ETHICAL AND BIOETHICAL ASPECTS OF PALLIATIVE CARE: THE ROLE OF THE PHYSIOTHERAPIST IN PROMOTING DIGNITY AND QUALITY OF LIFE
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202504301356
Alessandra Oliveira Pires1
Orientadora: Prof. Drª. Diala Alves De Sousa2
RESUMO
Este estudo aborda os aspectos éticos e bioéticos do cuidado paliativo, com ênfase na atuação do fisioterapeuta na promoção da dignidade e qualidade de vida dos pacientes em fim de vida. Os cuidados paliativos têm como objetivo proporcionar conforto, aliviar sintomas e respeitar a autonomia do paciente, com foco no alívio do sofrimento físico, psicológico e emocional. A fisioterapia, nesse contexto, desempenha papel crucial, utilizando estratégias terapêuticas que visam a manutenção da funcionalidade, controle da dor e alívio de sintomas respiratórios.Técnicas como exercícios respiratórios, alongamento, mobilizações e cinesioterapia são aplicadas de forma personalizada, levando em consideração os limites e desejos do paciente. A atuação do fisioterapeuta em cuidados paliativos vai além da intervenção técnica, englobando a escuta ativa e a comunicação empática com a equipe multiprofissional, sempre respeitando os princípios bioéticos da autonomia, beneficência e não maleficência. Este estudo destaca que a fisioterapia nos cuidados paliativos não apenas melhora a qualidade de vida, mas também promove um cuidado humanizado, que respeita a dignidade do paciente em todas as fases da doença. Conclui-se que a atuação do fisioterapeuta é essencial na construção de uma abordagem ética e integral no cuidado de pacientes em cuidados paliativos, com uma atenção especial à comunicação, ao conforto e à dignidade do indivíduo.
Palavras-chave: Reabilitação, Alívio de sintomas, Cuidado integral, Ética no cuidado, Humanização.
ABSTRACT
This study addresses the ethical and bioethical aspects of palliative care, with an emphasis on the physiotherapist’s role in promoting the dignity and quality of life of end-of-life patients. Palliative care aims to provide comfort, alleviate symptoms, and respect the patient’s autonomy, focusing on relieving physical, psychological, and emotional suffering. In this context, physiotherapy plays a crucial role, utilizing therapeutic strategies aimed at maintaining functionality, controlling pain, and relieving respiratory symptoms. Techniques such as breathing exercises, stretching, mobilizations, and kinesiology are applied in a personalized manner, considering the patient’s limits and wishes. The physiotherapist’s role in palliative care goes beyond technical intervention, encompassing active listening and empathetic communication with the multiprofessional team, always respecting the bioethical principles of autonomy, beneficence, and non-maleficence. This study highlights that physiotherapy in palliative care not only improves quality of life but also promotes humanized care that respects the patient’s dignity at all stages of the illness. It is concluded that the physiotherapist’s role is essential in building an ethical and comprehensive approach to the care of patients in palliative care, with special attention to communication, comfort, and the dignity of the individual.
Keywords: Comprehensive care, Ethics in care, Humanization, Rehabilitation, Symptom relief.
1. INTRODUÇÃO
O avanço das ciências da saúde e o consequente aumento da expectativa de vida da população têm trazido à tona uma nova perspectiva de cuidado centrado na pessoa, sobretudo naqueles que enfrentam doenças crônicas, progressivas e incuráveis. Nesse cenário, os cuidados paliativos emergem como uma abordagem essencial para promover qualidade de vida e alívio do sofrimento por meio de uma assistência integral e humanizada (Organização Mundial da Saúde [OMS], 2020). A atuação interdisciplinar é um dos pilares fundamentais dessa prática, sendo o fisioterapeuta um agente indispensável para garantir conforto físico e funcionalidade, mesmo diante da finitude da vida.
A atuação do fisioterapeuta em cuidados paliativos vai além da intervenção técnica; envolve também uma profunda responsabilidade ética e bioética diante das necessidades do paciente e de sua família. O profissional é frequentemente desafiado a tomar decisões complexas, que requerem o equilíbrio entre os princípios da beneficência, autonomia, não maleficência e justiça — os quais são basilares da bioética principialista proposta por Beauchamp e Childress (2013). Nesse contexto, o fisioterapeuta deve atuar respeitando os desejos do paciente, evitando procedimentos fúteis, aliviando sintomas como dor, dispneia e fadiga, e contribuindo para a dignidade no processo de morrer.
