AS IMPLICAÇÕES DO DIREITO DA PARTURIENTE E AS PRÁTICAS DE VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA

THE IMPLICATIONS OF PARTURIENT RIGHTS AND PRACTICES OF OBSTETRIC VIOLENCE

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10002361


Bianca Arantes Alves1
Luana Cristina Cordeiro Oliveira2
Sebastião Donizete da Silva Junior3


RESUMO

O presente artigo tem por finalidade abordar as implicações em desfavor dos direitos da parturiente e as práticas de violência obstétrica no âmbito da saúde pública no Brasil. A conduta médica obstétrica está sendo alvo de inúmeras denúncias nos últimos anos, principalmente pelo descaso público, que requer um atendimento mais humano e direcionado ao atendimento eficiente na gestação, durante e após o parto. Logo, é necessário encontrar soluções para essa problemática, com estudos focais e que minimizem os impactos que o mau atendimento está gerando nesse público. Sendo assim, o estudo foi desenvolvido com base bibliográfica, com uma abordagem dinâmica e de forma sucinta, abrangendo esse tipo de violência nos aspectos relacionados aos direitos humanos e na dignidade da pessoa humana. No cerne do estudo o enfoque foi cognitivo, com base nas experiências e evidências científicas, com base teórica, assentada em saberes jurídicos e sociológicos do direito humano. Possui natureza aplicada, edificando atividades práticas em prol da dignidade humana. Em suma, é importante discorrer sobre as leis e doutrinas brasileiras que se destinam a proteger e resguardar esse momento na vida de muitas mulheres, buscando evidenciar de forma mais profunda os atos da violência obstétrica, seus determinados tipos e a responsabilização da gravidade das violações cometidas pelos profissionais de saúde.

Palavras-chave: Direitos da Parturiente. Parturiente. Proteção à Gestante. Saúde Pública. Violência obstétrica.

ABSTRACT

The purpose of this article is to address the implications to the detriment of the parturient’s rights and the practices of obstetric violence in the context of public health in Brazil. The obstetric medical conduct has been the target of numerous complaints in recent years, mainly due to public neglect, which requires a more humane care and directed to efficient care during pregnancy, during and after childbirth. Therefore, it is necessary to find solutions to this problem, with focused studies that minimize the impacts that poor service is generating in this public. Therefore, the study was developed based on the literature, with a dynamic and succinct approach, covering this type of violence in aspects related to human rights and the dignity of the human person. At the heart of the study, the focus was cognitive, based on experiences and scientific evidence, with a theoretical basis, based on legal and sociological knowledge of human rights. It has an applied nature, building practical activities in favor of human dignity. In short, it is important to discuss the Brazilian laws and doctrines that are intended to protect and safeguard this moment in the lives of many women, seeking to show in a deeper way the acts of obstetric violence, its specific types and the responsibility for the seriousness of the violations committed by health professionals.

Keywords: Rights of the Parturient. Parturient. Maternity Protection. Public health. Obstetric violence.

INTRODUÇÃO

É notória a situação de vulnerabilidade em que as mulheres se encontram com relação ao ambiente hospitalar no pré-parto, parto e pós-parto. Por certo, os atendimentos prestados por profissionais de saúde deveriam garantir uma rede de apoio e segurança. No entanto, essa experiência tem se mostrado um evento traumático em decorrência de vários fatores que configuram violência obstétrica.

A partir de diversos relatos de pacientes acerca da violência obstétrica colhidos por meio de redes sociais ou mídias, é possível verificar a importância da abordagem deste tema. Deste modo, surge a seguinte pauta de alta relevância: Qual a eficiência dos direitos da parturiente perante o sistema de saúde pública no Brasil?

Nesse contexto, é possível identificar a gravidade da violência cometida contra a parturiente no momento em que se mostram imprescindíveis cuidados profissionais, ocasião em que a parturiente se encontra em estado de fragilidade e exposição. É possível identificar diversos tipos da violência como, por exemplo: violência moral, sexual, física e psicológica. Assim, pode-se constatar a falta de eficiência na vistoria e acesso sobre os incontáveis casos das gravíssimas violências causadas na área obstétrica dos hospitais públicos.

