REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cs10202411301141
Domênica Luiza Carvalho Russo Faria1; Ricardo Ribeiro Fontenele1; Everton Silva de Lima2; Maria Cristina Ravagnani Gonçalves2; Weslley Garcia da Silva2; Thainá Alves Ferreira Grechi2; Luiz Cláudio da Silva Ferrão3; Eduarda dos Santos Falcão3; Joice Aparecida Rezende Vilela4
Resumo:
INTRODUÇÃO: A Leptospirose é uma doença antropozoonótica de característica febril aguda, transmitida pela bactéria Leptospira spp. a partir da exposição direta ou indireta da urina de roedores, por meio de água e solo contaminados. OBJETIVO: Realizar um levantamento epidemiológico temporal e espacial da Leptospirose no município de Nova Iguaçu, RJ, nos últimos 5 anos (2019 a 2023) e associar com aspectos sociodemográficos na ocorrência desta zoonose. MATERIAL E MÉTODOS: Trata-se de um estudo ecológico através de levantamento epidemiológico de dados secundários temporal e espacial a respeito da incidência da Leptospirose no Município de Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, nos últimos anos (2019 a 2023). RESULTADOS E DISCUSSÃO: Entre 2019 e 2023, o município registrou 46 casos de leptospirose, com um pico em 2022 (20 casos). A variável pluviosidade mostrou relação complexa com a incidência da doença, com aumento notável de casos em 2022 e queda em 2023, mesmo com alta pluviosidade. A maior prevalência de casos ocorreu entre homens (86,13%) e na faixa etária de 40 a 59 anos (32,61%). A análise demográfica sugere a necessidade de campanhas específicas para grupos mais vulneráveis. Dos casos, 13,04% resultaram em óbitos, e cerca de 28,26% foram curados, destacando a falta de registros e o possível subdimensionamento dos dados. As áreas com maior incidência estão ligadas a condições sanitárias precárias e alta densidade populacional. CONCLUSÃO: Os resultados deste estudo ressaltam a urgência de implementar políticas públicas direcionadas especialmente às áreas mais impactadas pela leptospirose. É fundamental que estas iniciativas incluam medidas comportamentais voltadas ao controle dos fatores de risco, saneamento básico, além da capacitação profissional dos trabalhadores da saúde e comunidades locais.
PALAVRAS-CHAVES: Leptospira spp., Baixada Fluminense, Epidemiologia.
ABSTRACT:
INTRODUCTION: Leptospirosis is an anthropozoonotic disease of acute febrile characteristic, transmitted by the bacteriumLeptospira spp. from direct or indirect exposure of rodent urine, through contaminated water and soil. OBJECTIVE: To carry out a temporal and spatial epidemiological survey ofLeptospirosis in the municipality of Nova Iguaçu, RJ, in the last 5 years (2019 to 2023) and to associate it with sociodemographic aspects in the occurrence of this zoonosis.MATERIAL AND METHODS: This Is an ecological study through an epidemiological survey of temporal and spatial secondary data regarding the incidence ofLeptospirosis in the Municipality Of Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, in recent years (2019 to 2023).RESULTS AND DISCUSSION: Between 2019 and2023, the municipality recorded 46 cases of leptospirosis, with a peak in 2022 (20 cases).The rainfall variable showed a complex relationship with the incidence of the disease, with a notable increase in cases in 2022 and a drop in 2023, even with high rainfall. The highest prevalence of cases was among men (86.13%) and in the 40-59 age group (32.61%). The demographic analysis suggests the need for specific campaigns for more vulnerable groups. Of the cases, 13.04% resulted in death, and around 28.26% were cured, highlighting the lack of records and the possible undersizing of the data. The areas with the highest incidence are linked to poor sanitary conditions and high population density. CONCLUSION: The results of this study highlight the urgency of implementing public policies aimed especially at the areas most affected by leptospirosis. It is essential that these initiatives include behavioral measures aimed at controlling risk factors, basic sanitation, as well as professional training for health workers and local communities.
KEYWORDS: Leptospira spp., Baixada Fluminense, Epidemiology.
1. Introdução:
A leptospirose é a zoonose mais disseminada no mundo, está presente em todos os continentes, exceto na Antártida 1 e é considerada endêmica no Brasil 2. A leptospirose é uma doença bacteriana causada pelo gênero Leptospira e possui a característica espiral longa, fina (0.1 a 0.2µm e 6-20µm de comprimento) e flexível, sendo altamente móveis e com a capacidade de atingir animais e seres humanos, onde os fatores ambientais podem contribuir com o desenvolvimento e disseminação da doença 1,3.
