REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202410202201
Jaqueline Pagung1
RESUMO
O presente trabalho buscou, por meio de uma revisão bibliográfica que possibilitou a análise da base legislativa que jurisdiciona os contratos bancários no Brasil, invocar as incoerências geradas por taxas abusivas e cláusulas leoninas em operações de ordem bancária. No Brasil, as definições quanto à abusividade de cláusulas em contratos são determinadas pelo Código Civil e pelo Código de Defesa do Consumidor, perante os quais operam órgãos como o BCB, a Delegacia do Consumidor e o PROCON para a garantia do princípio da boa-fé. Foi concluído que a imposição de uma série de parâmetros contratuais inacessíveis ao tomador de crédito pelas instituições de caráter financeiro geram iniquidades e desigualdades no tratamento incompatíveis com a ordem econômica. A pesquisa pôde, assim, oferecer medidas preventivas e protetivas ao consumidor confrontado com contratos bancários, auxiliando na divulgação de práticas econômicas seguras e evitando a superlotação do Judiciário com processos ocasionados por cláusulas leoninas e taxas abusivas.
Palavras-chave: Direito. Contratos bancários. Taxas abusivas. Cláusulas leoninas.
ABSTRACT
This study aimed to analyze, through a bibliographic review, the legislative framework ruling banking contracts in Brazil, highlighting the inconsistencies stemming from abusive fees and onerous clauses in banking operations. In Brazil, the definitions of abusive clauses in contracts are determined by the Civil Code and the Consumer Defense Code, under which agencies such as the Central Bank of Brazil (BCB), the Delegacia do Consumidor and PROCON operate to uphold the principle of good faith. It was concluded that the imposition of a series of contractual parameters inaccessible to borrowers by financial institutions generates inequities and disparities in treatment that are incompatible with the economic order. The research might provide preventive and protective precautions to consumers confronted with banking contracts, this way assisting at the divulgation of secure economic practices and avoiding the overcrowding of the Judiciary with processes entailed by leonine clauses and abusive fees.
Key-words: Law. Bank contracts. Abusive fees. Abusive clauses.
INTRODUÇÃO
A promulgação do conjunto de leis que hoje compõem o Código de Defesa do Consumidor, também chamado de CDC, implementou uma etapa na proteção de direitos constitucionais enquanto instrumentos da Ordem Econômica. Mais especificamente, o CDC “estabelece uma parceria de ajuda na garantia da proteção e defesa da vulnerabilidade do consumidor” (GONÇALVES, 2012, p. 35), reafirmando o Art. 170 da Constituição Federal, que fundamenta uma ordem econômica “fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa” e que “tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social” (BRASIL, 1988).
Para além de regular a atividade econômica do país e proteger as relações de consumo, o CDC funciona enquanto difusor das particularidades e exigências do sistema econômico brasileiro à população, que é perpassada pelo modelo de economia vigente. Como afirma o Art. 4° da Lei n° 8.078, de 1990, é objetivo da Política Nacional das Relações de Consumo “o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos”, assim como a regulação de relações de consumo transparentes e harmoniosas.
Todavia, ainda que o Código supracitado forneça bases para a operação legal e democrática da Ordem Econômica em vista das relações entre consumidor e fornecedor, uma série de contradições e ilegalidades apontam para a vulnerabilidade da “pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza bens ou serviços como destinatário final” (BRASIL, 1990, Art. 2°). A subsistência de cláusulas abusivas, condições onerosas, obrigações iníquas e de outras infrações provocam um desequilíbrio entre as partes contratuais, imbuindo ao consumidor uma série de desvantagens.
Isto posto, o presente trabalho buscou, por meio de uma análise da base legislativa que jurisdiciona os contratos bancários no Brasil, destinada a articular doutrinas já estabelecidas acerca do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor, invocar as incoerências geradas por taxas abusivas e cláusulas leoninas em operações de ordem bancária, tendo em perspectiva a dimensão econômica desses procedimentos e seu descompasso com prerrogativas constitucionais assistidas pelo CDC e pelo Código Civil de 2002. Objetivou, também, delimitar práticas jurídicas que assegurem os direitos do consumidor sob o viés da assinatura de contratos bancários.
