REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102411221309
Victor Emanuel Morais Araujo
Ranyer Bezerra Aquino
Orientador: Prof. Douglas da Silva Araújo
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo analisar, com base em estudos já existentes, a complexidade e os desafios da investigação policial com os crimes cibernéticos, com base nas normas penais vigentes e na constituição federal de 1988. Enquanto desdobramento do objetivo central, será feita uma análise de casos concretos, divulgados pela mídia que demonstrem como as instituições de competência investigativa vêm se adaptando para uma melhor resolutividade da problemática exposta. Nos dias atuais, em que os crimes cibernéticos detém grande incidência na sociedade, entender como a investigação policial tem se adaptado aos avanços tecnológicos é crucial para eficácia na prevenção e combate a essa modalidade de crimes.
Palavra-chave: Crimes Cibernéticos; investigação policial; avanços tecnológicos; desafios.
ABSTRACT
This paper aims to analyze, based on existing studies, the complexity and challenges of police investigation in cybercrime cases, taking into account the current criminal laws and the Federal Constitution of 1988. As an extension of the central objective, an analysis of specific cases reported by the media will be conducted to demonstrate how investigative institutions are adapting to improve the resolution of the issues presented. In today’s context, where cybercrimes have a high incidence in society, understanding how police investigations have adapted to technological advancements is crucial for the effective prevention and combating of this type of crime
Keywords: Cyber Crimes, LGPD, Offenses, Investigation, Technology.
A internet é um fenômeno mundial em constante expansão, e com isso o uso da internet no Brasil já alcança a marca de 161 milhões de usuários de internet chegando a incrível marca de 87,2% da população do país (IBGE, 2022). Com o avanço da tecnologia a incidência de crimes provenientes da internet também tiveram um aumento significativo fazendo assim com que legislação brasileira tenha que se reinventar com objetivo de criar métodos para proteção dos bens jurídicos que estão em ameaça nesse ambiente virtual
Com esse grande aumento e evolução dos crimes na internet, é evidente que a segurança pública terá dificuldades para combater e investigar tais eventos, pois a lentidão do Poder Legislativo em criar novas leis e a rapidez em que as tecnologias evoluem acabam deixando o ambiente virtual com várias lacunas que são exploradas pelos criminosos, assim consequentemente dificultando o trabalho da segurança pública e as suas investigações.
Mediante a um levantamento de dados feito pela empresa Symantec, foi demonstrado que aproximadamente 80% dos usuários de internet no Brasil não pensam que os autores de tais crimes cibernéticos serão punidos ou até mesmo não acreditam que vão ser levados à justiça. Estudos também mostram que 76% dos usuários de internet adultos brasileiros já foram de alguma forma vítimas de algum crime digital.
Tais criminosos virtuais chegaram a vitimar 24% dos brasileiros com mais de 16 anos nos últimos 12 meses. São mais de 40,85 milhões de usuários que tiveram perdas financeiras em consequência de algum crime cibernético, exemplos de tais crimes são, invasões de contas bancárias, clonagem de cartões de crédito e fraudes, tais crimes investigações, envolvem métodos próprios para que seja feita a coleta de provas digitais para a solução de cada caso, vindo desde a dificuldade em encontrar um criminoso que utilizam ferramentas de anonimato até a utilização de programas e aparelhos específicos para recuperação de arquivos, encontrar dispositivos etc.
Nesse contexto, o presente trabalho tem por objetivo central analisar, com base em estudos já existentes, a complexidade e os desafios da investigação policial com relação aos crimes cibernéticos. sendo assim, foram utilizados os método indutivo, realizando pesquisas e observando casos práticos para chegarmos a uma conclusão, como também utilizamos o método dedutivo, olhando de uma maneira mais ampla e delimitando a linha do raciocínio do trabalho exposto.
2. CONCEITO DE CRIME
Antes de definir crimes cibernéticos, deve-se primeiro definir o que é considerado “crime”, em seu sentido mais tradicional e doutrinário atual.
O direito penal está inserido na sociedade desde os tempos mais antigos, usado inicialmente como forma de controle social, busca uma harmonia social regulamentando penalidades para atos que não condizem com a sociedade na qual está inserido.
