ASSÉDIO MORAL NAS RELAÇÕES DE TRABALHO E OS IMPACTOS SOBRE A SAÚDE MENTAL

MORAL HARASSMENT IN WORK RELATIONSHIPS AND THE IMPACTS ON MENTAL HEALTH

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10475631


Diego da Silva Ferreira1, Regilane Sousa de Araújo Uchoa2, Beatriz Alves de Oliveira 3, Camila Barroso Martins4, Tallys Newton Fernandes de Matos5, Fátima Myrcea Teixeira Batista6, Gabrielle da Silva Carvalho7, Joelson dos Santos Almeida8, Déborah Cristina Silva Queiroz Alves9, Maria Salete Bessa Jorge10


RESUMO

O assédio moral é definido como qualquer ato abusivo com o propósito de envergonhar e difamar um indivíduo, é considerado pela Organização Mundial de Saúde um risco para a saúde e segurança do trabalhador em seu ambiente de trabalho, na qual pode ocasionar ou agravar transtornos comportamentais, psicossomáticos e psicopatológicos. Assim, este estudo tem como objetivo identificar na literatura os impactos do assédio moral nas relações de trabalho. Trata-se de uma revisão integrativa da literatura com abordagem qualitativa, na qual o levantamento bibliográfico ocorreu nas bases de dados PubMed, Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) e Scientific Electronic Library Online (SciELO), utilizando os descritores “Assédio Moral”, “Saúde Mental” e “Trabalho”. Foram identificados 58 artigos inicialmente, sendo excluídos 41 documentos após critérios de inclusão e exclusão. A amostra final resultou em 7 artigos publicados entre o período de 2013 a 2021, onde 6 foram publicados no Brasil e 1 no Chile. Concluiu-se, então, que o assédio moral no trabalho pode ocasionar, por exemplo, depressão, ansiedade e desigualdade social, além de utilização exacerbada de medicamentos e bebidas alcoólicas como forma de enfrentamento. Com isso, devido a interferência negativa na qualidade de vida do trabalhador, é importante a implantação de intervenções multidimensionais que busquem a prevenção de doenças desenvolvidas no ambiente laboral e promoção da saúde ocupacional.

Palavras-chave: Assédio Moral. Saúde Mental. Trabalho.

ABSTRACT

Moral harassment is defined as any abusive act with the purpose of embarrassing and defaming an individual, is considered by the World Health Organization to be a risk to the health and safety of workers in their work environment, which can cause or worsen behavioral disorders, psychosomatic and psychopathological. Therefore, this study aims to identify in the literature the impacts of moral harassment on work relationships. This is an integrative review of the literature with a qualitative approach, in which the bibliographic survey took place in the PubMed, Latin American and Caribbean Literature in Health Sciences (LILACS) and Scientific Electronic Library Online (SciELO) databases, using the descriptors Moral Harassment, Mental Health and Work. 58 articles were initially identified, with 41 documents excluded after inclusion and exclusion criteria. The final sample resulted in 7 articles published between 2013 and 2021, 6 of which were published in Brazil and 1 in Chile. It was concluded, then, that moral harassment at work can cause, for example, depression, anxiety and social inequality, in addition to the exacerbated use of medicines and alcoholic beverages as a way of coping with the situation. Therefore, due to the negative interference in the worker’s quality of life, it is important to implement multidimensional interventions that seek to prevent diseases developed in the work environment and promote occupational health.

Keywords: Moral Harassment. Mental Health. Work.

1 INTRODUÇÃO

O assédio moral é um fenômeno presente nas diferentes relações bem como no trabalho, constituindo-se como um problema mundial que ocorre geralmente nas instituições e organizações, públicas e particulares, repercutindo no bem-estar das relações de desempenho individual e coletivo (Calvoso; Silva, 2019).

Existem diferentes termos para este fenômeno e, no Brasil, a mais utilizada é “assédio moral”. No contexto Internacional, são utilizadas diferentes nomenclaturas que visam definir o conceito desse fenômeno, como: Mobbing (Suécia, Dinamarca, Finlândia); Bullying (Inglaterra); Harassment (Estados Unidos); Ijime (Japão). Para além das diversas terminologias, faz-se necessário perceber onde este fenômeno está inserido, a cultura e costumes dos diversos locais. Logo, não é incomum que esse fenômeno receba nomes distintos (Hirigoyen, 2017).

