ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICOS DA LEPTOSPIROSE NO RIO GRANDE DO SUL NO PERÍODO DE 2014 A 2024

EPIDEMIOLOGICALS ASPECTS OF LEPTOSPIROSIS IN RIO GRANDE DO SUL FROM 2014 TO 2024

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202501230738


Pedro Alexandre Leite de Almeida1; Isaac Lohan Matos Vieira2; João Pedro Garcia Moreno Ismerim Santos3; Letícia Fernanda Pacheco da Costa4; Lucas Benetti Menezes5; Luma Moraes Martins6; Maria Eduarda Ferreira da Silva7; Matheus Gordiano de Andrade8; Murilo Biernaski Pedrollo9; Nicole Campos Centurión10


Resumo

A Leptospirose é uma doença infecciosa de caráter endêmico, causada pela bactéria Leptospira interrogans, presente na urina de animais infectados. É transmitida pelo contato direto ou indireto da pele ou mucosas, principais vias de entrada do microrganismo, com água, lama ou solo contaminados. Embora amplamente disseminada, a Leptospirose apresenta um quadro clínico heterogêneo, que varia desde infecções assintomáticas até manifestações graves. Assim, sua alta prevalência no Brasil, com cerca de 3.500 casos confirmados anualmente, evidencia o impacto significativo da doença como um problema de saúde pública. Além disso, a incidência da doença é intensificada por fatores sazonais, como as chuvas e enchentes, que favorecem a dispersão da bactéria em regiões urbanas com infraestrutura sanitária inadequada. Por essa razão, os estados da região sul e sudeste são particularmente atingidos. Diante deste cenário, este estudo busca investigar a evolução epidemiológica da leptospirose no estado do Rio Grande do Sul. Trata-se de um estudo epidemiológico, realizado por meio de coleta de dados do Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS), vinculado ao DATASUS. A busca dos dados foi realizada na categoria “Lista de Morbidade CID-10”, com a seleção do diagnóstico de “Leptospirose”. As variáveis analisadas incluíram o número de casos, sexo, faixa etária, etnia, nível de escolaridade, óbitos e município de residência. A análise foi limitada aos pacientes diagnosticados com a doença no estado, abrangendo o período de 2014 a 2024. Os resultados constatam uma taxa de incidência de leptospirose no Rio Grande do Sul quatro vezes maior à média nacional, refletindo registros anuais alarmantes. Portanto, destaca a necessidade de subsidiar estratégias de controle e mitigação da Leptospirose, dado que a doença continua a ser um problema de saúde pública relevante na região.

Palavras-chave: Leptospirose. Epidemiologia. Saúde Pública.

1 INTRODUÇÃO

Caracterizada como doença infecciosa febril de início súbito, a Leptospirose é uma enfermidade endêmica causada pela bactéria Leptospira interrogans, a qual encontra-se na urina de animais infectados que agem como reservatório do microrganismo, principalmente roedores, mas também cães, bovinos, equinos, ovinos e suínos (MOURA et al., 2012). Sua transmissão ocorre pela exposição direta ou indireta do hospedeiro terminal da doença, o homem, à urina em água, lama ou solo contaminados. Assim, a bactéria penetra pelas mucosas e pela pele lesionada ou íntegra. 

Após a exposição, o período de incubação varia e pode se estender até 30 dias (BRASIL, 2014). A partir disso, a Leptospirose divide-se em Fase Leptospirêmica e Fase Imune, sendo esses os estágios precoce e tardio, respectivamente. A semelhança da sintomatologia da leptospirose com outras enfermidades febris agudas, como as “síndromes gripais”, é um dos grandes desafios da saúde pública, pois dificulta o diagnóstico correto e tarda o início do tratamento medicamentoso (TELES et al., 2023). 

Conforme Moura et al. (2012), a doença possui um quadro clínico heterogêneo, desde assintomática até, em aproximadamente 15% dos casos, a Fase Tardia, com manifestações graves e potencialmente fatais, como a Hemorragia Alveolar Difusa (HAD) (Haake & Levett, 2015) e a “Síndrome de Weil”, caracterizada por icterícia, insuficiência renal e hemorragias, principalmente pulmonar. Esses desfechos demandam atenção pública, em virtude da expressiva letalidade de até 50% em casos de HAD (Brasil, 2014), dado alarmante quando comparado a letalidade média de 9% apenas da Leptospirose.

