REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10142841
Júlio César Teixeira Martins
Rafael Lima Bicalho
RESUMO
O presente artigo se propõe a uma análise acerca da limitação ao poder de tributar frente ao recohecimento da imunidade tributária e das isenções tributárias dispensadas às entidades assistenciais sem fins lucrativos, previstas na Constituição Federal de 1988 (CF/88), sobretudo as controvérsias quanto ao cumprimento dos requisitos legais e a qual tipo de lei se albergam referidos requisitos – lei complemetar ou lei ordinária. Realizou-se uma pesquisa bibliográfica e jurisprudencial para definição dos vetores de entendimento do tema proposto, e por fim, a conclusão da temática à luz da jurisprudência dominante no âmbito do Supremo Tribunal Federal – STF.
Palavras-chave: Imunidade tributária. Entidade assistencial. Isenção tributária. Lei complementar. Lei Ordinária.
INTRODUÇÃO
O presente estudo visa discutir a imunidade que goza as entidades assistenciais sem fins lucrativos, mormente quanto ao atendimento das exigências legais para fazer jus à imunidade referida, verificando-se, a partir da evolução da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, se a reserva de lei para o reconhecimento da imunidade trata-se de lei complementar ou lei ordinária.
O estudo se propõe ainda a analisar a isenção por via reflexa da imunidade tributária, bem como sua vinculação normativa, com espeque nos requisitos estabelecidos pelo artigo 29 da Lei 12.101/09.
Visa ainda uma breve abordagem sobre o alcance dos efeitos jurídicos do reconhecimento da imunidade e isenções tributárias. O presente artigo não visa esgotar o assunto, mas sim, de maneira concisa, dirimir eventual dúvida acerca do tipo normativo a apto a instituir condições para o reconhecimento da imunidade prevista na Constituição Federal de 1988.
Com o fito de entregar ao leitor material informativo suficiente para concepção dominante no ordenamento jurídico pátrio sobre o tema proposto, utilizou-se como ferramenta de metodologia a pesquisa bibliográfica, tanto em meio impresso quanto em meio eletrônico. Priorizou-se ainda a pesquisa jurisprudêncial no âmbito do Supremo Tribunal Federal sobre o tema a fim de se formar um aprendizado criterioso sobre a limitação ao poder de tributar do Estado em decorrênciao do instituto da imunidade e isenção.
DESENVOLVIMENTO
Antes de enfrentar o tema faz-se necessário delimitar o seu objeto, de modo que é imperiosa a conclusão acerca do conceito de imunidade. Na lição de Luciano Amaro,
“A imunidade tributária é a qualidade da situação que não pode ser atingida pelo tributo, em razão de norma constitucional que, à vista de alguma especificidade pessoal ou material dessa situação, deixou-a de fora do campo que é autorizada a instituição do tributo (AMARO, 2012, p. 175).
Em outras palavras imunidade é uma escolha legislativa de que determinadas situaçãos materiais fiquem fora do campo tributável frente a uma gama de situações ou condições legalmente pré-estabelecidas – encontra-se no campo da definição da competência tributária (aptidão para criar e arrecadar tributos). É comumente tratada como limitação do poder de tributar.
Insituto próximo e que pode causar dúvidas é o de isenção tributária. Segundo AMARO (2012, p. 176) a isenção é uma técnica por meio da qual a lei tributária, “ao descrever o gênero de situações sobre as quais impõe o tributo, pinça uma ou divresas espécies (compreendidas naquele gênero) e as declara isentas (ou seja, excepcionadas da norma de incidência)” – encontra-se no campo de exercício da competência.
Estabelecidas estas premissas, é mister evindeciar a norma constitucional que alberga a discussão acerca da imunidade conferida às entidades beneficientes de asistência social. Nesse sentido, vejamos o disposto nos artigos 150, VI, alínea “c” e 195, § 7º, ambos da CF/88:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(…)
VI – instituir impostos sobre:
(…)
c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;
Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
(…)
§ 7º São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei.
Temos que as imunidades previstas no artigo 150, inciso VI referem-se aos impostos, e no § 7º do artigo 195, referem-se às contribuições sociais.
De início, cumpre ressaltar que, muito embora o constituinte tenha trazido o vocábulo “isenção” no art. 195, §7º, da Constituição da República, referida norma prevê verdadeira imunidade tributária. Com efeito, tratando-se de uma limitação ao poder de tributar estabelecida no próprio texto constitucional, não há que se falar em isenção tributária, em que o poder de isentar recai sobre o próprio ente competente para a instituição da exação.
Pois bem. Além de ser uma entidade beneficente de assistência social, para o usufruto da imunidade, a pessoa jurídica deve observar as exigências estabelecidas na lei. Trata-se, portanto, de imunidade em que há restrição legislativa para o seu exercício. Conforme se denota na parte final do § 7º do artigo 195, o legislador autoriza a imposição de condições ao gozo do direito à imunidade pelas entidades beneficentes de assistência social. A controversia cinge-se à espécie legislativa credenciada pela Constituição para o estabelecimento das condições necessárias.
