ATENDIMENTO PSICOLÓGICO PARA MULHERES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA EM RELAÇÃO CONJUGAL: PROJETO MAISVIDA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10049211


Jerline da Silva Rocha1
Julia Cristina de Almeida Braz2
Ilka Mendes Fernandes3
Marcella Antunes Sousa Luiz de Oliveira4
Lucas Augusto de Carvalho Ribeiro5
Dayeli Francisca Ferreira da Silva6
Marcelo Vinicius Costa Amorim7
Camilla Carneiro Silva Queija8


RESUMO: A violência contra a mulher tem se apresentado cotidianamente como parte da realidade de muitas mulheres Brasileiras, o que representa um problema de saúde pública, sociocultural e de gênero que se baseia em noções societais estruturadas no machismo. Esta pesquisa buscou apresentar a relevância do acolhimento psicológico realizado em circunstância de violência contra a mulher no âmbito conjugal a partir do projeto MaisVida do curso de Psicologia da Faculdade INTEGRA em Goiás. Este estudo teve como metodologia a abordagem qualitativa de cunho exploratório. Ao total, foram 26 participantes encaminhadas para o serviço de Psicologia, tal encaminhamento ocorreu após a abertura do boletim de ocorrência na delegacia especializada. A coleta foi realizada a partir de entrevista semiestruturada, bem como entrevista aberta, cujos resultados evidenciam a importância do acolhimento psicológico para ressignificação e suporte emocional às vítimas de violência, assim como a necessidade maior incremento por parte das políticas públicas quanto ao enfrentamento ao fenômeno da violência, assim, considera-se de importante valia as intervenções realizadas com as participantes do ponto de vista subjetivo.

PALAVRAS-CHAVE: Violência doméstica. Acolhimento psicológico. Projeto de intervenção.

1. INTRODUÇÃO

A violência contra a mulher tem sido uma preocupação social e globalmente discutida por representar um problema de saúde pública, um problema sociocultural no campo do direito e cidadania. Apesar de muitos avanços no que refere à cultura da violência, tal fenômeno ainda compõe questões estruturais, socialmente delimitada, no entanto, no campo legal houve alguns avanços significativos, não sem a pressão de movimentos populares, no sentido de implementar e assegurar condições mínimas de direito e cidadania da mulher, sendo esse movimento expresso em políticas públicas de combate a violência.

Desde a década de 70 a problemática da violência contra a mulher tem sido uma questão discutida em diversos países resultando em vários marcos legais. No brasil, tais discussões resultaram em diversas iniciativas e tratados, dentre elas a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (Princípios e Diretrizes), de 2004 que trata de questões de saúde e direitos reprodutivos e a Lei 11.340 de 2006 – Lei Maria da Penha, que trata de medidas para coibir e erradicar a violência contra a mulher.  

O termo violência contra a mulher é utilizado para denominar violência doméstica e familiar conforme: “Art. 5º […] configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial” (Brasil, 2006), que podem ocorrer em âmbito doméstico e familiar que envolvem relações de hereditariedade e afetivas ou não,  tais vulnerabilidade tendem a ser mais intensificadas quando leva-se em consideração desigualdades sociais como raça, etnia e classe, as quais produzem impactos materiais e subjetivos e na qualidade de vida (Hanada, 2007). 

Fica compreendido, a partir da Lei Nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, no Art. 7º como violência doméstica e familiar contra a mulher: 1) Violência física é caracterizada como ação que resulte em dano à integridade física e de saúde; 2) violência sexual, ato de limitar coagir ou forçar a relação sexual, bem como limitar ou impedir uso de método contraceptivo ou impedir em maior ou menor grau o exercício do direito sexuais e reprodutivos, ações que coaja a prostituição; 3) violência patrimonial, ação que limite, destrua ou retire  da vítima bens pessoais; violência moral, ação que perpetre calúnia, difamação ou injúria contra a reputação da mulher; Violência psicológica, considera-se atos que provoca um dano emocional impactando na autoestima, nos comportamentos, nas crenças, produzindo humilhação ou constrangimento, limitando vínculos e a autopercepção de forma realista ou positiva. Esse último tipo de violência foi incluído pela Lei nº 13.772, de 2018. 