Ainda é possível salientar a dificuldade da parturiente em conseguir atendimento público, caso em que as pacientes grávidas comparecem nos hospitais para atendimento de consulta ou parto, todavia sendo encaminhada de volta à sua residência, seja por falta vagas ou de médicos obstetras que a situação requer.

Houve          um      agravamento da       situação         a          partir   da       pandemia advinda         da COVID-19.           Os       recursos        na       área    da       saúde ficaram           mais escassos, consequentemente,    dificultando   o atendimento e a total eficiência das consultas (AMARO, 2020).

Por fim, denota-se ser fundamental a análise sobre a eficácia da aplicação da lei da parturiente e dos direitos humanos quanto ao aspecto das várias ocorrências de práticas de violências obstétricas contra as pacientes grávidas no ente da saúde pública.

2 A DEFINIÇÃO JURÍDICA E AS ESPÉCIES DE VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA

A violência obstétrica é compreendida como a prática de condutas técnicas que violam, desrespeitosamente e agressivamente, a mulher no período de gestação, parto, pós-parto e puerpério. De maneira que, é considerada tanto a violência física como a psicológica.

A Organização Mundial da Saúde (OMS, 2014), se refere a estas condutas que violam não somente a integridade física, mas também a integridade psíquica, o que ocasiona graves transtornos no decorrer da vida das mulheres acometidas por esse tipo de violação. Pode-se observar que as parturientes vem sofrendo na sua intimidade os mais diversos tipos de crimes, que ao longo do tempo vem se repercutindo nas mais diversas formas, impondo diferentes graus de dor e sofrimento contra a mulher.

No Brasil, não há lei em sentido formal que defina, exatamente, o que se compreenda por violência obstétrica. Entretanto, foram criadas normativas e portarias que versam sobre algumas práticas específicas nesse ciclo gravídico puerperal, tal como em 2011, sancionada a Rede Cegonha, sendo ofertada pelo Ministério da Saúde, cuja finalidade é prestar um atendimento de parto humanizado.

Esse programa assistencial implantado no Sistema Único de Saúde (SUS), visa o planejamento familiar dividido em quatro etapas desde o pré-natal, parto e nascimento, puerpério e atenção integral à saúde da criança até o sistema logístico. Assim, proporcionar à mãe e o bebê o atendimento adequado para garantir o acolhimento, à integridade da saúde física e psicológica até os dois primeiros anos de vida da criança.

No entanto, na prática segundo Minayo & Gualhano (2023, apud Leal et al. 2021),

Houve mudança significativa na atenção ao trabalho de parto e ao parto, incluindo-se a presença dos companheiros das mulheres nesses momentos. Verificou-se redução de iniquidades territoriais, etárias, de nível de instrução e raciais no acesso às tecnologias apropriadas. Os Estados que mais avançaram nessa estratégia com resultados promissores foram os do Nordeste e do Norte. A população mais pobre e as mulheres negras foram muito mais incluídas. Portanto, concluímos que a Rede Cegonha tem promovido maior equidade de gênero, social e regional na atenção ao parto no Brasil. Mesmo frente a muitos problemas a serem ainda enfrentados, essa é uma política pública com efeitos práticos e duradouros para a sociedade.

