ASSÉDIO ELEITORAL: O IMPACTO DA ERA DIGITAL NAS ELEIÇÕES

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7398792


Marco Antônio Pinheiro de Lima
Professor: Dr. Ihgor Jean Rego


RESUMO: O presente trabalho tem como principal finalidade compilar informações acerca do assédio eleitoral, tema o qual é sempre discutido, repreendido e continuamente praticado por quaisquer das partes que possam se beneficiar de tal ilícito. Durante os estudos foram analisados aspectos históricos, relatos registrados, evolução das legislações e das próprias práticas criminosas e em consonância a todas as fontes elencadas foram escrito um artigo técnico e teórico, trazendo a perspectiva moderna do assédio eleitoral durante esta era digital.

Palavras-chave: Eleitoral. Assédio. Política. Crime.

ABSTRACT: The main purpose of this work is to compile information about electoral harassment, a topic which is always discussed, reprimanded and continuously practiced by any of the parties that may benefit from such illicit, during the studies historical aspects, recorded reports, evolution of legislation and criminal practices themselves and in line with all the sources listed, a technical and theoretical article was written, bringing the modern perspective of electoral harassment.

Keywords: Electoral. Harassment. Policy. Crime.

1. INTRODUÇÃO

A frase que orienta a visão política mundial foi cunhada por Winston Churchil no período pós-guerra, indicando que “a democracia é a pior forma de governo, à exceção de todas as outras”.

A frase dita por Winston Churchil, em 1947 na Câmara de Comuns nos Estados Unidos da América, traz a excelente colocação do que é o estado democrático de direito, não é perfeito, mas é o melhor que se tem. Quando olhada, a história sempre conta que em todas as crises políticas sociais que a humanidade passou, a democracia foi a saída, foi a superação e quando afrontada, sempre houve uma mobilização para defendê-la.

Em uma sociedade que a tecnologia já foi inserida em sua cultura como forma de viabilizar o dia a dia, atividades produtivas, entretenimento e comunicação em geral, fica fácil pensar nos caminhos em que também se propagam as oportunidades de práticas ilícitas, posto que também se expandem as vulnerabilidades sociais que sempre acompanham os avanços históricos e sociais.

Nesse sentido, é imperioso destacar que no âmbito eleitoral, a qual se pauta o presente trabalho, é evidenciado o avanço dos ilícitos eleitorais na medida em que assumem nova roupagem para disfarçarem de novas atividades quando sua essência ainda é caracterizada por crimes já positivados.

Frente às inovações trazidas pela tecnologia, a legislação também precisou buscar caminhar junto às alterações sociais, o iluminismo legislativo precisa buscar manter-se sempre a frente daquele que confronte a harmonia social, a fim de inibir as novas formas em que os ilícitos eleitorais são praticados.

Em um período de disputas por cargos eletivos os confrontos de ideias, perspectivas a partir de experiências pessoais e até simples opiniões com fundamentos diversos entram em pauta, o que a priori é o pleno exercício da democracia.

Entretanto, quando se vê um desequilíbrio no exercício desse direito do cidadão brasileiro, em compras de votos, abuso do poder econômico, assédios no ambiente de trabalho, em grupos de aplicativos de interação social e quaisquer outros meios, os órgãos responsáveis pela higidez das eleições precisam se posicionar.

A justiça eleitoral possui ferramentas legais extremamente eficientes para inibir as práticas eleitorais ilícitas, sendo no geral bem rígida as punições previstas nas legislações a quem tenta influenciar a vontade do eleitor com práticas que violam o devido processo que já se tem por meio das campanhas eleitoreiras. 

Contudo, ainda que possua ferramentas interessantes, a justiça eleitoral não possui “braços” suficientes para inibir ilícitos dentro de ambientes de trabalho por meio de coação, a exemplo de instruir funcionários a compartilhar determinadas informações via grupos de WhatsApp e outras formas em que a tecnologia tem sido meio para deturpar a previsão legal de como deve-se ocorrer as eleições.