O debate em torno da patologia ganha profundidade e importância pela sua prevalência em todo o território nacional, sendo, em média, 3500 casos confirmados por ano durante todos os meses (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2024). Contudo, o aumento da sua incidência costuma estar relacionada aos períodos chuvosos e com enchentes, tornando-se epidêmica nas regiões urbanas, especialmente em capitais e em áreas metropolitanas (BRASIL, 2014). Tal fato relaciona-se às aglomerações populacionais comuns em locais com infraestrutura sanitária precária, expostos a infestações do Rattus norvegicus, popularmente conhecido como ratos de esgoto, o principal reservatório da doença (MOURA et al., 2012).

A combinação desses fatores agravantes, característicos de regiões como o Sul e o Sudeste do Brasil, justifica a concentração dos casos da doença em questão nesses locais (BRASIL, 2024). Tal cenário torna essas áreas especialmente vulneráveis ao surgimento da Leptospirose, uma vez que a interação entre esses elementos contribui para a ocorrência de enchentes nos espaços urbanos. As inundações, por sua vez, facilitam o escoamento e a dispersão de substâncias contaminadas, promovendo a disseminação de microrganismos, como a bactéria Leptospira. Isso expõe a população a sérios riscos de saúde, principalmente quando há contato direto com essa água (GUIMARÃES et al., 2014).

Nesse contexto, a incidência brasileira de Leptospirose, estimada em 1,9 casos a cada 100 mil habitantes (BRASIL, 2014), evidencia a discrepância em relação aos números registrados no Rio Grande do Sul, o qual se destaca como um dos locais de maior prevalência da doença. Nos últimos anos, a taxa de incidência no estado foi cerca de quatro vezes superior à média nacional, alcançando 6,1 casos por 100 mil habitantes (TELES et al., 2023). Além disso, dados do DATASUS apontam que a média anual de pessoas infectadas no Rio Grande do Sul é de 477,4. Esses indicadores reafirmam a gravidade e a recorrência da Leptospirose como um problema de saúde pública relevante na região.

Ademais, desde maio de 2024, o risco de surto causado pela bactéria tem recebido atenção significativa, principalmente devido às inundações que afetaram inúmeras cidades do estado (TONUS et al., 2024). Além de desabrigar famílias e comprometer a infraestrutura local, as enchentes criam um ambiente propício para a disseminação da doença. A mistura da água acumulada com esgoto, lixo e urina de animais infectados aumenta consideravelmente o risco de contaminação, especialmente por se tratar de uma área urbana densamente povoada.

Em vista da alta incidência da enfermidade citada no estado sulista, torna-se imprescindível um maior conhecimento e debate acerca dela. Dessa forma, esta pesquisa tem como objetivo avaliar os principais aspectos epidemiológicos da Leptospirose no Rio Grande do Sul, no período de 2014 a 2024, de modo a entender sua evolução em associação a fatores como o sexo, a etnia, a faixa etária e a escolaridade da população afetada.

2 METODOLOGIA 

Trata-se de um estudo epidemiológico, transversal, retrospectivo, com abordagem quantitativa e mediado a partir de coleta de dados do Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS) vinculado ao DATASUS. Na categoria Lista de Morbidade CID-10, selecionou-se “Leptospirose” e as variáveis analisadas foram número de casos, sexo, faixa etária, etnia, nível de escolaridade, óbitos e município.  Os dados abordados foram restritos aos pacientes do estado do Rio Grande do Sul com leptospirose, dentro do período de 2014 a 2024. A organização dos dados em gráficos e tabelas foi realizada através do Google Planilhas e o referencial bibliográfico foi obtido através de pesquisas nas bases de dados Pubmed e Scielo.

