ASPECTOS TOXICOLÓGICOS DOS PIGMENTOS UTILIZADOS EM TATUAGENS: REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

TOXICOLOGICAL ASPECTS OF PIGMENTS USED IN TATTOOS: A REVIEW

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10136505


Carolina Larissa da Silva Pereira¹
Nathaly Silva de Souza¹
Taina Harumi Martins Koata¹
Maria Raquel Manhani2
Vanessa Aparecida Soares2


RESUMO: A tatuagem, muito comum atualmente, é considerada uma tecnologia, embora sua prática ocorra desde os primórdios. Algumas questões em relação ao tema são relevantes e preocupam, considerando que seus procedimentos possam acarretar determinados riscos à saúde. Devido às rígidas regulamentações quanto à esterilidade do procedimento, a reação está em grande parte relacionada à composição da tinta, cujos pigmentos são metálicos. Essas reações variam desde irritação da pele na área tatuada até preocupantes problemas de saúde causados por altas concentrações de metais no organismo. Nessa revisão, foram abordados e analisados dados sobre os pigmentos utilizados na criação das tatuagens, com o objetivo de avaliar as principais reações da pele e comparar a presença de metais na composição dos pigmentos e os riscos associados. Os resultados apontam para a necessidade de uma legislação mais rígida sobre a concentração de metais nos diferentes pigmentos, uma vez que diversos autores encontraram valores acima dos limites estabelecidos. Também foi perceptível a falta de estudos que abordem o tema, e a necessidade de aprofundamento. 

Palavras-chave: Tatuagem, pigmentação, reações adversas.

ABSTRACT: A tattoo, quite common nowadays, is considered a technology, although its practice has been occurring since ancient times. Some issues regarding the subject are relevant and concerning, considering that its procedures may entail certain health risks. Due to strict regulations regarding the sterility of the procedure, the reaction is related to the composition of the ink, whose pigments are metallic. These reactions range from skin irritation in the tattooed area to worrying health problems caused by high concentrations of metals in the body. In this review, data on the pigments used in tattoo creation were addressed and analyzed, aiming to assess the main skin reactions and compare the presence of metals in the composition of pigments and the associated risks. The results point to the need for stricter legislation on the concentration of metals in different pigments, as several authors found values above established limits. The lack of studies addressing the topic and the need for further investigation were also noticeable.

Key words: Tattoo, pigmentation, adverse reactions.

1.  INTRODUÇÃO 

A prática de tatuagens tem sido adotada ao longo de vários séculos em todo o mundo, assumindo diferentes significados que variam de cultura para cultura (RAMOS, 2001). Não sabemos quando precisamente nossa espécie começou a realizar modificações corporais, no entanto, já foram encontradas provas arqueológicas (múmias tatuadas e referências a tatuagens em obras de arte) em sítios como Egito, Alasca, China, Áustria e Itália, que datam até 10.000 a.C. (LIMA, 2020).

Com o passar do tempo foram desenvolvidas novas fórmulas e métodos, em diferentes localidades, para alcançar os mais variados resultados estéticos, cada um com seus efeitos, possibilidades interpretativas e significados. Independente da época na linha do tempo, origem das pessoas que executaram e sofreram alterações corporais, das formas anormais e grafismos nas múmias encontrados, todas estas variações parecem ter o mesmo objetivo até hoje: comunicar visualmente, marcar algo ou transmitir informação sem precisar da fala (LIMA, 2020).

Nas tatuagens, a tinta é introduzida na pele por meio de movimentos repetidos com uma agulha vibratória. A quantidade de tinta depositada depende da espessura da agulha, da tinta e da profundidade que se pretende atingir, a cicatrização se inicia após a fase inflamatória inicial, devido às perfurações (GOPEE, 2005). 

Este processo garante a imobilização dos pigmentos e a relativa estabilidade das áreas tatuadas (RAMOS, 2018). Por essa razão, o organismo fica exposto aos danos que essas substâncias podem acarretar (FORTE, 2009).  

Tintas no geral são compostas por diversas substâncias como resinas, secantes, espessantes, fungicidas, aditivos, solventes, reguladores de pH, emolientes para realçar e estabilizar a principal substância: os pigmentos. Pigmentos são partículas sólidas na forma de pó, podendo ser orgânicas ou inorgânicas (BENTLIN et al., 2009).