Nesse ponto, ressalto que existem divergências na jurisprudência sobre a necessidade ou não de lei complementar para regulamentar a imunidade em análise, considerando, de um lado, o que determina o artigo 146, II, da CF/88, que cabe à lei complemetar regular as limitações constitucionais ao poder de tributar, e, de outro, o entendimento segundo o qual o texto constitucional sempre se refere expressamente à lei complementar quando reputa ser esta a espécie legislativa adequada.
O Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) nº. 636.941/RS1, decidiu que somente se exige lei complementar para “a definição dos seus limites objetivos (materiais) e não para a fixação das normas de constituição e de funcionamento das entidades imunes (aspectos formais ou subjetivos), os quais podem ser veiculados por lei ordinária, como sois ocorrer com o art. 55, da Lei nº 8.212/91, que pode estabelecer requisitos formais para o gozo da imunidade sem caracterizar ofensa ao art. 146, II, da Constituição Federal”.
Assim, de acordo com esse posicionamento, devem ser preenchidos cumulativamente os requisitos do art. 29 da Lei nº. 12.101/09 (aspectos formais) e do art. 14 do Código Tributário Nacional (requisitos materiais).
Porém, em recente julgado, a Corte Suprema alterou seu entendimento sobre o assunto e reconheceu que “os requisitos para o gozo de imunidade hão de estar previstos em lei complementar” (STF, RE 566.622/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, 23.02.2017 – com repercussão geral reconhecida).
Posteriormente, decidindo embargos de declaração e a fim de evitar ambiguidades, assentou-se a seguinte tese: “A lei complementar é forma exigível para a definição do modo beneficente de atuação das entidades de assistência social contempladas pelo art. 195, § 7º, da CF, especialmente no que se refere à instituição de contrapartidas a serem por elas observadas” (STF, RE 566.622/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, 18.12.2019).
Quer dizer que, nos termos do voto do Min. Luiz Fux no Recurso Extraordinário mencionado, “basicamente, tudo aquilo que influi diretamente da imunidade reclama lei complementar, e aqueles aspectos procedimentais de habilitação de documentos, apresentação dos documentos para ver a categorização da sociedade como beneficente se submetem a uma lei ordinária para a qual não há necessidade de quórum específico para isso”.
Destarte, diante da nova posição adotada pelo STF, devem ser preenchidos apenas os requisitos estipulados no art. 14 da Lei 5.172/66, Código Tributário Nacional (CTN), que possui status de lei complementar, para definição do modo beneficente de atuação das entidades de assistência social. Referida norma assim dispõe:
Art. 14. O disposto na alínea c do inciso IV do artigo 9º é subordinado à observância dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas:
I – não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título;
II – aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais;
III – manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão.
Nesse viés, diante desse novo paradigma, para que faça jus à imunidade prevista no no art. 195, §7º, da Constituição Federal, a entidade precisa comprovar, cumulativamente, que não há distribuição de qualquer parcela de seu patrimônio ou renda, a qualquer título, que aplica integralmente seus recursos dentro do território nacional, para a manutenção de seus objetivos institucionais, além de manter regular escrituração contábil.
Insta salientar que havendo o preenchimento desses requisitos e ostentando a entidade a imunidade constitucional, haverá reflexo nas contribuições sociais, que serão alcançadas, não pela imunidade, mas agora pela isenção tributária.
Assim, é de rigor verificar se a entidade preenche os requisitos estabelecidos no art. 29 da Lei 12.101/09 para reconhecimento da isenção. A saber:
Art. 29. A entidade beneficente certificada na forma do Capítulo II fará jus à isenção do pagamento das contribuições de que tratam os arts. 22 e 23 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, desde que atenda, cumulativamente, aos seguintes requisitos:
I – não percebam seus diretores, conselheiros, sócios, instituidores ou benfeitores remuneração, vantagens ou benefícios, direta ou indiretamente, por qualquer forma ou título, em razão das competências, funções ou atividades que lhes sejam atribuídas pelos respectivos atos constitutivos, exceto no caso de associações assistenciais ou fundações, sem fins lucrativos, cujos dirigentes poderão ser remunerados, desde que atuem efetivamente na gestão executiva, respeitados como limites máximos os valores praticados pelo mercado na região correspondente à sua área de atuação, devendo seu valor ser fixado pelo órgão de deliberação superior da entidade, registrado em ata, com comunicação ao Ministério Público, no caso das fundações; (Redação dada pela Lei nº 13.151, de 2015)
II – aplique suas rendas, seus recursos e eventual superávit integralmente no território nacional, na manutenção e desenvolvimento de seus objetivos institucionais;
III – apresente certidão negativa ou certidão positiva com efeito de negativa de débitos relativos aos tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil e certificado de regularidade do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS;
IV – mantenha escrituração contábil regular que registre as receitas e despesas, bem como a aplicação em gratuidade de forma segregada, em consonância com as normas emanadas do Conselho Federal de Contabilidade;
V – não distribua resultados, dividendos, bonificações, participações ou parcelas do seu patrimônio, sob qualquer forma ou pretexto;
VI – conserve em boa ordem, pelo prazo de 10 (dez) anos, contado da data da emissão, os documentos que comprovem a origem e a aplicação de seus recursos e os relativos a atos ou operações realizados que impliquem modificação da situação patrimonial;
VII – cumpra as obrigações acessórias estabelecidas na legislação tributária;
VIII – apresente as demonstrações contábeis e financeiras devidamente auditadas por auditor independente legalmente habilitado nos Conselhos Regionais de Contabilidade quando a receita bruta anual auferida for superior ao limite fixado pela Lei Complementar no 123, de 14 de dezembro de 2006.