O Projeto de Lei n° 8.219/17, apresentado pelo deputado Francisco Floriano, esmiúça sobre as práticas gravosas na área obstétrica, trazendo nove incisos contidos no artigo 3º:

  1. – negar atendimento à mulher ou impor dificuldades ao atendimento em postos de saúde onde são realizados o acompanhamento pré-natal;
  2. – proferir comentários constrangedores à mulher, por sua cor, raça, etnia, idade, escolaridade, religião ou crença, condição socioeconômica, estado civil ou situação conjugal, orientação sexual, número de filhos, etc;
  3. – ofender, humilhar, xingar, insultar ou debochar da mulher ou sua família;
  4. – negligenciar o atendimento de qualidade;
  5. – impedir a presença de um acompanhante de sua escolha durante todo o período de duração do trabalho de parto, parto e pós parto;
  6. – submeter à cesariana sem indicação clínica e sem consentimento da mulher;
  7. – impedir ou retardar o contato do bebê com a mulher logo após o parto, impedir o alojamento conjunto mãe e bebê, levando o recém-nascido para berçários sem nenhuma necessidade médica, apenas por conveniência da instituição;
  8. – impedir ou dificultar o aleitamento materno (impedindo a amamentação na primeira hora de vida, afastando o recém nascido de sua mãe, deixando-o em berçários onde são introduzidas mamadeiras e chupetas etc.).
  9. – Realizar procedimento cirúrgico sem o conhecimento e consentimento da mulher.

    Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa (BRASIL, 2017).

O profissional de saúde da área obstétrica Dr Hemmerson Magioni, criador do Instituto Nascer, aduz que a conceituação de “violência obstétrica” ainda passa por uma fase de elaboração. Nesses termos, essas práticas de violências se dão pela falta de respeito dos profissionais da saúde nos cuidados médicos do nascimento do bebê, até condutas praticadas sem nenhuma comprovação científica (apud, Deus, 2019).

Esses atos de violência contra as parturientes possuem determinadas espécies. A Organização Mundial da Saúde (OMS) traz alguns apontamentos destes tipos de violência e maus tratos que podem ocorrer durante o parto, apontamentos estes, feitos por meio de um levantamento obtido em análise de 34 países, sendo eles:

  1. Abuso físico (bater ou beliscar, por exemplo);
  2. Abuso sexual;
  3. Abuso verbal (linguagem rude ou dura);
  4. Discriminação com base em idade, etnia, classe social ou condições médicas;
  5. Não cumprimento dos padrões profissionais de cuidado (por exemplo, negligência durante o parto);
  6. Mau relacionamento entre a gestante e a equipe (falta de comunicação, falta de cuidado e retirada da autonomia); e
  7. Más condições do sistema de saúde (falta de recursos).

Existem ainda, muitos procedimentos obstétricos que são atos de violência contra a parturiente, tendo como exemplo a lavagem intestinal, a utilização de fármacos para estimular o parto e o rompimento artificial da bolsa gestacional. Essas práticas muitas das vezes ocorrem corriqueiramente nos âmbitos hospitalares e costumam ser praticadas sem o consentimento da gestante, ou ainda, sobre a pressão do profissional da saúde.

Tais manobras são conhecidas como intervenções de aceleração do parto, onde desrespeitam a fisiologia corporal da mulher grávida e acarretam complicações e mais dores na hora da parturição. Além de aumentar os níveis de riscos desnecessários de sequelas, de morte da própria paciente como do bebê.

Entre os métodos procedimentais mais gravosos e a inexistência de autorização formal da gestante, há também a episiotomia, é um método muito utilizado até hoje e de acordo com Nunes et al (2019) se dá na realização de um procedimento cirúrgico onde se aplica uma incisão com tesoura ou bisturi no períneo da mulher para aumentar o tamanho do canal vaginal a fim de facilitar o procedimento do nascimento da criança. Nesse contexto, pode afetar estruturas como músculos, vasos sanguíneos e nervos, até mesmo risco de morte.