Com isso foi criado à lei 2.848 de 7 de dezembro de 1940, introdução ao código penal, que por sua vez define crime como:
“Art 1º Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.“ (Brasil, 1940)
No entanto o Código Penal não oferece uma definição clara de delito, é necessário buscar uma definição alternativa na doutrina, para definir o conceito de crime, a doutrina penal precisa ser aplicada.
A doutrina não tem consenso absoluto sobre o conceito de crime, porém de acordo com o conceito tripartido, que foi adotado por Cezar Roberto Bitencourt vem a mencionar. Onde crime é fato típico, ilícito e culpável, trazendo uma visão tripartida e direta do conceito de crime.
Adentrando na tipicidade que se refere à adequação da conduta do agente a uma descrição legal de crime. Para Bittencourt a tipicidade é fundamental. onde uma conduta considerada típica, ela deve estar expressamente descrita em uma norma penal
Após definir o que constitui um crime e os conceitos de suas formas mais pontuais, examinaremos agora os crimes cibernéticos, determinando se sua nomenclatura é apropriada e definindo sua aplicabilidade em todos os seus componentes do ordenamento jurídico brasileiro.
2.1. Conceito de crime cibernético e seus sujeitos
A terminologia “crimes cibernéticos” tem vários outros sinônimos, como, por exemplo, crimes virtuais ou crimes via internet. Esses delitos são crimes cometidos por meio da internet, termo esse que se refere a uma rede de computadores que foi criada nos Estados Unidos em 1969.
Para melhor definir o conceito de um crime cibernético, iremos citar o conceito de Augusto Rossini, onde diz que o delito de informática pode ser definido da seguinte forma:
“delito informático” poderia ser talhado como aquela conduta típica e ilícita, constitutiva de crime ou contravenção, dolosa ou culposa, comissiva ou omissiva, praticada por pessoa física ou jurídica, com o uso da informática, em ambiente de rede ou fora dele, e que ofenda, direta ou indiretamente, a segurança informática, que tem por elementos a integridade, a disponibilidade a confidencialidade. (ROSSINI, 2004, p.110.).
Augusto Rossini, traz um conceito de crime bem completo à luz da nomenclatura jurídica, trazendo uma explicação sobre “crime informático” e abrangendo formas desses crimes e como as pessoas são afetadas.
Já Jesus e Milagre conceituam crimes virtuais como:
“fato típico e antijurídico cometido por meio da ou contra a tecnologia da informação. Decorre, pois, do Direito Informático, que é o conjunto de princípios, normas e entendimentos jurídicos oriundos das atividades informáticas. Assim, é um ato típico e antijurídico, cometido através da informática em geral, ou contra um sistema, dispositivo informático ou redes de computadores. “ (Jesus e Milagre, 2016, p.20)
Embora haja divergências sobre o conceito de crimes virtuais, existe um consenso sobre suas características principais, isto é, crimes cibernéticos é toda conduta ilícita que utilize do mecanismo da internet para violar o direito de outrem, provocando-lhe danos.
Outra problemática para a investigação dos crimes cibernéticos diz respeito ao sujeito ativo e passivo do crime. A doutrina é pacífica no sentido que há crime cibernético, mesmo que não haja sujeito ativo explícito. Para um melhor entendimento referente ao assunto é necessário destacar quem é o sujeito passivo e ativo dos crimes virtuais.
2.2. Sujeito ativo
De acordo com Cezar Roberto Bitencourt:
“O sujeito ativo é quem pratica o fato descrito como crime na norma penal incriminadora. Para ser considerado sujeito ativo de um crime é preciso executar total ou parcialmente a figura descritiva de um crime.“ (BITENCOURT, 2024, p.294).
Agora considerando o nosso foco na criminalidade cibernética podemos citar que o sujeito ativo de tais crimes podem ser desde hackers que utilizam ferramentas para clonagem de cartões de crédito, roubar dados e etc até pessoas comuns que apenas compartilham fotos explícitas de outrem sem seu prévio consentimento.
Diante disso vale salientar a frase do Moisés de Oliveira Cassanti onde ressalta brevemente o perfil de tais criminosos.