O assédio moral pode ser definido como comportamentos, gestos e palavras, ou qualquer conduta abusiva repetitiva e/ou sistemática contra a dignidade humana com o intuito de humilhar e difamar a integridade física ou psíquica do indivíduo. Tais atitudes ameaçam o bem-estar e a boa convivência no ambiente organizacional e podem levar a demissão ou até ser um fator fundamental no desenvolvimento de síndromes e transtornos psicológicos (Silva, 2022).

Ao refletir sobre o assédio moral é necessário considerar dois importantes fatores: 1) o ângulo psicológico – que leva em consideração a personalidade dos indivíduos e suas histórias de vida, tanto do agressor como da vítima; e 2) o ângulo organizacional – que avalia essencialmente as regras da gestão (Rissi et al., 2016).

Destaca-se ainda que existem contextos que favorecem o assédio moral como, por exemplo, o clima e cultura de uma instituição ou organização. O assédio moral não é presente apenas em meios nos quais prevalecem um intenso nível de estresse e má organização, mas também em práticas de gestão pouco claras e perversas, onde há uma autorização implícita às atitudes hostis (Hirigoyen, 2017).

 Os danos são os mais variáveis possíveis e com dimensões muito difíceis de mensurar, pois seus impactos são subjetivos e vão para além de maltratar, adoecer e prejudicar profissionalmente o assediado. Os impactos podem se estender até mesmo dentro das relações familiares, sendo comum que o sujeito passe por irritação com um nível de estresse elevado e adoecido. Neste cenário, em sua maioria, o trabalhador é demitido ou pede demissão por não se sentir parte do meio e não suportar as investidas danosas constantes (Hirigoyen, 2017).

Bobroff e Martins (2013) consideram que os comportamentos destrutivos com o intuito de assediar moralmente outras pessoas estão articulados com vários contextos nos quais permeia a inveja, discriminação, fatores de gênero, questões raciais, religiosas, sexuais, capacidade laboral, cultura, antecedentes e condições socioeconômicas.

Para Freire (2008), as formas de assédio moral e as condições de aparecimento são variadas. Há por exemplo, a interferência de gestores na vida pessoal dos funcionários, piadas sobre estética, isolamento, preferência e exclusão de colegas, difusão de assuntos falsos, ações desrespeitosas e tentativa de desestabilizar profissionalmente e emocionalmente, fazendo que a vítima perca gradativamente o interesse e a autoconfiança.

As vítimas, por sua vez, por medo de perderem o emprego passam a se instalar no pacto da tolerância, contando apenas com sua autoestima. A sociedade capitalista e seus inúmeros conflitos reforçam de maneira evidente a insegurança, medo do desemprego, aumentando a vulnerabilidade e permissividade do meio organizacional como lugar de disputa e conflito (Silva, 2022).

Segundo Freire (2008), a Organização Mundial de Saúde (OMS) considera o assédio moral um risco para a saúde e a segurança do trabalhador no ambiente de trabalho, deixando o clima organizacional de difícil convivência e produção. Isto pode causar ou agravar transtornos psicopatológicos, psicossomáticos e comportamentais, porém não existe uma estimativa mundial de trabalhadores vítimas de assédio com diagnóstico de sofrimento mental (Cassitto et al., 2004)

Nisto, os sinais e sintomas comuns envolvem o estresse e a ansiedade que são classificados pela medicina como perturbações funcionais envolvendo cansaço, nervosismo, distúrbios do sono, enxaquecas, distúrbios digestivos e dores adversas. Isto envolve a autodefesa do organismo frente a exposição do assédio através dos episódios de incômodo físico e psicológico. Há uma soma desses episódios e a intensidade leva o sujeito para um estado depressivo (Hirigoyen, 2017).

Neste sentido, o sofrimento moral pode ser considerado pelo sujeito como símbolo de uma fraqueza ou insucesso pessoal. O assédio moral constitui assim um trauma na vida da pessoa gerando incapacidade com efeitos duradouros. Os sinais e sintomas, bem como as queixas e a intensidade do trauma, dependem da duração e magnitude dos estímulos agressores e das capacidades ou predisposições de cada indivíduo (Freire, 2008).