Por ser um estudo epidemiológico que utiliza dados de domínio público, está dispensada a apresentação ao Comitê de Ética e Pesquisa (CEP), segundo a resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) número 466 de 12 de dezembro de 2012.

3 RESULTADOS 

No período estudado, entre 2014 e 2024, houve 4774 casos de leptospirose confirmados no Rio Grande do Sul. É importante salientar que, segundo o documento do Ministério da Saúde lançado no ano de 2024, a região Sul do Brasil tem o correspondente a 27% dos casos confirmados de Leptospirose no país, ficando atrás apenas da região Sudeste, com 31%, valores não condizentes com estudos anteriores (TONUS et al., 2024) que colocam a região Sul com a maior porcentagem de casos do país (35,3%). A leptospirose é considerada endêmica no Rio Grande do Sul devido a uma combinação de fatores ambientais, sociais e econômicos que favorecem a disseminação da Leptospira spp., agente etiológico da doença. Chuvas intensas e frequentes alagamentos, comuns no estado, criam ambientes propícios à sobrevivência da bactéria em águas estagnadas. A presença de roedores, especialmente Rattus spp., como principais reservatórios, associada a condições urbanas precárias e ao manejo inadequado de resíduos, contribui para a exposição da população e a propagação da doença.

No contexto dos casos de leptospirose no Rio Grande do Sul, os dados coletados no DATASUS mostram que, ao longo do período estudado, nenhum dos anos registrou uma incidência próxima de zero. É importante destacar que, após o pico de 706 casos em 2019, observou-se uma queda acentuada nos anos subsequentes, com 218 casos em 2020 e 189 casos em 2021 (Gráfico 1). Entretanto, a tendência mudou em 2022, quando se iniciou um aumento progressivo, culminando em um novo ápice de 550 casos em 2024. 

Gráfico 1 – Quantidade de casos confirmados de Leptospirose versus ano.

Fonte: DATASUS

A análise dos casos de leptospirose entre 2014 e 2024, destacada pela Tabela 1, mostra que municípios como Porto Alegre, Canoas e Novo Hamburgo apresentam os maiores números de casos e variações significativas ao longo dos anos. Esses municípios, localizados na região metropolitana do estado, estão associados a fatores de risco que contribuem para a transmissão da leptospirose, como alta densidade populacional, intenso processo de urbanização e a maior vulnerabilidade a enchentes em períodos de chuvas intensas.

Por outro lado, municípios como Pelotas, São Leopoldo e Gravataí, também situados na região metropolitana, apresentam números consistentemente baixos, sugerindo que características locais ou ações específicas podem estar contribuindo para a contenção da doença nesses locais. Isso reforça a necessidade de estratégias de prevenção focadas nas áreas de maior risco, visando evitar o aumento do número de casos como o observado no período crescente entre 2022 e 2023. Além disso, é importante notar que, embora 2024 tenha apresentado um leve declínio nos casos, a quantidade de pessoas acometidas com a leptospirose permanece elevada.

Tabela 1 – Número de casos nos 10 maiores municípios do estado do Rio Grande do Sul, no quesito populacional, por ano.

Fonte: DATASUS

A Tabela 2, ao apresentar os óbitos por leptospirose no Rio Grande do Sul entre 2014 e 2024, reflete a relação potencial com as enchentes, especialmente em municípios como Porto Alegre e Canoas, com os maiores números de óbitos registrados no período. Essas cidades densamente povoadas são frequentemente afetadas por enchentes, expondo a população ao contato direto com águas contaminadas pela urina de animais infectados (GUIMARÃES et al. 2014)

Isso explica os picos de óbitos em anos de chuvas mais intensas ou enchentes significativas, como 2015 (20 óbitos) e 2024 (15 óbitos), que podem estar associados às condições climáticas adversas. Porto Alegre, por exemplo, teve um número consistente de óbitos ao longo dos anos, com um aumento em 2024 (7 óbitos), possivelmente relacionado a eventos climáticos. Canoas também apresentou picos, como em 2019 (5 óbitos), reforçando essa conexão.