A leptospirose é transmitida através do contato com água ou solo contaminados pela urina de animais silvestres ou domésticos infectados, podendo citar os suínos, equinos, bovinos e até mesmo os caninos 4, porém o principal hospedeiro reservatório são os roedores, que são assintomáticos e carregam em seus rins a bactéria, contaminando o ambiente. A transmissão ocorre através do contato direto da pele ou mucosas com água ou lama contaminadas pela urina dos animais infectados 5. A leptospirose pode também ser transmitida por meio da ingestão de água potável ou alimentos contaminados com a urina de animais infectados, frequentemente ratos. É rara a transmissão homem-a-homem6.
Os principais roedores transmissores da leptospirose nos centros urbanos são as espécies Rattus norvegicus (ratazanas), Rattus rattus (ratos de telhado) e Mus musculus (camundongos) 7.
Pode ocorrer tanto em ambientes urbanos quanto silvestres ou rurais, com ampla distribuição mundial, sendo considerada uma antropozoonose 8. Como seus hospedeiros primários, estão presentes os animais sinantrópicos, domésticos e silvestres. É uma infecção endêmica em todo o Brasil, porém em épocas com chuvas fortes, com inundações, alagamentos e enxurradas, a bactéria Leptospira propaga-se de forma disseminada, e nessa situação tem-se a ocorrência de epidemias 9.
A leptospirose possui maior incidência em regiões de clima úmido e quente, que facilitam seu desenvolvimento e pode ser epidêmica em época chuvosa ou pós-desastres naturais 10. Um dos fatores de risco é o saneamento básico precário que faz com que exista uma maior incidência de roedores pela maior presença de resíduos sólidos e restos de comidas, o que são atrativos para os mesmos, aumentando assim os riscos de proliferação da doença 11. E, além disso, os fatores socioeconômicos influenciam a incidência da doença, como a ocupação urbana desordenada e aglomerações populacionais 12.
A leptospirose pode ter várias apresentações clínicas em humanos, como a forma aguda, subaguda e crônica. Nas infecções agudas pode ocorrer disfunção da coagulação e levar a coagulação intravascular disseminada. As infecções menos graves cursam com febre, vômito, anorexia, desidratação, poliúria, polidipsia. O comprometimento da função renal progressiva resulta em anúria ou oligúria. Os sintomas mais frequentes em humanos são febre, enxaqueca e dores musculares, e se houver a possibilidade da pessoa ter tido contato direto com águas contaminadas e ter a manifestação destes sintomas, é recomendado procurar atendimento médico 13.
O diagnóstico inicial da leptospirose é realizado pelo histórico do paciente, ou seja, clínico-epidemiológico, como as condições de moradia, saneamento básico e higiene básica, sendo estas informações relevantes, visto que sendo condições precárias de vida geram a vulnerabilidade a respeito da enfermidade 14.
O diagnóstico é confirmado por meio de exames laboratoriais e dependem do estágio de infecção em que o paciente se apresenta, sendo na fase aguda utilizada a sorologia por microaglutinação MAT e ELISA-IgM e na fase tardia a sorologia com padrão citoplasmático fibrinilar e imunoglobulina (IgM) em Razulk15.
No Brasil, a leptospirose é uma doença de notificação compulsória e deve ser registrada tanto a ocorrência de casos suspeitos isolados como os surtos na população, de modo imediato, para obter controle com ações da vigilância epidemiológica 16.
O Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SNVE) analisa cada suspeito e fundamenta-se do ponto de vista operacional, com as Fichas de Investigação Epidemiológica (FIEs), específicas para a notificação individual de cada caso suspeito de leptospirose, contendo dados demográficos, clínicos e epidemiológicos, além do registro das respectivas informações no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN)17,18.