Os componentes utilizados para que as tintas adquiram cor são denominados colorantes, os quais se ramificam em pigmentos e corantes. A diferença básica entre pigmentos e corantes está no tamanho de partícula e na solubilidade no meio em que é inserido, os pigmentos possuem tamanho de partícula maior, enquanto os corantes são moléculas menores (SARON; FELISBERTI, 2006). 

Entre os componentes das tintas, os principais agentes de cor são compostos metálicos, que incluem alguns elementos químicos com propriedades adversas e bem conhecidas para os seres vivos (RAMOS, 2018). Os pigmentos são compostos de sais e metais inorgânicos, como o mercúrio (vermelho), o cromo (verde), o manganês (lilás), o cobalto (azul), o cádmio (amarelo) e hidrato de ferro (ocre), quanto de preparações orgânicas como o sândalo e o paubrasil, vermelhos (SCHWARTZ; MATHIAS; MILLER, 1987).

No que se trata de pigmentos inorgânicos, a principal preocupação se refere a metais que possuem potencial tóxico, como cromo, níquel cobre, cobalto, ferro e chumbo, que apesar de alguns deles terem papel biológico no corpo humano, seu excesso e acúmulo causam problemas à saúde. Os sais dos metais citados, seus óxidos, sulfatos, e cromatos, por possuírem cores variadas, alto poder de cobertura, maior durabilidade e resistência a fatores corrosivos como radiação UV, umidade e gases, são muito encontrados na composição das tintas (BENTLIN et al., 2009)

Todos estes elementos metálicos, bem como aqueles que coexistem nos compostos normalmente usados como pigmentos, podem potenciar alergias, vários tipos de inflamações cutâneas, bem como doenças da pele e anomalias em outros tecidos, órgãos, ossos e vias metabólicas (RAMOS, 2018).

Numa pesquisa realizada com 300 nova-iorquinos, mais de 10% dos entrevistados desenvolveram reações alérgicas após terem feito tatuagens, incluindo dor, coceira, e infecções que muitas vezes exigiram uso de antibióticos (BOCCA et al., 2017).

Nos Estados Unidos, as tintas de tatuagem são consideradas cosméticos e a legislação não exige aprovação e revisão pré-mercado. (LAUX et al., 2015).

 Os órgãos regulatórios de segurança de cada país se mobilizaram para estipular normas estritas quanto à prática de tatuagem, principalmente no que se trata da composição das tintas. O Food and Drug Administration (FDA), nos EUA, regula os aditivos usados nas tintas desse país, tomando uma abordagem mais severa depois do aumento das reações adversas, mas ainda sim, as tintas de tatuagem são consideradas cosméticas e não exigem aprovação pré-mercado (LAUX et al., 2016).

No Brasil, o órgão responsável pela regulamentação é a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Em 2001, publicou a RDC 185, que exige que as tintas de tatuagem passem por testes para serem liberadas, definindo-as como produto médico implantável, sendo este “qualquer produto médico projetado para ser totalmente introduzido no corpo humano ou para substituir uma superfície epitelial ou ocular, por meio de intervenção cirúrgica, e destinada a permanecer no local após a intervenção”. Também é considerado um produto médico implantável qualquer produto destinado a ser parcialmente introduzido no corpo humano através de intervenção cirúrgica e permanecer após esta intervenção por longo prazo (ANVISA, 2001).

Em 2021 publicou a RDC 553, que entrou em vigor em 2021, sendo o “O registro de produtos utilizados nos procedimentos de pigmentação artificial permanente na pele”, definindo pigmentação artificial permanente da pele como “pigmentação exógena implantada na camada dérmica ou na camada subepidérmica da pele com o objetivo de embelezamento ou correção estética”, desse modo regulando a prática da tatuagem e estabelecendo que todas as tintas utilizadas devem ser registradas pela agência após passarem por uma série de testes. Todos os equipamentos utilizados também devem ser registrados. Os equipamentos e tintas reprovados serão considerados clandestinos e seu uso para esse fim fica proibido (ANVISA, 2021). 

Na Europa, o Council of Europe, (CoE) publicou em 2008 uma série de recomendações para tatuagens e maquiagem permanente, deixando para os órgãos de cada país a fiscalização (MANSO et al., 2019). As agências reguladoras europeias adotam, principalmente, a resolução ResAP de 2008, a qual fornece instruções gerais sobre composição e rotulagem bem como listas negativas de produtos químicos perigosos que não devem estar presentes em tintas de tatuagem, porém a fiscalização do mercado é um grande desafio. A Suíça tem tido restrições legais para tintas usadas para tatuagens e maquiagem permanente desde 2006. No entanto, uma pesquisa nacional de 2011 mostrou que 37% de 167 tintas e 9% de 23 produtos de maquiagem permanente não estavam em conformidade com a regulamentação vigente (LAUX et al., 2015).