Por fim, é inequívoca a importância do presente trabalho, a fim de esclarecer pontos legais e alternativas a quem sofre tais abusos, com intuito acadêmico é de suma importância diferir certos conceitos que serão tratados, bem como, formas de se precaver e construir meios para inibir o exercício do poder de terceiros sobre a vontade do eleitor.

2. ASPECTOS HISTÓRICOS

Quando se estuda de forma aprofundada quaisquer áreas do conhecimento que envolvam o desenvolvimento humano, deve-se sempre atentar-se às histórias por trás de todo traço de inovação e isso se justifica para que se entenda o cenário moderno que será trabalhado neste artigo.

Ao final da década de 1880, quem efetivamente ditava como o país se organizava eram os grandes latifundiários, como até hoje, a agropecuária era extremamente influente em todas áreas de atividade produtiva, entretanto, à época, sua influência era majoritária, inexistindo poder para confrontar as oligarquias que regiam os passos do país.

Face à dependência econômica de um país de indústria de base, os grandes latifundiários exerciam uma influência sobre maneira na sociedade, sendo tão esmagadora que poderia se eleger o governante do país, somados ainda a fragilidade do sistema eleitoral de voto aberto.

Tem-se na política moderna, nada mais que o reflexo da República Oligárquica que perdurou durante os anos de 1889 a 1930, ou seja, período da República Velha. Durante a Política o Café com Leite em que se alternava a liderança do país entre representando Minas Gerais e São Paulo, grandes produtores de leite e café respectivamente.

Nesta época o voto de cabresto era protagonizado pelos “coronéis” face a seus subordinados. Estes coronéis eram, em grande parte, latifundiários que tiveram carreira militar em algum momento da vida. 

Mas para melhor entender a origem do termo é necessário entender o cenário da época, após 15 de novembro de 1989, que se iniciando o período republicano toda a estrutura política organizacional se desfez em seu padrão conhecido à época, dando lugar a um vazio de liderança como a sociedade e a economia conheciam.

Nesse sentido, as oligarquias regionais assumiram o protagonismo dessas lideranças ausentes sentidas à época, dando aso a estruturação de “feudos” eleitorais regidos a rédea curta pelos coronéis.

Por consequência, havia alternância entre os dois estados citados, posto que eram as maiores economias da época e outros estados com menor influência apenas obedeciam, como relata Raymundo Faoro:

[…] O aparelho fiscal e financeiro, concentrado na União, permitia sufocar essa reação, dada a permanente penúria dos Estados para proverem às suas necessidades. Só os grandes estariam ao abrigo da ajuda federal direta, impondo seus interesses na formulação da política econômica. Os pequenos estados obedecem porque são pobres e continuam pobres porque não participam dos estímulos comandados pela União. (vol. 2). (São Paulo: Globo: Publifolha, 2000. p. 185.).

Em vista desses esclarecimentos e considerações, fica mais fácil entender as características modernas e adaptadas à tecnologia do voto de cabresto, posto que em grupos de WhatsApp, Telegram e até mesmo nos ambientes de trabalho, oportunizam grande coação à manipulação eleitoral.

A forma com que se rege os sistemas para eleição foram se alterando muito significativamente com os anos, com mudanças substanciais em sua forma de se organizar, registrar e contabilizar os votos. Até o governo de Getúlio Vargas, após 1930, as mulheres não poderiam votar e os analfabetos ainda não tinham obrigação legal de voto.

Nesse sentido, face às novas alterações no modus de conduta para se organizar e reger as eleições, aumentando ainda mais o número de votos válidos, frente a inserção de analfabetos e mulheres poderem votar, as formas com que se busca fraudar a higidez do coro de votação também buscou se alterar.

E em busca da manutenção da confortável política que tinham à sua disposição, os coronéis se valiam de todo tipo de artifício para promover seus ideais e exigir que os seus subordinados votassem naquele que fosse indicado por ele, era comum se ter acesso a pessoas que foram ameaçadas, agredidas ou tiveram ofertas com promessas robustas apenas por concordar em votar no determinado candidato indicado.