OBJETIVO GERAL
Analisar a base legislativa que jurisdiciona os contratos bancários no Brasil a fim de apontar os riscos de taxas abusivas e cláusulas leoninas em práticas de caráter financeiro, tendo em vista a difusão das normas e conceitos indispensáveis à leitura atenta de contratos em sessões de consultoria jurídica.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
– Definir o que é, do ponto de vista jurídico, uma cláusula abusiva;
– Delimitar as injúrias aos direitos civis constituídas pela execução de cláusulas leoninas em contratos bancários;
– Expor a legislação brasileira competente à jurisdição de contratos bancários;
– Identificar e indicar precauções e atitudes legais do consumidor confrontado com taxas abusivas ao assinar contratos bancários.
METODOLOGIA
O presente trabalho envolve uma sistemática revisão bibliográfica, destinada a articular doutrinas já estabelecidas acerca do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor. Relançadas sob uma perspectiva analítica sobre as bases e práticas contratuais bancárias, as teses estruturadas nas leis supracitadas forneceram material para novas conclusões e apontamentos tocantes à garantia contratual e legal dos direitos civis, amparadas pela legislação vigente no Brasil.
Como defende Alves (2012, p. 30), tal revisão bibliográfica é um instrumento indispensável à estruturação da base de uma pesquisa, uma vez que é “a familiaridade com o estado do conhecimento na área que torna o pesquisador capaz de problematizar um tema”. Deve-se considerar que a produção de conhecimento não é alheia ou apartada de conhecimentos prévios e, portanto, ela deve operar sob a articulação sistemática dessas noções pré-concebidas, de forma a criticá-las, embasá-las ou compará-las. A partir da contextualização do problema da pesquisa e dos escritos prévios que a envolvem, é possível definir com mais clareza as referências, os procedimentos e os métodos de investigação a serem operados.
Isto posto, a sistematização de textos legais como o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor, defrontados com a jurisdição em território nacional e com outros textos de operadores do direito acerca desses dispositivos legais, oportuniza novos apontamentos acerca de possíveis injúrias aos direitos civis ocasionadas por taxas abusivas e cláusulas leoninas em contratos bancários, além de suprir por uma renovada busca pelas definições vigentes a respeito de responsabilidade civil, garantia contratual e garantia legal.
Tal sistematização será articulada por meio do método dedutivo de investigação. Esse método cogita o apoio em proposições gerais para a dedução de argumentos particulares, assim, a partir de ideias consideradas verdadeiras, assentam-se conclusões específicas acerca do tema investigado (SILVA, 2024). Essa metodologia propiciará o apontamento de decisões e precauções ao consumidor baseadas na incidência de taxas abusivas ou cláusulas leoninas.
Considera-se que o valor da operação do Direito Contratual, em consonância com os Direitos do Consumidor, reside em seu caráter protetivo às relações de consumo harmoniosas e transparentes e, em igual medida, na vedação de práticas abusivas motivadas pela ação de fornecedores ou consumidores. Como destaca Machado (2018, p. 5), discordâncias acerca de juros e cobranças são motivo de parte considerável dos processos em trâmite no judiciário, já que a “falta de um critério claro e objetivo delimitando sobre como revisar os juros abusivos” acarreta incongruências na decisão de ações revisionais.
Em vista disso, o consumidor, para resguardar seus direitos constitucionais e proteger seus interesses econômicos, assim evitando as discrepâncias supracitadas, deve estar amparado pelos códigos legais pertinentes, seja o Código de Defesa do Consumidor ou o Código Civil de 2002. Dessarte, a assistência jurídica indispensável à realização de uma leitura minuciosa e crítica do documento legal, em conjunto com o contratante, poderá ser guiada por preceitos autênticos e embasados na legislação vigente. Além disso, as partes envolvidas estarão, por meio dessa consciência, aptas a tomar as medidas judiciais cabíveis em casos de ilegalidade, seja por cláusulas leoninas, taxas abusivas, obrigações iníquas ou por outras incongruências.