O número de pessoas que possuem várias tatuagens é crescente e os corantes e pigmentos utilizados tradicionalmente estão sendo substituídos por materiais que ainda não foram testados anteriormente para este fim. (LAUX et al., 2015). Juntamente com o aumento do número de pessoas tatuadas, houve também o aumento de reações adversas como alergias e granulomas. Essas reações podem ocorrer no momento que é realizada a tatuagem ou anos depois. Foi concluído que esses problemas estão relacionados à composição das tintas (VASOLD, 2008; MANSO et al., 2019). 

Assim, delinearam-se os objetivos desta revisão: avaliar a toxicologia dos pigmentos presentes nas tintas utilizadas para a realização de tatuagens e por meio de referências bibliográficas, analisar o efeito dos componentes sobre o organismo humano. Para que o objetivo geral fosse alcançado, traçaram-se como objetivos específicos: apresentar um breve histórico sobre tatuagem; entender a anatomia da pele e sua interação com os pigmentos; identificar os principais componentes das tintas e seus riscos à saúde. Sendo assim, fica o seguinte questionamento que norteará esta revisão: estamos cientes do que introduzimos em nosso organismo ao fazer uma tatuagem?

2.      REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

2.1.  História da tatuagem 

A prática da ornamentação da pele é um hábito tão antigo quanto a civilização, tendo sido encontrada em múmias do período entre 2000 e 4000 a.C. (LISE et al., 2010). As tatuagens mais antigas foram provavelmente derivadas de fuligem ou carvão com inclusão ocasional de minerais ou produtos vegetais disponíveis localmente (CUL et al.,2004).

O termo tatuagem deriva do taitiano “tau” ou “tatau”, que significa “ferida, desenho batido”. Trata-se de uma onomatopeia relacionada ao som produzido pelo instrumento utilizado para bater no tronco oco. O termo inglês tattoo, foi introduzido pelo explorador inglês James Cook quando retornou à Europa, em julho de 1769. Posteriormente, foi traduzido para outras línguas (LISE et al., 2010).

A tatuagem possui vários significados. No passado, era utilizada como pintura para simbolizar fertilidade, status social e masculinidade (FORTE et al., 2009), também em cerimônias de casamento e como proteção contra maus espíritos (LEITÃO; ECKERT, 2000).

Não se sabe ao certo sua origem. Alguns autores acreditam que ela possa ter surgido em várias partes do globo, de forma independente; outros creem que ela tenha sido difundida pelo mundo com as grandes navegações dos países europeus (LISE et al., 2010).

 Com o tempo a tatuagem tem se tornado uma técnica popular, podendo ser encontrada em qualquer parte do corpo, em diversas cores, modelos, tamanhos e significados (BÄUMLER, 2015). Muitos indivíduos fazem a sua primeira tatuagem nas idades de 16-20 anos e com até 36% das pessoas com menos de 40 anos tendo pelo menos uma tatuagem. (LAUX et al., 2016).

2.2.  Camadas da pele 

A pele é composta por três camadas: a epiderme, a derme e a hipoderme; a camada mais externa, a epiderme tem função de proteção (Figura 1). As tintas aplicadas na epiderme são tatuagens de caráter temporário, enquanto as aplicadas na derme são permanentes por esta ser uma camada profunda – Figura 2 (ARL, 2018). 

Figura 1 – Camadas que constituem a pele.

Fonte: COPOVI, 2020.

Figura 2 – Aplicação da tinta na pele

Fonte: Remoção Tatuagem, 2022.

Uma vez introduzida na pele, a tinta inicia uma resposta inflamatória, que resulta na chegada de células inflamatórias e na descamação da epiderme, revelando as camadas basais. Para eliminar a entidade estranha presente na pele, os macrófagos dérmicos absorvem o pigmento (DU, 2013). A maioria desses macrófagos move-se através dos vasos linfáticos até os nódulos da região. A tatuagem permanente é composta pelos macrófagos restantes, outras células que absorveram o pigmento, como fibroblastos e queratinócitos, e uma pequena quantidade de pigmento extracelular (KAUR, 2009).

