AS DIFERENTES CATEGORIAS DE ESTÍMULOS DAS TELAS E SEUS IMPACTOS NO DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM NA PRIMEIRA INFÂNCIA: UMA REVISÃO INTEGRATIVA

THE DIFFERENT CATEGORIES OF SCREEN STIMULI AND THEIR IMPACTS ON LANGUAGE DEVELOPMENT IN EARLY CHILDHOOD: AN INTEGRATIVE REVIEW.

LAS DIFERENTES CATEGORÍAS DE ESTÍMULOS DE PANTALLAS Y SUS IMPACTOS EN EL DESARROLLO DEL LENGUAJE EN LA PRIMERA INFANCIA: UNA REVISIÓN INTEGRATIVA.

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202410291306


Ana Beatriz Takahara1
Eduardo Ferreira dos Santos2
Liria Matsuzawa Figueiredo3
Ana Caroline de Moraes Oliveira4
Ana Laura Rosa5
Alessandra Ysabelle de França Pinto6
Amanda Prestes Camargo7
Martina Kegel Dieckmann8
Jonatan Zaleski9
Amarilis Cavalcanti da Rocha10


RESUMO

Estudos indicam que o uso excessivo de telas na primeira infância, principalmente de forma passiva, está associado a dificuldades na compreensão e expressão verbal. A interação limitada com o conteúdo e a falta de estímulos sociais afetam negativamente a aquisição de habilidades linguísticas, já que a linguagem se desenvolve melhor por meio de comunicação ativa. Por outro lado, pesquisas sugerem que o uso moderado de telas, com conteúdo de qualidade e acompanhado por cuidadores, pode oferecer benefícios, ainda que limitados. Sobre isso, existem diferentes categorias de estímulos transmitidos pelas telas, que variam nas implicações consequentes às crianças. Há programas educativos que incentivam a interação da criança e possuem um padrão de cores e características sonoras específicas, que demonstram impactos positivos na aquisição de vocabulário, ou uma menor consequência de implicações cognitivas quando comparados a outros desenhos. Em contraponto, conteúdos com ritmo acelerado, enredos complexos e pouca qualidade linguística foram considerados prejudiciais. O tempo de uso também se mostrou um fator relevante. Crianças expostas a telas por mais de uma hora diária apresentam maior risco de dificuldades no desenvolvimento da linguagem, enquanto um uso mais controlado parece ter efeitos limitados. Além disso, a presença de um adulto durante a exposição é apontada como essencial, pois a interação entre criança e cuidador pode diminuir os efeitos negativos e estimular o desenvolvimento linguístico. Assim, o impacto das telas no desenvolvimento da linguagem varia conforme o tempo de exposição, a qualidade do conteúdo e a interação social durante o uso.

Palavras-Chaves: Desenvolvimento da linguagem. Uso de telas. Interação social.

ABSTRACT

Studies indicate that excessive screen use during early childhood, especially in a passive manner, is associated with difficulties in verbal comprehension and expression. Limited interaction with the content and a lack of social stimuli negatively affect the acquisition of language skills, as language develops better through active communication. On the other hand, research suggests that moderate screen use, with high-quality content and accompanied by caregivers, can offer some benefits, though limited. There are different categories of stimuli provided by screens, each with varying implications for children. Educational programs that encourage child interaction and feature specific color patterns and sound characteristics demonstrate positive impacts on vocabulary acquisition and fewer cognitive consequences compared to other types of media. In contrast, fast-paced content, complex storylines, and poor linguistic quality have been found to be harmful. Screen time also proves to be a significant factor. Children exposed to screens for more than an hour a day are at greater risk for language development difficulties, while more controlled use appears to have fewer adverse effects. Additionally, the presence of an adult during screen exposure is considered essential, as interaction between the child and caregiver can reduce negative effects and stimulate language development. Therefore, the impact of screens on language development varies according to the duration of exposure, content quality, and social interaction during use.

Keywords: Language development. Screen use. Social interaction.