Ainda, segundo Cassitto et al. (2004), os sinais e sintomas de  ordem psicopatológica incluem: pensamentos de cunho negativo; apatia; insônia; falta de concentração; perda do prazer; insegurança; falta de iniciativa; introversão; melancolia; pesadelos; humor depressivo; irritabilidade; e mudanças repentinas de humor. Há, também, a autoagressividade, impulsividade com os indivíduos do meio social, transtornos alimentares, consumo de álcool exagerado e/ou drogas, tabagismo, dificuldades sexuais e distanciamento social.

Destaca-se que assédio moral pode ser confundido com transtornos mentais frequentemente diagnosticados, como: depressão; ansiedade; e transtorno do estresse pós-traumático, que se caracteriza por uma resposta a estressores, associada às variações sociais na vivência do sujeito acometido. A pessoa passa a sentir aflição e uma sensação de inutilidade somada a uma incapacidade para trabalhar ou realizar qualquer outra tarefa (Cassitto et al., 2004).

O prejuízo é generalizado e atinge o convívio familiar, profissional e social da vítima. Estes prejuízos são estendidos às instituições, públicas ou privadas, com custos adicionais de aposentadoria, reputação, qualidade e produtividade rebaixada, incapacidade, rotatividade e clima desfavorável. Há demandas envolvendo custos com rescisões, ações judiciais e absenteísmo (Brasil, 2015). Com isso, o presente estudo objetivou identificar na literatura os impactos do assédio moral nas relações de trabalho.

2 METODOLOGIA

Trata-se de uma Revisão Integrativa da Literatura, com abordagem qualitativa que proporciona uma síntese do conhecimento através da incorporação e aplicabilidade dos resultados da Prática Baseada em Evidências (PBE). Ela permite a inclusão de estudos experimentais e não-experimentais na construção da compreensão de um problema incorporando propósitos, como: definição de conceitos; revisão de evidências; e análise de problemas metodológicos. Neste estudo, a revisão utilizou seis fases (Souza; Silva; Carvalho, 2010).

A primeira fase foi a elaboração da pergunta norteadora através da estratégia mnemônica PCC, que auxilia a identificar os tópicos-chave: Problema, Conceito e Contexto. Com isso, foi questionado: “Quais os impactos do assédio moral no trabalho na relação com a saúde mental?”. A Tabela 1 apresenta a especificação dos dados anteriores.

Tabela 1 – Pergunta norteadora.

Problema/PopulaçãoConceitoContexto
Assédio moralSaúde mentalTrabalho
Fonte: Elaborado pelos autores (2023).

A segunda fase foi a busca ou amostragem na literatura que se deu na Scientific Electronic Library Online (SciELO), na Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) e na PubMed. Os descritores utilizados estão disponíveis na Biblioteca Virtual de Saúde: “Assédio Moral”, “Saúde Mental” e “Trabalho”. Posteriormente, usou-se os descritores com o operador booleano AND para busca nas bases de dados.

Na SciELO, teve 13 documentos identificados, 10 triagem, 6 elegibilidade e 4 inclusão. A LILACS teve 45 documentos identificados, 14 triagem, 10 elegibilidade e 3 de inclusão. A PubMed teve 0 documentos identificados, 0 triagem, 0 elegibilidade e 0 inclusão. Esta seleção se deu através da seguinte lógica: leitura do resumo do manuscrito; leitura completa do manuscrito; eliminação por duplicação; e inclusão de artigos oficiais. Destaca-se que a pesquisa aconteceu no ano de 2023 com característica duplo-cego.

Os critérios de inclusão envolveram artigos oficiais publicados nos últimos 10 anos, com qualis entre “A” e “B”, devido a padronização rigorosa e confiabilidade frente ao cenário científico. Foram excluídos resumos, revisões, anais de evento, teses, dissertações, trabalhos de conclusão de graduação, livros e capítulos de livro, visando à busca por informações inéditas. O fluxograma, a seguir, demonstra a realização da pesquisa e suas características elementares (Figura 1).

Figura 1 – Fluxograma da seleção dos artigos.

A terceira fase foi a coleta de dados que aconteceu com o desenvolvimento de um quadro registrando as informações-chave da fonte, com os seguintes elementos adaptados ao protocolo Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA): autor; ano de publicação; origem; objetivo; população; metodologia; e resultados (JBI, 2014). A tabela está exposta no tópico resultados (Tabela 3).