Nesse contexto, importante ainda destacar que haverá reflexo também em outras contibuições. É oque ocorre, por exemplo, nas contribuições destinadas a terceiros, como FNDE, INCRA, SENAC, SESC, SEBRAE, SAT/RAT, que embora não sejam, essencialmente, contribuições à seguridade social, é certo que a Lei nº. 11.457/07 (art. 3º, §5º)2 isenta as entidades beneficentes que ostentam a imunidade prevista no art. 195, §7º, da CF/88, de efetuar seu recolhimento. A mesma regra de isenção está prevista na Lei nº. 9.766/983, no que diz respeito à contribuição social do Salário Educação.
Acrescento, por oportuno, que todas as normas supracitadas permanecem válidas, inclusive no que se refere ao preenchimento de requisitos estipulados em lei ordinária, uma vez que concedem isenção.
Nesse sentido também restou assentado no julgamento do Recurso Extraordinário nº. 636.941/RS, que fixou que reafirmou a constitucionalidade do art. 55, II, da Lei nº 8.212/1991, na redação original e nas redações que lhe foram dadas pelo art. 5º da Lei nº 9.429/1996 e pelo art. 3º da Medida Provisória n. 2.187-13/2001, que por sua vez, foi revogado pela Lei 12.101/09.
Por fim, em termos práticos quanto ao reconhecimento da imunidade, e via de consequencia a isenção, há certa divergência jurisprudencial quanto à sua natureza, se constitutiva ou declaratória, o que impactaria na geração dos efeitos desse reconhecimento, ex tunc ou ex nunc.
No entanto, a interpretação que melhor se coaduna com os fins sociais (art. 5º da Lei 4.657/42, Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB) a que se dirige a norma de imunidade é a de que opera-se efeitos ex tunc, devendo retroagir à data de criação da entidade, tornando, por conseguinte, inexigíveis todos os créditos que digam respeito aos tributos e contribuições sociais no período.
Ora, se a intenção do legislador é a de garantir imunidade às entidades beneficentes, é ilógico tributar os entes que preencham os requisitos do art. 14 do CTN, sob o argumento de que somente a partir da declaração de que são imunes/isentos se desoneariam desta tributação.
CONCLUSÃO
Diante do exposto cocluiu-se que, para fazer jus à imunidade tributária, a entidade tem que preencher os critérios estabelecidos por lei complementar, no caso, aqueles constantes no artigo 14, do Código Tributário Nacional (CTN) e uma vez preenchidos, o reconhecimento da entidade como imune tem natureza meramente declaratória, produzindo, como consequencia, efeitos ex tunc.
No entanto, lei ordinária pode fazer a distinção dos aspectos puramente procedimentais referentes à certificação, fiscalização e controle administrativo dessas entidades. Sendo exigível, portanto, lei complementar apenas para a definição do modo de atuação das entidades de assistência social contempladas no espectro imuzinante constitucional.
Sendo assim, nota-se a importante estabilização na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal nas questões alinhavadas neste artigo, sobretudo pelo reafirmação da norma constitucional da reserva de lei complementar para regular as limitações constitucionais ao poder de tributar.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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SOUSA, Maria Helena Brito de Sousa. IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS: a imunidade dos templos e instituições religiosas. 2016. TCC – Curso de Especialização em Direito Tributário do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Diponível em: https://www.ibet.com.br/wp-content/uploads/2017/07/Maria-Helena-Brito-de-Sousa-OK.pdf. Acesso em 25/10/2019.
___ _. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 566.622. Relator: Min. Marco Aurélio.
1 Recurso Extraordinário 636.941/RS, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 04.04.2014, com repercussão geral reconhecida.
2 Art. 3º (…)
§ 5o Durante a vigência da isenção pelo atendimento cumulativo aos requisitos constantes dos incisos I a V do caput do art. 55 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, deferida pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, pela Secretaria da Receita Previdenciária ou pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, não são devidas pela entidade beneficente de assistência social as contribuições sociais previstas em lei a outras entidades ou fundos.
3 § 1o Estão isentas do recolhimento da contribuição social do Salário-Educação:
I – a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, bem como suas respectivas autarquias e fundações;
II – as instituições públicas de ensino de qualquer grau;
III – as escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, devidamente registradas e reconhecidas pelo competente órgão de educação, e que atendam ao disposto no inciso II do art. 55 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991;
IV – as organizações de fins culturais que, para este fim, vierem a ser definidas em regulamento;
V – as organizações hospitalares e de assistência social, desde que atendam, cumulativamente, aos requisitos estabelecidos nos incisos I a V do art. 55 da Lei no 8.212, de 1991.