REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cs10202503251828
Rayanna Souza Santos
Resumo: Este artigo analisa o papel do médico de família e comunidade (MFC) na atenção primária à saúde (APS) do Sistema Único de Saúde (SUS), com ênfase em sua formação, atuação e perspectivas de fortalecimento. Por meio de uma revisão narrativa, baseada em sete estudos e documentos oficiais, explora-se como o MFC contribui para a resolutividade da APS, os desafios na capacitação profissional e as estratégias para ampliar sua presença no SUS. Os resultados indicam que, embora a formação via residências tenha avançado, barreiras como baixa valorização profissional e distribuição desigual persistem. Conclui-se que o MFC é essencial para a integralidade do cuidado, mas exige políticas de incentivo e expansão da formação especializada.
Palavras-chave: Atenção primária à saúde, médico de família e comunidade, SUS, formação médica, Estratégia Saúde da Família.
1. Introdução
A atenção primária à saúde (APS) é a espinha dorsal do Sistema Único de Saúde (SUS), estruturada para oferecer cuidado acessível, longitudinal e integral (Starfield, 2002). Nesse contexto, o médico de família e comunidade (MFC) emerge como figura central, especialmente na Estratégia Saúde da Família (ESF), ao promover a coordenação do cuidado e o vínculo com as comunidades (Brasil, 2017). Apesar de sua relevância, a formação e a atuação do MFC no Brasil enfrentam desafios históricos, como a carência de especialistas e a desvalorização profissional.
Desde a criação do SUS, políticas como o Programa Mais Médicos (Brasil, 2013) e a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) têm buscado fortalecer a APS, mas a presença do MFC ainda é insuficiente para atender à demanda populacional. Este artigo examina o papel do MFC na APS do SUS, analisando sua formação, prática e perspectivas futuras, com base em evidências da literatura e diretrizes oficiais.
2. Metodologia
Esta é uma revisão narrativa baseada em sete fontes publicadas entre 2002 e 2022, selecionadas por sua relevância ao tema. Incluem-se documentos oficiais do Ministério da Saúde (Brasil, 2013; Brasil, 2017) e artigos acadêmicos acessíveis em bases como Scielo e Revista Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (RBMFC). Os critérios de inclusão abrangeram estudos sobre formação, atuação e desafios do MFC no SUS, excluindo-se textos focados exclusivamente em outras especialidades. A análise qualitativa priorizou aspectos como capacitação, prática clínica e políticas de incentivo.
3. Resultados e Discussão
3.1 Formação do Médico de Família e Comunidade
A formação do MFC no Brasil tem avançado com a expansão das residências médicas, mas ainda é limitada. Cavalcante et al. (2022) destacam que os egressos de programas de residência percebem contribuições significativas na capacitação para o cuidado integral, como manejo de condições crônicas e comunicação com pacientes. No entanto, Anderson e Rodrigues (2011) apontam dilemas estruturais, como a baixa oferta de vagas em residências e a ausência de MFC nos currículos de graduação, o que perpetua a escassez de especialistas.
O Programa Mais Médicos (Brasil, 2013) tentou suprir essa lacuna ao incentivar a fixação de médicos na APS, mas sua abordagem emergencial não priorizou a formação especializada, resultando em profissionais com preparo variável (Savassi et al., 2021). A formação contínua é essencial para que o MFC atenda às demandas complexas da APS no SUS.
3.2 Atuação na Estratégia Saúde da Família
Na ESF, o MFC atua como coordenador do cuidado, integrando ações preventivas e curativas. Coelho Neto, Antunes e Oliveira (2019) descrevem sua prática como centrada na longitudinalidade e no vínculo comunitário, o que aumenta a resolutividade em até 80% dos problemas de saúde na APS (Starfield, 2002). Contudo, a sobrecarga de trabalho e a falta de equipes completas dificultam essa atuação, especialmente em áreas remotas (Anderson & Rodrigues, 2017).
A PNAB (Brasil, 2017) reforça o MFC como protagonista da ESF, mas a implementação desigual entre regiões revela disparidades. Em grandes centros urbanos, o MFC enfrenta alta demanda, enquanto em zonas rurais, a ausência de especialistas compromete o acesso ao cuidado.
3.3 Desafios e Barreiras
Entre os desafios, destaca-se a desvalorização profissional. Savassi et al. (2021) apontam que salários pouco competitivos e condições precárias afastam médicos da APS, enquanto a falta de preceptores qualificados limita a formação (Cavalcante et al., 2022). Além disso, a distribuição desigual de MFCs, concentrada no Sul e Sudeste, reflete iniquidades regionais no SUS (Anderson & Rodrigues, 2011).
A resistência cultural à especialidade também é um obstáculo. Muitos médicos priorizam especialidades hospitalares, subestimando o papel estratégico do MFC na saúde pública (Coelho Neto et al., 2019).
3.4 Perspectivas de Fortalecimento
Para ampliar o papel do MFC, políticas de incentivo são cruciais. O Programa Mais Médicos (Brasil, 2013) pode evoluir para um modelo de formação contínua, integrando residências ao serviço (Savassi et al., 2021). A capacitação de preceptores e a inclusão da MFC na graduação médica são estratégias defendidas por Anderson e Rodrigues (2011) para aumentar o interesse pela especialidade.
A valorização profissional, com melhores remunerações e condições de trabalho, também é essencial para reter MFCs no SUS (Coelho Neto et al., 2019). Investir em telemedicina e ferramentas de suporte pode ainda potencializar sua atuação em áreas remotas (Cavalcante et al., 2022).
4. Conclusão
O médico de família e comunidade é indispensável para a APS no SUS, oferecendo cuidado integral e resolutivo. Contudo, sua formação e atuação enfrentam barreiras como escassez de especialistas, desvalorização e desigualdades regionais. Fortalecer o MFC exige políticas que ampliem residências, melhorem condições de trabalho e integrem a especialidade à educação médica. Estudos futuros devem avaliar o impacto dessas estratégias na cobertura e qualidade da APS.
Referências
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