ASSOCIAÇÃO ENTRE DIAGNÓSTICO DE DESNUTRIÇÃO PELO CRITÉRIO GLIM (GLOBAL LEADERSHIP INITIATIVE ON MALNUTRITION) COM MORTALIDADE E TEMPO DE INTERNAÇÃO HOSPITALAR EM PACIENTES CRÍTICOS VÍTIMAS DE TRAUMA

ASSOCIATION BETWEEN MALNUTRITION DIAGNOSIS USING THE GLIM CRITERIA (GLOBAL LEADERSHIP INITIATIVE ON MALNUTRITION) WITH MORTALITY AND LENGTH OF HOSPITAL STAY IN CRITICAL PATIENTS VICTIMS OF TRAUMA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10557853


Jhonatan Costa¹;
Guilherme Duprat Ceniccola².


Resumo

Em pacientes hospitalizados, a desnutrição segue sendo bastante comum. Sabendo disso, o objetivo deste trabalho foi avaliar se existe associação entre desnutrição com mortalidade e o tempo de internação em pacientes críticos vítimas de trauma. Realizou-se uma segunda análise de um estudo observacional do tipo coorte com seguimento prospectivo. O diagnóstico de desnutrição foi feito com o critério GLIM (Global Leadership Initiative on Malnutrition). A amostra foi composta por 407 indivíduos internados em uma unidade de terapia intensiva paritariamente distribuídos por sexo (p valor = 0,694), na faixa etária adulta com mediana de idade de 36 (25 – 47) anos, com os não-desnutridos significativamente mais jovens (p valor = 0,006). Observou-se que 13,3% possuía diagnóstico de desnutrição moderada e 4,9% de desnutrição grave. Considerando o tempo de internação, pôde-se averiguar que os indivíduos desnutridos permaneciam mais tempo na unidade do que os não desnutridos (média de 55,3 dias; 51,7 – DP, mediana 39 dias contra média de 43,5 dias; 45,7 DP, mediana 30 dias) com P-valor: 0,008. A razão de chances (OR) para mortalidade em 28 dias, sugere que existe um risco de mortalidade 2,51 vezes maior (IC95%, 1,24 – 5,10, p = 0,01) em indivíduos desnutridos, quando comparados com os não desnutridos.

Palavras-chave: desnutrição. Tempo de internação. Mortalidade.

1 INTRODUÇÃO

O trauma é compreendido como um dano físico agudo de elevado impacto, o qual resulta de uma ação abrupta e violenta que causa danos de extensão, intensidade e gravidade variados (SBAIT, 2022). O agravo pode ser produzido por agentes físicos, químicos, psíquicos e outros, de forma acidental ou intencional, instantânea ou prolongada, em que o poder do agente agressor supera a resistência encontrada. Tal condição tem consequências sociais e econômicas tanto para os indivíduos quanto para os serviços de saúde e para a sociedade. As lesões advindas podem gerar incapacidades físicas e/ou mentais, temporárias ou permanentes e também levar a óbito (MOCK et al., 1998).

Em pacientes hospitalizados, a desnutrição é uma realidade altamente prevalente, sendo relatada na faixa de 30% a 50% (HUO et al., 2022). Um estudo realizado na América Latina com 9348 pacientes distribuídos em 13 países indicou que 50,2% dos pacientes hospitalizados estão desnutridos e que a desnutrição grave está presente em 11,2% de todo o grupo (CORREIA & CAMPOS, 2003). No Brasil, um grande estudo epidemiológico multicêntrico denominado ‘IBRANUTRI’ observou que a desnutrição hospitalar atinge 48,1% dos pacientes, sendo que 12,5% deles são classificados como desnutridos graves (WAITZBERG, CAIAFFA & CORREIA, 2001).

A literatura científica especializada vem demonstrando que existe associação entre desnutrição com maior frequência de intercorrências clínicas e mortalidade, bem como a um maior tempo de hospitalização, risco de infecções e aumento dos custos para os serviços de saúde. A etiologia da desnutrição hospitalar é complexa, o que dificulta a criação de uma definição e também o seu reconhecimento e manejo. Um fator importante no mecanismo de estabelecimento da desnutrição é a doença subjacente pela qual o paciente é hospitalizado (ARAÚJO et al., 2021).