Para Mayorca, Martins-Borges e Barcellos (2014), a violência contra a mulher na relação conjugal pode ser perpassada por uma dinâmica cíclica que apresenta cursos relacionais e afetivos que dão ou não sentido à permanência ou saída dos indivíduos na relação. Frente a isso, Walker (1979), conceitua que o ciclo corresponde a três períodos, os quais é marcado, primeiramente, por tensão que seria compatível com discussões e agressões verbais e de cunho psicológico; num segundo momento há uma intensificação dessa discussão, que Velter (2018), denomina como explosão, marcada principalmente pela violência  física ou o feminicídio, e, por último, a lua de mel em que é presente o arrependimento e promessas de mudanças por parte do agressor, bem como a mudança de comportamento (que podem ser temporárias) e expressão de afeto.

Outro aspecto citado por Mayorca, Martins-Borges e Barcellos (2014), com relação ao ciclo de violência diz respeito à frequência e a intensidade das ações de violência, essas podem promover altos níveis de ansiedade, angústia e medo, o que pode provocar busca por auxílio. Conforme aponta o CFP (2012), ciclo de violência é pertinente enquanto condição de compreensão do fenômeno da violência, fugindo, portanto, de utilizações num viés determinista e naturalizante, bem como o entendimento de que o rompimento de relacionamentos conjugais é imbuído em complexidades, multifatorialidades e ambiguidades de sentimentos. 

Para as autoras Manzini e Velter (2018), a violência impacta a vida das mulheres de forma significativa e por vezes de modo irreversível, sendo presente diversas formas de sofrimento psíquico que abrange não somente a mulher em situação de violência, estendendo-se aos filhos e familiares.  A problemática pode afetar diretamente os vínculos sociais, emocionais e econômicos, que conforme CFP (2012), pode impactar seriamente a condição de confiança, autonomia, de saúde física e mental, sendo possível, após ao evento de violência resultar em uma condição traumática, por consequência, possíveis quadros como ansiedade “depressão, transtorno do pânico, estresse pós-traumático, e comportamentos e ideias autodestrutivas” (CFP, 2012, p.72). 

As causas da violência ainda continuam sendo estruturais, pautado num sistema de poder hierarquicamente definido ao longo da história da humanidade, e que segue se estabelecendo a partir das inúmeras instituições sociais, a qual antes de tudo, partem de ideários de dominação, dessa forma, para Minayo (2005), historicamente na cultura ocidental valora a compreensão de masculino como sujeito enquanto que a concepção de feminino limita-se a objeto, estabelecendo papéis predefinidos socialmente, assim o homem ocupa lugar de poder, decisão e ação sobre as relações, produzindo simbolismos que são naturalizados em todas as esferas sociais.

Discutir as causas da violência contra a mulher enquanto condição polissêmica tem sido uma demanda urgente, complexa e sensível. Nesse sentido, considera-se essencial discutir as relações societais e as noções hierárquicas e de gênero produtoras do processo de dominação nas relações. Dessa forma, ainda que inúmeros autores(as) se debrucem sobre a temática a fim de buscar explicações possíveis, este estudo não delineará de forma vertical tais conceito acerca desse fenômeno, dado o fato de que o objetivo dessa pesquisa não tem por finalidade primordial fazer uma investigação dos motivos e origens causais em torno da violência doméstica contra a mulher, mas em apontar a importância e pertinência do serviço de psicologia no acolhimento às mulheres vítimas de violência.   

2.METODOLOGIA

O presente estudo tem como base analítica a abordagem qualitativa, a partir da qual foi possível a compressão de alguns contextos que envolvem os sujeitos e suas vivências as quais estão imbuídas de ações, vivências e outros inerentes a esta (Minayo, 1998), assim para Gil (1999), as pesquisas descritivas têm por função a descrição de fenômeno. Caracteriza-se por uma pesquisa exploratória qualitativa que parte de estudos sobre a violência doméstica a partir de relatos dessas vivências nos atendimentos psicológicos, esses relatos compuseram a análise transversal de modo a considerar determinados aspectos, a saber, os tipos de violência, quantas vezes aconteceram compreensão de condições possíveis para superação da situação de violência, sobretudo, quando for possível a elaboração da possibilidade de rompimento, salvo em casos em que essa for uma possibilidade, e outros  correspondentes ao fenômeno da violência investigados pelo presente estudo (Sampieri, Collado & Lucio, 2013).