Quando se observa a forma em que se procediam as apurações de votos é que se tem uma melhor imagem do cenário da época, o voto era aberto e isso possibilita uma coação muito mais eficaz por parte dos coronéis, cerceando qualquer chance de efetiva democracia, razão pela qual a alternância entre São Paulo e Minas na liderança do país era tão possível.

Nesse período, com o voto aberto condicionado pela Constituição de 1891, o assédio eleitoral era plenamente realizado, tendo a fraude nas eleições como principal característica, visto que cada coronel exercia seu poder de influência sobre os locais os quais residiam, no geral, eram instalados os chamados “currais eleitorais”, sendo o próprio termo já sugestivo.

Destaca-se ainda que os termos apropriados às modalidades de fraude nas eleições são os mesmos utilizados na época, é relevante mencionar que o “voto de cabresto” foi nome dado ao controle que os coronéis exerciam sobre seus “currais eleitorais” durante o período da Velha República, mais especificamente na República Oligárquica, que era advinda do exercício de repressão e fraude eleitoral.

Contudo, com a ascensão de Getúlio Vargas, foi oportunizado à população um melhor exercício da cidadania e da democracia durante as eleições, mesmo que posteriormente Vargas tenha deturpado a própria política. Um breve relato dessa evolução é dado por Valdira Bezerra:

A Proclamação da República e a criação da Constituição não modificou muito o cenário político brasileiro, afinal as eleições eram manipuladas e o povo não tinha liberdade para escolher quem realmente via como competente para cuidar da nação. Anos depois, já em pleno século XXI, depois de tantas conquistas alcançadas, o brasileiro superou a Era Vargas, a Ditadura Militar, conseguimos uma Constituição verdadeiramente democrática, onde assegura que todo o poder emana do povo, e modificou a forma de votação. (Ética e política: coronelismo, voto de cabresto. 2014)

Por fim, temos uma breve evolução do período que melhor retrata o assédio eleitoral e nos performa como a implementação nos tempos modernos dessa modalidade de fraude eleitoral pode impactar o cotidiano e definir uma política nacional que caminhará para algum ponto, talvez mais importante da história.

3. ASSÉDIO ELEITORAL

3.1 O poder econômico como manejo da massa

O poder econômico como manejo da massa, nada mais é que o próprio abuso do poder econômico, que se materializa na eleição do candidato que possui poder aquisitivo mais robusto, seja por doações, por iniciativa própria, fundo partidário ou mesmo todos esses meios juntos.

Mas nesse sentido, é importante esclarecer o que seria propriamente dito a fraude eleitoral consistente desta prática, o crime surge no desvio de verba partidária para algum fim que desequilibre a isonomia constituída pela legislação, entretanto, não se pode deixar esquecer da razoabilidade e que não será qualquer indício de irregularidade que irá subsidiar a desqualificação de candidato ou partido, como muito bem pontua Garcia:

[…]o simples descumprimento das regras de campanha, desacompanhado de potencialidade para afetar a normalidade do pleito, não consubstanciam o abuso de poder, assim considerado como causa de inelegibilidade. (Abuso de Poder Econômico. Abuso de Poder nas Eleições: Meios de Coibição. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2000)

Nesse sentido, o abuso do poder se concretiza quando em razão do uso deturpado de verba, determinados populares alteram suas perspectivas esperadas, posto que o maçante assédio em razão da viabilidade de compra de divulgação pode alterar o rumo de uma campanha a qual não se identifica democracia e sim um massacre midiático de um candidato em relação a outro.