“Os crimes virtuais não são praticados apenas por atacantes com conhecimento sofisticado de informática. Ameaças cometidas por e-mails como calúnia (acusar alguém de um crime que não cometeu), agressão e desrespeito por motivo de cor, raça, etnia ou religião são cada vez mais frequentes entre os usuários, que utilizam na maioria das vezes redes sociais como Facebook, Twitter, YouTube ou os blogs para práticas desses delitos. Muitas vezes os autores acreditam que suas ações ficarão impunes. O maior incentivo aos crimes virtuais é dado pela falsa sensação de que o meio digital é um ambiente sem leis, mas é importante saber que quando o computador é uma ferramenta para prática dos delitos, suscita a possibilidade de se amoldar aos tipos penais já existentes.“ (CASSANTI, 2014, p. 47).
Com isso podemos evidenciar que nos crimes virtuais não são praticados apenas por pessoas com um vasto conhecimento de informática, como também não é preciso de ferramentas específicas para cometer crimes no âmbito da internet, pois com apenas uma rede social uma pessoa comum pode cometer uma variedade de crimes descritos no código penal.
2.3. Sujeito passivo
Também considerando os pensamentos de Cezar Roberto Bitencourt:
“Sujeito passivo é o titular do bem jurídico atingido pela conduta criminosa. Sujeito passivo do crime pode ser: o ser humano (ex.: crimes contra a pessoa); o Estado (ex.: crimes contra a Administração Pública); a coletividade (ex.: crimes contra a saúde pública); e, inclusive, pode ser a pessoa jurídica (ex.: crimes contra o patrimônio).“ (BITENCOURT, 2024, p.234).
Agora contextualizando no âmbito dos crimes virtuais, o sujeito passivo de tal crime é a pessoa ou entidade que sofreu uma ação criminosa que foi cometida por meio da internet ou de equipamentos eletrônicos, podendo ser desde qualquer pessoa física ou até mesmo jurídicas como empresas, tais crimes podem ser tanto próprios como impróprios.
2.4. Crimes próprios
Segundo Cezar Roberto Bitencourt crime próprio ou Crime comum é:
“o que pode ser praticado por qualquer pessoa (lesão corporal, estelionato, furto). Crime próprio ou especial é aquele que exige determinada qualidade ou condição pessoal do agente. Pode ser condição jurídica (acionista); profissional ou social (comerciante); natural (gestante, mãe); parentesco (descendente) etc. Crime de mão própria é aquele que só pode ser praticado pelo agente pessoalmente, não podendo utilizar-se de interposta pessoa (falso testemunho, prevaricação).” (BITENCOURT, 2024, p.274)“
Mediante a isso, agora sendo considerado tal contexto no meio virtual, os crimes virtuais próprios são aqueles que somente serão cometidos no ambiente virtual, exemplo deste seria o art. 313-A do código penal que é referente a inserção de dados falsos em bancos de dados”
“Inserir ou facilitar, o funcionário autorizado, a inserção de dados falsos, alterar ou excluir indevidamente dados corretos nos sistemas informatizados ou bancos de dados da Administração Pública com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem ou para causar dano.“ (Brasil, 2000).
Tal crime é reconhecido como peculato digital, que por sua vez é considerado uma pratica ilegal, pois agente publico usando do seu cargo manipula os dados de uma empresa publica ou da propia administração pública, inserindo informacões inveridicas ou alterando dados, para assim conseguir vantagem ilicita para si mesmo ou terceiros.
2.5. Crimes impróprios
Já os crimes impróprios, diferente dos próprios que necessitam da internet para se realizar os crimes, os crimes impróprios utilizam a internet apenas como ferramenta para seus delitos, porém os efeitos de tais crimes repercutem na vida real da vítima.
onde por sua vez os criminosos utilizam de ferramentas e mecanismos da internet para obter vantagem monetária ou ofender a honra da vítima e com isso acaba tendo efeitos fora da internet causando uma lesividade com maiores proporções na vida pessoal da vítima.
para entender melhor os exemplos de crimes impróprios e sua diferença entre os impróprios mediante ao crime cibernético, levarei em conta o gráfico representado por Emerson Wendt que demonstram quais crimes se encaixam melhor entre os dois elementos:
A tabela em questão evidencia as diferenças de crimes cibernéticos próprios e crimes cibernéticos impróprios, destacando exemplos práticos de crimes cometidos.