2.1 Participantes

No período de abril de 2022 ao dia 15 de dezembro de 2022 foram recebidas 26 fichas de encaminhamento para atendimento psicológico após violência doméstica e boletim de ocorrência. As fichas foram encaminhadas pela Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (DEAM), vinte e uma mulheres, uma adolescente e um adolescente, e uma criança.

Os horários disponibilizados para atendimento ficaram nos dias de quinta e sexta entre as 11:00 às 18:50 sendo disponibilizadas três horas semanais distribuídas nos dois dias anteriormente informados. Quanto a duração, ficou estabelecido, que inicialmente seriam disponibilizados 04 atendimentos para cada mulher, podendo ser estendido para mais 4 atendimentos ou conforme a necessidade da demanda apresentada. Foram utilizados os seguintes critérios de inclusão: Mulheres, crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica encaminhadas pela Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (DEAM).

2.2 Coleta de dados

Para coleta de dados, foi utilizada a entrevista psicológica, que conforme Dalgalarrondo (2019), deve-se utilizar de técnicas de modo a favorecer um lugar de acolhimento e ao passo que possibilita o lugar de fala, colhendo informações sobre o fenômeno que promove o sofrimento, bem como verificar aspectos de condição emocional.

 A entrevista psicológica permite a utilização de roteiro para levantamento de informações, sendo possível a inclusão de entrevista semiestruturada, a mesma é composta com perguntas abertas e fechadas de modo a permitir discursos livres entre o entrevistador e o entrevistado. Para as entrevistas, foi elaborado um roteiro que tem por função a identificação da participante (idade, profissão, escolaridade, etc.). Os atendimentos foram realizados no tempo aproximado entre 50 a uma hora, de forma individualizada em salas de atendimento na clínica de psicologia da Faculdade Integra.

3.RESULTADOS E DISCUSSÕES

3.1 Dados de identificação

Esta categoria engloba os dados pessoais da participante como: idade, gênero, raça e classe social e outros. Ao longo do período de um ano de implantação do Projeto MaisVida foram atendidas vinte e uma (21) mulheres, sendo somente uma das participantes adolescente vítima de violência sexual e as demais adultas com idades variadas entre 23 a 48 anos, todas vítimas de violência física, violência psicológica e violência moral, todas foram encaminhadas Delegacia Especializadas no Atendimento à Mulher (DEAM) após boletim de ocorrência. Para melhor delinear os resultados aqui apresentados, serão abordados somente os casos de violência doméstica no campo da conjugalidade.

A partir dos atendimentos, evidenciou-se que as mulheres atendidas sofreram ao menos um tipo de violência, psicológica ou moral antes da violência física e na maior parte dos casos a violência física já tinha acontecido (apertar o braço, sacudir). Outro aspecto verificado que entra em conformidade com os estudos realizados pelo CFP (2012), indicam que a violência tem suas bases em aspectos multifatoriais dentre eles um conjunto de valores socioculturais sobre as relações baseadas no modelo do patriarcado, que afeta nas questões de gênero, a raça e a de classe social. Essas construções afetam os diversos gêneros, mas conforme o CFP (2012), o principal perpetrador ainda tem sido o companheiro conjugal, que quando verificada nesta pesquisa, das mulheres atendidas, apenas uma tratava-se de violência por ente familiar não conjugal, sendo as demais vitimações realizadas por parceiros do sexo masculino.

Sobre condições relacionadas a gênero, a raça e a de classe social, foi possível perceber que as vítimas que aceitaram atendimento foram mulheres adultas, sendo apenas dois adolescentes (uma adolescente e um adolescente) e uma criança (masculino), assim a questão relacionada ao gênero, por hora, atinge mais o público feminino dados o fato da ausência de encaminhamento de outras vítimas de violência com gênero distinto ao do público heterossexual. Em relação a diversidade racial, das participantes encaminhadas o número de mulheres brancas foi superior ao número de mulheres negras (04 participantes), os adolescentes e a criança eram negras.

