência na UTI pediátrica por um período ≥ 24 horas. 

Critérios de exclusão: 

[1]  Permanência na UTIP por um período inferior a 24 horas. 
[2]  Recusa por parte dos responsáveis legais em participar da pesquisa.

3. Resultados

A amostra foi composta por 20 pacientes que foram internados na UTI pediátrica. A maioria dos pacientes foram classificados pelo tipo de internação clínica 16 (80%) e 4 (20%) pacientes internaram em razão de pós-operatório. As características principais da amostra estão demonstradas na tabela 1. Quanto à idade dos pacientes internados, a média das idades foi de 4,10 anos, a mediana de 3,0 e desvio padrão de 4,12. No que se refere aos aspectos clínicos da amostra estudada, houve maior necessidade da utilização de ventilação mecânica invasiva em 80% das crianças durante a internação, enquanto 60% das crianças fizeram uso de oxigenoterapia, dentro desse grupo inclui as crianças que foram intubadas e ainda necessitam de suporte de oxigenoterapia. Quanto ao uso de sedação, 90% dos pacientes necessitam de sedação ao longo da internação, não houve uso de bloqueadores neuromusculares. As demais características gerais da amostra encontram-se ilustradas na tabela 2.

A avaliação da funcionalidade através da FSS pediátrica em terapia intensiva resultou numa média de 10,3 quanto ao escore global, onde a pontuação mínima atingida foi de 6 pontos e a máxima de 28 pontos, sendo assim a classificação geral média da funcionalidade foi de adequada à disfunção severamente anormal. Os óbitos foram excluídos das análises admissão e alta. Os resultados aplicados da escala FSS no momento da admissão e alta da UTIP podem ser observados na tabela 3.

Ao observar a tabela 3 podemos perceber que houve uma diferença na classificação quanto ao estado geral da criança através da aplicação da escala FSS. Enquanto que na avaliação inicial 50% das crianças foram classificadas como “adequada” e 33% como “disfunção moderada”, no momento da alta os pesquisadores classificaram os pacientes 39% como “adequada” e 39% como “disfunção grave”.  Na avaliação da admissão apenas 1 criança foi classificada como “disfunção grave”, em contrapartida, na alta, 7 crianças entraram na classificação de “disfunção grave”. Na avaliação da alta, nenhuma criança foi classificada como “disfunção muito grave.”

O resultado da avaliação da escala e suas pontuações em cada domínio pode ser observada no gráfico (Figura 1).

Ao aplicar o teste t de student comparando as pontuações obtidas com o FSS no pré e nos pós internação, obtém-se o valor de p=0,8986. Isso indica que a diferença entre as pontuações não é estatisticamente significativa, ou seja: a amostra não apresentou mudanças significativas no FSS ao longo da internação na UTIP. 

Comparando a pontuação da escala FSS entre os pacientes com o tipo de internação clínica foi obtido p= 0,8961. Esse resultado indica que não houve diferença entre o antes e o depois. Quando aplicado somente aos pacientes de internação pós cirúrgica, o resultado é p= 0,391 indicando que também não há diferença entre o antes e o depois. Ao analisar o motivo da internação pelo teste t student encontramos os seguintes resultados: internações respiratórias teste t, p= 0,8473 e procedimento cirúrgico p= 0,8240. Quanto à origem dos pacientes: centro cirúrgico p= 0,4226, emergência p=0,7723 e enfermaria p= 0,6462.

 Ao analisarmos os dados por meio do teste de correlação de Spearman, realizamos a correlação da variável dias de internação na UTIP com o escore global da FSS na alta e achamos os seguintes resultados: r = 0.563 e p = 0.014.

 Quanto a diferença de pontuação na escala FSS realizada na admissão e na alta da UTIP, dos 18 pacientes avaliados, 7 pacientes apresentaram piora do escore geral. Apenas 5 pacientes apresentaram melhora ao longo da hospitalização e 6 pacientes não tiveram mudanças na pontuação no momento da alta hospitalar.