1. O DISPOSITIVO DO CONTRATO E AS CLÁUSULAS ABUSIVAS
Há pistas que indicam que o homem, enquanto ser social, se utiliza de contratos para efetivar relações interpessoais desde a agregação do Homo sapiens sapiens em comunidades. No direito romano, o contrato (contractus), bem como o pacto (pactio) e a convenção (conventio), já eram utilizados para criar obrigações de cunho real ou pessoal, baseadas nas vontades de ambas as partes envolvidas. Para os romanos, o contrato é direcionado à criação de direito e obrigações (pacta sunt servanda), propiciando transações econômicas e acordos de vontades, desde que respeitados os anseios de todos os envolvidos (AQUINO, 2021, p. 19).
O conceito romano de contrato delineou a feição clássica desse dispositivo, a ser renovado no contexto imediatamente prévio à Revolução Francesa. Na França pré-revolucionária, onde “prevaleciam os interesses e anseios de uma sociedade encaminhada para novas formas de organização econômica-social” (AQUINO, 2021, p. 23), o contrato decorria de um acordo entre os mercantilistas e os fundiários, duas classes tradicionalmente opostas que, através do contrato, consentiam em um comum acordo.
O Código de Napoleão, primeiro código da Idade Moderna, abordou o contrato como uma ferramenta para a aquisição de propriedades, conforme os fundamentos da Liberté, Egalité, Fraternité. Na França pré-revolucionária, o contrato era tomado como símbolo inabalável dos princípios da autonomia da vontade e da força obrigatória desta, uma vez que não era dever do Estado interferir nas consequências das relações contratuais, baseadas no fundamento da liberdade das partes (SOUZA, 2004, p. 48).
Além do princípio consensualista, o contrato francês também era definido pela autonomia privada, limitada pela lei, pela ordem pública e pelos bons costumes. O artigo 1.134 do Código Napoleônico defere a noção que “as convenções legalmente formadas têm força de lei para aqueles que as fizeram” (NETO, 2013, p. 72), de tal modo que condições consideradas iníquas na contemporaneidade poderiam ser firmadas, desde que fossem amparadas pelo acordo das partes. Era responsabilidade do Estado, assim, zelar apenas pela liberdade dos contratantes no momento de nascimento da avença (SOUZA, 2004, p. 48).
Contudo, ainda que o Código Napoleônico tenha formado a base dos códigos europeus, marcando a pedra angular dos códigos civis modernos (TENÓRIO, 1970, p. 75), a o Novo Código Civil brasileiro considera o contrato a partir de uma perspectiva econômica-social (AQUINO, 2021, p. 27). Em outras palavras, a função social do contrato delimita as liberdades pessoais e o vincula à proteção estatal, impondo regras às condutas e cerceando as possibilidades profusas a serem regidas pelos contratos. Como explica Gomes (2009, p. 14),
A suposição de que a igualdade formal dos indivíduos asseguraria o equilíbrio entre os contratantes, fosse qual fosse a sua condição social, foi desacreditada na vida real. O desequilíbrio tomou-se patente, principalmente no contrato de trabalho, gerando insatisfação e provocando tratamento legal completamente diferente, o qual leva em consideração a desigualdade das partes. A interferência do Estado na vida econômica implicou, por sua vez, a limitação legal da liberdade de contratar e o encolhimento da esfera de autonomia privada, passando a sofrer crescentes cortes, sobre todas, a liberdade de determinar o conteúdo da relação contratual.
A noção contemporânea de contrato incorpora, portanto, o reconhecimento da crescente complexidade da vida social, geradora de desigualdades nas relações hierárquicas de poder. Em direção completamente oposta às condutas consensualistas do Código Francês, o contrato contemporâneo é determinado pela técnica do tratamento desigual, na qual o Estado deve interferir de modo a garantir a correção de desequilíbrios e prezar pela dignidade social dos indivíduos.