Considerando a importância de se conscientizar sobre tal problemática, a Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral (BRASPEN) criou, no ano de 2018, a Campanha Nacional intitulada “Diga não à desnutrição”, com o objetivo de alertar sobre a importância de se conhecer o estado nutricional do paciente, dos prejuízos causados pela desnutrição hospitalar e de suas consequências (TOLEDO et al., 2018).

Recente revisão sistemática observou escassez de dados acerca sobre a prevalência de desnutrição na população vítima de trauma, com valores que variam de 7 a 76% a depender do ambiente, população e ferramenta de avaliação nutricional utilizada (DIJKINK, 2020). Nesse contexto, o objetivo deste trabalho foi observar se existe associação entre diagnóstico de desnutrição pelo critério GLIM com mortalidade e o tempo de internação em pacientes críticos vítimas de trauma, ou seja, trazer dados de validade preditiva para essa forma de diagnóstico.

2 METODOLOGIA

Delineamento do estudo

Trata-se de uma segunda análise de um estudo observacional do tipo coorte com seguimento prospectivo.

A presente pesquisa encontra-se inserida no projeto guarda-chuva intitulado ‘Associação entre os critérios de desnutrição do AND-ASPEN e a mortalidade hospitalar em pacientes gravemente enfermos com trauma: um estudo de coorte prospectivo’, a qual foi submetida para análise e aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Fundação de Ensino e Pesquisa em Ciências da Saúde, sob o Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) nº 38512914.0.00005553.

Os indivíduos que se enquadraram nos requisitos exigidos para a inclusão no estudo e que autorizaram sua participação de forma voluntária assinaram, após serem esclarecidos minuciosamente acerca dos objetivos e procedimentos adotados na pesquisa em questão, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Em caso de indivíduos inconscientes, a autorização para participar do estudo e a assinatura do TCLE foi feita pelo responsável pelo paciente.

Para atender aos princípios de bioética, este estudo seguiu as recomendações da Resolução no 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, a qual estipula a garantia do anonimato dos participantes e o sigilo dos dados que possam ser identificáveis, assim como todos os demais aspectos da supracitada resolução.

Descrição do local e população do estudo

O estudo foi realizado em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) especializada em trauma de um hospital de alta complexidade localizado em Brasília – DF. A amostra é composta por indivíduos adultos e idosos, de ambos os sexos, internados na supracitada UTI, durante o período de abril de 2015 a fevereiro de 2017, que aceitaram participar do estudo e que contemplaram os critérios de elegibilidade.

Critérios de elegibilidade

Os critérios de inclusão deste estudo foram possuir idade igual ou superior a 18 anos e possuir diagnóstico de trauma. Já os critérios de não-inclusão foram pacientes que não possuíam as informações necessárias para a aplicação da ferramenta GLIM, indivíduos que foram a óbito ou tiveram alta antes das primeiras 48 horas de internação, suspeita de morte encefálica na admissão, gravidez e incapacidade de dar consentimento com ausência de um responsável pelo indivíduo.

Procedimentos de Coleta de Dados

Os participantes foram caracterizados quanto à dados sócio-demorgáficos: sexo e idade; clínicos: tipo de trauma, presença de trauma crânio-encefálico (TCE), tempo de internação hospitalar após o trauma grave, tempo em ventilação mecânica (VM), escores de gravidade (SOFA e APACHE II) e uso de hemodiálise nas 2 primeiras semanas. As informações listadas neste item foram coletadas do prontuário eletrônico do paciente (Trakcare®) ou por meio de entrevista diretamente com o indivíduo ou de seu cuidador, na ausência de algum dado. Os dados obtidos foram anotados em formulário específico para cada paciente.

Os nutricionistas envolvidos na coleta de dados foram treinados em curso de capacitação fornecido pelos pesquisadores com abordagem teórico-prática sobre todos os instrumentos de triagem e diagnóstico do estado nutricional utilizados no presente estudo. Os profissionais envolvidos na coleta de dados já possuíam experiência clínica e nutricional com trauma.