Por outro lado, municípios como Pelotas, São Leopoldo e Gravataí, que apresentam números mais baixos de óbitos, podem ser menos impactados por enchentes ou ter uma infraestrutura mais eficiente para lidar com as consequências desse tipo de evento.  

Tabela 2- Número de óbitos nos 10 maiores municípios do estado do Rio Grande do Sul, no quesito populacional, por ano.

Fonte: DATASUS

Gráfico 2 – Porcentagem de casos entre os 10 maiores municípios do estado do Rio Grande do Sul, no quesito populacional, dentro do período analisado(2014-2024).

Fonte: DATASUS

Durante o período analisado, foram registrados 247 óbitos atribuídos à leptospirose no estado do Rio Grande do Sul. De acordo com o Gráfico 3, o ano com o maior número de óbitos notificados foi 2024, com 42 registros, correspondendo a 17% de todas as mortes por leptospirose no período. Esse aumento coincide com um crescimento no número de casos e possíveis episódios de enchentes, que podem ter intensificado a exposição ao agente infeccioso. As características climáticas da região Sul, como chuvas frequentes e inundações, influenciam diretamente a transmissão da doença (BARCELLOS et al., 2003).

Além de 2024, outros anos com aumento expressivo nos óbitos incluem 2015, com 33 mortes (13,4%), e 2019, com 28 mortes (11,3%). Contudo, uma tendência de redução foi observada entre 2020 e 2021, acompanhando a diminuição no número de casos notificados. Esse padrão pode estar associado a mudanças nas condições climáticas ou à eficácia de intervenções de saúde pública no controle da transmissão. Entretanto, o número de óbitos não se mostrou nulo em nenhum dos anos do período analisado, assim como mostrado em estudos anteriores (TONUS et al., 2024).

Gráfico 3 – Quantidade de óbitos por Leptospirose versus ano.

Fonte: DATASUS

A análise dos casos confirmados de leptospirose no Rio Grande do Sul revelou uma predominância significativa entre pessoas brancas, totalizando 3.985 casos (83,5%). Esse dado é consistente com a composição demográfica do estado, onde 78,6% da população é branca. Pessoas pardas representaram 300 casos (6,3%), seguidas por pretos com 216 casos (4,5%). Indivíduos declarados como amarelos (17 casos, 0,4%) e indígenas (9 casos, 0,2%) apresentaram proporções significativamente menores (Gráfico 4). Além disso, 247 casos foram registrados como “Ignorado/Branco”, evidenciando lacunas na coleta de dados relacionados à raça ou etnia. 

Estudos prévios apontam para uma maior incidência da doença entre pessoas brancas em estados do Sul e Sudeste, sugerindo que fatores sociodemográficos, condições de exposição e diferenças regionais podem influenciar esse perfil epidemiológico (ARAÚJO et al., 2024). Essa disparidade destaca a importância de aprimorar a coleta de informações sobre raça e etnia, permitindo uma análise mais precisa e a implementação de estratégias de saúde pública que considerem as particularidades populacionais e sociais.

Gráfico 4 – Quantidade de indivíduos, por etnia, com Leptospirose versus ano.

Fonte: DATASUS

A distribuição dos casos de leptospirose no Rio Grande do Sul ao longo do período estudado demonstra uma prevalência significativamente maior entre indivíduos do sexo masculino, com 4.041 casos (84,6%), enquanto o sexo feminino contabilizou apenas 733 casos (15,4%) – conforme apresentado no Gráfico 5. Essa diferença é consistente ao longo de todo o período analisado, com destaque para o ano de 2019, quando foram registrados 600 casos em homens, em contraste com aproximadamente 100 casos em mulheres.

Dados do boletim epidemiológico de Porto Alegre, a capital do estado, reforçam essa tendência, indicando que dois terços dos casos notificados em 2023 ocorreram no sexo masculino (PREFEITURA DE PORTO ALEGRE, 2023). Essa disparidade pode ser atribuída, em parte, às características ocupacionais da população masculina gaúcha, que frequentemente trabalha em atividades como a pecuária. Essa profissão, associada a ambientes úmidos e à exposição a água contaminada, favorece o risco de infecção (TONUS et al., 2024).