A quarta fase foi a análise crítica dos estudos incluídos através do engajamento da Prática Baseada em Evidências (PBE), focalizada em sistemas de classificação de evidências de forma hierárquica. Foi constatado os seguintes níveis de evidência nos estudos incluídos: nível 1 (0 estudos); nível 2 (0 estudo); nível 3 (3 estudos); nível 4 (4 estudos); nível 5 (0 estudos); e nível 6 (0 estudos) (Souza; Silva; Carvalho, 2010). A descrição dos seis níveis de evidência como sistema hierárquico está exposto na Tabela 2.

Tabela 2 – Níveis de evidência.

NívelDescrição da evidênciaNº de estudos
Nível 1Evidências resultantes da meta-análise de múltiplos estudos clínicos controlados e randomizados.0
Nível 2Evidências obtidas em estudos individuais com delineamento experimental.0
Nível 3Evidências de estudos quase-experimentais3
Nível 4Evidências de estudos descritivos (não-experimentais) ou com abordagem qualitativa4
Nível 5Evidências provenientes de relatos de caso ou de experiência0
Nível 6Evidências baseadas em opiniões de especialistas0
Fonte: Elaborado pelos autores (2023).

A quinta fase foi a discussão dos resultados, que ocorreu através da síntese e descrição dos artigos selecionados respondendo à pergunta norteadora na primeira fase. Essa síntese e descrição aconteceram através da seguinte ordem: objetivo, método e resultados. Isto possibilitou a discussão com o fenômeno estudado.

E, por fim, a sexta fase foi a apresentação da revisão integrativa que seu deu através da “Triangulação de dados”, combinando metodologias diferentes para analisar o mesmo fenômeno. Isso se deu por meio da consolidação dos resultados na validação da pesquisa e compreensão do fenômeno investigado (Soares, 2019).

A apresentação da revisão seguiu três etapas envolvendo: “Convergência de resultados” (resultados das pesquisas qualitativa e quantitativa confirmam uns aos outros de forma parcial ou total); “Complementação” (resultados se concentram em diferentes aspectos e permitem visualizar um quadro da realidade investigada); e, por fim, “Divergência ou contradição” (os dados obtidos podem ser distintos, exigindo um novo estudo que esclareça a divergência das razões e motivações dela) (Soares, 2019).

3 RESULTADOS

Foi desenvolvido uma tabela com o registro das informações-chave da fonte, com os seguintes elementos: autor, ano de publicação, origem, objetivo, população, metodologia e resultados, adaptados ao protocolo “Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses” (PRISMA) (JBI, 2014). Abaixo, segue a Tabela 3 com as informações-chave da fonte de pesquisa dos estudos selecionados.

Tabela 3 – Informações-chaves da fonte, adaptado do PRISMA.