A bioética contemporânea, especialmente em sua vertente personalista, também ressalta a importância de considerar o ser humano em sua totalidade, reconhecendo sua vulnerabilidade e individualidade. Assim, a prática fisioterapêutica no cuidado paliativo não pode ser desvinculada de um olhar compassivo, crítico e ético, que acolha a pessoa em sua integralidade física, psíquica, social e espiritual (Araújo et al., 2022).
Contudo, apesar dos avanços no reconhecimento da importância dos cuidados paliativos, ainda há lacunas na formação dos profissionais de saúde, incluindo fisioterapeutas, quanto aos aspectos éticos e bioéticos que permeiam essa área (Carvalho et al., 2023). Dilemas como a indicação ou suspensão de terapias, a comunicação de más notícias e o respeito à autonomia em situações de fragilidade extrema são constantes e exigem preparo técnico e sensibilidade ética.
Dessa forma, discutir os aspectos éticos e bioéticos envolvidos na atuação do fisioterapeuta em cuidados paliativos torna-se fundamental para fortalecer uma prática humanizada, que valorize a dignidade e a qualidade de vida até os momentos finais da existência. Este trabalho tem como objetivo analisar tais aspectos, com base em uma perspectiva reflexiva e crítica, alinhada às diretrizes da bioética e aos preceitos que norteiam a fisioterapia enquanto ciência da saúde comprometida com o bem-estar humano.
2. METODOLOGIA
Trata-se de um estudo de revisão integrativa da literatura, de natureza qualitativa e descritiva. Essa metodologia visa reunir, analisar e sintetizar evidências disponíveis em estudos publicados sobre um determinado tema, permitindo uma compreensão abrangente e crítica da produção científica existente (Mendes et al., 2018). A revisão integrativa se configura como uma estratégia relevante para o campo da saúde, por possibilitar a integração de achados teóricos e empíricos que sustentem práticas baseadas em evidências.
Para a condução deste estudo, seguiram-se as etapas propostas por Mendes et al. (2018), as quais incluem: definição do tema e da questão norteadora; estabelecimento dos critérios de inclusão e exclusão; identificação das fontes de informação; categorização dos estudos; avaliação crítica dos dados obtidos; interpretação e discussão dos resultados; e, por fim, apresentação da síntese do conhecimento.
A questão norteadora foi elaborada com base na estratégia PICO, adaptada para o contexto da fisioterapia em cuidados paliativos, e formulada da seguinte forma: “Quais os aspectos éticos e bioéticos envolvidos na atuação do fisioterapeuta nos cuidados paliativos para a promoção da dignidade e da qualidade de vida do paciente?”
A coleta dos dados bibliográficos foi realizada no mês de abril de 2025, por meio das bases de dados Scientific Electronic Library Online (SciELO) e Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), que abrange as bases LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde), BDENF (Banco de Dados em Enfermagem) e Medline (Medical Literature Analysis and Retrieval System Online).
Foram utilizados os seguintes descritores controlados, de acordo com o DeCS (Descritores em Ciências da Saúde): “Fisioterapia”, “Cuidados Paliativos”, “Ética” e “Bioética”, combinados com o operador booleano AND para refinar os resultados.
Os critérios de inclusão adotados foram: artigos científicos disponíveis em texto completo, publicados no período de 2015 a 2025, em língua portuguesa, que abordassem direta ou indiretamente a atuação do fisioterapeuta em cuidados paliativos sob a perspectiva ética e/ou bioética. Foram excluídos artigos duplicados, revisões secundárias, estudos indisponíveis na íntegra, artigos fora do escopo temático e aqueles que não apresentaram relação clara com os objetivos da presente pesquisa.
A seleção dos estudos foi realizada em três etapas: (1) leitura dos títulos e aplicação dos filtros por data e idioma; (2) análise dos resumos para verificar a pertinência ao tema; e (3) leitura dos textos completos para confirmação da elegibilidade. Após esse processo, foram selecionados 14 artigos que atenderam aos critérios estabelecidos e embasaram a discussão dos resultados.
3. RESULTADOS
A partir da busca realizada nas bases de dados SCIELO e Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), no período de 2015 a 2025, foram selecionados 14 artigos científicos que atendiam aos critérios de inclusão previamente estabelecidos. Esses estudos abordam de forma direta a atuação da fisioterapia nos cuidados paliativos, sob diferentes perspectivas clínicas, contextuais e metodológicas.