Quando se fala dos fatores que influenciam a existência deste crime, existe uma análise sociológica por trás de toda decisão legal, posto que envolve mais uma discrepância de oportunidade de apresentação de propostas de um candidato em relação a outro pela sobreposição de propagandas eleitorais. Como destaca Francisco:

O poder econômico surge, quando há interferência, como um fator que passa a conduzir o processo de escolha dos governantes pelos governados para um caminho que não seria o caminho natural, que não seria o caminho lógico ou o esperado por todos, em virtude das próprias tradições culturais, do próprio comportamento da população nos processos eleitorais passados ou pelas próprias circunstâncias que se verificam durante o processo eleitoral. (A Influência do Poder Econômico no Processo Eleitoral. Dos abusos nas eleições: A tutela jurídica da legitimidade e normalidade do processo eleitoral. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002)

Face às considerações elencadas, se tem uma visão mais clara sobre o que se tratar e  a especificidade do crime eleitoral de abuso do poder econômico, mas além dos próprios conceitos em si, é imperioso destacar como é a prática nos dias em que a tecnologia é o principal meio de veiculação de propagandas eleitorais.

Desde que se fixou à sociedade brasileira os meios eletrônicos de comunicação de massa, por volta da década de 1980 e reconhecido seu potencial impacto no rumo das campanhas eleitorais os analistas e estudiosos sociais e eleitorais já trouxeram uma interessante expressão para o assédio eleitoral em sua forma remota o chamado “coronelismo eletrônico”.

Nesse sentido, é de se tratar neste tópico tal assunto, posto que em meados da década de 1980 é que se iniciou a prática de investir vultosa monta em mídias eletrônicas como forma de disseminar propagandas eleitorais, daí surge o termo “coronelismo eletrônico”, posto que há relatos de patrões exigindo que empregados mantivessem o canal da rádio sintonizada na propaganda eleitoral de determinado candidato ou que não fosse trocado de canal a televisão que exibisse imagens ou informações pró determinado candidato, no início da era digital era denunciado o que relata este trabalho.

3.2 Captação ilícita de sufrágio

Adriano Soares da Costa define o assunto deste tópico como “vantagem dada a uma coletividade de eleitores, indeterminada ou determinável, beneficiando-os pessoalmente ou não, com a finalidade de obter-lhe o voto”.

Quando se fala dos clássicos crimes eleitorais, os quais sejam a compra de votos e o abuso do poder econômico, temos semelhantes práticas que os caracterizam, porém não podem se confundir, ambos ensejam na inelegibilidade do candidato que for comprovadamente enquadrado em um desses crimes eleitorais previstos na legislação, porém as influências ocorrem de forma distinta.

No caso da compra de votos, como elenca a própria legislação, é caracterizada pela negociação do voto por contrapartida de benesses diversas, sendo necessariamente a negociação feita com eleitor, posto que do contrário não haveria o que se falar em potencial lesivo para a higidez do pleito eleitoral.

Sendo assim, para primar pelo resguardo do voto democrático, ainda que haja desistência da candidatura, se comprovada a prática ilícita a aplicação da legislação é flagrante, não sendo o poder judiciário omisso nesse sentido, como dispõe o próprio entendimento do Min. Marco Aurélio:

O disposto no artigo 41-A da Lei nº 9.504/1997 não apanha acordo, ainda que a envolver pecúnia, para certo candidato formalizar desistência da disputa (AgR-REspe nº 54178/AL, rel. Min. Marco Aurélio, DJE de 30.11.2012)

Outrossim, uma das características de da compra de votos é que a vantagem, obtida seja de caráter pessoal, ou seja, independentemente de a oferta aparecer de forma pública, aleatória e indiscriminada, a vantagem a ser obtida necessariamente precisa ser pessoal, sendo elucidativa a passagem que dispõe José Jairo Gomes:

Deve referir-se a prestação situada na esfera privada do eleitor, de sorte a carrear-lhe benefício individual. Mas a exegese dessa cláusula é algo alargada, podendo o proveito ou a dádiva ser endereçado à pessoa ligada ao eleitor. Assim, por exemplo, se o candidato fizer promessa – em troca de voto – de fornecer material de construção a parente ou familiar de alguém, estará configurada a situação fática prevista no artigo 41-A da LE, O benefício aí é indireto

Portanto, face às considerações apresentadas, é evidente a diferença dos ilícitos eleitorais, ainda que tenham semelhanças e compartilhem de algumas atuações, porém se divergem em suas peculiaridades.