Uma vez que o Estado Social vigente “desconsidera noções como consentimento, intangibilidade do contrato, força obrigatória do contrato” (ASSUNÇÃO, 2013, p. 240), os princípios liberais da doutrina clássica contratual são substituídos pela proteção aos direitos coletivos e pelo dirigismo contratual, “exercido pelo Estado através de leis que impõem ou proíbem certo conteúdo de determinados contratos, ou sujeitam sua conclusão ou sua eficácia a uma autorização de poder público” (GOMES, 2009, p. 9).
Tal reconhecimento da responsabilidade coletiva imputada aos contratos é declamada no Art. 421 do Código Civil de 2002, segundo o qual “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. Assim, surgem normas legais que proíbem cláusulas iníquas, tais como o Código de Defesa do Consumidor, que direciona um de seus capítulos ao tema da proteção contratual. Lê-se, em seu artigos 46 e 47:
Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.
Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor. (BRASIL, 2017)
É destacável, particularmente no segundo artigo salientado, que o amparo a ser fornecido pelo dispositivo legal é orientado ao consumidor em detrimento do fornecedor. Essa deliberação é justificada pela ordem do Estado Social, promotor da justiça social e apto a proteger o elo mais frágil da relação jurídica. Como defende Almeida (2018, p. 50):
O Código de Defesa do Consumidor é considerado um microssistema multidisciplinar porque alberga em seu conteúdo as mais diversas disciplinas jurídicas com o objetivo maior de tutelar o consumidor, que é a parte mais fraca — o vulnerável — da relação jurídica de consumo.
Em vista disso, o contrato é legalmente tomado como uma ferramenta sujeita aos princípios constitucionais da soberania, da cidadania e da dignidade da pessoa humana (BRASIL, 1988, Art. 1°). Ele abre caminho, portanto, para a efetivação de um direito privado protetivo às partes mais fracas, garantindo os direitos de grupos desfavorecidos e atingindo a igualdade material. Nesse sentido, o Art. 51 define a nulidade dos contratos conforme a existência de “cláusulas abusivas”, ou seja, cláusulas que “estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade” (BRASIL, 2017).
Também é necessário destacar que as normas do CDC, ainda que concernentes ao direito privado, são de pungente interesse público. Desse modo, todas as relações jurídicas de consumo são reguladas por esse Código, de estabelecimento obrigatório conforme o inciso XXXII do Art. 5° da Carta Magna. Assim sendo, todo contrato de ordem privada que não atinja sua função social é nulo de pleno direito por ferir o princípio da igualdade substancial (ASSUNÇÃO, p. 243).
O Código do Consumidor, contudo, deve ser compatibilizado com o supracitado Código Civil, uma vez que apenas assim é possível ao intérprete dessas leis promover “a aplicação simultânea, coerente e coordenada das plúrimas fontes legislativas convergentes” (MARQUES, 2003, p. 71-72). Ambos são instrumentos complementares para a égide da parte vulnerável nas relações contratuais, não devendo ser tomados como diplomas contrastantes.
2. DELIMITAÇÕES ACERCA DE TAXAS ABUSIVAS E CLÁUSULAS LEONINAS EM CONTRATOS BANCÁRIOS
Conforme o Código de Defesa do Consumidor (2017, Art. 51), uma cláusula contratual, quando referente ao fornecimento de produtos e serviços, pode ser nula de pleno direito a depender de sua natureza ou de suas consequências. O Código delimita vinte e seis critérios que podem anular a validade de uma cláusula, a fim de proteger os direitos do consumidor e garantir a legalidade transacional. Dentre esses, são destacáveis o inciso I, que proíbe cláusulas que “impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos.” e o inciso IV, segundo a qual é proibido o estabelecimento de “obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade”.
De acordo com Aguiar Júnior (1994, p. 2), o CDC não lançou mão de um enunciado axiomático para tentar definir a abusividade. Em sentido contrário, ele se apropriou de duas cláusulas gerais que identificam situações de abuso, sendo estas a cláusula geral da boa-fé e a cláusula geral da lesão enorme. Segundo o autor, enquanto a primeira é definida pelo princípio “segundo o qual todos devem comportar-se de acordo com um padrão ético de confiança e de lealdade”, incluindo comportamentos não expressamente previstos nos contratos, a segunda torna defeso ao fornecedor, conforme o estipulado no artigo 39, inciso VI, “exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva”.