Importantes características demonstram a necessidade de construção desta pesquisa, pois trata-se de uma doença de determinação social, de grande ocorrência em todo Brasil, principalmente em regiões com maior índice pluviométrico e de desequilíbrios ambientais. Apesar disso, a doença é pouco abordada para a população, inclusive em programas de educação sanitária, onde a população desconhece sobre a doença e sua forma de transmissão. Outros fatores que trazem também o agravamento da situação são os animais não vacinados, com acesso à rua ou até mesmo animais abandonados que podem ser fontes de transmissão. Sabendo da gravidade e o grande potencial de disseminação da doença, há necessidade de desenvolvimento de medidas que possam auxiliar no manejo de resíduos, conscientizar as prefeituras para realizar ações de infraestrutura e saneamento básico, conscientizar a população sobre os riscos de jogar lixos em locais inapropriados evitando assim a oferta de alimentos e de abrigo para roedores que são os principais reservatórios da doença 19.
2. Material e métodos
O desenho de estudo foi do tipo ecológico, a partir do levantamento de dados secundários epidemiológicos, temporal e espacial da Leptospirose no Município de Nova Iguaçu, Rio de Janeiro nos últimos anos (2019 a 2023).
2.1 Área de estudo
A área de estudo abrangeu o município de Nova Iguaçu, situado na região metropolitana do Rio de Janeiro, Brasil. Nova Iguaçu possui uma extensão territorial de 520,581km², sendo que a área urbanizada corresponde a 122,99km², o que representa 24% do total. Em 2022, segundo o IBGE, a população foi estimada em 785.867 habitantes, dos quais 373.571 são homens (47,53%) e 412.350 são mulheres (52,47%). A taxa de alfabetização atinge 96,35%, e a densidade demográfica é de 1.509,60 hab/ km². No que tange ao saneamento básico, em Nova Iguaçu, 88,68% dos domicílios possuem esgotamento sanitário conectado à rede geral, e o município contabiliza 97,95% de cobertura na coleta de lixo. Além disso, 67,86% das residências têm abastecimento de água pela rede geral. Ademais, de acordo com o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), a cidade ocupa a 43ª posição em relação aos demais municípios do estado do Rio de Janeiro, com um índice de 0,713. Em termos de renda, o PIB per capita registrado em 2021 foi de R$21.559,06, sendo que mais de 60% da população de Nova Iguaçu possui uma renda familiar per capita de até um salário mínimo. Destaca-se que 144.359 famílias estão inscritas no Cadastro Único (CadÚnico), que abrange as famílias mais vulneráveis do município. Em 2023, cerca de 130.384 cidadãos estavam inscritos no programa Bolsa Família, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Em 1997, a cidade foi dividida em nove Unidades Regionais de Governo (URGs), abrangendo os 69 bairros. Essa reorganização visou descentralizar a administração e tornar os serviços públicos mais acessíveis, que antes eram concentrados no centro da cidade. Ainda que os bairros sejam as menores unidades administrativas oficiais, cada um deles é composto por vários sub-bairros e vilas. O município está dividido atualmente em cinco Setores de Planejamento Integrados (SPI), que é uma representação espacial visando coordenar e otimizar as políticas públicas e projetos de desenvolvimento urbano e social.
2.2 Obtenção de dados de casos de Leptospirose
Os dados analisados neste estudo foram cedidos com anuência pela Vigilância Sanitária da Secretaria Municipal de Saúde de Nova Iguaçu, RJ, por meio das fichas de notificação preenchidas pelos agentes de saúde no período de 2019 a 2023.
2.3 Obtenção de Dados Meteorológicos
Os dados de precipitação de chuva foram obtidos no site do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (CEMADEN), vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, visando informações sobre desastres ambientais. Também foi utilizado o site do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), órgão vinculado ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Brasil, responsável por monitorar e estudar o clima no país.
O CEMADEN atua monitorando 24 horas por dia, em 957 municípios brasileiros, considerados vulneráveis a desastres naturais, por meio de pluviômetros automáticos e por radares meteorológicos, de plataformas para analisar condições de umidade do solo e pluviômetros semiautomáticos distribuídos nas comunidades em áreas de risco, sendo possível verificar inundações, enxurradas e deslizamentos.
O INMET possui uma estação meteorológica em Nova Iguaçu, que faz parte de sua extensa rede de monitoramento climático em todo o Brasil. Essa estação fornece dados atualizados sobre temperatura, umidade, precipitação, direção e velocidade do vento, pressão atmosférica e outros parâmetros meteorológicos relevantes para Nova Iguaçu e cidades arredores.
2.4 Cálculo da Taxa de Incidência:
As taxas de incidência de leptospirose foram calculadas de acordo com a fórmula:
Foram calculadas taxas de incidência (casos novos dentro da população) segundo ano e meses.