RESUMEN

Los estudios indican que el uso excesivo de pantallas durante la primera infancia, especialmente de manera pasiva, está asociado con dificultades en la comprensión y expresión verbal. La interacción limitada con el contenido y la falta de estímulos sociales afectan negativamente la adquisición de habilidades lingüísticas, ya que el lenguaje se desarrolla mejor a través de la comunicación activa. Por otro lado, investigaciones sugieren que un uso moderado de pantallas, con contenido de calidad y acompañado de cuidadores, puede ofrecer algunos beneficios, aunque limitados. Existen diferentes categorías de estímulos proporcionados por las pantallas, que varían en sus implicaciones para los niños. Los programas educativos que fomentan la interacción infantil y presentan patrones específicos de colores y características sonoras demuestran impactos positivos en la adquisición del vocabulario y menores consecuencias cognitivas en comparación con otros tipos de dibujos. En contraste, los contenidos de ritmo acelerado, con tramas complejas y baja calidad lingüística, han demostrado ser perjudiciales. El tiempo de uso también se ha mostrado como un factor relevante. Los niños expuestos a pantallas durante más de una hora al día presentan un mayor riesgo de dificultades en el desarrollo del lenguaje, mientras que un uso más controlado parece tener efectos limitados. Además, la presencia de un adulto durante la exposición a las pantallas se considera esencial, ya que la interacción entre el niño y el cuidador puede disminuir los efectos negativos y estimular el desarrollo del lenguaje. Así, el impacto de las pantallas en el desarrollo del lenguaje varía según el tiempo de exposición, la calidad del contenido y la interacción social durante su uso.

Palavras-Clave: Desarrollo del lenguaje. Uso de pantallas. Interacción social.

INTRODUÇÃO 

Na primeira infância, período de 0 a 6 anos, o sistema nervoso central segue em constante e intensa transformação, mielinização e organização sináptica, que atinge seu ápice por volta dos 24 meses de idade, favorecendo o processo de aprendizagem afetivo-social, motor e cognitivo (NOBRE et al., 2021). A aquisição da linguagem, como os outros aspectos cognitivos, se dá de forma individual para cada indivíduo, baseado em aspectos fisiológicos predispostos por condições genéticas e moldado pelo contexto. Esse processo de aquisição pode ser analisado de acordo com uma ordem sequencial de marcos que ocorrem em idades semelhantes para a maior parte das crianças (GOMES et al. 2024).

Logo, devido às intensas alterações biológicas ocorridas, o ambiente no qual a criança se insere tem papel direto no seu desenvolvimento. Inserida no meio, a criança desenvolve-se de forma progressiva e natural pela exposição à língua da comunidade à qual ela é exposta (GOMES et al. 2024). Dentro desse cotidiano, diversos aspectos podem impactar esse processo de aprendizagem, como por exemplo a exposição às telas, definida como ‘tempo de tela’, que é o período total do qual a criança permanece exposta a smartphones, notebooks e outras tecnologias.  Atualmente, esse contato se dá de forma cada vez mais precoce e prolongada. Diante disso, a Sociedade Brasileira de Pediatria estipula o tempo diário adequado para as diferentes idades, sendo a não exposição até 2 anos de idade, máximo de uma hora de 2 a 5 anos, máximo de duas horas de 6 a 10, e máximo de três horas dos 11 aos 18 anos, visando minimizar os impactos gerados pela exposição (SBP, 2022).

Considerando as diversas variáveis como idade, tempo de exposição, qualidade e tipo do conteúdo exposto aqui, são diversos os impactos do uso de telas na aquisição de linguagem na primeira infância (ALROQI et al., 2022). Esses impactos gerados podem ser negativos, como observados na maior parte dos estudos, mas podem ser positivos quando as mídias digitais são usadas de forma adequada (SUNDQVIST et al., 2021). Também há variáveis quanto ao tipo de estímulo realizado pelas telas, que podem ser categorizadas com o estímulo de baixo e alto grau. Os estímulos de baixo grau seguem um ritmo mais lento e são mais adequados para o desenvolvimento das crianças, já os de alto grau são mais acelerados, tendo características inadequadas diante da imaturidade cognitiva da criança, gerando maiores repercussões (DE MESQUITA, 2024). 