3.3 Legislações que buscam inibir assédios eleitorais

Em análise às legislações que visam combater a existência do assédio eleitoral de forma mais significativa, posto que visa desestimular a prática, a Constituição Federal, em seu art. 14, § 9º traz o norte das penalidades legais as quais a legislação específica deve trazer para inibir a prática ilícita, posto que não só a compra de votos e o abuso do poder econômico com influência na mídia são determinantes. 

Vale lembrar que a exemplo de cargos comissionados, muitos dependentes do governo em atividade para a manutenção de seus vínculos empregatícios, temendo a perda de uma estabilidade ilusória, usam de suas posições a fim de suprimir a opinião de seus subordinados.

Nesse sentido, a Constituição Federal traz um norte para as leis complementares do que deve ser tratado e como deve ser reprimida a “influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.”.

Em consonância às orientações constitucionais, a Lei nº 9.504/1997, que trata de normas para se estruturar as eleições, traz em seu art. 41-A um rol exemplificativo que caracteriza a compra de votos, que pode ocorrer não necessariamente realizando pagamento de valores, mas a troca de favor em benefício do candidato, anulando o direito democrático, momento em que se verifica a captação ilícita de sufrágio.

É, também, tipificado na legislação uma prática muito comum, vista até como algo simples, entretanto é confrontante com as orientações legais é a “Boca de Urna”, caracterizada pela distribuição de material de campanha ou mesmo carro de som com divulgação de determinado candidato, previsto tal crime, pela primeira vez, no art. 39 da Lei nº 9.504/1997.

Quanto à Lei de Inelegibilidades (LC nº 64/1990), possui em seu rol uma série extensa de situações que possam gerar ou são característica de inelegibilidade. Entretanto, deve-se atentar ao que concerne ao tema do trabalho, para tanto tem-se o art. 22 que reforça novamente a inibição ao exercício da captação ilícita de sufrágio:

[…] qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político […].

Tendo, portanto, em tantas legislações a vertente de impedimento legal da prática, torna-se cada vez mais arriscado ao criminoso tal prática e, quando comprovada, leva à cassação da candidatura do beneficiado pelo ilícito.

Como é de suma importância o posicionamento dos órgãos combatentes em assuntos que lhe caibam, entendeu o TSE como compra de votos a seguintes prática:

[…] o candidato despender de “[…] recursos patrimoniais, públicos ou privados, dos quais detém o controle ou a gestão em contexto revelador de desbordamento ou excesso no emprego desses recursos em seu favorecimento eleitoral”. (RO nº 2346/SC, rel. Min. Felix Fischer, DJE de 18.9.2009)

Sendo este um entendimento externado a tempos atrás por outros ministros e ainda que anos depois, por meio da tecnologia, apenas se aperfeiçoaram as práticas infrativas, entretanto, mantendo sua essência.

Outra legislação de suma importância para se pontuar é a Lei da Ficha Limpa, que trouxe uma nova roupagem para as perspectivas e forma de penalidade já existentes para crimes eleitorais, sendo a inelegibilidade por oito anos do indivíduo que tiver sido condenado com trânsito em julgado de ação penal condenatória ou tiver sido condenado por órgãos colegiado uma das mais importantes.

É observado o uso das ferramentas penais de forma mais inteligente com esta legislação, dando mais poder à Justiça Eleitoral de punir aquele que comprovadamente foi tido como criminoso, havendo real rigor na legislação, ainda que haja divergências de efetividade na prática, na visão da população no geral, sendo tal perspectiva popular externada após as eleições presidenciais do ano de 2022.

Por fim, das principais legislações, se tem o Código Eleitoral ou Lei nº 4.737/1965, que como a lei das eleições, traz normativas orientadoras de como se organizar, estruturar e inibir fraudes nas eleições.