Quanto à classe social, os dados colhidos apontam que as mulheres tinham renda entre um salário mínimo a três salários mínimos (5 mulheres), e que somente duas das atendidas não tinham um trabalho formal que lhe possibilitasse o próprio sustento, nesses dois casos os atendimentos passaram de 08 (oito) encontros, dada a necessidade de apoio psicológico e as mesmas foram encaminhadas para as políticas sociais disponíveis no Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas). Quanto à rede de apoio, grande parte das mulheres contavam com familiares para o enfrentamento da violência, sendo apenas uma que sofreu violência por um familiar de primeiro grau que não encontrou apoio.

3.2 Caracterização de questões psíquicas no atendimento das mulheres vitimadas

Nesta categoria, verificou-se algumas significações dadas aos relacionamentos e justificativas para a permanência ou para a denúncias. As atendidas relataram que a denúncia aconteceu em função de violência física e apenas uma não relatou violência psicológica ou violência moral anterior à denúncia, em alguns casos (20) participantes haviam sofrido violência física em maior ou menor nível de gravidade e apenas uma das encaminhadas estava em situação de testemunha da violência perpetrada por sua mãe contra sua avó. Nas entrevistas quando as participantes relataram as situações anteriores a violência física, foi possível identificar violência moral e violência psicológica, e, no geral, a denúncia acontece quando a violência chega a níveis que ameaçam a sua integridade física.

 Quanto aos motivos de não terem denunciado nos casos de violência psicológica, violência moral e a primeira violência física, justificam baseadas no desejo de manter a família unida, do desejo ou necessidade de criar os filhos em conjunto, ausência de consciência quanto a agressão, ou por acreditarem ser uma fase do casamento, mas que podem resolver, por questões financeiras, por envolvimento do cônjuge com drogas lícitas e ilícitas, pela construção social em torno do gênero feminino sobre o cuidado e de suportarem as situações até pontos extremos ou de suas vidas estarem em risco e ainda assim se responsabilizarem por consertar a relação, por questões religiosas, por medo de não darem conta de viver sozinhas (economicamente), por acharem que não vão conseguir outro relacionamento, por ter um ciclo de violência envolvido (Madeira e Costa, 2012). Outro ponto verificado diz respeito a ambiguidade de afetos.

Em muitos casos, dada a repetição das situações de violência, essas mulheres são desacreditadas e as violências são levadas para o outro plano, da relativização ou da naturalização à uma escolha  pessoal, “gosta de apanhar” ou “não ter vergonha”, ou as violências são diminuídas e colocadas no lugar de normalidade, até mesmo a responsabilização por “ter provocado por não ficarem caladas, assim “mereceram”, tais condições comumente são vivenciadas no cotidiano dessas mulheres e descritas por muitas em atendimento, gerando sofrimento e tentativas de ajustamento do comportamento para “prevenção” de novas violações, dessa forma, tentam evitar conflitos, se esforçam para reduzir brigas, que que em grande parte se torna uma atividade sem sucesso.

Outro aspecto diz respeito ao ciclo de violência, verificado em muitos dos casos atendidos (16) ao qual é iniciado com uma situação de conflito, depois um episódio de violência sobre o qual há um arrependimento por parte do parceiro, modificando seus comportamentos e promessas, seguidos de reconciliação (lua de mel). Muitas vezes essa situação de apaziguamento é seguida pelo sentimento de medo quanto a possibilidade de confiar em tais promessas.