3. A INTERNET COMO FACILITADORA DA PRÁTICA DE CRIMES
Com o advento da globalização, o uso da internet expandiu-se exponencialmente em todo mundo. Atualmente o ambiente virtual se torna cada vez mais acessível para todos, tal acessibilidade acaba transformando esse ambiente não só em um ambiente para trocar informações ou se comunicar, mas também para a prática de atividades ilícitas. De acordo com Maciel Colli
“A prática e a organização de infrações penais. Dentre estas, despontam os chamados crimes informáticos.” (Colli, 2009, p. 07)
Sendo assim a internet é uma grande facilitadora de delitos pois possibilita o anonimato dos criminosos, como também a facilidade geográfica que o criminoso tem, pois ele não necessita estar próximo a vítima para que seja feita a realização do ato criminoso. Tais atividades por sua vez dificultam grandemente a coleta das provas como também a identificação dos envolvidos.
Se aprofundando ainda mais em relação à facilidade para cometer os crimes no ambiente virtual, pode-se destacar a fala do Professor Reginaldo César Pinheiro:
“Com a popularização da Internet em todo o mundo, milhares de pessoas começaram a se utilizar deste meio Contemporaneamente se percebe é que nem todos a utilizam de maneira sensata e acreditando que a internet um espaço livre, acabam por e ceder em suas condutas e criando novas modalidades de delito: os crimes virtuais”. (FIORILLO,2016, p. 61)
Como base de dados em referência a isso temos uma pesquisa online feita no Brasil e encomendada à Dynata pela Norton, marca de segurança cibernética, revelando que três em cada dez brasileiros, relataram que já foram vítimas de algum crime cibernético nos últimos 12 meses.
Dentre os brasileiros entrevistados, 16% relataram ter sido alvo de roubo de identidade. 40% tiveram que bloquear seus cartões de crédito, 26% perderam acesso às suas contas online e 22% tiveram dinheiro roubado, 16% vítimas de roubo de identidade, 5% dos brasileiros entrevistados afirmam ter sofrido golpes por meio de mensagens nas redes sociais, 44% já tiveram alguém se passando por quem amam, enquanto 35% experienciaram algum golpe fraudulento de pagamento.
Com isso evidenciamos que embora a internet seja considerada uma ferramenta de enorme utilidade atualmente, ela também pode ser de grande ajuda para as práticas de crimes, fazendo assim com que a legislação juntamente com a força policial se adapte de forma célere para as novas formas em que os criminosos estão atuando.
4. A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA NO COMBATE AOS CRIMES CIBERNÉTICOS
Levando em consideração tudo que foi citado acima, a legislação brasileira vem tentando acompanhar as mudanças e métodos que os criminosos estão usando e constantemente atualizando em relação aos crimes cibernéticos, na tentativa de combater e mitigar esse tipo de prática criminosa.
Um dos principais marcos legais nesse contexto, foi a Lei 12.737/2012, conhecida como Carolina Dieckmann, que por sua vez acabou introduzindo no Código Penal os artigos 154-A e 154-B, que se trata do reconhecimento de invasão de dispositivos como crime autônomo, fazendo com que fosse positivado pelo nosso ordenamento jurídico uma preocupação com a segurança de dados e a privacidade no ambiente virtual.
Na mesma perspectiva, também foi criada a lei 13.709/2018, a chamada Lei Geral de Proteção de Dados, também conhecida como LGPD, que veio como objetivo de promover os direitos fundamentais de liberdade e privacidade, além de promover uma segurança jurídica com maior eficiência, tal legislação também visa evitar abusos de os crimes cibernéticos podem levar, como o vazamento de dados e informações. Com isso podemos ver que a LGPD, se aplica em qualquer operação onde trata-se de manuseio de dados aqui no Brasil. Tal legislação vem estabelecer que todos os dados tratados, sendo eles no ambiente virtual ou físico, estão sujeitos a serem regularizados.