Nestes casos, de rigor pontuar que tal conduta pode configurar crime, conforme precedentes na jurisprudência brasileira:

APELAÇÃO CRIMINAL. HOMICÍDIO CULPOSO. PARTO NORMAL COM EPISIOTOMIA. ART. 121, § 3º, DO CP. INCIDÊNCIA DA MAJORANTE DO § 4º DO MESMO DISPOSITIVO LEGAL. (INOBSERVÂNCIA DE REGRA TÉCNICA      DE      PROFISSÃO).      PENA      QUE      NÃO      MERECE REDIMENSIONAMENTO. Demonstrado que o réu agiu com negligência, imprudência e imperícia, e que dita conduta levou a paciente a óbito, pois, após o parto com episiotomia, deixou de realizar procedimento de revisão do reto, o que propiciou a comunicação do conteúdo fecal com o canal vaginal, culminando com infecção generalizada, que evoluiu com a morte da vítima, mostra-se correta a sua condenação pela prática do delito de homicídio culposo. Aplicabilidade da causa de aumento de pena prevista no § 4º do art. 121 do CP, por inobservância de regra técnica de profissão. Pena definitiva de dois anos de detenção, substituída por duas restritivas de direito, consistentes na prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária, que se mostra adequada ao caso, não ensejando redimensionamento. APELAÇÃO DESPROVIDA (Apelação Crime Nº 70053392767, Segunda Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Lizete Andreis Sebben, Julgado em 14/11/2013).

Outro principal método utilizado de forma recorrente no momento do parto é a manobra de Kristeller, que para Fonseca (et al 2021), consiste em uma manobra de aceleração do parto, onde é feita por meio de compressão da barriga da paciente, ao passo que uma pessoa fica empurrando a barriga ou suba nesta, na hora do nascimento do bebê. É um método desenvolvido sem nenhum embasamento científico e de acordo com a OMS essa é uma manobra ineficaz e prejudicial, estudos confirmam que sua prática gera graves complicações e está envolvida em diversos traumas maternos-fetais.

Neste sentido, é perceptível a facilidade na violação dos direitos da parturiente e de direitos humanos nos processos antes do parto, no parto, pós-parto e puerpério. Embora a atuação dos profissionais na assistência à gestante deve obedecer os procedimentos e normas estabelecidos em leis, é notório que existem nesses casos desvios de conduta ética e profissional que acaba por infringir e fragilizar o sistema de saúde da mulher.

3 A EFICÁCIA DO DIREITO NA PRÁTICA ABUSIVA CONTRA A PARTURIENTE

É indiscutível a necessidade de fiscalização quanto ao cumprimento das leis, para dar efetividade aos direitos fundamentais da pessoa humana. Cuida-se de função fulcral para uma plena eficácia das normas. Há princípios fundamentais e outras normas que podem regular o procedimento da área da saúde, sobretudo para dar importância à área obstétrica, para uma prevenção contra práticas abusivas de maus tratos e desrespeitos.

No SUS, afere-se que a violência obstétrica tem início a nível institucional, senão vejamos:

Como violência institucional a literatura aponta: falta de acesso das mulheres pobres a serviços essenciais e a peregrinação das mulheres em diferentes maternidades para receber atendimentos. Quando se consegue a garantia do atendimento na unidade de saúde, as mulheres podem se deparar com a ausência de estrutura adequada, recursos físicos e humanos precários, sendo vítimas dos processos institucionais, que muitas vezes não conseguem lhes garantir a presença de um anestesista no plantão para realização de analgesias de parto, a proibição de acompanhantes no parto, embora este seja um direito garantido pela lei 11.108 de 2005 (REVISTA DOR, 2016).

Nesse viés, uma lei importante para garantia do bem-estar e supervisão da paciente grávida é a Lei do Acompanhante, n° 11.108/05, que vem modificar a Lei no 8.080/90, para assegurar às gestantes, além dos direitos fundamentais, o direito à presença de acompanhante durante sua permanência de internação nas unidades de saúde assegurada no SUS (BRASIL, 2005).