Os dados foram organizados em uma tabela síntese com o intuito de facilitar a análise das informações e possibilitar uma compreensão mais clara sobre os objetivos e principais achados de cada publicação. Os artigos analisados reforçam a importância do fisioterapeuta como parte integrante da equipe multiprofissional de cuidados paliativos, atuando no alívio de sintomas, na promoção da autonomia funcional, no conforto físico e emocional dos pacientes, bem como no suporte às famílias, respeitando os princípios éticos e bioéticos que regem essa abordagem.
Entre os principais temas emergentes nos estudos estão: a promoção da qualidade de vida, a humanização da assistência, o controle de sintomas respiratórios, musculoesqueléticos e neurológicos, e a valorização da escuta ativa e da comunicação no processo de cuidado. Evidencia-se também o reconhecimento da fisioterapia como uma prática essencial para a manutenção da dignidade do paciente em terminalidade, em consonância com os princípios da beneficência, autonomia e não maleficência.
A seguir, apresenta-se a Tabela 1, com a caracterização dos estudos selecionados quanto ao título, autores, objetivo e principais resultados.
Tabela 1: Caracterização dos Artigos Selecionados quanto ao Título, Autores, Ano, Objetivos e Principais Resultados






Fonte: autoria própria.
A seguir, apresenta-se a organização dos principais tópicos emergentes identificados na discussão dos estudos analisados (Tabela 2). Cada tema reflete aspectos essenciais da atuação fisioterapêutica em cuidados paliativos, abrangendo desde a promoção da qualidade de vida até o controle de sintomas físicos, a atuação multiprofissional e as estratégias terapêuticas empregadas. Para cada tópico, foram relacionados os autores que abordaram essas temáticas em suas produções científicas, permitindo uma visão sistematizada da contribuição da literatura para a compreensão do papel da fisioterapia nos cuidados paliativos.
Tabela 2: Distribuição dos Tópicos de Discussão e Respectivos Autores

Fonte: autoria própria.
4. DISCUSSÃO
4.1 QUALIDADE DE VIDA E PROMOÇÃO DA DIGNIDADE NOS CUIDADOS PALIATIVOS
A qualidade de vida no contexto dos cuidados paliativos deve ser entendida como uma abordagem integral que contempla não apenas o alívio da dor e de outros sintomas físicos, mas também o suporte psicossocial, espiritual e ético diante da terminalidade da vida. A atuação do fisioterapeuta nesse cenário é orientada por princípios fundamentais da bioética, especialmente a beneficência e a autonomia, que garantem ao paciente o direito de receber cuidados que respeitem sua vontade e assegurem sua dignidade até o fim da vida (Beauchamp & Childress, 2019).
Nos estudos analisados, observa-se que a fisioterapia tem papel essencial na promoção da autonomia funcional, na minimização do sofrimento e na manutenção de atividades significativas, mesmo em estágios avançados de doenças incuráveis. Costa et al. (2020) destacam que a intervenção fisioterapêutica promove conforto, reduz a sensação de inutilidade frequentemente experienciada por pacientes paliativos e fortalece o senso de identidade pessoal, aspectos fundamentais à dignidade humana. O cuidado fisioterapêutico ético não está centrado na cura, mas na escuta ativa, no acolhimento e na valorização das demandas individuais, respeitando os limites clínicos e subjetivos do paciente.
Nesse contexto, Bezerra et al. (2021) aponta que a escuta empática e a construção de vínculo entre o fisioterapeuta e o paciente contribuem significativamente para a elaboração do processo de morrer com menos sofrimento. A dignidade, nesse cenário, é expressa pela preservação da autonomia, pelo respeito aos valores pessoais e pela ausência de intervenções invasivas desnecessárias. Assim, o fisioterapeuta não apenas atua tecnicamente no manejo da dor e da dispneia, mas também exerce um papel humanizado, promovendo conforto e sentido na experiência da terminalidade (World Health Organization, 2020).
Além disso, Mota et al. (2022) enfatizam que a fisioterapia pode proporcionar benefícios emocionais e sociais ao criar oportunidades para que os pacientes participem, dentro de suas capacidades, de atividades cotidianas ou interações familiares, contribuindo para a manutenção do senso de pertencimento e dignidade. Essa abordagem está alinhada ao conceito ampliado de saúde da OMS, que vai além da ausência de doença e inclui bem-estar físico, emocional e espiritual, especialmente nos cuidados de fim de vida.