2.5 Obtenção de Dados Sociodemográficos
Os dados sociodemográficos utilizados para a presente pesquisa foram obtidos a partir das bases públicas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), referentes ao município de Nova Iguaçu. Foram coletadas informações como densidade populacional, faixa etária, distribuição por sexo, renda média, saneamento básico e nível de escolaridade. Esses dados foram selecionados por sua relevância na análise dos determinantes sociais que podem influenciar a ocorrência de leptospirose. Foi realizada uma comparação entre as áreas de maior incidência da doença e os indicadores sociais obtidos pelo IBGE. A distribuição espacial dos casos foi mapeada e sobreposta aos dados populacionais, permitindo identificar possíveis associações entre fatores sociodemográficos e a ocorrência da doença.
2.6 Tratamento dos dados:
Os dados obtidos de casos confirmados e índice de precipitação foram tabulados em planilha do software Microsoft Excel®, onde as variáveis foram distribuídas em categorias e, posteriormente, realizada a estatística descritiva para cálculo de frequências absolutas e relativas. Para a plotagem dos mapas foi utilizado o software do QGIS (QGIS Development Team, 2024), tendo como base o shapefile (shp.) de bairros e URGs do município de Nova Iguaçu, RJ.
3. Resultados e discussão
Durante o período de 2019 a 2023, foram notificados 46 casos de leptospirose pela Secretaria de Vigilância Sanitária do município de Nova Iguaçu. A Tabela 1 demonstra a quantidade de casos registrados em cada ano. Os registros foram os seguintes: 14 casos em 2019, 2 casos em 2020, 2 casos em 2021 e 20 casos em 2022, representando o maior percentual de casos (43,48%) e em 2023 foram 8 casos (17,39%).
A Figura 1 apresenta o total anual de pluviosidade e a taxa de incidência de leptospirose no município de Nova Iguaçu durante esse período. Observa-se que há uma tendência de aumento gradual nos níveis de chuva de 2019 a 2021, acompanhada por uma diminuição nas notificações de casos de leptospirose. No entanto, em 2022, houve um aumento significativo tanto nos níveis de chuva quanto nas notificações de leptospirose. Isso sugere que pode haver uma conexão entre a pluviosidade e a incidência de leptospirose. Além disso, em 2023, observou-se um aumento significativo nos níveis de chuva. No entanto, houve uma diminuição nos casos confirmados de leptospirose em comparação com 2022.
Durante o período de 2019 a 2021, ocorreu uma diminuição gradativa na taxa de incidência de leptospirose. No entanto, em 2022, houve um aumento nos casos. Em 2021 e 2022, a taxa de incidência foi de 0,25 e 2,54, respectivamente. Nesse caso, em 2022, ocorreu um aumento de 10 vezes nos números de casos em comparação com o ano anterior, 2021. Em 2023, houve uma redução significativa em comparação com 2022, aproximadamente três vezes menor.
Essa variação na taxa de incidência de leptospirose pode ter sido influenciada por uma série de fatores, incluindo condições climáticas e medidas de controle de doenças. Isso sugere que as ações públicas de prevenção à leptospirose, incluindo obras de saneamento básico, podem ter sido eficazes. Enquanto o aumento na pluviosidade pode aumentar o risco de leptospirose devido a inundações e maior exposição a águas contaminadas, outros fatores também podem influenciar a incidência da doença, como obras em execução no município por longos períodos, que podem ter levado a facilidade de acesso e manutenção de roedores.
Tabela 1 – Casos confirmados e taxa de incidência de leptospirose em Nova Iguaçu – RJ, no período de 2019 – 2023
Fonte: Informações geradas a partir de dados coletados no Ministério da Saúde/SVS – Sistema de Informação de Agravos de Notificação – SINAN Net, 2024.
Figura 1 – Pluviosidade (mm) x Número de casos confirmados de leptospirose por ano, em Nova Iguaçu – RJ, no período de 2019 –2023.
Fonte: Informações geradas a partir de dados coletados no Ministério da Saúde/SVS – Sistema de Informação de Agravos de Notificação – SINAN Net, 2024 e INMET, 2024.