Há um aumento do acesso às tecnologias na atualidade, resultando em um acesso cada vez mais precoce e prolongado pelas crianças (CGI.BR, 2023). Esse aumento é resultado do processo tecnológico, que tornou o ambiente caracterizado pela internet, celulares, notebooks, entre outras mídias, tornando os impactos gerados pela exposição uma realidade crescente (MASSARONI, et al., 2023). Sendo assim, é  de suma importância compreender esses efeitos gerados para adequar o uso das tecnologias, buscar caminhos para minimizar os danos, além de possibilitar a utilização como auxiliar no processo de desenvolvimento. Dessa forma, este trabalho buscou reunir os dados científicos mais relevantes e atuais para uma melhor compreensão da abrangência do tema, além de contribuir para o reconhecimento de lacunas existentes,  a fim de impulsionar novas pesquisas.

METODOLOGIA

Realizou-se uma revisão integrativa em julho de 2024, nas bases de dados PubMed e SciELO, utilizando os descritores e os respectivos operadores booleanos: “screen time” OR “digital media” AND “language development” AND “children”, bem como seus correspondentes em português. 

Na estratégia de busca considerou-se critérios de inclusão e exclusão. Foram considerados incluídos: estudos realizados com crianças de 0-6 anos, publicados entre 2019 e 2024, disponíveis em inglês ou português, de acesso amplo e com foco exclusivo no desenvolvimento da linguagem. Como critérios de exclusão, foram descartados os estudos que não abrangiam com totalidade o tema, ou, estudos não realizados em humanos. A busca inicial resultou em 96 artigos. Após a remoção de duplicatas e a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, foram considerados elegíveis para análise 16 artigos.

Além dos artigos identificados nas bases de dados, foram consultadas outras literaturas relevantes para complementar o estudo e fornecer um contexto mais abrangente. Essas literaturas incluíram revisões sistemáticas, meta-análises e diretrizes de organizações pediátricas.

Os princípios de uma revisão integrativa foram adotados para contextualizar e sintetizar os achados dos estudos revisados. Esses princípios incluem uma ampla revisão da literatura, organização dos estudos, e uma discussão crítica dos resultados. A análise buscou compreender como diferentes tipos de estímulos de tela impactam no desenvolvimento da linguagem na primeira infância. Assim, as conclusões foram discutidas à luz das práticas recomendadas pelas principais organizações de saúde e educação infantil, buscando oferecer recomendações baseadas em evidências para pais, educadores e profissionais de saúde.

RESULTADOS

Tempos passivos e ativos no uso de telas e consequências no desenvolvimento da linguagem

O uso de dispositivos eletrônicos por crianças em idade pré-escolar tem aumentado significativamente, sendo que sua influência no desenvolvimento cognitivo e linguístico tem gerado preocupações. Massaroni et al. (2023) constataram que o tempo de uso das telas por pré-escolares varia de acordo com a estrutura familiar na qual a criança está inserida. Além disso, os autores demonstraram que o uso excessivo pode ser prejudicial ao desenvolvimento cognitivo como um todo, com impacto especialmente significativo na linguagem. O tempo que a criança passa como espectadora foi dividido pelos pesquisadores em duas categorias: tempo ativo, quando há interação com o conteúdo, como ao jogar videogames, e tempo passivo, quando não há interação efetiva, como ao assistir televisão. Nesse contexto, Massaroni et al. (2023) identificaram que o tempo passivo é o mais prejudicial, pois a interação é limitada e a criança não é desafiada a trabalhar com múltiplos estímulos. A falta dessa interação afeta negativamente a aquisição de linguagem, uma vez que o desenvolvimento linguístico requer estímulos constantes e variados. 

Além disso, segundo Alroqi et al. (2022), a linguagem inadequada, o ritmo inapropriado, a tonalidade e a pronúncia dos conteúdos apresentados por telas, como televisão, computadores, tablets e celulares, podem atrapalhar o desenvolvimento linguístico das crianças. Isso ocorre porque o processamento cerebral infantil é diferente do adulto, e a interação com outras pessoas, especialmente com outras crianças do convívio permite uma modulação da forma de se expressar, facilitando a compreensão e aquisição de conhecimento, os quais as Telas não conseguem explorar, e acabam sendo um elemento distrator e prejudicial a este processo. 

