REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10727140
Thiago de Sousa Farias1
Elusa Machado Costa Curi Rad2
Maria de Nazaré Lima Margalho3
Romário Alencar Silva4
Wildilene Leite Carvalho5
Edilena do Socorro da Silva Alves6
Lívia Maria Dias Oliveira Bustamante7
Jéssica de Freitas Soares8
Glória Aurenir de Lima Lopes Domingos9
Maria Izadora Oliveira Batista10
INTRODUÇÃO
A maternidade é um período de grandes mudanças físicas e psicológicas nas mulheres, dentre as quais pode-se citar a ansiedade de como será o parto. Antes o parto era realizado no meio familiar, respeitando seu curso natural sem a utilização de mecanismos que acelerassem esse processo. Além disso, as gestantes eram assistidas pelas parteiras. No entanto, com o passar do tempo houve significativas mudanças na forma de “dar à luz”, como os diversos tipos de partos: cesáreo, fórceps, natural, a presença de um profissional capacitado médico e/ou enfermeiro obstetra para auxílio, a utilização de técnica séptica, medicamentos e manobras que ajudam acelerar o parto. Essa inserção de tecnologias trouxe alguns benefícios, porém contribui para a desumanização do parto e abre caminhos para a violência obstétrica (FIGUEIREDO, et al 2021).
A violência obstétrica faz-se presente no atendimento à mulher que está no préparto, parto e pós-parto, pelos profissionais da saúde. Logo, a Organização Mundial de Saúde (OMS) define a violência obstétrica como qualquer atitude desrespeitosa, desumanizadas (como o uso indiscriminado de ocitocina sintética, manobra de Kristeller, episiotomia), além de negligência e maus tratos contra a parturiente e o recém nascido que possa provocar danos e/ou sofrimento psíquico e físico, podendo perpassar todos os níveis de assistência (baixa, média e alta complexidade) (LEITE TH, et al., 2022).
O termo violência obstétrica é utilizado para definir formas de violência de gênero sofrida durante o parto. O termo pode ser utilizado para caracterizar várias formas de violência e maus tratos sofridos pelas mulheres durante o cuidado obstétrico profissional. Várias expressões são comumente utilizadas para descrever o mesmo fenômeno, tais como “violência no parto”, “abuso ou desrespeito obstétrico”, “violência de gênero no parto e aborto”, “violência institucional de gênero no parto e aborto”, “assistência desumana/desumanizada”, “crueldade no parto”, “violações dos Direitos Humanos das mulheres no parto”, entre outros (TESSER; KNOBEL; ANDREZZO, DINIZ, 2015).
Porém, no século XX, a institualização do parto fez com que fosse preciso o uso de tecnologias durante a assistência, em situações de risco para a mãe e o bebê, onde reduziram-se muitos casos de morte neonatal e materna no parto, contudo, essa prática era vista como desumanizada, mecanizada e faziam com que as mães se sentissem fragilizadas e violentadas, tornando o parto um momento violento e violentador dos direitos da mulher (LEAL TH, et al., 2018).
A fundação da Rede pela Humanização do Parto e do Nascimento (Rehuma), foi fundamental e se destacou principalmente pela sua carta de fundação, a “carta de Campinas”. A mesma foi de extrema importância, pois representou uma forma de denúncia da violência obstétrica, caracterizando-as como desumanas, constrangedoras e fazendo com que as mulheres se sentissem alienadas e incapazes. No Brasil, segundo pesquisas hospitalares feitas entre 2011 e 2015, esse tipo de violência não se dá apenas às gestantes, no parto e no puerpério, o mesmo acontece com mulheres em situação de aborto, a prevalência nesses casos foi de 44,3% em 2011 e 18,3% em 2015. O desrespeito, a violência e o abuso constituem-se em uma grave forma de violência de gênero e comprometem os direitos humanos das mulheres (LEITE TH, et al., 2022).
Vale ressaltar que o entendimento da violência obstétrica transcorre o debate sobre a questão étnica e racial próprias do paradigma civilizatório da colonialidade, tendo em vista que a estrutura colonial pode produzir discriminações sociais, as quais foram identificadas tais como, raciais, étnicas e culturais. No Brasil, nota-se que a violência obstétrica não se trata de algo anômalo ou pontual, mas sim naturalizado, tendo em vista que uma a cada quatro mulheres sofre algum tipo de violência de gênero durante o atendimento ao parto (FPA, 2010).
Sendo assim, neste artigo temos como objetivo realizar uma revisão narrativa dos estudos sobre violência obstétrica, compilando as principais produções da área que evidenciam situações nas quais esses processos não são cumpridos, revelando os maus tratos e a não garantia de acesso pelas parturientes aos seus direitos no sistema de saúde brasileiro.