No tocante ao Art. 1º, da Lei 8.080/90, que aborda as diretrizes do Sistema Único de Saúde brasileiro, em seu Capítulo VII passa a garantir o direito da parturiente a presença de acompanhante no período de internação para o trabalho de parto e pós-parto além dos arts. 19-J e 19-L. No que se refere ao art. 19-J, esse foi incluso em capítulo específico pela Lei do Acompanhante n. 11.108/05, nos moldes a seguir:

Art. 19-J. Os serviços de saúde do Sistema Único de Saúde – SUS, da rede própria ou conveniada, ficam obrigados a permitir a presença, junto à parturiente, de 1 (um) acompanhante durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato. (Incluído pela Lei nº 11.108, de 2005)

§ 1o O acompanhante de que trata o caput deste artigo será indicado pela parturiente. (Incluído pela Lei nº 11.108, de 2005)

§ 2o As ações destinadas a viabilizar o pleno exercício dos direitos de que trata este artigo constarão do regulamento da lei, a ser elaborado pelo órgão competente do Poder Executivo. (Incluído pela Lei nº 11.108, de 2005)

§ 3o Ficam os hospitais de todo o País obrigados a manter, em local visível de suas dependências, aviso informando sobre o direito estabelecido no caput deste artigo. (Incluído pela Lei nº 12.895, de 2013) (BRASIL, 1990).

Com isto há uma precaução no que consiste à proteção e cuidado com a parturiente, ao passo que o parágrafo 3º versa uma obrigatoriedade ao cumprimento desse direito. Ainda um pouco distante da plena efetividade sobre os direitos da parturiente, diante de cerca omissão estatal, afere-se que além de algumas leis esparsas como a do acompanhante, encontram-se outras projeções de lei que asseguram e resguardam a proteção e segurança das mulheres e do neonato.

Prata, et al (2022) afirma que:

São inúmeros os benefícios que o acompanhante exerce no processo parturitivo, a presença de alguém em que a mulher tem confiança e intimidade demonstra motivação, apoio emocional, compressão, tranquilidade, segurança no protagonismo da mulher, relaxamento, e tem ligação direta com a diminuição da duração do trabalho de parto, de intervenções desnecessárias e perpetração de violências obstétricas.

O Projeto de Lei n° 7.633 de 2014, de autoria do então Deputado Jean Wyllys, é o exemplo de uma das legislações específicas sobre tema, discorre sobre o procedimento de humanização assistencial à mulher gestante e ao neonatal, este projeto é composto por 4 (quatro) titulações, que abrange entre elas a erradicação de violência obstétrica (BRASIL, 2014).

Ainda que não plenamente positivados os direitos consolidados das parturientes, seja pela lei específica que garante o direito ao acompanhante, os direitos civis, penais, como também, a garantia dos direitos fundamentais e dos direitos humanos.

No entanto, não basta apenas reconhecer esses direitos, é preciso identificar os tipos de violência que estão sendo praticadas pelos profissionais responsáveis pela assistência à parturiente, mas, também, reconhecer quais desses direitos fundamentais estão sendo violados para que sejam tomadas as providências que o caso exigir.

Venturini & Godinho (2013), destacam que a pesquisa publicada pela Fundação Perseu Abramo SESC de 2013, sobre Mulheres Brasileiras e Gênero nos Espaços Público e Privado, trouxe a luz do problema vivenciado por essas mulheres diversas queixas dos atendimentos e procedimentos invasivos durante o ciclo gravídico puerperal, sem os devidos esclarecimentos e permissões das pacientes submetidas a essas situações. As queixas vão desde a falta de medicamentos, comportamento inadequado da equipe médica, até os mais variados tipos de violência obstétrica.

No que se refere a algum tipo de agressão durante a gestação, a pesquisa indicou que 25% das mulheres questionadas responderam que já sofreram algum tipo de agressão no período da gestação ou no parto. Esses dados revelam ainda que em decorrência do acesso a essas informações, outras mulheres também afirmam que passaram por essas mesmas situações no período do parto.

4. A RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL, PENAL E ADMINISTRATIVA ADVINDA DA VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA

Neste cenário, os atos da violência obstétrica recaem em responsabilização seja do profissional, seja do hospital ou do ente público responsável, punições estas previstas no Código Civil e Código Penal Brasileiro.