E como toda legislação brasileira, está também cumpre com seu papel de estar em sintonia com as orientações constitucionais, prevendo em seu art. 299, por exemplo, pena de até 4 (quatro) anos de prisão a quem oferecer quaisquer vantagens a eleitor em benefício de determinado candidato.

4. A TECNOLOGIA COMO FORMA DE VIABILIZAR O ASSÉDIO ELEITORAL

Num país que tem como referência e orgulho nacional seu sistema eleitoral, diversidade partidária e segurança de poder externar seu ideal eleitoral é absurdo pensar que há uma falha moral tão significativa nos compatriotas que pecam contra aquilo que é tido como exemplo mundial de modernidade, confiabilidade e exercício da democracia.

Em vista dessas considerações, a existência de uma fraude nas eleições no Estado Democrático de Direito é o pior cenário em que a população pode se ver, nesse âmbito, as consequências são catastróficas e a estabilidade social se vê abaladíssima em face das revoltas que se podem gerar.

Nesse sentido, a compra de votos, abuso do poder econômico e demais formas já tratadas neste trabalho constituem fraude ao andamento eleitoral, roupagens as quais assumem papéis de influência nos resultados finais de uma eleição.

Todos os anos em que se tem eleições há também uma grande quantidade de registros, denúncias e averiguações de assédios eleitorais. Em levantamento mais recente, no ano de 2022, foram registradas mais denúncias de assédio eleitoral que no ano de 2018, posto que a polarização social encontrada neste ano é a maior da história da democracia moderna do Brasil.

Nesse viés, o Procurador Geral do Trabalho, José de Lima Ramos Pereira registra sua indignação pela forma com que tem se tornado “natural” e “cotidiano” os assédios eleitorais dentro dos ambientes de trabalho, funcionários recebendo promessas de até 15° salário caso votassem em determinado candidato.

Como já trazido no trabalho, desde a década de 80 a mídia tem sido meio articulador de campanhas eleitorais, numa sociedade já tendo a tecnologia inserida em seu cotidiano e tendo como um dos meios de comunicação mais utilizados, que é o aplicativo WhatsApp, onde grupos são utilizados para veicular as mais diversas informações, não diferentemente se registram assédios eleitorais.

Há relatos de funcionários que foram coagidos pelo patrão de terem de esconder o celular entre as roupas e registrar em vídeo o voto a determinado candidato para manterem seus empregos, sendo que tal prática é um crime eleitoral justamente para inibir o exercício da prática denunciada neste trabalho, bem como, a volta em nova roupagem do “voto de cabresto”.

É absurdo pensar que em uma sociedade civilizada, o voto seja moeda de troca para a manutenção de vínculos empregatícios que são fontes de renda de pessoas, famílias e que podem ser postas num estado de miséria, face a perda da renda, por simplesmente externar seu direito de cidadão em um estado democrático.

Vale ainda ressaltar os casos de empregados comissionados, a exemplo dos vinculados à união, governos estaduais e deputados, posto que são cargos de livre nomeação e exoneração, como moedas de troca de parcerias entre candidatos já eleitos ou com influência que possam manejar voto a determinado candidato.

Sendo inequívoco o assédio eleitoral dentro dos grupos de WhatsApp, onde a democracia é livremente deturpada e as vítimas sequer têm oportunidade de denunciar tais práticas, posto que sua subsistência se encontra ameaçada pelo exercício de seu direito.

Tais registros relatados até aqui são apenas parte mínima das agressões ao estado democrático brasileiro. Outrossim nos países no exterior não é muito diferente, como por exemplo os registros de manipulação de informações durante campanha eleitoral de 2016 nos EUA, tais manipulações ocorreram por parte do Facebook, que transmitia à população informações favoráveis do então candidato Donald Trump.