Violência no Pré-Natal (Pré-parto)
A violência institucional obstétrica no Pré-Natal ou Pré-Parto é entendido como negligenciar atendimento de qualidade à mulher, omitir informações suficientes para que a mesma tome suas decisões, agendamento de cesariana sem indicação clínica e peregrinação no período reprodutivo (PEREZ, 2015).
A partir da implementação da Portaria Nº 570, de 1º de Junho de 2000, na qual rege sobre o Programa de Humanização no Pré-Natal e Nascimento, a realização de no mínimo 06 consultas obrigatórias durante este período é um incentivo governamental que viabiliza a melhoria no acesso das mulheres a um acompanhamento no estado de saúde mãe-bebê. Esta iniciativa se tornou, cada vez mais desafiadora, nos dias atuais, à medida que o despreparo e a negligência dos profissionais de saúde ainda fazem parte desse cenário, renunciando a proposta de assistência de qualidade da mulher e do bebê. Durante as consultas pré-natais é possível identificar diversos problemas inerentes à falta de bem estar da mãe e do bebê em concepção e complicações maternas e neonatais futuras, como a violência doméstica, o uso de álcool e/ou drogas por parte da gestante, negação da gestação, dentre outros (SILVA et al., 2015).
No entanto, a maior parte desses casos não são registrados como agravo à saúde da mulher e da criança, revelando um cenário de sub-registro e invisibilização desta realidade aos órgãos públicos. Este fato é decorrente, primordialmente, da omissão dos profissionais de saúde em abordar as temáticas, bem como, a passividade em mediar estratégias intersetoriais para resolução desses impasses devido ao medo de retaliações dos agressores e afastamento das gestantes em cuidado, respectivamente. Outro problema recorrente na assistência à mulher durante o pré-natal é a falta de empoderamento sobre seus direitos durante o ciclo gravídico-puerperal, que faz com que as mulheres de tornem passivas no processo de condução de parturição e desta forma, se tornem mais propensas à violência institucional obstétrica.
Estes direitos, por sua vez, estão estabelecidos nas diretrizes e protocolos de atendimento à gestante, e incluem: acompanhamento do parceiro ou alguém de sua confiança nas consultas pré-natais e durante o trabalho de parto, livre escolha pela via de parto e caso seja normal, escolha de posição que quer parir, além do direito à integridade corporal, não sofrer dano evitável; o direito à condição de pessoa, direito à escolha informada sobre os procedimentos; o direito de estar livre de tratamento cruel, desumano ou degradante, prevenção de procedimentos física, emocional ou moralmente penosos; e o direito à equidade, tal como definida pelo Sistema Único de Saúde (SUS), através de princípios de igualdade e justiça na assistência à saúde (BRASIL, 2012).
Por fim, a peregrinação da mulher em busca de leitos vagos nas maternidades e hospitais do Brasil traduz ainda um impasse na qualidade da assistência pré-natal prestada à este público, visto que, deveriam ser orientadas conforme a Lei nº 11.634, de 27 de dezembro de 2007, na qual dispõe sobre o direito da mulher ao conhecimento e a vinculação da maternidade onde receberá assistência no processo parturitivo. Com esta medida, as mulheres evitariam a peregrinação durante o pré-parto e parto, e consequentemente eventuais complicações maternas e neonatais.
Violência durante o trabalho de parto
Apesar de recentes esforços para melhorar a qualidade prestada à saúde da mulher e do bebê nas instituições de saúde no Brasil, como a criação e implantação do Programa de Humanização no Pré-Natal e Nascimento (PHPN), a Lei Federal nº 11.108, de 7 de abril de 2005 conhecida como Lei do acompanhante, Rede Cegonha, além do guia Boas práticas de Atenção ao Parto e ao Nascimento, divulgado desde 1996 pela Organização Mundial da Saúde, a violência institucional obstétrica persistem nos hospitais na maior parte do país e é tema de muitos debates na atualidade.
O guia de boas práticas de Atenção ao Parto e ao Nascimento desenvolvido em 1996 pela Organização Mundial da Saúde (OMS), visa orientar as condutas que devem ou não ser realizadas no processo de parturição. O Programa de Humanização no Pré Natal e Nascimento (PHPN) foi projetado para ser um marcador de águas na assistência à mulher e ao bebê no ciclo gravídico-puerperal, anunciando o paradigma da humanização como novo modelo de atenção à mulher durante a gestação e o parto. Cinco anos depois, a regulamentação da Lei do acompanhante garante às parturientes o direito à presença de acompanhante de sua livre escolha durante o trabalho de parto, parto e pós-parto. E mais recentemente, em 2011, surge uma estratégia governamental denominada Rede Cegonha com o principal objetivo de promover uma rede de atenção à mulher que garanta acesso, acolhimento e resolutividade. (SANTOS et al., 2015; SANTOS, 2015).