A proteção à dignidade humana constitui direito fundamental para a gestante. Logo, no âmbito civil a responsabilidade civil poderá vir a ser classificada como responsabilidade civil objetiva ou subjetiva, a depender da conduta do profissional, ente ou hospital público, e ainda do nexo causal e do dano. Esta responsabilidade recai sobre os profissionais que praticarem ou derem causa ao dano a outrem, ou seja, gerando direito à indenização pelos danos sofridos.

Para que haja responsabilidade penal, a ação praticada pelo agente pode ser dolosa ou culposa. Podemos enquadrar os atos dessa violência em vários tipos penais, que são eles: crime de injúria que está previsto no artigo 140 CP, crime de maus-tratos (art. 136 CP), crime de ameaça (art. 147 CP), constrangimento ilegal (art. 146 CP) e lesão corporal (art.129 CP).

O crime de maus-tratos está elencado no art. 136 do CP. A conduta é expor perigo a vida ou saúde alguém, através de tratamentos desumanos, humilhantes, com privação de cuidados indispensáveis ou a privação de alimentos. O crime de ameaça descrito no art. 147 do CP, são proferidas pela equipe médica contra as parturientes, com palavras ameaçadoras, gestos, ou qualquer outro meio simbólico.

Por conseguinte, o crime de constrangimento ilegal previsto no art. 146 do CP, a conduta é constranger alguém, com tratamentos desumanos, como, por exemplo, realizar procedimentos de parto com a porta aberta, toques excessivos na parturiente podem ser caracterizados como constrangimento ilegal. O crime de lesão corporal supracitado no art. 129 do CP, por consequência, pode ser praticado de diversas maneiras, tal como a manobra de kristeller, utilizada para acelerar o parto, que podem ocasionar lesões graves para a paciente.

Desse modo, pode-se salientar a responsabilização penal perante aos infratores, que infringem o direito à integridade e moral das parturientes, diante que, somente pode ser aplicada responsabilidade penal para todas as pessoas física que tenham agido com dolo ou culpa, ou seja, negligência, imprudência ou imperícia.

A responsabilidade penal não é aplicada para instituições hospitalares, mas somente para os profissionais da saúde que praticam a violência obstétrica, onde deveria ser um ambiente agradável e tranquilo, pode-se tornar um lugar de muita dor e sofrimento.

De acordo com Silva e Souza (2022, apud Gagliano et al. 2015), no que se refere aos profissionais que não são fixados no âmbito hospitalar, e que utilizam o ambiente para atividades separadas, procede que existe uma ligação entre o médico e a entidade hospitalar, visto que existe uma responsabilidade objetiva da entidade, podendo assim os hospitais mover uma ação diretamente contra o profissional da área médica.

Ressalta-se que a relevância do conjunto de políticas públicas devem priorizar o direito integral à saúde da mulher, resguardar a dignidade humana, bem como, acesso a todos os procedimentos hospitalares normatizados na rede pública de saúde.

4.1 A responsabilização dos profissionais da saúde mediante o Código de Ética Médica

As ações médicas deverão ser exercidas com autonomia, observando e respeitando os princípios éticos e morais, quando ocorre caso de erro médico, tem que ser comprovado com base na responsabilidade civil para que assim, os infratores possam ser punidos e resguardado os direitos ao ressarcimento nas devidas proporções em caso de erro.

Desse modo, os profissionais da saúde devem respeitar os valores éticos e a decisão das pacientes com base nos princípios, assim, na maioria das vezes o atendimento e/ou todo processo do parto, faz com que a experiência seja desumano ou degradante para as parturientes, sendo necessário os profissionais da saúde adequar-se a individualidade e limitações das pacientes.

No tocante, o dever do comprometimento ético da área médica e também dos profissionais de enfermagem que possuem as mesmas responsabilidades objetiva e subjetiva dos seus atos praticados, fazendo-se necessário a prova de culpa, conforme os artigos que diz respeito aos direitos e deveres do paciente, conforme os arts. 23, 24, 25, 27 e 28 do Código de Ética Médica.