As investigações à época se delinearam para o ponto de que, ainda que quem tenha tratado os dados de aproximadamente 50 milhões de usuários da plataforma fosse uma empresa chamada Cambridge Analytica, o assédio eleitoral direcionado por essa empresa foi marco decisivo para as eleições daquele ano.

O assédio eleitoral, assim como o assédio comercial que é muito estudado em razão da avalanche de publicidades a que somos expostos diariamente, também se encontra justamente na análise das perspectivas pessoas de determinada pessoa através de algoritmos inteligentíssimos e a partir de tais informações direciona à pessoa conteúdos que se alinhem com aquilo que o usuário acredita e deseja.

Nesse viés, a única forma de se resguardar de manipulações a partir de dados dos algoritmos é tornar-se cada vez mais politizado, crítico e buscar fontes de informações das mais diferentes plataformas, site e meios, posto que a diversidade de informações poderá construir um pensamento crítico e pessoal, não manipulado.

A atitude de uma empresa que detém informações cruciais nos termos da tecnologia, como é o caso do facebook, constitui peso relevante nas escolhas políticas, de modo que as consequências pela deturpação das informações tratadas nas redes sociais são sentidas ainda hoje, principalmente após seu proprietário da rede ter sido levado a julgamento por tais consensos à ilicitude eleitoral.

5. O IMPACTO DAS FAKE NEWS NO PROCESSO ELEITORAL

Um dos maiores desafios dos órgãos fiscalizadores das eleições durantes os últimos anos têm sido as chamadas fake news, fake é a palavra em inglês para “falso” e news é a palavra em inglês para “notícia”, em resumo, uma notícia falsa. Em geral, essas notícias são espalhadas por redes sociais e tem por finalidade a manipulação daquele que recebe a informação para gerar medo, revolta, descontentamento e reafirmar até mesmo um pensamento equivocado, enfim, deseja perpetuar a desinformação.

Nesse sentido, tal desserviço é propagado de forma muito célere em razão da tecnologia e da democratização do acesso à internet. E como muito bem trabalhado, o voto de cabresto surge no intuito de mobilizar determinada comunidade local para fim de beneficiar determinado candidato, assim como as fake news estão sendo usadas como forma de manipular informações a fim de conduzir o maior número possível de pessoas a seguirem uma ideia, muitas vezes distorcida da realidade.

O prejuízo sócio-cultural de uma fake news durante o período eleitoral, em um país com índice de 29% da população como analfabetos funcionais, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio – PNAD, é incalculável. A oportunidade de manipulação da massa por partidos políticos, que incessantemente assediam com notícias falsas para se beneficiar, é evidente e é árduo o trabalho para fim de inibir tal conduta.

Face a tais considerações, outro prejuízo significativo ao estado democrático de direito e às eleições em razão da existência das fake news é a alternativa de ação deliberada dos tribunais superiores em exercerem cerceamento de exposição de ideias e perspectivas apresentadas, tendo sido proferidas várias decisões em que o tribunal determina o que é verdade absoluta e tudo o que puder suscitar dúvidas a essa verdade é substancialmente ou completamente retirado de veiculação.

Quando se observa algumas ações do poder público no exercício de sua defesa constitucional, deveria haver um deslumbre pela beleza da defesa à Constituição, entretanto, tem havido o sentimento contrário em parte da população, preocupam-se os estudiosos de qual o impacto e fragilização que o estado democrático de direito pode sofrer em razão determinações tão fortes. 

Um dos casos em que houve grande notoriedade, foi quando o Professor Marcos Cintra apontou ponderações em que talvez pudesse haver falha na apuração dos votos. Em razão de tal questionamento, Cintra foi impedido de expor suas perspectivas, tendo sua conta em rede social suspensa e ainda teve de prestar depoimento à polícia federal por suspeita de crime contra a fé pública do tribunal superior. A decisão do então Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, o Ministro Alexandre de Moraes, entendeu que quando questionada a lisura das eleições, Cintra afrontou o TSE e o STF.