O peso corporal dos pacientes foi obtido utilizando técnica de peso aferido, referido ou estimado por IMC visual. Obteve-se a estatura através da técnica de estatura referida pelos indivíduos participantes da pesquisa ou de seus familiares ou estimada pela aferição da altura do joelho. O índice de massa corporal (IMC) foi obtido a partir da relação do peso atual (kg) pela estatura (m) elevada ao quadrado, conforme a fórmula: IMC = peso (kg) / altura (m)².

A mensuração da circunferência do braço (CB) foi realizada em centímetros (cm), com uma fita métrica inelástica. O voluntário foi colocado com o braço flexionado em direção ao tórax, formando um ângulo de 90º, considerando o ponto médio entre o acrômio e o olécrano da ulna como a região da medida, a qual foi obtida com o indivíduo com o braço relaxado e com a palma da mão voltada para baixo. O cálculo de adequação da CB foi feito utilizando-se o percentil 50, correspondente ao sexo e a idade nas tabelas de Frisancho. O estado nutricional por esse parâmetro foi determinado através da classificação proposta por Blackburn e Thornton (1979).

A circunferência da panturrilha (CP) foi realizada no ponto de maior circunferência com o indivíduo sentado ou deitado, com a perna formando um ângulo de 90° e pés apoiados no chão ou no leito.

As avaliações de massa muscular, tecido adiposo e presença de edema foram feitas por meio do exame físico usando os parâmetros das ferramentas Avaliação Global Subjetiva (AGS) e pelo método da Academia de Nutrição e Dietética e da Sociedade Americana de Nutrição Parenteral e Enteral (AND-ASPEN).

A triagem nutricional foi realizada pela ‘Nutritional Risk Screening’ (NRS, 2002) (KONDRUP, 2002) e pelo ‘NUTRIC Score’ (HEYLAND et al., 2011).

Utilizou-se os dados obtidos na anamnese nutricional e registrados nos formulários das ferramentas AGS e AND-ASPEN para se determinar o diagnóstico segundo o critério GLIM (Global Leadership Initiative on Malnutrition) (CEDERHOLM et al., 2019) de forma indireta. Tal ferramenta considera para o diagnóstico nutricional critérios fenotípicos e etiológicos conforme pode-se observar abaixo:

Critérios fenotípicos:

  • Percentual de perda de peso (> 5% nos últimos 6 meses ou > 10% além dos 6 meses);
  • Baixo Índice de Massa Corporal (<20 se <70 anos ou <22 se > 70 anos / Ásia: <18,5 se <70 anos ou <20 se> 70 anos);
  • Redução de massa muscular (quando reduzida por técnicas validadas de medição da composição corporal);

Critérios etiológicos:

  • Consumo alimentar reduzido/assimilação comprometida de nutrientes (≤50% da redução alimentar > 1 semana ou qualquer redução por> 2 semanas ou qualquer condição que cause impacto adverso na ingestão ou absorção de alimentos);
  • Presença de inflamação (relacionada à doença/lesão aguda ou doença crônica);

Para o paciente ser diagnosticado com desnutrição necessita conter a presença de pelo menos um critério fenotípico e um etiológico.

Em seguida, definiu-se a gravidade da desnutrição com base apenas nos critérios fenotípicos, conforme pode-se observar abaixo:

Desnutrição moderada:

  • Perda de peso de 5% a 10% nos últimos 6 meses ou 10% a 20% após 6 meses;
  • IMC <20 se <70 anos <22 se ≥ 70 anos;
  • Massa muscular reduzida em déficit leve a moderado por métodos validados;

Desnutrição grave:

  • Perda de peso > 10% nos últimos 6 meses ou > 20% após 6 meses;
  • IMC <18,5 se <70 anos <20 se ≥ 70 anos;
  • Massa muscular reduzida em déficit grave por métodos validados;

Por fim, definiu-se a origem da desnutrição com base apenas nos critérios etiológicos:

  • Doença crônica com inflamação;
  • Doença crônica com inflamação mínima ou imperceptível;
  • Doença aguda ou injúria com inflamação grave;
  • Fatores socioeconômicos ou ambientais;

O critério etiológico “doença ou componente inflamatório” foi considerado presente em todos os pacientes devido ao diagnóstico de trauma.