Autor e anoPaísObjetivoPopulaçãoMétodoResultados
01Ahumada, Ansoleaga e Castillo-Carniglia (2021).Chile.Este estudo tem como objetivo analisar o assédio moral no trabalho e a sua associação com a saúde mental na população assalariada e determinar em que medida esta associação é modificada por género.1.995 avaliados.Transversal.As prevalências de sintomas depressivos, uso de psicotrópicos e estresse foram de 10,9%, 12,8% e 13%, respectivamente, e houve forte relação entre variáveis ​​de saúde mental e assédio moral no trabalho, que persistiu nos modelos ajustados. Ao comparar esta associação nos modelos estratificados por sexo, não foram observadas diferenças significativas entre homens e mulheres.
02Drago et al. (2020).BrasilDescrever situações geradoras e elementos envolvidos no processo de sofrimento moral na experiência de enfermeiros gerentes de um hospital público do sul do Brasil.17 Enfermeiros (as).Estudo descritivo e exploratórioEmergiram três categorias: “Organização Condições de Trabalho”, “Gestão de Pessoas” e “O Ser Gerente”.
03Gomes e Lima (2019).BrasilA pesquisa teve por objetivos identificar a ocorrência desse problema, suas consequências e possíveis ações de prevenção.12 ServidoresEntrevistas semiestruturadas, no modelo bola de neve.Os resultados confirmam outros obtidos em instituições de ensino superior, revelando formas importantes de violência moral nesse contexto e sugerindo a presença de um grupo dominante na instituição, que dita normas e regras de comportamento, favorecendo o abuso.
04Pooli et al. (2019).Brasil.Este estudo objetivou analisar quais fatores do contexto laboral se relacionam à presença de Assédio Moral em Instituição Judiciária brasileira.154 pessoas.Transversal.Os resultados apontaram correlações significativas positivas entre as dimensões contexto de trabalho, organização do trabalho e relações socioprofissionais e a presença de assédio moral
05Campos e Rueda (2016).Brasil.O presente estudo teve por objetivo principal encontrar evidências de validade para a Escala Laboral de Assédio Moral – ELAM, por meio de sua correlação com a Escala de Qualidade de Vida no Trabalho – Escala-QVT338 Pessoas.TransversalOs dados indicaram correlações negativas de magnitude fraca entre os fatores das escalas, apontando evidências de validade para a ELAM. A análise de diferenças entre grupos indicou que o assédio moral laboral prejudica a percepção a respeito da qualidade de vida no trabalho
06Lima et al. (2014).Brasil.Caracterizar o assédio moral e violências no trabalho, destacando-se as dificuldades encontradas, principalmente, pelo tempo decorrido entre a abertura do processo e a perícia.37 pessoasEntrevista documentalA análise pericial identificou ambiente de trabalho propício ao assédio moral devido aos sistemas de gestão e organizacionais adotados, e identificou potencialização de sobrecarga mental e psíquica dos trabalhadores com LER/DORT por sujeição a pressões para que desistissem de comprovar a relação da doença com o trabalho.
07Schlindwein (2013).Brasil.Objetivo discutir o relato de vivências de humilhação e de sofrimento de trabalhadoras que participaram de um grupo terapêutico com histórias de adoecimento no trabalho3 pessoasGrupo focalUma maior exposição aos riscos de adoecimento no trabalho. Com a capacidade produtiva limitada, a trabalhadora torna-se alvo frequente de situações de humilhação e constrangimento – compondo um quadro de assédio moral no trabalho
Fonte: Elaborado pelos autores (2023).

4 DISCUSSÃO

Abaixo segue a síntese e a descrição dos dados obtidos através da lógica construtiva do manuscrito avaliado envolvendo objetivo, método e resultados. Para isto foi necessário um processo de “Convergência de resultados”, “Complementação” e “Divergência ou contradição”, como já descrito na metodologia.

Estudo desenvolvido por Ahumada, Ansoleaga e Castillo-Carniglia (2021) objetivou analisar o assédio moral no trabalho e a sua associação com a saúde mental. Os dados revelaram que os indicadores de saúde mental ultrapassam 10% na amostra total. Há prevalência de 15,8%, 18,3% e 18,2% de todas as mulheres apresentarem sintomas depressivos, consumirem psicotrópicos e vivenciarem sofrimento psíquico, respectivamente. Nos homens, 7,6%, 9% e 9,6% apresentam sintomas depressivos, utilização de psicotrópicos e vivenciam sofrimento psíquico, respectivamente.

O estudo revelou também que a exposição ao assédio moral no trabalho aumenta o risco entre 2 e 3 vezes de desenvolver sofrimento psíquico, consumir psicotrópicos e apresentar sintomas depressivos. Ademais, há maior exposição ao assédio moral no trabalho com o sexo feminino comparado com os trabalhadores que não estão expostos a tal situação, apresentando um risco maior entre 2 e 3 vezes de apresentar sintomas depressivos, uso de psicotrópicos e sofrimento psíquico. Já com relação ao sexo masculino, possuem risco 2 a 3 vezes maior de apresentar sintomas depressivos e utilizar psicotrópicos, e um risco 4 vezes maior de apresentar sofrimento psíquico (Ahumada; Ansoleaga; Castillo-Carniglia, 2021). 

Estudo desenvolvido por Drago et al. (2020) objetivou descrever situações de sofrimento moral na experiência de enfermeiros em um hospital público. A pesquisa de caráter descritiva exploratória contou com a participação de 17 enfermeiros, elaborando 3 categorias que envolvia: 1) Organização e Condições de trabalho; 2) Gestão de Pessoas; e 3) O Ser Gerente. Foi constatado que os enfermeiros vivenciaram sofrimento moral decorrente de situações conflituosas direcionada às condições de trabalho, profissionais insubordinados, falta de autonomia, assédio moral e às diferentes faces da função profissional. O estudo retrata a importância e sensibilização para os profissionais de enfermagem em situação de sofrimento moral, buscando estratégias de intervenções.