Nesse mesmo sentido, semanas antes havia sido de igual forma impedia veiculação de documentário acerca de uma tentativa de homicídio ocorrida no ano de 2018 contra o então candidato à presidência da república, Jair Messias Bolsonaro. Entretanto, o TSE não permitiu a publicação do referido documentário por presumir haver informações inverídicas, as fake news, a característica desta determinação assemelham-se tanto a uma censura quanto a Mim. Carmen Lúcia apenas consentiu com o voto do relator por considerar uma situação “excepcionalíssima”, face à proximidade das eleições à época.

Não que o tribunal tenha agido contra o estado democrático de direito, mas a presunção de haver fake news ou o questionamento, como cidadão, da lisura das urnas eletrônicas terem sido postas como afronta ao estado democrático de direito é absurdo.

Outrossim, é inequívoco que há também um temor, de enquanto órgão responsável pela lisura, higidez e rigidez das eleições, o TSE temer ser omisso quando deveria ser ativo em determinadas circunstâncias, o que é compreensível, posto que em razão da tecnologia, a manipulação da massa por meio de informações que venham favorecer, com fundamento em mentiras, determinado candidato é um prejuízo à democracia.

Vale ainda destacar que o modelo de assédio eleitoral enquanto fake news se estabelece por suas características, como uma propaganda anuncia determinado produto com o imperativo de “compre esta casa”, “adquira esta geladeira”, “ à nossa loja, “faça um crediário” e etc, de igual forma agem as fake news, impulsionando uma ideia deturpada em tom de ordem e por sua frequência reiterada, há o assédio, ou seja, uma conduta abusiva reiterada.

Portanto, tem-se um mínimo esclarecimento sobre o quão impactante foi, é e serão as fakes news para o processo eleitoral, posto que são afrontas à tomada de decisão dos eleitores, mas também funcionam como justificativas para determinações judiciais questionáveis e acabam por fragilizar a democracia no país, sendo um impacto incalculável.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em aspectos gerais, o estudo, apreciação, comparação e demais formas empíricas de se analisar a sociedade, como funciona e suas anomalias são essenciais para a criação do pensamento crítico, do desenvolvimento intelectual e humano, a saber dos próprios registros históricos que trazem a evolução humana a partir de experiências e aprendizagem com antepassados.

Posto tais considerações poderia negar que a população, mesmo que não tenha estudado de forma pontual os aspectos históricos das eleições e como se evoluiu até a chegada de um estado democrático de direito, não sentiria estar sendo lesada de alguma forma? Se sim, confrontaria a própria biologia, se não, confrontaria os tribunais superiores.

Não há que se negar que o voto de cabresto em sua origem se deu em razão da necessidade do mais pobre e o poder dos mais ricos, sendo a população majoritária obrigada a suplantar suas escolhas e os latifundiários exercerem sua influência como os próprios “donos” da democracia.

Em nova roupagem, poderiam os tribunais estarem assumindo tal papel?

A existência de currais eleitorais é absurda, o voto de cabresto foi banido efetivamente com a promulgação da constituinte de 88, posto isso, deve-se ser combatida toda forma de abuso contra a democracia, a mobilização social em prol de um colega de trabalho assediado a votar em determinado candidato para a manutenção de seu emprego, é a força do estado democrático de direito materializada.

O pensamento crítico frente a enxurrada de conteúdos midiáticos que buscam manipular a livre decisão do eleitor é a arma mais poderosa do cidadão que pretende não ter verdadeiros antolos definindo o que deve ser visto e para onde deve caminhar o pensamento social.

Por fim, a luta pela manutenção do estado democrático de direito apenas pode ser exercida por meio da união da sociedade que compõe o país, não se aliando a ideais políticos e sim a evidência de afronta ao bem social, é criminoso à constituição a manipulação de pessoas por meio de notícias falsas, tanto quanto é, quando externado pensamento democrático, este ser censurado de sua veiculação, para tanto, importa saber que a única alternativa é a democracia e lutar por ela é o meio de manutenção da liberdade.

7. REFERÊNCIAS

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