A atuação ética e sensível do fisioterapeuta, portanto, se estabelece como um elemento fundamental nos cuidados paliativos, ampliando o olhar sobre o processo de morrer e resgatando o valor intrínseco da vida até seus últimos momentos. Trata-se de um cuidado pautado na escuta, na presença e na compaixão, que reconhece o paciente não apenas como um corpo a ser tratado, mas como um ser humano em sua totalidade e complexidade.
4.2 CONTROLE DE SINTOMAS FÍSICOS E RESPIRATÓRIOS
O controle de sintomas físicos, especialmente os respiratórios, é um dos pilares dos cuidados paliativos, sendo essencial para garantir conforto e dignidade ao paciente em fase terminal. A fisioterapia se insere nesse contexto com um papel terapêutico altamente especializado, contribuindo significativamente para o alívio de sintomas como dispneia, fadiga, secreções pulmonares e desconforto postural (Ferreira et al., 2021).
A dispneia é um dos sintomas mais prevalentes e angustiantes para pacientes em cuidados paliativos, especialmente aqueles com doenças oncológicas e pulmonares avançadas. A atuação do fisioterapeuta visa reduzir essa sensação subjetiva de falta de ar por meio de técnicas de reexpansão pulmonar, posicionamento adequado, ventilação não invasiva (VNI), e treino respiratório. Essas intervenções, quando indicadas de forma ética e individualizada, melhoram a mecânica ventilatória, otimizam a troca gasosa e promovem relaxamento (Rodrigues et al., 2020).
Além da dispneia, outros sintomas físicos como fadiga muscular, dor e acúmulo de secreções respiratórias também são abordados com estratégias fisioterapêuticas específicas. De acordo com Lopes et al. (2022), técnicas como drenagem postural, tapotagem, vibração torácica e higiene brônquica são eficazes para facilitar a expectoração e prevenir complicações respiratórias que comprometam ainda mais a qualidade de vida. O fisioterapeuta, ao atuar com prudência e respeito às condições clínicas e preferências do paciente, colabora diretamente para o alívio de sintomas e, consequentemente, para o bem-estar global.
Cabe destacar, ainda, o uso da VNI como uma estratégia paliativa em casos de insuficiência respiratória. Embora não tenha objetivo curativo, a VNI pode ser utilizada para proporcionar conforto, reduzir o trabalho respiratório e prolongar a sensação de controle da própria respiração. No entanto, sua indicação deve ser cuidadosamente avaliada à luz dos princípios bioéticos, considerando os desejos do paciente, o estágio da doença e a possibilidade de sofrimento relacionado ao uso da técnica (Carvalho et al., 2019).
Os artigos analisados reforçam a importância da escuta ativa e da tomada de decisão compartilhada como fundamentos da prática fisioterapêutica ética. Em todos os casos, a conduta fisioterapêutica deve respeitar os limites clínicos e a vontade do paciente, evitando intervenções fúteis ou desproporcionais. Assim, o fisioterapeuta em cuidados paliativos contribui não apenas tecnicamente, mas também como um agente de conforto e humanização do cuidado.
4.3 ATUAÇÃO MULTIPROFISSIONAL E COMUNICAÇÃO NOS CUIDADOS PALIATIVOS
A complexidade dos cuidados paliativos exige uma abordagem multiprofissional, na qual diferentes saberes e competências se integram para oferecer assistência integral, respeitosa e centrada no paciente. Nesse cenário, a comunicação eficaz entre os membros da equipe e entre profissionais e pacientes torna-se um dos principais alicerces para a construção de um cuidado ético, compassivo e eficiente (Araújo et al., 2020).
O fisioterapeuta, inserido na equipe multiprofissional, contribui com sua expertise na avaliação e manejo de sintomas físicos, especialmente os respiratórios e motores, mas também atua como elo de apoio na escuta ativa, na identificação das necessidades funcionais e emocionais dos pacientes e na elaboração conjunta de planos terapêuticos. A participação em discussões clínicas interdisciplinares fortalece a tomada de decisões compartilhadas, evita condutas isoladas ou desnecessárias, e assegura que o cuidado seja individualizado, coerente com os valores do paciente e sua família (Barros et al., 2021).