Já com relação ao estudo desenvolvido por Gomes e Lima (2019), objetivou-se investigar a ocorrência de assédio moral em profissionais universitários. De caráter qualitativo, a pesquisa possibilitou compreender que o assédio era uma situação real ao causar mudanças bruscas e importantes nas tarefas desenvolvidas pelos profissionais. Os participantes relataram que o assédio causou isolamento e perda do desempenho.

Ainda, segundo Gomes e Lima (2019), os aspectos mais citados pelos sujeitos estavam direcionados à cultura institucional bem como a impunidade daqueles que praticavam assédio nos subordinados. Isto possibilitava um sentimento generalizado de injustiça, indicando um poder cristalizado direcionado para os professores da instituição com cargos superiores aos técnicos-administrativos da instituição. Por conta da desigualdade, os assediados relataram marcas profundas na saúde física e mental, recorrendo a medicamentos e bebidas alcoólicas de forma abusiva como estratégia de enfrentamento de uma situação degradante.

Em estudo desenvolvido por Campos e Rueda (2016), investigou-se a validade de evidências da Escala Laboral de Assédio Moral (ELAM) na relação com a Escala de Qualidade de Vida no Trabalho (Escala-QVT). Através de um estudo transversal, foi detectado que o fator Condições de Trabalho da ELAM teve diferenças estatisticamente significativas para as pontuações dos fatores Incentivo e Suporte e Possibilidades de Lazer e Convívio Social da Escala-QVT. O fator Preconceito encontra diferenças significativas entre os grupos para fatores de Integração, Respeito e Autonomia e Possibilidades de Lazer e Convívio Social da Escala-QVT. Ou seja, o assédio moral laboral prejudica a percepção a respeito da qualidade de vida no trabalho.

Outro estudo, desenvolvido por Pooli et al. (2019), investigou a intensificação de pesquisas acerca do assédio moral no trabalho, na qual constatou que existe um grande aumento de pesquisas a respeito deste tema, onde ressaltaram que este fenômeno está inserido em diversos cenários com implicações tanto nas organizações como na sociedade. Com o objetivo de compreender esta conjuntura, os autores analisaram os fatores do contexto laboral relacionado à presença de assédio moral em uma instituição judiciária brasileira. De caráter quantitativo e modelo transversal, o estudo avaliou 154 funcionários.

Pooli et al. (2019) compreenderam que a melhor possibilidade de avaliar este cenário seria através de questionário biosociodemográfico e laboral. Assim, foi utilizado o Questionário de Atos Negativos (QAN) e da Escala Avaliação do Contexto de Trabalho (EACT) do Inventário sobre o Trabalho e Risco de Acidente (ITRA). Os resultados indicaram a presença da correlação significativa entre as dimensões contexto de trabalho, organização do trabalho e relações socioprofissionais e a presença de assédio moral. A caracterização destes resultados envolvia fatores relacionados ao cenário que o trabalho é desenvolvido por meio de metas rígidas e cobrança constante de resultados. O estudo concluiu que a violência no trabalho exige intervenção multidimensionais a fim da prevenção e promoção da saúde ocupacional. Um modelo interventivo pode envolver a ergonomia da atividade.

Em estudo desenvolvido por Lima et al. (2024), investigou-se o assédio moral em trabalhadores por lesões de esforços repetitivos (LER) e doenças relacionadas ao trabalho. De caráter qualitativo, através de 37 entrevistas, a pesquisa possibilitou a compreensão do sofrimento no ambiente de trabalho através do assédio moral. Na investigação da produtividade e estabelecimento de metas, foi detectado que os bancários passavam por pressão de tempo onde o cliente não podia passar 25 minutos. Os entrevistados salientaram também que o sistema de avaliação de desempenho tinha como objetivo principal o máximo de aproveitamento da força de trabalho através de sucessivas avaliações.

Lima et al. (2024) destacaram, ainda, que existia um sistema que avaliava os desempenhos individuais dos trabalhadores, onde a instituição indicava e estabelecia as ações e reações que o funcionário deveria exercer, como: adaptação aos conflitos e relações de trabalho; busca por resultados estabelecidos no programa de incentivo à produção; preocupação constante em segurar o cliente; e capacitação frequente para atender os requisitos do trabalho. Estas características se davam de acordo com o sistema de motivação através de prêmios individuais e reconhecimentos, inclusive com podium.