Diante desta realidade, fatores complexos podem está envolvidos na continuidade dessa realidade, como as precariedades econômicas e estruturais que às maternidade enfrentam para atender a demanda diária, a hegemonia do modelo biomédico baseado na agilidade, tecnicismo e patologização do processo natural que é o trabalho de parto e parto, bem como condições subjacentes a aspectos de gênero, classe social, raça/etnia e cultura. A constância da violência institucional obstétrica nas unidades de saúde revelam uma banalização deste tipo de violência, visto que as parturientes aguardam antecipadamente algum tipo de mau-trato na forma de condução do processo de parturição (PEREZ, 2015).
Sendo assim, as mulheres se tornam cativas previamente da coerção e da submissão aos profissionais de saúde por temer à sua saúde e a do bebê em concepção. Este cenário pode ser identificado na fala de uma puérpera que participou de um estudo em um hospital público em Fortaleza, Ceará: “(…) sai da casa da gente tudo bem direitinho… chega num local desse e é tratada como se fosse um pano de chão, pisado por todo mundo. Eles sabem tudo ou acham que sabem” (GOMES, 2008).
Dessa forma, é relevante resgatar os direitos das mulheres a uma assistência de qualidade, relacionadas a idéias de humanização, integralidade e equidade. No que se refere aos procedimentos realizados à mulher no processo de parturição percebe que na sua grande maioria ferem os direitos à mulher, como obrigatoriedade de posição horizontalizada, manobras de Kristeller, episiotomia e a utilização de ocitocina como acelerador do trabalho de parto, pois atribui o poder de decisão aos profissionais de saúde, além de constituir uma forma de violência física à parturiente e ao bebê. Um estudo realizado pelo Ministério da saúde revela o desrespeito quanto ao direito a se movimentar e ficar em posição que julgar mais confortável, na fala: “Eu falei que queria ter meu parto de cócoras. Ele respondeu que ele não estudou tanto para ficar agachado igual a um mecânico.” (BRASIL, 2014).
Diante deste contexto, percebe-se a expropriação do corpo feminino durante o trabalho de parto conduz a um processo de “objetificação” da mulher e a passividade da que deveria ser protagonista do cenário apresentado, cabendo-lhe autonomia e participação ativa no andamento da concepção de um novo ser. Considerando essa realidade, muitas mulheres desejando ficar livres de condutas que ameaçam sua integridade física preferem optar pelo parto cesariano por considerarem uma alternativa menos aflitiva e dolorosa, seja antecipadamente ou por meio de pedido verbal durante o trabalho de parto. Este fato é decorrente da falta de orientação e empoderamento das mulheres para realização de escolhas no processo parturitivo, incluindo a via de parto (CARVALHO et al., 2010).
Paralelamente, as práticas de abandono, negligência, silêncio imposto e ofensas morais pelos profissionais de saúde durante o trabalho de parto e parto trazem consigo estímulos negativos ao mecanismo de enfrentamento materno, pois gera um ambiente desarmônico e de opressão humana, impossibilitando um atendimento digno e favorável ao bem estar do binômio mulher-bebê. Em razão deste contexto, um estudo realizado com 23 profissionais de saúde em um Centro Obstétrico (CO) de um Hospital Universitário (HU) do Sul do Brasil, se propôs a analisar as justificativas das práticas prejudiciais à mulher durante o trabalho de parto e parto, ficando evidente que as condutas realizadas pelas equipes são pautadas como facilitadoras do trabalho, como “a tricotomia tem que ser feita, até porque depois, na episio, um monte de pêlos atrapalha (…)”; exercício da autoridade do profissional de saúde: “elas não são questionadas, é falado que é necessário e elas concordam, nunca teve nenhuma que disse que não queria” ; e também determinadas pelo profissional de plantão como norteador do processo de trabalho no atendimento das parturientes: “(…) depende dos médicos, cada um tem a sua rotina”, resultado, pois, semelhante ao encontrado em outros estudos (CARVALHO et al., 2010; CARVALHO et al., 2012).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por meio desse estudo, percebeu-se que a violência institucional obstétrica continua prevalente nas unidades de saúde de todo o país durante o período pré-parto, trabalho de parto e parto, depreciando a mulher e sua relevância como personagem principal no ciclo gravídico-puerperal.