A comunicação é, nesse contexto, uma competência essencial. Estudos apontam que falhas na comunicação entre profissionais e entre equipe e família podem gerar sofrimento evitável, conflitos, intervenções desproporcionais e até mesmo a perda de confiança no cuidado (Silva et al., 2022). Por outro lado, uma comunicação clara, empática e transparente promove alívio emocional, melhora a adesão ao cuidado e fortalece a relação terapêutica.
O fisioterapeuta deve, portanto, ser capacitado não apenas tecnicamente, mas também emocionalmente e eticamente, para comunicar-se de forma sensível diante de situações de sofrimento, morte iminente e tomada de decisões difíceis. Segundo as Diretrizes da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (2021), o profissional que atua em cuidados paliativos deve dominar estratégias de comunicação de más notícias, respeitar o tempo e os sentimentos do paciente e dos familiares, e oferecer informações de forma acessível, evitando jargões e ambiguidades.
O trabalho em equipe também favorece o enfrentamento do luto e do desgaste emocional entre os profissionais, por meio do apoio mútuo e da construção de vínculos baseados na solidariedade e na corresponsabilidade pelo cuidado. Essa vivência multiprofissional contribui para uma prática mais ética, segura e humana, na qual o fisioterapeuta é agente ativo na promoção da dignidade e qualidade de vida mesmo diante da finitude.
4.4 CUIDADO PALIATIVO ONCOLÓGICO: A ATUAÇÃO DO FISIOTERAPEUTA NO ALÍVIO DO SOFRIMENTO E NA PROMOÇÃO DA DIGNIDADE
O cuidado paliativo oncológico representa uma dimensão essencial no enfrentamento do câncer, especialmente nas fases avançadas da doença, em que o foco da assistência se desloca da cura para o alívio do sofrimento, o controle de sintomas e a promoção da qualidade de vida. Nessa perspectiva, o fisioterapeuta assume papel fundamental como integrante da equipe multiprofissional, contribuindo para o manejo das limitações funcionais, respiratórias e da dor, além de promover conforto e autonomia sempre que possível (Silva et al., 2021).
Os pacientes oncológicos frequentemente enfrentam um conjunto complexo de sintomas decorrentes tanto do processo da doença quanto dos efeitos colaterais dos tratamentos, como fadiga, dispneia, dor musculoesquelética, neuropatias periféricas e perda de mobilidade. A fisioterapia atua diretamente na mitigação desses sintomas, utilizando estratégias baseadas em evidências como técnicas de respiração diafragmática, mobilização precoce, exercícios de baixo impacto e medidas não farmacológicas para controle da dor (Ferreira et al., 2020).
Além disso, o cuidado fisioterapêutico em oncologia deve ser pautado em princípios bioéticos fundamentais: a autonomia, respeitando as decisões do paciente sobre os limites do tratamento; a beneficência e a não maleficência, que orientam intervenções seguras, proporcionais e que realmente tragam benefício; e a justiça, assegurando equidade no acesso aos recursos de reabilitação e conforto (Beauchamp & Childress, 2019).
O fisioterapeuta, ao acolher a realidade física, emocional e espiritual do paciente com câncer em fase avançada, também atua na escuta sensível, no apoio ao enfrentamento da terminalidade e na construção de um cuidado que valoriza a dignidade humana. Isso se reflete, por exemplo, na escolha consciente de não realizar intervenções invasivas ou desgastantes que não proporcionem conforto ou melhorem a funcionalidade do paciente.
Estudos demonstram que a atuação fisioterapêutica em cuidados paliativos oncológicos contribui não apenas para a qualidade de vida do paciente, mas também para o bem-estar dos familiares, uma vez que reduz o sofrimento observável e proporciona maior conforto físico no período final da vida (Lima et al., 2022). O cuidado é, portanto, ampliado, integrando-se a uma proposta ética de respeito à finitude e de valorização da vida até o seu último instante.
4.5 ESTRATÉGIAS TERAPÊUTICAS FISIOTERAPÊUTICAS NOS CUIDADOS PALIATIVOS: ABORDAGENS BASEADAS NA DIGNIDADE, FUNCIONALIDADE E CONFORTO
A atuação fisioterapêutica em cuidados paliativos é marcada por estratégias que priorizam o conforto, a funcionalidade possível e a dignidade do paciente frente à terminalidade da vida. A escolha das intervenções deve ser embasada em princípios éticos e bioéticos, levando em consideração os desejos do paciente, o estágio clínico da doença e os limites fisiológicos impostos pela condição de saúde. Assim, o fisioterapeuta atua de forma sensível e crítica, evitando tratamentos fúteis e valorizando a integralidade do cuidado (Beauchamp & Childress, 2019).