Conforme essas diretrizes, é direito básico do consumidor a proteção contra cláusulas abusivas. Contudo, parcela considerável das ações destinadas ao judiciário são ocasionadas pelo descumprimento de normas legais por bancos e instituições de caráter financeiro, que celebram contratos demasiadamente onerosos para somente uma das partes, gerando desequilíbrio e ferindo o princípio da boa-fé. Como defende Sousa Junior (2019, p. 30), “todas as ações dos bancos em se fazerem prevalecer, na relação contratual, frente aos consumidores, são combatidas pelo ordenamento legal.”
Como destaca Oliveira (2016, p. 199), o responsável por determinar a nulidade absoluta de cláusulas abusivas é o Poder Judiciário, seja a pedido do consumidor, do Ministério Público, de ofício pelo magistrado ou pelas entidades de proteção do consumidor. Segundo o autor,
A lei passa a proteger o vínculo contratual no sentido de harmonizar a vontade das partes com os legítimos interesses e as expectativas dos consumidores. As regras são cogentes, fazendo com que o CDC sancione e afaste apenas o resultado, o desequilíbrio, sem exigir um ato reprovável do fornecedor. Mesmo se a cláusula for aceita pelo consumidor, mas apresentar vantagem excessiva para o fornecedor se for abusiva ou o resultado for contrário à ordem pública, ou mesmo contrariar as novas normas de proteção do CDC, que são de ordem pública, não prevalecerá a autonomia da vontade. (OLIVEIRA, 2016, p. 199)
A reprovação de resultados contrários à ordem pública, ou seja, o princípio do dirigismo contratual, é, como define Trujillo (1996, p. 144), indispensável para a proteção do cidadão em frente ao setor “devidamente estruturado e planificado com a moderna técnica de atuar” do crédito bancário. Para o autor, tal princípio impede que a vontade preponderante dos entes bancários se sobrepunha ao tomador de crédito, frequentemente em situação de vulnerabilidade devido às desigualdades no tratamento.
Além disso, o juiz paulista salienta que, em tempos atuais, está ausente a participação do tomador de crédito na elaboração da peça contratual, sendo este submetido à aceitação ou anuência dos parâmetros contratuais sem abertura à discussão. Possibilita-se, desse modo, a “atuação abusiva do fornecedor do crédito” (TRUJILLO, 1996, p. 144), controlada pela intervenção do Estado nas relações contratuais sem restringir a liberdade contratual, limitada pelo tratamento isonômico entre as partes.
Para isso, o CDC formalizou, em seu Art. 4°, inciso III, a viabilização dos princípios nos quais se funda a ordem econômica com base na boa-fé e no equilíbrio entre as partes. A fim de restaurar o equilíbrio contratual e proteger o consumidor, foram delimitadas pelo CDC normas de ordem pública às quais os envolvidos não podem contrariar. Todavia, Oliveira (2015, p. 200) destaca que a abusividade de uma cláusula não é facilmente definida pelo magistrado, de modo que este recorre, por análise subjetiva ou objetiva, à consignação de casos expressos, à jurisprudência ou, então, à presunção da abusividade conforme os artigos 39 e 51 do CDC.
No primeiro caso, o magistrado é amparado pelo artigo 53 do Código, que discorre sobre o pleiteamento da resolução do contrato e da retomada do produto alienado, em alienações fiduciárias em garantia, sob benefício do credor em razão do inadimplemento. Como promulgado pelo artigo, é nula de pleno direito toda cláusula que estabeleça a perda total das prestações pagas após o processo supracitado. Já no segundo caso, a jurisprudência é baseada no supracitado inciso IV do artigo 51, acerca de obrigações consideradas abusivas e iníquas quando colocam o consumidor em desvantagem exagerada.