3.3 Caracterização de sofrimentos psíquicos frente a situação de violência

Conforme o CFP (2012), a violência contra a mulher pode afetar sua vida de diversas formas, sendo uma das principais consequências o adoecimento mental, com base nas informações coletadas, todas as participantes apresentaram algum tipo de sofrimento, sendo presente quadros de ansiedade, estado de choque por alguns dias após a violência,  perda de sono, apetite, dores abdominais, choro frequente, medo extremo, dores de cabeça, reclusão e evitação de contato social, culpa excessiva, diminuição da autoestima, diminuição da autonomia, sentimento de insegurança e impotência, medo do futuro entre outros. Assim, os aspectos relacionados ao trauma da violência podem abalar ou comprometer a condição de saúde psíquica, reverberando subjetivamente em sua autopercepção e, por consequência, em sua autonomia e confiança sobre as próprias capacidades de valoração. Tais condições foram verificadas em quase todas as participantes com variações de sintomas.

O acolhimento dessas mulheres vítimas de violência configura importante ferramenta de enfrentamento, de ressignificação desses sofrimentos e da própria condição frente às relações, também configura uma forma de garantia de acesso a saúde e dos direitos fundamentais, assim, o acolhimento tem função promover diálogos que auxiliem a ressignificação na direção da superação de tais demandas (Narvaz & Koller, 2006). Assim, faz-se necessária também uma formação técnica e ética, visando maior capacitação dos profissionais de psicologia para uma atuação comprometida com as demandas e questões de gênero.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo teve como objetivo principal apontar a importância do atendimento psicológico disponibilizados para mulheres em situação de violência atendidas no projeto MaisVida realizado na Faculdade INTEGRA.  Em vista disso, foi possível constatar que várias mulheres que foram encaminhadas apresentaram sentimentos diverso com relação ao fenômeno da violência, assim como  a existência de vários tipos de violência em uma mesma situação de denúncia, mas que atualmente a tipificação não apresenta os tipos de violência psicológica e violência patrimonial, que ocorreram mais de uma vez em diversas relações conjugais.

Foi possível observar também a naturalização de algumas situações que figuram violência, em específico, violência psicológica, esse fato pode estar atrelado a diversos fatores, dentre eles a recente tipificação enquanto crime e sua naturalização em diversos âmbitos da sociedade e, inclusive, pelas próprias vítimas que às vezes expressavam culpa em estarem em condição de violência psicológica. O ato de denunciar a violência e registrarem o boletim de ocorrência, exprime não somente o desejo de justiça quanto ao ato, mas também uma forma de sinalizar um freio para o ex-parceiro, a isso a figura de justiça na imagem da polícia como mantenedora da lei e ordem intervém na relação de violência. Em outros casos, foi possível perceber o desejo de cessar a relação, ou de sinalizar o desejo de permanência, mas com o indicativo da não imparcialidade em caso de reincidência da violência por parte do parceiro.

Cabe apontar que este estudo parte de atendimentos realizados com mulheres residentes no centro-oeste do país e que os resultados apontados até o momento da pesquisa não são unânimes em relação às demais áreas do país, sobretudo, quanto ao reconhecimento da violência psicológica por parte das vítimas e enquanto tipificação criminal, contudo, é possível inferir a partir dos estudos acerca da temática, que ainda que as questões regionais não figurem unanimidade quanto ao gráfico de violência contra a mulher, reproduz-se a violência contra a mulher enquanto condição estrutural e patriarcal.

Já no que diz respeito a questões encontradas no âmbito da metodologia utilizada no presente estudo, sobretudo na coleta de dados diz respeito aos encaminhamentos, após o registro do boletim de ocorrência, em razão de terem que deslocaram-se à instituição para atendimento, por razões institucionais do município em não contar com transporte público infere-se que esse é um dos principais fatores indicados para remarcação de horários ou faltas, muitas tiveram dificuldades em comparecer aos atendimentos estabelecidos com o número mínimo de quatro encontros, o mesmo pode-se inferir sobre mulheres encaminhadas, mas que não contam com um meio de transporte, sendo esse um fator impeditivo de acesso ao serviço.    

Além disso, verificou-se a importância da formação compromissada de estudantes de psicologia e profissionais com as ações pautadas na interdisciplinaridade, tendo como base um conjunto de técnicas que englobam acolhimento, a ética, a escuta qualificada que resulte em reflexão na direção da promoção de práticas que possibilitem um vir-a-ser, a autonomia e o enfrentamento de situações degradantes a condição humana das mulheres atendidas, assim como promover informações que visem a disseminação de informações à comunidade como um todo sobre os aspectos e impactos da violência.