Os participantes da pesquisa tiveram os seus prontuários eletrônicos acessados com o intuito de buscar o tempo de internação hospitalar (em dias) e a presença ou não de óbito até o 28° dia. Tais prontuários encontravam-se presentes na internet através do sistema utilizado na unidade hospitalar (TrakCare®).

Amostragem

Para o cálculo do tamanho amostral considerou-se:

a) poder do estudo de 90%;
b) intervalo de confiança de 95%;
c) proporção de 1:1 entre os grupos;
d) acréscimo de 10% referentes a possíveis perdas de seguimento;

Dentro de análises prévias de dados, observamos que pacientes desnutridos teriam um aumento relativo de 50% no risco de mortalidade durante a internação em comparação com não desnutridos. O teste de χ2 estima que é necessário uma amostra mínima de 109 pacientes por grupo para atingir um nível de erro alfa de 0,05 e 90% de poder. Seriam necessários 200 pacientes no total para a análise de regressão logística (PASQUILLI, 1999), sendo tal abordagem utilizada na publicação inicial dessa pesquisa (CENICCOLA et al., 2020).

Análise Estatística

Os dados foram coletados em formulário impresso, a partir do qual foram organizados e tabulados no Programa Excel® (Microsoft Corporation). Através do programa Stat Transfer os dados serão transferidos para o Stata 14.0, Data Analysis and Statistical Software, versão 9, para Windows (Stata Corporation, College Station, TX, EUA) com o qual realizou-se as análises estatísticas. Os dados foram descritos como frequências, média e desvio-padrão ou mediana e intervalo interquartil, conforme os critérios de normalidade.

Para avaliar a simetria dos dados, foi utilizado o coeficiente de variabilidade, comparação entre média e mediana, histograma de frequências, Skewness e Kurtosis. Quando as variáveis eram simétricas, as médias, o desvio padrão e o intervalo de confiança de 95% foram descritos; se assimétricas, a descrição ocorreu pela mediana e intervalo interquartil. De acordo com a distribuição dos dados, os testes t de Student foram adotados para dados paramétricos e Mann Whitney ou Wilcoxon quando não paramétricos. Variáveis categóricas foram reportadas como proporções e seus respectivos intervalos de confiança de 95%. Valores de p serão considerados significativos quando < 0,05.

Para o desfecho de mortalidade utilizou-se uma regressão logística binária com os valores expressos em razão de chances (RC). Utilizou-se o teste de Wald para verificar se tal variável independente apresenta relação estatisticamente significativa com a variável dependente.

3 RESULTADOS

A amostra foi composta por 407 indivíduos internados em unidade de terapia intensiva, paritariamente distribuídos por sexo (p valor = 0,694), na faixa etária adulta com mediana de idade de 36 (25 – 47) anos, com os não-desnutridos significativamente mais jovens (p valor = 0,006). Na Tabela 1 estão descritas as características clínicas e sócio-demográficas da amostra:

Em relação aos tipos de trauma, observa-se que os de cabeça e pescoço são os mais frequentes (53,9%). Os tipos de trauma podem ser visualizados na Tabela 2:

Em relação ao diagnóstico de desnutrição pela GLIM observou-se percentuais de 13,3% de desnutrição moderada e 4,9% de desnutrição grave. Os dados em relação ao estado nutricional podem ser visualizados na Tabela 3:

Tabela 3: Diagnóstico de desnutrição pela Global Leadership Initiative on Malnutrition (GLIM)

Levando em consideração o tempo de internação foi observada diferença significativa usando o teste Mann-Whitney U entre os não desnutridos n=333 (média de 43,5 dias; 45,7 DP, mediana 30 dias) e os desnutridos n=74 (média de 55,3 dias; 51,7 – DP, mediana 39 dias) (P-valor: 0,008). Dados observados na figura 1:

Figura 1: tempo de internação hospitalar da amostra de pacientes críticos vítimas de trauma

A razão de chances (OR) para mortalidade em 28 dias foi feita utilizando-se uma regressão logística binária (n=407, valor p = 0,0001, Wald 88,53), sugerindo um risco de mortalidade 2,51 vezes maior (IC95%, 1,24 – 5,10, p = 0,01) em indivíduos desnutridos, quando comparados com os não desnutridos, conforme pode-se observar na Tabela 4:

4 DISCUSSÃO

O presente estudo explorou a prevalência de desnutrição de acordo com os critérios GLIM em pacientes vítimas de trauma internados em uma unidade de terapia intensiva, analisando o seu efeito prognóstico a curto prazo (mortalidade e tempo de internação hospitalar). Até onde sabemos, este é o primeiro estudo a investigar validação preditiva considerando desnutrição com desfecho de mortalidade e tempo de internação hospitalar.