Sendo assim o artigo 1º da LGPD estabelece que:
“Esta Lei dispõe sobre o tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, com o objetivo de proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural.” (Brasil, 2018)
No bastar vemos a relevância que a LGPD tem na proteção de dados da população brasileira, tendo em vista que atualmente estamos vivendo uma era digital e necessitamos de regras para proteger os usuários, como molde de tais proteções, a LGPD trás por si só várias tipificações expressas em norma e reforçando ainda mais o combate referente aos delitos cibernéticos, como alguns exemplos expostos abaixo.
Vazamento de dados: referente a esse, a LGPD dispõe o artigo 46, que adequa as empresas ou organizações a adotarem medidas de segurança para evitar o vazamento de informações pessoais.
“Art. 46. Os agentes de tratamento devem adotar medidas de segurança, técnicas e administrativas aptas a proteger os dados pessoais de acessos não autorizados e de situações acidentais ou ilícitas de destruição, perda, alteração, comunicação ou qualquer forma de tratamento inadequado ou ilícito.“ (Brasil, 2018)
Tratamento de dados sem consentimento: um exemplo disso seria a prática de uso de imagem para marketing sem consentimento, pois viola a LGPD de acordo com o artigo 7.
“Art. 7º O tratamento de dados pessoais somente poderá ser realizado nas seguintes hipóteses:
I – mediante o fornecimento de consentimento pelo titular.“ (Brasil, 2018).
Para concluir, podemos citar a lei 14.155/2021 que vem com grande peso na punibilidade dos crimes cometidos na internet, pois tal lei por sua vez alterou o código penal, fazendo com que tivesse o aumento das penas para os crimes de estelionato praticado por meio digital, como também a invasão de dispositivos e entre outros.
Com isso podemos ver que o legislador brasileira está cada vez mais ciente dos impactos que estão sendo causados por esses delitos na vida das vítimas, pois está sendo tomada medidas para que a legislação seja mais rígida para tentar impedir a prática desses delitos.
5. A INVESTIGAÇÃO POLICIAL NOS CRIMES CIBERNÉTICOS E SUAS DIFICULDADES
Antes de citar as dificuldades da polícia em suas investigações referente aos crimes cibernéticos é de bom senso citar qual seria o seu papel na sociedade, como vemos disposto no Art.144 da Constituição federal brasileira de 1988:
“Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, sob a égide dos valores da cidadania e dos direitos humanos, através dos órgãos instituídos pela União e pelos Estados.“ (Brasil, 1988).
Com isso, observamos que o trabalho policial busca disciplinar, regular e fiscalizar interesses públicos da sociedade brasileira de modo administrativo, com isso é pressuposto que também é de seu dever investigar e apurar infrações como o que vem sendo expresso no Art.144 § 4º da constituição federal.
“Art.144 § 4º. Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.“ (Brasil, 1988).
No entanto as investigações policiais no meio cibernético, apresentam desafios únicos referente ao ambiente virtual, como a constante evolução da tecnologia, identificação de autores dos crimes e as limitações jurisdicionais impostas pelo ordenamento brasileiro.
5.1 Limitações técnicas
As limitações técnicas são um dos principais empecilhos da investigação criminal, pois vão desde o fato da internacionalização dos crimes cibernéticos onde por sua vez frequentemente atravessam as nossas fronteiras e fazem dos brasileiros suas vítimas e assim envolvendo uma dupla jurisdição como também a cooperação de outros países até as complexidades que a tecnologia envolve para ser desvendada.
Referente a isso, Haracemiw e Vieira fazem uma citação sobre como a evolução da internet foi prejudicial para o direito penal e processual penal, e assim prejudicando as soluções de crimes que antes já eram difíceis de solucionar.
“Para o Direito Penal e Processual Penal toda a evolução tecnológica que foi ocasionada pela internet se deu principalmente de uma forma negativa, pois os crimes que antes dela já eram difíceis de combater, como é o caso do estelionato, que geralmente é cometido contra vítimas com pouco conhecimento e que se sentem extremamente envergonhadas em admitir que foram lesadas por esta forma de golpe, piorou muito com o surgimento da internet e dos novos dispositivos eletrônicos, pois se tornaram ainda mais difíceis de serem suprimidos, em vista de que, os autores dos delitos normalmente utilizam nomes falsos, e através de páginas da internet ou até mesmo pelo telefone contratam as pessoas e induzindo-as ao erro as roubam. (Haracemiw e Vieira,2014, p.3)“
Um dos pontos que devem ser citados em relevância as limitações técnicas, são justamente a capacidade técnica insuficiente da força policial, exemplo disso seriam a ausência de capacitação bem como de especialistas em cibersegurança dentro da força policial para modernizar condutas de enfrentamento a tais crimes.