A longevidade de uma tatuagem depende da deposição de material na pele. Em humanos, o pigmento da tatuagem geralmente é depositado no primeiro terço ou na metade da derme (CUL et al., 2004), garantindo que o pigmento não possa ser facilmente removido e que o corpo fique continuamente exposto à substância da tatuagem colorida de forma direta e prolongada (FORTE, 2009).

2.3. Aplicação da tatuagem e seu alcance

A técnica de tatuagem utiliza um equipamento com agulha de metal para introduzir pigmento na pele, perfurando a epiderme e derme. O pigmento pode ser classificado com base em origem, cor, constituição química, método de preparação e finalidade. 

A tatuagem envolve a introdução de pigmento sólido na pele, especificamente na derme, garantindo sua durabilidade. Este processo evita a remoção do pigmento e permite uma exposição prolongada do corpo a ele. Além disso, parte do pigmento pode ser removida da pele por células dérmicas ou pelo sistema linfático, levando à presença de pigmentos de tatuagem nos gânglios linfáticos próximos à tatuagem (GOULART, 2018).

A tatuagem cria um ferimento temporário na pele, que cicatriza ao longo de alguns dias, tornando-a permanente. Durante o processo, o corpo isola as partículas de pigmento com lisossomos. Esse processo de cicatrização e o efeito permanente desejado expõem a pele e o sangue a possíveis contaminantes dos materiais usados, incluindo os componentes da tinta (GOULART, 2018).

2.4. Tintas e suas composições

A composição das tintas de tatuagem varia de acordo com o fabricante. Em sua maioria, são misturas complexas compostas por veículos (água, glicerina e outros derivados oxigenados), aditivos (polímeros, surfactantes, hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPA), nanopartículas (NP) e polímeros) e pigmentos (complexos orgânicos ou inorgânicos e NP) (HØGSBERG et al., 2011).

Os pigmentos complexos orgânicos contêm grupos cromóforos, como azo, nitroso, nitro, e auxocromos, como hidroxila e aminas, em sua estrutura. Alguns dos pigmentos orgânicos mais comuns incluem as ftalocianinas, os monoazóicos, diazóicos e dioxazine. Os inorgânicos são compostos por sais metálicos (como óxidos, sulfetos e selenetos) ou por moléculas orgânicas variadas (DEVIDIS, 2011).

Em relação aos pigmentos inorgânicos, a preocupação é alta devido a presença de metais com potencial toxicológico, como cromo, cobre, cobalto, cádmio, chumbo e níquel, e embora alguns deles tenham funções biológicas no organismo humano, o seu excesso e acúmulo podem ser prejudiciais à saúde. 

Dentre os metais citados, os que mais apresentam efeitos prejudiciais à saúde são cádmio, chumbo e níquel (ABREU, 2020).

O cádmio ocorre na natureza em pequenas quantidades, quase sempre junto ao zinco e chumbo, em minerais de sulfeto, e é obtido com subproduto do refino desses metais. Atualmente, a maior parte de sua produção é aplicada em baterias de níquel-cádmio e também na galvanoplastia. O sulfeto de cádmio, CdS, é utilizado como pigmento amarelo em tintas e plásticos. Devido à alta toxicidade, o uso do cádmio foi banido em alguns países (NORDBERG, 2009). Este metal tem sido encontrado em vários órgãos, tais como o pâncreas, os testículos, a tireóide, as glândulas salivares e o coração entre outros. O rim é o órgão em que primeiro se atinge uma concentração crítica de cádmio, como consequência de  sua acumulação. A vida biológica do cádmio no corpo humano varia de 10 a 30 anos, longa quando comparada a outros metais, e de lenta excreção pelo organismo (ABREU, 2020).

O níquel (Ni) é um elemento químico de número atômico 28, classificado como metal de transição. Geologicamente falando, este metal é relativamente abundante na crosta continental. Ocorre frequentemente associado a depósitos de cobre e por isso já foi chamado de cobre branco (MCKEAN, 2011). O níquel absorvido percorre o corpo pelo sangue, ligando-se principalmente à albumina do plasma. Sua principal rota de excreção é via urina, independente da rota de absorção. A inalação das partículas de níquel leva a diversos danos nos pulmões, como irritação, inflamação (pneumonia) e enfisema, e danos às cavidades nasais e mucosas. Foram reportados casos de hiperplasia das células pulmonares, fibrose, pneumoconiose e asma alérgica (SCHAUMLÖFFEL, 2012). O íon de níquel Ni2+ tem tendências carcinogênicas, pois é capaz de se associar a moléculas nucleares e do DNA. O suor, por longos períodos, é capaz de solubilizar o níquel metálico e seus sais, gerando íons de níquel que são absorvidos pela pele. Em indivíduos sensibilizados, isso pode causar dermatite (SCHAUMLÖFFEL, 2012). 