Observou-se uma prevalência de desnutrição de 18,2% (13,3% moderada e 4,9% grave), sendo tal valor inferior ao encontrado por outros estudos realizados utilizando-se a abordagem GLIM. Em um estudo observacional do tipo transversal realizado com a auditoria clínica de um dia com pacientes com Covid-19 em setores desde a enfermaria até unidades de terapia intensiva. Demonstrando-se que indivíduos em UTI apresentaram a maior prevalência de desnutrição e risco nutricional ocorrendo simultaneamente (70%). Cabe ressaltar, que essa amostra era composta por uma população muito mais idosa do que a do estudo atual e com mais comorbidades (PIRONI, 2021). Em outros países existem também valores maiores, variando de 37,5% (ROUGET et al., 2021), 61,5% no Irã (SHAHBAZI, 2020), até 92% na França (GHANEM et al., 2022). Uma explicação para a baixa prevalência de desnutrição no presente estudo, é o fato de nossa população ser a de vítimas de trauma, sendo estes em geral mais jovens e previamente hígidos antes do evento de trauma que ocorreu de forma aguda. Pelo aspecto agudo, a desnutrição pode apresentar baixas taxas no momento da admissão e ir se desenvolvendo ao longo da internação.

Nessa amostra, os indivíduos portadores de desnutrição permaneceram internados por mais tempo ao compará-los com os bem nutridos (P-valor: 0,008). Dados semelhantes foram verificados em uma coorte prospectiva realizada com pacientes críticos portadores de Covid-19 durante a pandemia de coronavírus, onde o diagnóstico de desnutrição pela GLIM associou-se com maior tempo de internação (OR = 3,43; P = 0.02), de tal modo que portadores de desnutrição apresentavam risco de ter uma internação 4,5 vezes mais longa em relação aos não desnutridos (SHAHBAZI, 2020). Em um outro estudo realizado no Líbano, os pacientes com desnutrição apresentaram um período de internação consideravelmente mais prolongado em comparação com aqueles que possuíam um estado nutricional adequado (11 dias versus 4 dias, valor de p < 0,001) (OUAIJAN et al., 2023).

Por outro lado, uma revisão sistemática com metanálise foi conduzida com o intuito de investigar quais fatores dentre 89 selecionados são capazes de predizer uma internação prolongada em UTI. Nesse estudo, a desnutrição mostrou uma significativa porém fraca relação com tal desfecho (d = 0,42; IC 95%: 0,24; 0,60; valor de p<0,0001), de tal modo que os desnutridos (NUTRIC ≥ 5) tendem a permanecer internados apenas 0,42 dias a mais (PERES et al., 2020).

Yang et al., (2023) observaram que a presença de desnutrição é um forte fator de risco para mortalidade numa população de pacientes portadores de cirrose hepática, com tal valor aumentando em 200%. Em uma coorte prospectiva conduzida com pacientes com Covid-19 em estado crítico, também se evidenciou maior mortalidade na UTI (OR = 4,83; P < 0,001) (SHAHBAZI, 2020), maior inclusive que ao nosso estudo, onde o risco de mortalidade 2,51 vezes maior para os desnutridos.

Uma recente revisão sistemática investigou os efeitos da desnutrição na sobrevida de pacientes com câncer, onde os desnutridos apresentaram maiores taxas de mortalidade (odds ratio: 1,85) (PENG et al., 2022). Já Sánchez-Rodríguez et al. (2023) conduziram uma revisão de escopo com 17 estudos com população geriátrica, averiguando uma forte associação entre desnutrição e mortalidade no âmbito hospitalar, com mortalidade maior de 1,2 a 7 vezes nos desnutridos. Por outro lado, um outro estudo evidenciou melhor sobrevida em indivíduos bem nutridos (HAJIMOHAMMADEBRAHIM-KETABFOROUSH et al., 2021).