Já a presunção da abusividade, por fim, como citado, depende dos artigos 39 e 51 do Código de Defesa do Consumidor. Para Oliveira (2015, p. 200), pode-se fazer uma análise subjetiva, desde que a abusividade seja relacionada com a figura do abuso, ou então uma análise objetiva, traçando a abusividade com parâmetros como a boa-fé objetiva. Esses métodos dedutivos possibilitam a identificação do caráter leonino da cláusula e sua posterior nulidade.
Sob outro prisma, Barboza et al. (2022, p. 7) defende que o disposto na Lei n° 8 078 de 1990, ou seja, na Lei de Defesa do Consumidor, propicia a um “controle interno”, realizado pelo próprio consumidor, sob o qual pode-se exigir a prestação de informações suficientes e claras pelos fornecedores quanto aos riscos dos contratos, além da proibição de propagandas e anúncios abusivos ou enganosos. Também são abarcadas medidas como a exigência de fornecimento de orçamentos antecipados, a divulgação prévia do conteúdo dos contratos, dentre outras formas que possibilitem a garantia dos direitos do consumidor.
O trabalho de Barboza et al. (2022, p. 7), para além do controle interno, cita a realização, por via administrativa ou judicial, de um controle externo que propicie a modificação ou eliminação do abuso de cláusulas contratuais. Essa se dá pela atuação de órgãos especializados como o INMETRO, a ANVISA, o PROCON e a Delegacia do Consumidor, que, articulados pelo Estado, podem realizar fiscalizações e apreensões anteriores à ocorrência de dano. Além de manter uma atuação preventiva, esses órgãos podem revogar concessões, impor multas e bloquear empresas, colaborando para uma erradicação de ordem remediativa das nulidades contratuais.
O labor desses órgãos, em consonância com o controle interno efetuado pelo próprio consumidor, deve ser aliado ao trabalho do Banco Central do Brasil, encarregado da divulgação mensal das taxas de juros para empréstimos pessoais. Essas taxas servem como parâmetro para a detecção de abusividade na aplicação de juros, útil na proteção dos consumidores em face de suas posições de vulnerabilidade (AMARAL, 2019, p. 24).
Nesse sentido, o Banco Central é um importante definidor de quais taxas são aceitáveis em contratos, sendo seu trabalho indispensável para a estabilidade das transações de caráter financeiro que se dão em território nacional. Dessa maneira, é necessário que os consumidores estejam conscientes do impacto dessa instituição para a economia brasileira, reconhecendo os parâmetros definidos pela sua atuação por meio de uma educação financeira de qualidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em vista disso, a delimitação do caráter abusivo de uma cláusula é fornecido pelo disposto em documentos legais como o Código de Defesa do Consumidor e como o Código Civil de 2002. Ambos os compêndios guarnecem os princípios da boa-fé objetiva e da lesão enorme como norteadores da proteção jurídica pleiteada pelo Judiciário aos consumidores, considerados a parte mais vulnerável das transações bancárias.
O setor bancário, articulado pela técnica e pelos recursos financeiros indispensáveis ao seu próprio desenvolvimento, frequentemente impõe ao tomador de crédito uma série de parâmetros contratuais inacessíveis ao consumidor, tanto em sua formulação quanto em sua execução. Como o tomador de crédito muitas vezes não desempenha papel na concepção do contrato bancário, suas oportunidades para a negociação e para a decisão são restringidas pelas exigências preliminares da instituição de caráter financeiro, gerando iniquidades e desigualdades no tratamento.
Nesse sentido, é imprescindível a atuação do BCB para a delimitação de juros, além da fiscalização de órgãos como a Delegacia do Consumidor e o PROCON, que, ao revogar concessões, bloquear empresas e impor multas, impulsionam a soberania do consumidor frente às práticas iníquas do mercado financeiro. Na mesma direção, é responsabilidade mútua do consumidor a denúncia contra anúncios abusivos e a exigência de esclarecimentos quanto aos conteúdos dos contratos, sempre apoiados por uma assistência jurídica que elucide e explicite, didaticamente, as entrelinhas dos contratos bancários.
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1Estudante do curso de Direito na FIMCA Jaru