4. Discussão

O perfil de pacientes da UTIP compreende pacientes crônicos e complexos que apresentam um histórico extenso de internações e complicações e por este motivo já apresentam muitas comorbidades associadas.

O presente estudo demonstrou que a maior causa das internações na UTIP foram devido a alterações respiratórias 70% e houve predomínio do gênero masculino 70% nas internações. Esse resultado é semelhante ao estudo de Mestrovic et al. que buscou avaliar o desfecho de pacientes internados em unidade de terapia intensiva pediátrica, com foco especial no grupo de doenças crônicas e constataram que 55% de pacientes internados eram do sexo masculino e 25,3% com diagnóstico respiratório(15). O mesmo foi encontrado no estudo de Pereira et al. (3), onde uma amostra de 50 pacientes, as causas de admissão mais frequentes foram: insuficiência respiratória (40%) e pós-operatórios (16%). No estudo (7) também encontramos dados semelhantes nas causas de admissão: disfunção respiratória (43,3%), sepse e pós-operatório (19%)(7). Em nosso estudo, a média de permanência na UTIP foi de 8,50 dias. Esse resultado é semelhante ao encontrado nos estudos atuais, com medianas de 3 a 10 dias (3, 7). 

Apenas 4 (20%) das crianças internaram na UTIP durante o período do estudo. No estudo de Pereira et al., a taxa de reinternação dos pacientes foi de 40% e constataram que os pacientes que internaram apresentavam pior escore FSS, o que corrobora com os nossos resultados.  Segundo o estudo de Silva et al.,  idade da primeira hospitalização, o número de internações anteriores, a gravidade da doença e os fatores socioambientais são fatores de risco para hospitalizações recorrentes em crianças até os seis primeiros anos de vida.(16) As readmissões na UTI geralmente são associadas com maior morbimortalidade e a taxa de reinternação de pacientes varia em torno de 2% a 15%(17).

Em nossa pesquisa os domínios “funcionamento motor” e “alimentação” obtiveram maior pontuação no momento da admissão e obtiveram uma alta de 5% em cada domínio na reavaliação de alta hospitalar. Com esse resultado, enfatizamos que os domínios de alimentação e funcionamento motor são pontos que merecem uma atenção maior na assistência durante o período de hospitalização na UTIP. De fato, a maioria dos pacientes internados por condição clínica já possuem seu estado funcional basal prejudicado devido à comorbidades físicas e cognitivas preexistentes. Devemos também levar em consideração que a maioria dos pacientes vão de alta para enfermaria ainda sem se alimentar por via oral e 40% das crianças já se alimentavam por gastrostomia. O domínio de estado respiratório manteve a mesma pontuação, sendo o 3º domínio mais pontuado na alta, muitas crianças foram de alta da UTIP ainda fazendo uso de oxigenoterapia via cateter nasal ou com necessidade de aspiração de vias aéreas. Isso corrobora com o estudo internacional de Pollack et al., que realizaram a avaliação da FSS em 836 pacientes em 7 UTIP e encontraram maior morbidade nos domínios “respiração”, “função motora” e “alimentação”. No estudo (3) foi encontrado maior morbidade nos domínios “respiração”, “função motora” e “alimentação”(11). Na avaliação da admissão 6 pacientes foram classificados como disfunção moderada e os mesmos na avaliação da alta foram classificados como disfunção grave o que representa uma piora do escore geral. Isso pode ser explicado pela cronicidade e pela quantidade de suporte tecnológico que essas crianças necessitam pelas limitações funcionais, pois 5 são pacientes com alterações no sistema neurológico que já usavam alguma tecnologia em saúde e 3 deles se alimentavam através de gastrostomia (GTT) antes da admissão , além do mais 3 deles se submeteram ao procedimento de traqueostomia (TQT) durante a internação, fazendo com que a pontuação no domínio estado respiratório aumentasse na avaliação da alta. Devemos levar em consideração que a primeira avaliação consiste no relato dos cuidadores, e em nosso estudo todos os casos foi a mãe a entrevistada. Alguns pais possuem dificuldades em entender a gravidade da doença e reconhecer as limitações funcionais dos seus filhos e isso pode explicar que em alguns casos a pontuação da admissão seja menor do que a pontuação na alta. Já os 5 pacientes que melhoraram sua pontuação e os 6 pacientes que não tiveram mudança entre a avaliação inicial e alta, podem ser justificados pelo fato de que 4 dessas crianças tiveram internações relacionadas com pós operatório, o que explica uma pontuação menor por não serem pacientes com condições crônicas, não fazerem uso de nenhum dispositivo de tecnologia prévia e permanecerem um tempo menor na UTIP.