Em pacientes vítimas de trauma, a relação entre estado nutricional e o desfecho clínico é complexo, envolvendo respostas fisiopatológicas sistêmicas que podem afetar um ao outro. O impacto da nutrição nas alterações metabólicas e resultados clínicos em pacientes com trauma grave é único e complexo, porém permanece pouco compreendido (CLENDENEN, 2017).

Existem evidências de que a proposta de diagnóstico GLIM possui sensibilidade e especificidade razoáveis em contextos clínicos quando comparados à Avaliação Global Subjetiva (ALLARD et al. 2020). Em uma revisão sistemática com metanálise conduzida com um total de 20 estudos e uma amostra de 10.781 pacientes, concluiu-se que a ferramenta GLIM possui boa sensibilidade e especificidade para diagnóstico de desnutrição, com valores superiores ao outro método supracitado (HUO et al. 2022).

A desnutrição foi reconhecida recentemente como uma prioridade global de saúde (OUAIJAN et al., 2023), tendo consequências biológicas e danos sociais. A GLIM é uma abordagem diagnóstica para reconhecer a desnutrição de forma simples e rápida de se executar e apesar de ter sido publicada recentemente, a sua validação preditiva e concorrente bem como a sua aplicabilidade nas unidades de terapia intensiva já foram documentadas (THEILA et al., 2021). Ao aplicá-la, profissionais e pesquisadores podem facilitar a compreensão acerca da temática e posteriormente até a inclusão da desnutrição na Classificação Internacional de Doenças. Para isso, é necessário que exista uma estrutura global comum e que seja universalmente replicável para categorizar os indivíduos como portadores de desnutrição (VAN DER SCHUEREN et al., 2019).

O presente estudo apresenta algumas limitações: primeiro, trata-se de uma análise secundária onde a classificação dos pacientes no método GLIM foi obtida a partir de adaptação mínima de parâmetros antropométricos e das avaliações AGS e AND-ASPEN. Segundo, o seu caráter observacional, como em todos os estudos de coorte, não permite inferir causalidade. Terceiro, seria interessante uma amostra que contemplasse pacientes com longa permanência hospitalar e com presença de subgrupos como os obesos e idosos em maior número. Além do mais, o caráter unicêntrico do estudo dificulta que se possa inferir seus resultados para unidades de terapia intensiva localizadas em diferentes regiões. Outra possível limitação seria que por se tratar de uma população de pacientes vítimas de trauma, todos do presente estudo foram categorizados como tendo uma alta gravidade da doença e inflamação, de tal modo que todos automaticamente já pontuaram para fechar o diagnóstico de desnutrição no critério etiológico da ferramenta. A publicação da GLIM sugere que se pode utilizar a proteína C-reativa para classificar a inflamação entre leve e moderada a grave, sem no entanto propor pontos de cortes específicos, assim tais fatos poderiam influenciar a extrapolação dos resultados apresentados.

5 CONCLUSÃO

O presente estudo demonstra que a abordagem de reconhecimento da desnutrição conforme o critério GLIM atingiu prevalências compatíveis com a realidade do trauma e que os desnutridos nessa amostra de pacientes permanecem internados por mais tempo e apresentam maiores chances de ir a óbito, ressaltando as características de validade preditiva da abordagem GLIM. Futuras pesquisas com caráter multicêntrico e amostra maior podem ajudar a elucidar de que forma a desnutrição diagnosticada na UTI pode impactar nos desfechos supracitados.

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¹Nutricionista Especialista em Nutrição Clínica pelo Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (HC-UFPE) e pós-graduando do Programa de Residência Multiprofissional em Terapia Intensiva, Fundação de Ensino e Pesquisa em Ciências de Saúde, Brasília – DF, Brasil.
²Nutricionista Doutor em Nutrição Humana pela Universidade de Brasília (UnB) e Preceptor do Programa de Residência Multiprofissional em Terapia Intensiva, Fundação de Ensino e Pesquisa em Ciências da Saúde, Secretaria de Saúde do Distrito Federal, Brasília – DF, Brasil.