Dessa forma, o estudo resgata a importância de minimizar até anular definitivamente as práticas prejudiciais à saúde da mulher e do bebê praticadas por profissionais de saúde através da criação estratégias para a efetivação de programas e políticas públicas mundiais e nacionais voltadas à assistência integral deste binômio, como o guia de Boas práticas de Atenção ao Parto, Nascimento Programa de Humanização no Pré-Natal e Nascimento (PHPN), Lei Federal nº 11.108, de 7 de abril de 2005 – Lei do acompanhante e a Rede cegonha.
E neste contexto, o enfermeiro pode ser visto como um elemento chave no processo de (re)modelação na assistência à parturiente e bebê visto que, é membro indissociável da equipe de saúde tendo potencial para sensibilização destes quanto à promoção e implementação de boas práticas, além de possuir virtude para empoderar as mulheres durante todo o trajeto a ser percorrido para o nascimento de seu filho, contribuindo, desse modo, para uma assistência qualificada e humanizada.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Saúde. Violência Obstétrica é Violência Contra a Mulher. Mulheres em luta pela abolição da violência obstétrica. São Paulo, 2014.
CARVALHO, V. F. et al. Como os trabalhadores de um Centro Obstétrico justificam a utilização de práticas prejudiciais ao parto normal. Rev Esc Enferm USP, São Paulo, 46(1):30-7, 2012.
CARVALHO, V. F. et al. Práticas prejudiciais ao parto: relato dos trabalhadores de saúde do sul do Brasil. Rev. Rene, vol. 11, Número Especial, p. 92-98, 2010.
FIGUEIREDO JÚNIOR AM, et al. As faces da violência no âmbito hospitalar. Revista Eletrônica Acervo Científico, 2021; 23: e7043.
LEAL SYP, et al. Percepção da enfermeira obstétrica acerca da violência obstétrica. Cogitare Enfermagem, 2018; 23(1).
LEITE TH, et al. Desrespeitos e abusos, maus tratos e violência obstétrica: um desafio para a epidemiologia e a saúde pública no Brasil. Ciência & saúde Coletiva, 2022; 27:483-491
FPA – FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO. Pesquisa de opinião Mulheres brasileiras e gênero nos espaços públicos e privados 2010
GOMES, A. M. A.; NATIONS, M. K.; LUZ, M. T. Pisada como Pano de Chão: experiência de violência hospitalar no Nordeste Brasileiro. Saúde Soc. São Paulo, v.17, n.1, p.61-72, 2008.
PÉREZ, B. A. G.; OLIVEIRA, E. V.; LAGO, M. S. Percepções de puérperas vítimas de violência institucional durante o trabalho de parto e parto. Revista Enfermagem Contemporânea, 4(1):66-77, Jan./Jun. 2015.
TESSER, C. D.; KNOBEL, R.; ANDREZZO, H. F. de A.; DINIZ, S. G. Violência obstétrica e prevenção quaternária: o que é e o que fazer. Revista Brasileira De Medicina De Família E Comunidade, v. 10, n. 35, p.1-12, abr./jun. 2015.
SILVA, A. A. et al. Violência Obstétrica: Perspectiva da Enfermagem. Revista Rede de Cuidados em Saúde. 2015.
1 Acadêmico de Enfermagem pela Universidade Ceuma. E-mail: thiagodesousafarias57@gmail.com. Imperatriz- MA
2 Enfermeira pela Faculdade Adventista da Bahia – FADBA (2012) . Especialista em Urgência e Emergência e Unidade de Terapia Intensiva pela Universidade de Cândico Mendes. E-mail: elusa.curirad@gmail.com. Belém -PA
3 Enfermeira pela Universidade do Estado do Pará – UEPA. E-mail: nmargalho37@hotmail.com. Belém PA
4 Enfermeiro pela Facimp Wyden. E-mail: r.alencar.s@outlook.com. Imperatriz- MA
5 Enfermeira no Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão/Ebserh. E-mail: wildilene.carvalho@gmail.com. São Luis-MA
6 Enfermeira pela Universidade Federal do Pará – UFPA, Belém/PA. eddi.lenna.alves@gmail.com
7 Acadêmica de Enfermagem pelo Centro Universitário de Barra Manda – UBM – Campus Cicuta. Imperatriz-MA. E-mail: liviabust@gmail.com
8 Enfermeira residente em Enfermagem Obstétrica. jessicafreitasenf@gmail.com. Recife- PE
9 Enfermeira pela Faculdade Santa Maria. Cajazeiras- PB. E-mail:glorialopes2012@hotmail.com
10 Enfermeira pela Universidade Regional do Cariri- Urca. E-mail:Isadora.oliveira@urca.br. Crato-CE