Entre as principais estratégias terapêuticas utilizadas pela fisioterapia nesse contexto, destacam-se as técnicas de reabilitação respiratória, como a ventilação não invasiva, exercícios de expansão torácica e higiene brônquica, que são fundamentais para melhorar a oxigenação, reduzir a dispneia e proporcionar alívio respiratório — sintomas comumente presentes em pacientes com doenças crônicas avançadas, especialmente as de etiologia oncológica e neurológica (Ferreira et al., 2020).
Outra estratégia amplamente empregada é o alongamento passivo e ativo-assistido, visando prevenir contraturas, reduzir dor musculoesquelética e manter a amplitude de movimento. Os exercícios terapêuticos, quando adequadamente prescritos, também podem contribuir para a manutenção da funcionalidade residual e da autonomia, ainda que parcial, proporcionando ao paciente maior controle sobre seu próprio corpo e suas atividades de vida diária (Lima et al., 2022).
Adicionalmente, o uso da cinesioterapia leve e orientações posturais permite ganhos significativos no conforto físico, redução da fadiga e melhora da circulação periférica. A mobilização precoce e a verticalização passiva (quando toleradas) também podem ser empregadas com foco na prevenção de complicações como úlceras por pressão, trombose venosa profunda e desconforto causado pelo imobilismo prolongado.
No entanto, a aplicação dessas técnicas deve estar sempre ancorada no diálogo com o paciente e a equipe multiprofissional. O respeito à autonomia e à vontade do indivíduo, a avaliação criteriosa dos riscos e benefícios de cada intervenção e a escuta ativa daquilo que representa bem-estar para o paciente são fundamentais. Nessa perspectiva, o fisioterapeuta torna-se agente de um cuidado ético, humanizado e proporcional às reais necessidades do indivíduo (Rocha & Tavares, 2021).
Portanto, a fisioterapia em cuidados paliativos não se restringe ao tratamento da função física, mas amplia seu olhar para o sofrimento global do paciente, reconhecendo sua singularidade e promovendo estratégias que minimizem o sofrimento, sem desrespeitar sua dignidade e limites.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O cuidado paliativo, alicerçado em valores éticos e bioéticos, representa uma abordagem indispensável para a promoção da dignidade, da autonomia e da qualidade de vida de pacientes que enfrentam doenças ameaçadoras da vida. A atuação do fisioterapeuta nesse cenário revela-se essencial, não apenas pela aplicação de técnicas terapêuticas voltadas ao alívio dos sintomas físicos, mas também por sua contribuição no cuidado integral e compassivo.
Ao longo deste trabalho, observou-se que a fisioterapia, quando inserida de forma ética e humanizada no contexto paliativo, possibilita melhorias significativas na funcionalidade remanescente, na respiração, no conforto físico e na sensação de controle do próprio corpo, ainda que diante da progressão da doença. Além disso, o fisioterapeuta contribui de forma ativa para a construção de um plano terapêutico centrado no paciente, respeitando seus desejos, limites e valores, em sintonia com os princípios bioéticos da beneficência, não maleficência, autonomia e justiça.
As estratégias fisioterapêuticas não se resumem a intervenções técnicas, mas envolvem escuta qualificada, comunicação empática e trabalho colaborativo com a equipe multiprofissional. Nesse sentido, o fisioterapeuta atua como um profissional que não apenas reabilita, mas também acolhe, conforta e humaniza.
Dessa forma, este estudo reforça a importância de incorporar, na formação e na prática clínica do fisioterapeuta, uma visão ampliada do cuidado, que transcenda a cura e valorize o ser humano em sua totalidade, especialmente em momentos de vulnerabilidade. Conclui-se, portanto, que a fisioterapia nos cuidados paliativos é uma expressão de cuidado ético, responsável e profundamente humano, sendo indispensável para a construção de práticas de saúde mais sensíveis e comprometidas com a dignidade até o fim da vida.
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1Fisioterapeuta residente em Itaperuna- RJ
2Enfermeira, Especialista em Terapia Intensiva, UVA-CE; Docência do Ensino Superior, FAK-CE; Saúde da Família, UVA-CE; Qualidade e Segurança no Cuidado ao Paciente, I. Sírio Libanês-SP, Mestre em Terapia Intensiva- IBRATI-SP; Doutora em Terapia Intensiva- SOBRATI-SP.