Além dos fatores ambientais e ocupacionais, aspectos biológicos e genéticos também contribuem para a maior suscetibilidade do sexo masculino à leptospirose. Estudos sugerem que hormônios sexuais, como a testosterona, podem modular negativamente o sistema imunológico, tornando os homens mais vulneráveis a infecções (TRAMONTANO et al., 2022). Essas diferenças fisiológicas, combinadas com as condições de exposição, explicam o predomínio masculino nos casos registrados.

Gráfico 5 – Casos notificados versus ano, por sexo.

Fonte: DATASUS

A análise dos casos notificados de leptospirose no Rio Grande do Sul, organizada por faixa etária, revelou uma predominância marcante entre os indivíduos com idades entre 20 e 39 anos (34,9%) e 50 e 59 anos (38%), grupos que se destacam por compor a faixa economicamente ativa da população. Juntas, essas faixas etárias responderam por 72,9% dos casos registrados no estado, refletindo a influência significativa da exposição ocupacional e do envolvimento em atividades rurais, frequentemente associadas a ambientes de risco.

Em contrapartida, indivíduos de até 19 anos representaram apenas 8,2% dos casos notificados, sugerindo uma menor exposição a situações propícias à transmissão. A maior suscetibilidade dos adultos economicamente ativos reforça a necessidade de estratégias específicas de prevenção e proteção para esses grupos, como o uso de equipamentos de proteção individual (EPIs) e campanhas educativas voltadas, principalmente, para trabalhadores rurais.

Gráfico 6 – Quantidade de indivíduos, por faixa etária, com Leptospirose versus ano.

Fonte: DATASUS

Com base na análise do gráfico 7, observa-se a distribuição dos casos confirmados de leptospirose entre 2014 e 2024, considerando os diferentes níveis de escolaridade. O grupo classificado como “Ignorados/Branco” exibiu os maiores números ao longo do período, com um pico em 2018 e um crescimento acentuado a partir de 2020, alcançando cerca de 300 casos em 2024. Esses dados sugerem dificuldades no registro ou preenchimento correto das informações sobre escolaridade. O grupo de indivíduos com 5ª a 8ª série incompleta do Ensino Fundamental foi o segundo mais representativo (797 casos, 16,7%), apresentou variações ao longo do tempo e aumento perceptível nos anos recentes, evidenciando vulnerabilidade dessa faixa educacional.

Os casos envolvendo indivíduos analfabetos (22) ou que têm da 1ª a 4ª série incompleta do Ensino Fundamental (346) foram menores em relação aos grupos anteriormente citados, mas exibiram leve estabilidade com pequenas oscilações. Todavia, os registros de leptospirose entre pessoas com Ensino Superior incompleto (78) e completo (117) foram significativamente baixos, fator sugestivo de uma possível correlação entre maior nível educacional e menor exposição à doença  (ZANETTE et al., 2024). 

No entanto, é importante observar a categoria “não se aplica” (57 casos, correspondendo a 1,2% do total),  que compreende indivíduos cuja escolaridade formal não se enquadra nos padrões tradicionais. Este grupo abrange, entre outros, crianças em idade pré-escolar, pessoas com deficiências que impossibilitam a educação formal, ou situações em que a questão da escolaridade não é aplicável. Embora represente uma fração pequena do total, essa categoria destaca um segmento da população possivelmente vulnerável por outras razões estruturais e manteve-se relativamente constante dentro do período analisado. 

De maneira geral, observa-se um crescimento nos casos de leptospirose a partir de 2021, com a maioria dos grupos seguindo essa tendência, embora não uniformemente. Esse padrão desigual pode estar associado a fatores sociodemográficos e a condições externas, como alterações ambientais ou sociais.

Gráfico 7- Quantidade de casos confirmados, por nível de escolaridade

Fonte: DATASUS

4 DISCUSSÃO

A análise dos dados sobre a leptospirose no Rio Grande do Sul, que abrange o período de 2014 a 2024, revela uma continuidade nas tendências observadas em estudos anteriores, mas também destaca mudanças significativas. Com 4774 casos confirmados, dispersos em uma maior concentração nas cidades de o Porto Alegre, Canoas e Novo Hamburgo, a infecção permanece endêmica no estado, sustentada por uma combinação de fatores ecológicos e sociais que favorecem a presença do vetor, o Leptospira spp., entre eles, a presença de chuvas intensas e alagamentos as quais disseminam a urina contaminada de roedores,  principalmente, Rattus spp.