Ademais, Lima et al. (2024) salientaram no estudo que a rotatividade tinha o quantitativo elevado através do assédio moral. Outro indicador de assédio moral foi observado no setor de teleatendimento, que possuía 424 funcionários, registrava cerca de 2 demissões mensais e tinha uma rotatividade de 2,36% ao mês na época da pesquisa. Ademais, uma lista de afastamentos, realizada em 2008, identificou 642 afastamentos decorrentes de doenças do sistema osteomusculares, e 451 casos de afastamentos devido a transtornos mentais.

Lima et al. (2024) ainda caracterizaram o estudo refletindo que o assédio moral envolve problemas gerenciais associado a marcação de perícias e pagamento de benefícios. Ou seja, existe uma dificuldade de reconhecer esta demanda no ambiente de trabalho favorecendo o desenvolvimento do assédio moral. Por fim, a equipe de saúde mental salientou que tinha dificuldade de acompanhar todos os casos de trabalhadores e reabilitações e afastamentos. 

Por fim, em estudo desenvolvido por Schlindwein (2013), objetivou-se investigar relatos de trabalhadoras com histórias de humilhação, constrangimento e sentimentos nutridos de ressentimento vivenciados no trabalho, através de um grupo focal. Os dados revelaram que as histórias de vida dessas trabalhadoras foram obstruídas e desqualificadas, submissas a chefia e a falta de autonomia diante de situações que levaram a exposição e riscos de adoecimento no trabalho. As participantes do grupo relataram que sentiram as capacidades, habilidades, criatividades e dedicação destruídas pelo assédio moral. Este cenário de humilhação e constrangimento possibilitou o sofrimento mental e a integridade das trabalhadoras nas mais diferentes situações do cotidiano.

5 CONCLUSÃO/CONSIDERAÇÕES FINAIS

É importante, neste momento, resgatar a pergunta norteadora que estruturou a ideologia e a metodologia do presente estudo, na qual foi: “Quais os impactos do assédio moral no trabalho na relação com a saúde mental?”.

Neste sentido, com base na triangulação de dados, foi possível compreender que, após a generalização e unificação dos conceitos, o assédio moral no trabalho proporciona: depressão; uso de psicotrópicos; vivências de sofrimento psíquico; péssimas condições de trabalho; dificuldade de organização do trabalho; dificuldade na gestão de pessoas; dificuldade na relação com a gerência; e ansiedade.

O assédio moral no trabalho proporciona também desigualdade social, marcas profundas na saúde física e mental, lesão por esforço repetitivo (LER), e uso exacerbado de medicamentos e bebidas alcoólicas como estratégia de enfrentamento de uma situação degradante. 

Tais características, segundo os autores, dificulta a percepção sobre a busca pela qualidade de vida, ocasionando também afastamentos e dificuldades na reabilitação. Com isso, é importante que haja uma intervenção multidimensional que procure prevenir problemáticas e doenças originadas do trabalho e promover a saúde ocupacional nos diferentes segmentos do ambiente laboral. Um modelo interventivo pode envolver a ergonomia da atividade.

REFERÊNCIAS

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1Doutorando em Saúde Coletiva na Universidade Estadual do Ceará (UECE). E-mail: prof.diego.ferreira.enfermeiro@gmail.com

2Especialista em Saúde Mental pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). E-mail: regilane_araujo@yahoo.com.br

3Mestranda em Enfermagem pela Universidade Federal do Ceará (UFC). E-mail: beatriz_a.o@hotmail.com

4Mestre em Medicina Translacional pela Universidade Federal do Ceará (UFC). E-mail: camilabmn@gmail.com

5Doutorando em Saúde Coletiva na Universidade Estadual do Ceará (UECE). E-mail: tallysnfm@gmail.com

6Especialista em Saúde Mental pela Faculdade FUTURA. E-mail: myrceapsi@gmail.com

7Especialista em Pediatria pela Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP). E-mail: gabyyycarvalho23@gmail.com

8Doutorando em Saúde Coletiva na Universidade Estadual do Ceará (UECE). E-mail: joelsonalmeida2011@gmail.com

9Mestranda em Gestão em Saúde pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). E-mail: enfa.deborahcristina@gmail.com

10Docente Emérita na Universidade Estadual do Ceará (UECE). E-mail: maria.salete.jorge@gmail.com