Por certo, é possível que os profissionais da saúde venham a sofrer sanções pelos atos praticados, os quais serão aplicados de acordo com a proporcionalidade ao caso concreto, podendo acarretar uma advertência, suspensão ou até mesmo cassação do exercício de profissão.

No mesmo sentido, corresponde-se que o direito e suas normas éticas necessitam ser melhores desenvolvidas nesse aspecto, os direitos destinados à parturiente ainda são insuficientes para garantir o mínimo de dignidade das mulheres em situação de parto, mesmo existindo várias formas de buscar penalidades no tocante às diretrizes das garantias desse público, continuem sem o efeito esperado, significa que não estão aplicando da maneira correta as leis existentes, ou que necessita haver leis específicas que possam cumprir os efeitos esperados.

Portanto, conforme o entendimento doutrinário de Moraes (2017), perante o princípio da dignidade da pessoa humana, os valores espiritual e moral são garantidos na vida das pessoas, de modo que os direitos e garantias fundamentais devem ser efetivos.

Deste modo, é possível verificar que a violência obstétrica fere o princípio da dignidade da pessoa humana, sendo que, as gestantes são motivo de alvo de humilhação, tratamentos desumanos, situações degradantes em alguns momentos durante o parto.

Logo, de rigor sejam estabelecidos e firmados um conjunto de procedimentos, leis específicas, métodos fiscalizatórios, divulgação de orientações e informações sobre as práticas obstétricas e direitos da parturiente, de modo a garantir o bem-estar às mulheres gestantes, viabilizando um parto humanizado.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo em vista os aspectos observados, é possível verificar que a definição “violência obstétrica” possui variados conceitos, pelos quais não há um consenso definido em termos legais para que possa ser amplamente utilizado nas devidas situações enquadradas.

Embora esse tipo de violência só tenha tomado maior enfoque recentemente, a partir de relatos de mulheres por meio da mídia e redes sociais, é perceptível que um dos principais fatores consiste na falta de políticas públicas e de base legislativa.

A visibilidade sobre o tema ainda é mínima, sendo necessário que as vítimas e os próprios profissionais da área da saúde reconheçam a prática como violações aos direitos da mulher gestante. Estas práticas de violência contra a parturiente são corriqueiras na área obstetrícia, de modo que é de extrema importância a implementação de políticas públicas de conscientização e divulgação dos direitos da gestante e parturiente.

Nesse viés, é preciso criar leis específicas, intensificar a fiscalização dos procedimentos e normas, implementar efetivo cumprimento ao código de ética profissional, promover campanhas de informações e orientações, acesso facilitado para acompanhante, garantir atendimento específico pelos profissionais dos CRAS, viabilizar condições adequadas no sistema de saúde pública de forma a garantir o bem estar às mulheres parturientes, para finalmente alcançar um parto humanizado.

Para isso, é imprescindível a atuação por parte dos direitos humanos, Defensoria Pública, Ministério Público e demais outras entidades e órgãos do Poder Público com o fim de implementar os direitos à parturiente, garantindo-lhe acesso a um serviço de qualidade, por meio de estrutura física hospitalar condizente, atendimentos humanizados, profissionais capacitados e assim sucessivamente.

Por fim, ressalta-se a importância de dar publicidade a esta problemática e, sobretudo, para divulgar os direitos conferidos às gestantes e parturientes acerca dos tipos de violência existentes, conscientizando-lhes sobre as condutas a serem tomadas em caso de constatação de flagrante violência, que deve ser prontamente reprimida pela sociedade e pelo Poder Público.

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1 Faculdade Católica Dom Orione (FACDO)
E-mail: biancaarantesalves@catolicaorione.edu.br ORCID:https://orcid.org/0009-0001-6416-5993

2 Faculdade Católica Dom Orione (FACDO)
E-mail: luanacristinaoliveira@catolicaorione.edu.br ORCID:https://orcid.org/0009-0006-7810-3052

3 Faculdade Católica Dom Orione (FACDO)
E-mail: sebastiaojunior@catolicaorione.edu.br
ORCID:https://orcid.org/0000-0001-9830-6822