Os dados atuais confirmam não só que os picos de incidência nos anos 2019 (706 casos) e 2024 (550 ocorrências) são coincidentes aos períodos de maior intensidade dos aspectos ambientais favoráveis à proliferação da enfermidade, mas também que a maior concentração de casos são em áreas urbanizadas como as cidades de Porto Alegre, Canoas e Novo Hamburgo. Esses eventos não são inéditos e servem para destacar a necessidade de ações preventivas em desastres naturais. 

Em paralelo, outro dado relevante são os 247 óbitos durante o período analisado, com destaque para o ano de 2024, que acumulou 42 fatalidades (cerca de 17%), o maior número registrado. Esses óbitos ocorreram, principalmente, em Porto Alegre e Canoas, cidades severamente impactadas pelas enchentes devido ao alto grau de urbanização e à elevada densidade populacional, correspondendo a 34,6% e 11,9% das mortes, respectivamente.A rápida intervenção com focos tanto no combate à doença quanto na prevenção são cruciais para a preservação das vidas humanas, principalmente, devido às características climáticas da região Sul, como a frequência de chuvas intensas e inundações, as quais exercem influência direta na transmissão da doença(BARCELLOS et al., 2003). 

Além disso, as informações mais recentes indicam uma maior incidência dos casos em indivíduos do sexo masculino (84,6%). Essa disparidade pode ser atribuída não só aos aspectos profissionais da população masculina, principalmente, às atividades agropecuárias, onde o contato com ambientes úmidos e à exposição a água contaminada com urina de animais infectados pela Leptospira, favorece o risco de infecção (TONUS et al., 2024). Ademais, aspectos biológicos também contribuem para a maior suscetibilidade do sexo masculino, visto que hormônios sexuais, como a testosterona, podem modular negativamente o sistema imunológico, tornando os homens mais vulneráveis a infecções (TRAMONTANO et al., 2022). Essas distinções fisiológicas, aliadas às condições de exposição, justificam a discrepância dos números de casos entre os sexos. 

Outra questão pertinente é a relação entre a incidência e a idade dos acometidos, revelando uma predominância dos indivíduos que compõem a população economicamente ativa (PEA), os quais são retratados pelas idades entre 20 e 39 anos (34,9%) e 50 e 59 anos (38%). Os ambientes úmidos dessas atividades laborais são favoráveis para a disseminação da urina contaminada com Lepstoria spp., refletindo, assim, a necessidade de estratégias com o objetivo de prevenir a enfermidade, entre elas, o uso de equipamentos de proteção individual (EPIs) e campanhas educativas voltadas para trabalhadores rurais. 

A etnia também é um fator importante, sendo a maioria dos afetados pessoas brancas (83,5%), dado que está alinhado com as características demográficas da região, a qual é formada por 78,6% de brancos. No entanto, existem lacunas com relação a coleta dos dados, uma vez que 247 casos foram classificados como “Ignorado/Branco”, indicando desafios não só para a análise mais precisa sobre o assunto com o intuito de identificar os grupos de riscos com maior exatidão, como também a inserção de políticas públicas que atendam de maneira eficiente a real necessidade da população específica. 

Outrossim, a escolaridade estabelece uma intrínseca relação com o número de casos confirmados. Indivíduos com maior nível de ensino (Ensino Médio completo, Ensino Superior incompleto e completo) foram os menos afetados, com ocorrências significativamente reduzidas em 2024, sugerindo maior adesão a atitudes em prol da profilaxia. Por outro lado, o grupo menos escolarizado (Ignorados/Branco) liderou os casos, totalizando cerca de 300 casos em 2024. 