O chumbo é um elemento tóxico não essencial que se acumula no organismo. Na sua interação com a matéria viva, apresenta tanto características comuns a outros metais pesados quanto algumas peculiaridades. Como esse metal afeta virtualmente todos os órgãos e sistemas do organismo, os mecanismos de toxicidade propostos envolvem processos bioquímicos fundamentais, que incluem a habilidade do chumbo de inibir ou mimetizar a ação do cálcio e de interagir com proteínas. Em níveis de exposição moderada (ambiental e ocupacional), um importante aspecto dos efeitos tóxicos do chumbo é a reversibilidade das mudanças bioquímicas e funcionais induzidas (MOREIRA, 2004). Seu emprego em tintas tem sido muito importante, porém devido a sua toxicidade, sua utilização em pigmentos diminuiu muito ao longo dos anos, assim como em outras aplicações (GIDLOW, 2015). Os primeiros sintomas de intoxicação por chumbo aparecem em concentrações acima de 40 µg Pb/100 mL de sangue, caracterizada por dor abdominal, dores de cabeça, irritabilidade, dores nas juntas, fadiga, anemia, neuropatia motora periférica, dificuldades em se concentrar e perda de memória recente (GIDLOW, 2015).

Os três metais estudados são potencialmente carcinogênicos e estão presentes no dia a dia como resultado das atividades humanas e como matéria prima de vários produtos. 

2.5. Efeitos

Em geral, a tatuagem inclui complicações associadas a fototoxicidade, reações alérgicas, reação pseudo linfomatosa e rejeição imunológica (DEVIDIS, 2019).

Os riscos dessas reações eram grandes em pigmentos de compostos inorgânicos, que geralmente eram constituídos por metais pesados e muitos deles tóxicos (Pb, Cr, Co, Sb, Cd etc.) encontrados em diferentes tonalidades de tintas (TEOTONIO, 2011).

Seus efeitos podem se manifestar durante o processo, associado a más condições de higiene e associado ao risco de infecção local ou superficial. Sua reação mais comum é a celulite infecciosa, e os efeitos mais graves são erupções cutâneas pruriginosas, evidentes no local da tatuagem. Os demais efeitos são calafrios, artralgia, mialgia e vasculite devido a hipersensibilidade à tinta de tatuagem. As reações cutâneas, são comuns em tatuagens que contêm tintas vermelhas (DEVIDIS, 2019).

2.6. Quantificação dos metais 

De acordo com a literatura utilizada, Abreu (2020) estudou diferentes artigos que quantificaram três metais pesados presentes nas tintas de tatuagem, sendo eles: cádmio, níquel e chumbo, via Espectrofotometria de Absorção Atômica. Nesse artigo, a autora compara e discute diferentes resultados, de anos distintos, de modo a verificar alguma mudança na quantidade desses metais com o passar do tempo. A pandemia foi um fator que atrapalhou seu projeto devido à não conclusão dos testes que estava realizando, por isso a utilização dos artigos para finalizar seu estudo. 

Os estudos utilizados foram conduzidos fora do Brasil, baseiam-se na resolução ResAP(2008),1 estabelecida pelo Conselho da Europa (CoE), que limita as concentrações permitidas de tintas de tatuagem. A ANVISA não especifica limites de concentração para cada metal como CoE, portanto, o valor será comparado com o limite especificado pela ResAP(2008)1. É válido ressaltar a dificuldade de encontrar pesquisas brasileiras e materiais que abordem o tema no país. Na Tabela estão alguns valores estabelecidos pela ResAP(2008)1.

Tabela 1 – Limites de concentração de metais ResAP(2008)1 

Fonte: ABREU, 2020.

Em 2007, Bentlin et al. estudaram a presença de metais na composição de algumas tintas pelo método de amostragem direta em espectrômetro de absorção atômica com forno de grafite (DS-GFAAS), pelo método de abertura com digestão ácida e micro-ondas e GFAAS e por análise em ICP-MS também com a mesma abertura da amostra (BENTLIN et al. 2007). Os metais Cd, Co, Cr, Cu, Ni e Pb foram analisados, porém foi relatado que nas tintas de tatuagem, a maioria dos metais não foi detectada. Não foram fornecidas as marcas das tintas de tatuagem analisadas, porém as cores são: preto, amarelo, verde e vermelho. 