Aponta-se, a importância de ações e políticas de prevenção a violência contra a mulher, em contexto de saúde pública e educacional. No que se refere ao objetivo proposto em questão, o acolhimento psicológico, figura importante via de escuta ao sofrimento existente na situação de violência, bem como possíveis agravos e intervenções a fim de promover reflexões abrangentes, que englobam aspectos sobre situação de violência, mas que ultrapassam tais conjunturas, considerando a existência de uma vivência anterior a violência denunciada, pensar sobre suas relações outras enquanto alguém que ocupa diversos contextos.

Destarte, compreende-se a importância do papel da políticas e instituições especializadas no atendimento às mulheres enquanto via de enfrentamento  e prevenção da violência contra a mulher e na necessidade de avanço quanto a um maior suporte à mulher violentada, dentre esses, a casa de abrigamento a mulher que não é um mecanismo disponível em todos os municípios, apesar de ser uma política sancionada e estabelecida em Lei 11.340 de 2006, Art. 35, e constar nas Diretrizes Nacionais para o Abrigamento de Mulheres em Situação de Risco e Violência de 2011 e, especificamente, na Lei nº 14.316, de 29 de março de 2022, esta última, destina recursos para ações específicas para implementação da Lei indicada (Brasil, 2018; Brasil, 2006).

Ainda no âmbito tanto jurídico quanto legislativo, sobre a Lei nº 14.316, de 29 de março de 2022, destaca-se a redução quanto ao recurso do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP) para no mínimo 5% do FNSP o que significa um retrocesso no enfrentamento e desarticulação, alterando a Lei 13.756. de 12 de dezembro de 2018, que estabelecia a porcentagem de 10% a 15% do FNSP para enfrentamento e combate a violência, sendo esse um dado importante do quanto a participação governamental no combate a violência, que em muitos estados figuram índice igual ou maior que os demais tipos de violência, tais como roubo e agressão física (Brasil, 2018; Brasil, 2022).

Considera-se que apesar dos avanços no reconhecimento e políticas de enfrentamento da violência contra a mulher verificado na ampliação dos serviços ainda permanece nos níveis básicos, além disso, ainda é parte da realidade de muitas mulheres o não entendimento das desigualdades de gênero, a banalização e até mesmo a culpabilização ou relativização de tal fenômeno em diversos meios, tanto sociais quanto institucionais.

Frente ao exposto até então, aponta-se a relevância dos estudos transversais que busquem promover e/ou verticalizar a reflexão sobre a diversidade de elementos que configuram a violência nas distintas culturas ao redor do mundo, bem como as políticas de enfrentamento na contemporaneidade. Ademais, considera-se de fundamental importância a escuta qualificada, o acolhimento e encaminhamentos multiprofissionais e em rede disponíveis, os quais constituem-se como serviço de enfrentamento à violência, bem como fator de proteção e prevenção o que pode contribuir diretamente para a d de situações de violência.

5. REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº. 11.340, de 7 de ago. de 2006. Lei Maria da Penha. Cria Mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Disponível em: acesso em: 7 jun. 2023.

CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Referências técnicas para atuação de psicólogas (os) em Programas de Atenção à Mulher em situação de Violência / Conselho Federal de Psicologia. – Brasília: CFP, 2012.82 p.

DALGALARRONDO, Paulo. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. Artmed Editora, 2018.

GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 5.ed. São Paulo: Atlas, 1999.

HANADA, H. Os psicólogos e a assistência a mulheres em situação de violência. 2007. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/5/5137/tde-02062008-103651/en.php. Acesso em: 12 de agosto de 2023.

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MANZINI, L.; VELTER, S. Violência psicológica contra mulheres: uma abordagem com os instrumentos previstos na Lei Maria da Penha. Revista Jus Navegandi, 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/64779/violenciapsicologica-contra-mulheres-uma-abordagem-com-os-instrumentos-previstosna-lei-maria-da-penhaf. Acesso em: 12 de agosto de 2023.

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