A Tabela 2 apresenta a análise da distribuição demográfica dos casos de leptospirose em Nova Iguaçu, durante o período em questão, revelando uma acentuada predominância entre o sexo masculino, contabilizando 41 casos (86,13%) em contraposição a apenas 5 casos (10,87%) registrados entre as mulheres. Tal disparidade pode ser atribuída ao fato de que os homens, em geral, estão mais frequentemente imersos em atividades que os colocam em situações de risco elevado, como trabalhos ao ar livre ou em ambientes suscetíveis à infecção por leptospirose, como os trabalhos de resgate e limpeza em épocas de enchentes.
Ademais, ao se examinar a distribuição etária dos casos, constata-se que a leptospirose afeta indivíduos de todas as idades, contudo, a faixa etária mais impactada foi àquela compreendida entre 40 e 59 anos, que corresponde a 32,61% dos registros, seguida pela faixa de 20 a 39 anos, a qual representa 26,09% dos casos durante o período em foco. Essa faixa etária é geralmente considerada produtiva e, consequentemente, pode estar mais envolvida em atividades que incrementam o risco de exposição à leptospirose, como a agricultura, a construção civil e outras ocupações ao ar livre. Essas evidências ressaltam a imperiosa necessidade de direcionar iniciativas preventivas e campanhas de conscientização, especialmente voltadas para grupos demográficos específicos que se encontram em situação de maior vulnerabilidade à enfermidade.
Martins MH da M et al. conduziram uma análise comparativa das características populacionais e dos determinantes sociais da leptospirose, utilizando dados do Sistema de Agravos e Notificações (SINAN) referente ao período de 2007 a 2015. Os resultados revelaram que 78,6% dos casos afetaram homens, enquanto as mulheres corresponderam a apenas 21,3%. Além disso, observou-se uma significativa concentração de casos na faixa etária mais produtiva, abrangendo indivíduos de 20 a 59 anos 20 .
Tabela 2 – Variáveis sexo e faixa etária envolvidas nos casos de leptospirose em Nova Iguaçu – RJ, no período de 2019 –2023
Fonte: Informações geradas a partir de dados coletados Ministério da Saúde/SVS – Sistema de Informação de Agravos de Notificação – SINAN Net, 2024.
Em relação à evolução dos casos de leptospirose, conforme mostra a Tabela 3, a taxa de cura foi de 28,26%, o que representa um percentual significativo de pacientes que se recuperam. Esse dado sugere que o tratamento pode ser eficaz quando administrado corretamente, uma vez que a rapidez na identificação e no início do tratamento é fundamental para mitigar a doença. No entanto, a taxa de óbitos foi de 13,04%, um valor menor do que a taxa de cura, mas ainda assim preocupante. Isso indica que uma parte considerável dos pacientes não sobrevivem à doença, o que pode estar relacionado a fatores como diagnóstico tardio, falta de acesso a tratamentos adequados ou o desenvolvimento de complicações graves que não são tratadas de forma eficaz.
Outro ponto relevante é a alta taxa de 58,69% de dados ignorados, o que significa que informações cruciais sobre a evolução dos pacientes não foram registradas. A falta de registros completos pode dificultar a análise precisa da situação, além de comprometer o planejamento de medidas de prevenção e controle da doença. A falta de registros, especialmente quando se trata de informações importantes como óbitos ou casos curados, pode indicar várias questões subjacentes que precisam ser abordadas. A possibilidade de subnotificação é uma delas, sugerindo que casos de leptospirose podem não estar sendo devidamente identificados ou relatados ao sistema de saúde.
Além disso, a falta de longitudinalmente de atendimento, com o acompanhamento dos casos após o diagnóstico inicial é outra questão preocupante. O acompanhamento adequado dos pacientes é crucial para garantir que recebam o tratamento adequado e para monitorar sua progressão clínica ao longo do tempo. A ausência de registros de casos curados pode indicar falhas nos sistemas de saúde locais, incluindo dificuldade de acesso a serviços de saúde ou falta de continuidade do cuidado após o diagnóstico inicial.
Portanto, uma investigação mais aprofundada sobre as razões por trás da falta de registros, juntamente com uma avaliação abrangente da qualidade dos serviços de saúde e do acesso aos tratamentos necessários, é essencial para melhorar a resposta à leptospirose em Nova Iguaçu e garantir melhores resultados para os pacientes afetados.
Tabela 3 – Evolução dos casos de leptospirose em Nova Iguaçu – RJ, no período de 2019–2023
Fonte: Informações geradas a partir de dados coletados Ministério da Saúde/SVS – Sistema de Informação de Agravos de Notificação – Sinan Net, 2024.