Os resultados obtidos por Bentlin et al., 2007 encontram- se na Tabela 2.

Tabela 2 – Resultados obtidos por Bentlin et al., 2007

Fonte: BENTLIN et al., 2007.

A partir dos resultados dessa tabela, respeitando o limite estabelecido pela ResAP (2008)1, foi observado que a quantidade de cádmio na tinta amarela, verde e vermelha estava abaixo do limite de 0,2 ppb. Contudo, a tinta preta ultrapassou os padrões exigidos. Isso também acontece para as análises de níquel (limite sendo o mais baixo possível) e chumbo (2 ppb). As tintas amarela, verde e vermelha estavam dentro dos padrões estabelecidos pela Resolução, consideradas, assim, seguras, já a tinta preta ultrapassou todos os limites, principalmente na quantidade de chumbo encontrada, o que a torna não segura. 

Em 2009, Forte et al. estudaram a composição de 56 tintas, dentre elas a Intenze. As amostras foram digeridas em ácido nítrico e fluorídrico com peróxido de hidrogênio e levadas ao forno micro-ondas com uma potência máxima de 600W e então diluídas. Dados da Tabela 3 mostram os resultados encontrados. 

Tabela 3 – Resultados obtidos por Forte et al., 2009.

Fonte: FORTE el al., 2009.

●  Cádmio: 0,2 ppm 

●  Chumbo: 2 ppm 

●  Níquel: níveis não detectáveis nas análises 

Os resultados obtidos por Forte et al. (2009) demonstraram que o níquel em todas as tintas excedeu o limite permitido pela legislação europeia, pois foi possível detectá-lo. Já na tinta verde e amarela havia um excesso de cádmio, a vermelha estava um pouco acima e a preta dentro dos padrões estabelecidos. Em relação ao chumbo as cores preta e amarela estavam dentro do limite, enquanto as cores verde e vermelha falharam no teste. Devido aos níveis elevados de níquel, nenhuma tinta pode ser usada com segurança de acordo com a ResAP(2008)1. 

No estudo realizado por Manso et al. (2018), analisaram um conjunto de tintas de tatuagem por espectroscopia de fluorescência de raios X (XRF) baseada em síncrotron para identificar elementos potencialmente tóxicos, cujos conteúdos foram posteriormente medidos por FAAS (Tabela 4).

Tabela 4 – Resultados obtidos por MANSO et al. 2018.

LD = Limite de Detecção. 

Fonte: MANSO et al., 2018

No estudo os valores encontrados para o cádmio estão dentro dos limites. O chumbo por sua vez ultrapassa os limites estabelecidos e o níquel também se encontra acima do limite estipulado, considerando que não deveria estar presente no pigmento. 

Em um caso mais recente, em 2020, Battistini et al. publicaram um artigo em que relatava a análise de 20 tintas de tatuagem de marcas e cores diferentes da China, Itália e Estados Unidos. Para determinar a concentração de metais, foram analisadas 7 tintas, foi utilizado o método de SemiQuant iCAP Q ICP-MS (ABREU, 2020). A Tabela 5 mostra os resultados encontrados na análise.

 Tabela 5 – Resultados obtidos por BATTISTINI et al., 2020.  

ND – Não detectado.  Fonte: BATTISTINI et al., 2020.

De acordo com a Tabela 5, em relação à concentração de níquel, nenhuma tinta teria sido aprovada segundo a ResAP (2008). Já nas quantidades de chumbo e cádmio, os valores estão numa margem segura. 

3.  CONCLUSÃO

Foi possível observar em todos os estudos apresentados, que pelo menos um metal demonstrou resultado fora dos limites da especificação e a tinta preta níveis mais alarmantes de metais.

Nesse contexto, é evidente a necessidade de explorar o tema, visando um aprofundamento dos estudos da composição e toxicidade dos pigmentos presentes nas tintas. Assim como uma padronização mundial nas diretrizes que regem os limites e a fiscalização destes produtos, todavia que a discrepância entre países em relação aos controles, traz riscos à saúde. 

4.  REFERÊNCIAS 

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1 Graduanda do curso de Bacharelado em Química Industrial – IFSP – Câmpus Suzano.
2 Docente do IFSP – Câmpus Suzano.