Portanto, com base nos dados coletados, infere-se que a leptospirose apresentou crescimento a partir de 2020, especialmente em áreas urbanizadas, afetando, em sua maioria, homens brancos, de baixa escolaridade e integrantes da PEA. Assim, as ações de combate e prevenção devem priorizar esse grupo.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Entre os casos de leptospirose no Rio Grande do Sul, analisados de 2014 a 2024, observou-se que a doença permanece endêmica na região, com forte ligação a fatores ambientais, sociais e econômicos. Chuvas intensas e alagamentos, comuns no estado, favorecem a disseminação da bactéria Leptospira interrogans, transmitida principalmente pela urina de roedores, como o Rattus norvegicus. As cidades da região metropolitana, como Porto Alegre, Canoas e Novo Hamburgo, destacam-se como as mais afetadas, devido à alta densidade populacional e à maior vulnerabilidade a enchentes.

Os dados apontam picos de casos, com o ano de 2019 representando o maior número (706 casos), seguido por uma queda nos anos subsequentes. Contudo, em 2022 e 2024, houve novos aumentos, coincidindo com períodos de chuvas intensas. No total, foram registrados 247 óbitos, com destaque para 42 apenas em 2024, representando 17% do total de fatalidades. As mortes concentraram-se, principalmente, em Porto Alegre e Canoas, cidades mais afetadas pelas enchentes recorrentes. 

Ademais, o agravo foi mais prevalente entre homens (84,6%) e a maior incidência nas faixas etárias de 20 a 39 anos e 50 a 59 anos, grupos associados a atividades profissionais em áreas de risco, reforçando a necessidade de um foco maior nessa população. A análise também concluiu que pessoas com Ensino Fundamental incompleto apresentaram maior número de casos, evidenciando a relação entre baixo escolaridade, vulnerabilidade e limitado acesso à informação.

Diante disso, este estudo aborda e reforça a necessidade de estratégias de prevenção e educação voltadas para áreas urbanas de maior risco, especialmente durante eventos climáticos extremos. Além disso, é essencial a melhoria da infraestrutura e adoção de ações eficazes de saúde pública, com o objetivo de reduzir a incidência e a mortalidade pela leptospirose no Rio Grande do Sul.

REFERÊNCIAS

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1Discente do Curso Superior de Medicina da Universidade Tiradentes Campus Farolândia e-mail: pedroalexandre1604@gmail.com .ORCID: https://orcid.org/0009-0001-3025-5077

2Discente do Curso Superior de Medicina da Universidade Tiradentes Campus Farolândia e-mail: isaac_lohan@hotmail.com .ORCID: https://orcid.org/0009-0006-9603-6922

3Discente do Curso Superior de Medicina da Universidade Tiradentes Campus Farolândia e-mail: joao.garcia@soufits.com.br

4Discente do Curso Superior de Medicina da Universidade Tiradentes Campus Farolândia e-mail: leticia.pacheco@souunit.com.br . ORCID: https://orcid.org/0009-0006-1600-3515

5Discente do Curso Superior de Medicina da Universidade Tiradentes Campus Farolândia e-mail: lucasbenettimenezes@yahoo.com.br .ORCID: https://orcid.org/0009-0007-0165-5489

6Discente do Curso Superior de Medicina da Universidade Tiradentes Campus Farolândia e-mail: lumammartins@gmail.com .ORCID: https://orcid.org/0009-0008-7192-504X

7Discente do Curso Superior de Medicina da Universidade Tiradentes Campus Farolândia e-mail: maria.eferreira03@souunit.com.br . ORCID: https://orcid.org/0009-0002-7403-7829

8Discente do Curso Superior de Medicina da Universidade Tiradentes Campus Farolândia e-mail: matheus.gordiano@souuunit.com.br

9Discente do Curso Superior de Medicina da Universidade Tiradentes Campus Farolândia e-mail: murilo.biernaski@souunit.com.br . ORCID: https://orcid.org/0009-0003-5310-8138

10Discente do Curso Superior de Medicina da Universidade Tiradentes Campus Farolândia e-mail: nicole.campos@souunit.com.br . ORCID: https://orcid.org/0009-0001-8367-1170