As Figuras 2 a 6 mostram a pluviosidade mensal (em mm) e taxa de incidência por leptospirose, por mês, no período de 2019 a 2023. Observa-se que a maior predominância de chuva é no período de dezembro a maio. A relação entre a precipitação pluviométrica e a incidência de leptospirose pode ser complexa e variar dependendo de vários fatores, incluindo o ambiente local, as condições de higiene e saneamento, o comportamento humano e a presença de vetores da doença.
Em geral, a leptospirose é uma doença transmitida pela urina de animais infectados, como ratos, que pode contaminar água e solo em áreas urbanas e rurais. A chuva pode contribuir para a disseminação da Leptospira spp. ao carregar a urina contaminada para rios, lagos e áreas de inundação, aumentando assim o risco de exposição humana.
Em regiões onde as condições de saneamento são precárias, a inundação causada pela chuva pode contaminar as fontes de água potável, levando a um aumento na incidência de leptospirose. Além disso, inundações podem forçar as pessoas a entrarem em contato direto com a água contaminada, aumentando ainda mais o risco de infecção.
No entanto, é importante notar que a relação entre a precipitação e a incidência de leptospirose pode ser afetada por outros fatores, como a temperatura, densidade populacional, práticas agrícolas e urbanização. Estudos epidemiológicos detalhados são necessários para entender melhor essa relação em diferentes contextos.
Guimarães, R.M. et al. conduziram um estudo ecológico analítico com o objetivo de investigar a relação entre a média mensal de precipitação e o risco de leptospirose no estado do Rio de Janeiro ao longo de seis anos, de 2007 a 2012. Os resultados revelaram um padrão sazonal de incidência da doença, com uma maior concentração de casos registrada durante os meses de verão 21.
Figura 2 – Pluviosidade mensal (mm) e taxa de incidência por leptospirose, por meses, em Nova Iguaçu, no período de 2019.
Fonte: Informações geradas a partir de dados coletados pelo Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), 2024.
Figura 3 – Pluviosidade mensal (mm) e taxa de incidência por leptospirose, por meses, em Nova Iguaçu, no período de 2020.
Fonte: Informações geradas a partir de dados coletados pelo Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), 2024.
Figura 4 – Pluviosidade mensal (mm) e taxa de incidência por leptospirose, por meses, em Nova Iguaçu, no período de 2021.
Fonte: Informações geradas a partir de dados coletados pelo Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), 2024.
Figura 5 – Pluviosidade mensal (mm) e taxa de incidência por leptospirose, por meses, em Nova Iguaçu, no período de 2022.
Fonte: Informações geradas a partir de dados coletados pelo Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), 2024.
Figura 6 – Pluviosidade mensal (mm) e taxa de incidência por leptospirose, por meses, em Nova Iguaçu, no período de 2023.
Fonte: Informações geradas a partir de dados coletados pelo Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), 2024.
Na Figura 7, são apresentados os níveis de pluviosidade (enchente) em relação ao número de casos de leptospirose ao longo do período analisado. Observa-se que, no ano de 2022, ocorreram várias enchentes em meses diferentes, evidenciando uma relação clara entre a pluviosidade e o número de casos de leptospirose. É comum observar uma correlação positiva durante períodos de chuvas intensas ou enchentes. Além disso, de acordo com a Tabela 1, no ano de 2022, ocorreram 20 casos de leptospirose, representando cerca de 43,48% dos casos no período de 2019 a 2023. Isso sugere que, conforme aumenta a pluviosidade, e com a ocorrência de enchente, também aumenta o número de casos de leptospirose, o que é consistente com a tendência esperada de maior exposição à água contaminada durante as enchentes. Embora a quantidade total de chuva em um período possa ser considerada um fator relevante para a incidência de leptospirose, não é apenas o volume de chuva que influencia o aumento dos casos da doença. O excesso de precipitação em um curto espaço de tempo, especialmente quando resulta em enchentes, é um fator crítico para a propagação da leptospirose.
Quando chuvas intensas ocorrem em poucas horas, podem causar alagamentos, levando a uma maior exposição da população à água contaminada com a bactéria. Durante enchentes, a água se mistura com resíduos e esgoto, aumentando o risco de transmissão da doença. Assim, é a combinação de chuvas intensas e a subsequente inundação que desempenha um papel mais significativo na ocorrência de leptospirose, em vez da quantidade total de chuva acumulada ao longo de um período mais longo. Portanto, monitorar eventos de chuvas extremas e preparar a infraestrutura urbana para lidar com esses episódios é fundamental para prevenir surtos de leptospirose.