Nosso estudo identificou quanto ao escore global da FSS a pontuação mínima de 6 e máxima de 28 pontos. Resultando na pontuação média de 10,3 e mediana de 8, indicando uma funcionalidade entre disfunção leve a moderada. Resultado semelhante ao estudo de Pollack, que encontrou a média de 10,3 com pontuação mínima de 6 e máxima de 29 pontos.(11) Em 2018 Bastos et al., realizaram um estudo com o objetivo de realizar a tradução e a adaptação transcultural da FSS, aplicando a escala em 25 crianças hospitalizadas na UTIP e as mesmas apresentaram na FSS a pontuação mínima de 6 pontos e a máxima de 13 pontos, resultando na pontuação média de 7,48 ± 2,08, indicando uma funcionalidade entre adequada à disfunção leve.(12) 

Com relação à taxa de mortalidade de 10 % do nosso estudo, verificamos que é compatível com o que se encontra atualmente na literatura: 6,3 %(7), 12% (3), 9% (18),  2,1%  (14).

Assim, conforme citação de Pollack, os avanços nos cuidados em terapia intensiva pediátrica contribuíram positivamente para a redução da taxa de mortalidade, porém com o aumento da sobrevida essa população apresenta comorbidades além da hospitalização, consequência do longo tempo de imobilidade e do uso de produtos e tecnologias para suporte de vida, gerando impactos globais na vida dessas crianças (13). Com a grande maioria das crianças sobrevivendo a doenças graves, novas comorbidades surgem e persistem anos após a alta da terapia intensiva, demandando recursos ao longo da vida(19, 20).

Em relação ao teste t de student, a amostra não mostrou resultados significativos. Isso pode ser justificado pelo motivo dos pacientes serem admitidos com comorbidades preexistentes e apresentarem suas funções comprometidas, por isso são avaliados com uma pontuação alta no FSS ou não apresentaram mudança significativa na pontuação entre a admissão e a alta da UTIP.

5. Conclusão

O tempo de internação hospitalar, o tempo do uso de sedativos e de ventilação mecânica reduz consideravelmente a funcionalidade e aumenta as chances de reinternação. 

Devemos considerar a limitação da amostra ao interpretar os resultados, o que pode ser explicado pela UTIP manter pacientes crônicos internados por um tempo prolongado impedindo uma rotatividade de pacientes. No entanto, identifica-se a importância em serem realizadas avaliações através de escalas como forma de avaliação inicial e acompanhar essas crianças durante o processo de hospitalização. Assim como dar continuidade a estudos semelhantes a esse com o intuito de aumentar a amostragem e acompanhar essas crianças a longo prazo, fora do ambiente hospitalar e assim verificar suas condições e necessidades após a alta da UTIP. 

A escala de estado funcional mostrou ser um recurso simples e preciso para avaliar a funcionalidade de pacientes intensivos pediátricos, identificando agravos preexistentes e buscando prevenir possíveis complicações durante a hospitalização, reduzindo consequentemente o número de reinternações. Portanto, é recomendável o seu uso na UTIP como instrumento para avaliar a qualidade dos cuidados em saúde na criança e no adolescente.

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1Especialista em saúde da criança e do adolescente pelo programa de residência multiprofissional em saúde da criança e do adolescente do Instituto de Pediatria e Puericultura Martagão Gesteira – IPPMG/UFRJ

2Mestre e Preceptor do programa de residência multiprofissional em saúde da criança e do adolescente do Instituto de Pediatria e Puericultura Martagão Gesteira – IPPMG/UFRJ