“Um dos principais erros que têm inviabilizado a atuação eficiente das instituições de segurança pública é o cultivo de métodos convencionais e ultrapassados para resolver a questão da criminalidade nesse novo contexto social, cuja característica principal é a modificação constante.“ (Souza,2017,p.7)
Como também já foi dito que é esse trabalho necessário uma adaptação contínua referente a segurança cibernética, pois a internet está em constante evolução e os crimes cometidos em seu meio também.
5.2 Lacunas na legislação
A temática crime virtual vem ganhando mais atenção com o avanço frenético da tecnologia, porém tal avanço em consequência acaba por si só criando uma espécie de insegurança jurídica, apesar de alguns referidos direitos estarem expressamente na constituição brasileira, ainda existem lacunas legislativas que precisam ser preenchidas e outras que por sua vez atrapalham a aplicabilidade de leis específicas, onde nosso ordenamento jurídico não consegue acompanhar o crescimento da internet e com os novos crimes surgindo a cada dia.
A ineficiência legislativa faz com que a sensação de impunibilidade aumente cada vez mais, com isso observamos a Constituição Federal de 1988 no artigo 5º, inciso XXXIX, onde diz que
“não há crime sem lei anterior que o defina, nem há pena sem prévia cominação legal” (Brasil, 1988)
Referente a isso e de acordo com o princípio da legalidade, a anterioridade do código penal onde diz que: uma pessoa só pode ser punida, se à época do fato por ela praticado, já estava em vigor a lei que descrevia o delito.
Podemos dizer que tal princípio é considerada uma proteção jurídica para que o estado não seja arbitrário com seus cidadãos, por outro lado com a crescente onda de novos crimes cibernéticos crescendo faz com quem tenha uma sensação de insuficiência do estado para combater os crimes no espaço virtual, ou em muitos casos ausência de tipificação da conduta.
Por fim é importante ressaltar que em nosso país, é comum que leis ocupem mais tempo para serem feitas e entrarem em vigor devido a nosso ordenamento jurídico rígido e segurança jurídica com os direitos fundamentais.
Porém, também temos exemplos de leis que foram impressionantemente feitas em tempo recorde, como a lei Lei nº 12.737/12 conhecida como lei Carolina Dieckmann que devido a o forte clamor público e pressão política, que fez com que o estado adotasse uma posição de enfrentamento severo ao combate do crime cibernético, alterando o código penal e assim preenchendo uma lacuna jurídica para uma nova tipificação criminal, além de colocar o direito à proteção de dados pessoais no rol de direitos e garantias fundamentais e delegando competência privativa da união a proteção e tratamento de dados pessoais com a emenda constitucional nº 115/2022.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Embora o referido trabalho tenha demonstrado os problemas que a internet trouxe para o ordenamento jurídico brasileiro, é de um bom senso também salientar sua importância tremenda para o direito em nosso país, com todo seu sistema online que acabou transformando o judiciário mais célere e eficaz.
Contudo, foi exposto não somente a falta de legislação para combater tais crimes, como também a carência de uma força policial mais especializada para investigar e combater os delitos cibernéticos, que por sua vez necessita de setores e agentes especializados para o combate desses crimes.
Mediante a tudo que foi citado, podemos concluir que a maior defesa que a vítima tem em relação aos crimes cibernéticos é o seu próprio conhecimento, pois a maioria dos criminosos utilizam da inocência da vítima para aplicar seus delitos, para evitar isso o usuário precisa proteger os seus equipamentos como computadores e celulares, contas de banco ou de redes sociais e sempre ficar em alerta em relação aos golpes na internet, da mesma forma que é importante o conhecimento da vítima, também é necessário o investimento do governo para capacitação de agentes da segurança pública e de equipamentos, para que a lei possa ser cumprida de forma eficaz e não ocasionando uma sensação de impunibilidade na sociedade.
REFERÊNCIAS
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