Segundo Koury et al., a leptospirose é uma doença infecciosa que se transitou do ambiente rural para o urbano 22. A falta de uma infraestrutura urbana adequada, que inclua sistemas eficientes de limpeza, descarte de lixo e reciclagem, combinada com a acentuada segregação socioeconômica, contribui para a disseminação da doença entre os habitantes das áreas urbanas 23.
Figura 7 – Pluviosidade (mm) x número de casos de leptospirose em Nova Iguaçu, no período de 2019-2023.
Fonte: Fonte: Informações geradas a partir de dados coletados pelo Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), 2024.
Na Tabela 4 e Figura 8, são apresentados os números de casos registrados em cada Unidade Regional de Governo (URG) de Nova Iguaçu. Observa-se que as URGs I – Centro, URG II – Comendador Soares, URG III – Posse e URG IV – Cabuçu, têm as maiores taxas de prevalência de leptospirose. Esses bairros se destacam por sua alta densidade populacional, grande quantidade de comércios e infraestrutura de saneamento básico deficiente. A combinação de esgoto a céu aberto e sistemas de drenagem inadequados cria condições ideais para a presença da Leptospira. Além disso, alguns bairros enfrentam problemas crônicos de alagamentos e saneamento inadequado, o que aumenta o risco de contaminação. As enchentes frequentes favorecem o contato com água contaminada, elevando a incidência da doença.
Tabela 4 – Números de casos confirmados de leptospirose em Nova Iguaçu por URGs e bairros (2019 a 2023)
Fonte: Construído a partir de dados coletados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação – SINAN, 2024.
Figura 8 – Distribuição espacial dos casos de Leptospirose em Nova Iguaçu, entre os períodos de 2019 a 2023.
Fonte: Construído a partir de dados coletados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação – SINAN, 2024.
4. Conclusão
A análise dos casos de leptospirose em Nova Iguaçu, RJ, revela uma incidência desigual, que parece estar ligada a problemas como a infraestrutura urbana precária, o acesso limitado a serviços de saúde e as condições inadequadas de saneamento básico. Notou-se um aumento considerável de casos durante períodos de chuvas fortes, o que mostra como o clima influencia a propagação da doença. Além disso, é importante considerar o subdiagnóstico e a subnotificação dos casos, que podem esconder a real dimensão do problema e dificultar intervenções eficazes. Isso evidencia a necessidade urgente de implementar estratégias de saúde pública que priorizem a educação e a prevenção, especialmente em comunidades vulneráveis.
Apesar de Nova Iguaçu ter uma alta taxa de alfabetização, refletindo um bom nível educacional, a cidade enfrenta desafios relacionados à alta densidade populacional, que pode afetar a saúde pública. A maioria das casas tem acesso a esgoto e coleta de lixo, o que é fundamental para manter a higiene. No entanto, ainda existem áreas com condições sanitárias inadequadas, tornando a população mais suscetível a doenças como a leptospirose. Essa doença, que é transmitida por água contaminada, é especialmente preocupante em lugares onde o saneamento é insuficiente. A pobreza, que afeta uma parte significativa da população, também agrava a situação, dificultando o acesso a informações sobre prevenção e tratamento.
Portanto, é essencial promover campanhas de conscientização e melhorar as condições de saneamento para reduzir os riscos de surtos. Além disso, é fundamental desenvolver políticas públicas que busquem melhorar as condições de vida e fortalecer a infraestrutura urbana. A continuidade de estudos nessa área é crucial para acompanhar as tendências da doença e avaliar a eficácia das intervenções realizadas.
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1Discente do curso de graduação de Medicina da Universidade Iguaçu (UNIG). Membro do Projeto de Iniciação Científica da Universidade Iguaçu (UNIG)
2Discente do curso de graduação de Medicina Veterinária da Universidade Iguaçu (UNIG). Membro do Projeto de Iniciação Científica da Universidade Iguaçu (UNIG).
3Secretaria Municipal de Saúde de Nova Iguaçu (UNIG)
4Médica Veterinária. Docente dos cursos de graduação de Medicina e de Medicina Veterinária da Universidade Iguaçu (UNIG). Orientadora do Projeto de Iniciação Científica da Universidade Iguaçu (UNIG).