No entanto, Madigan et al. (2020) argumentam que o uso controlado de telas pode ser, em partes, benéfico, uma vez que esta ferramenta abre espaço para questionamentos e interações com os responsáveis. Eles recomendam o uso de programas adequados à idade e a presença de cuidadores durante o tempo de exposição à tela. A favor da perspectiva positiva da temática, o autor argumenta que o uso de telas pode aumentar o conhecimento do mundo das crianças, especialmente sobre assuntos que podem não estar facilmente acessíveis no cotidiano ou na realidade da criança, como determinados animais, culturas ou lugares.

Mustonen, Torppa e Stolt (2022) corroboram essa ideia, mostrando que o uso de telas sem a supervisão de um cuidador, ou seja, de forma passiva, impacta negativamente a habilidade linguística da criança, mas o uso de telas com a presença de um adulto responsável mostrou melhores resultados no teste FinCDI III, especialmente na seção de vocabulário. Contudo,  segundo Kucker, Perry e Barr (2024), muitos pais recorrem às telas para ocupar as crianças enquanto realizam outras tarefas, permitindo que elas assistam a vídeos de forma passiva e não interativa, e esse tipo de uso não proporciona a interação necessária entre a criança e o cuidador, como discutir o significado de palavras ou repetir frases. Dessa forma, como destaca Korres et al. (2024), a diminuição da interação entre a criança e seu cuidador durante o uso de telas tem o resultado oposto, sendo os efeitos negativos da exposição aos dispositivos, superiores aos potenciais benefícios.

Por fim, Karani et al. (2022) concluem que os efeitos do uso de telas, sejam eles positivos ou negativos, dependem de várias vertentes: o tempo de uso, a orientação e intenção dos responsáveis, a qualidade do conteúdo e a forma de comunicação empregada pelo entretenimento. Complementando essa análise, Rayce et al. (2024) mostram que crianças expostas a mais de uma hora diária de telas apresentam um aumento de 10 pontos percentuais no risco de dificuldades de compreensão de linguagem e habilidade de comunicação, em comparação com aquelas que usavam telas por menos de uma hora.

Diferenças da natureza, qualidade do conteúdo e padrão de consumo quanto ao uso de telas

Atualmente, ainda não há um número significativo de evidências consolidadas sobre a influência do conteúdo oferecido por telas no desenvolvimento da linguagem em crianças na primeira infância. No entanto, um estudo publicado por Linebarger e Walker (2016) revelou que certos programas podem estar relacionados a um desenvolvimento positivo da fala, enquanto outros podem contribuir para o atraso da linguagem. Os resultados positivos foram observados em programas que simulam a aprendizagem de palavras reais, apresentam narrativas simples que se direcionam diretamente ao espectador e incluem pausas para a resposta da criança, como o programa “Dora the Explorer”. Por outro lado, programas com enredos complexos e desconexos, como “Teletubbies”, foram associados a impactos negativos no desenvolvimento da linguagem das crianças. Outro fator que contribui negativamente para as habilidades linguísticas é a exposição a conteúdos adultos, que não são direcionados ao público infantil, possuem cenas rápidas e mudanças bruscas de cenário, dificultando a interação tanto da criança quanto dos pais durante a exposição (Hudon et al., 2013).

Entre os aspectos mais relevantes na variação da qualidade do estímulo está o conteúdo reproduzido. A televisão, por exemplo, é apontada por Massaroni et al. (2024) como o dispositivo mais prejudicial ao desenvolvimento da linguagem, especialmente porque seu uso está frequentemente vinculado a conteúdos com pouca qualidade linguística, ritmo acelerado e estímulos visuais exagerados, fatores que contribuem para atrasos na linguagem. No entanto, Martinot et al. (2021) sugere que o acesso moderado à televisão, com conteúdos de alta qualidade, pode ser benéfico para o desenvolvimento linguístico.

No estudo de Gomes et. al (2024), foi constatado como principal natureza do uso de Telas pelas crianças os dispositivos: “smartphones”, tablets e televisores. O consumo do conteúdo advindo dessa fonte de estímulo, correlacionou-se com o uso dos pais, os quais apresentaram os mesmos padrões de consumo em relação ao tipo de dispositivo. Sobre isso, os autores relacionam o padrão do uso de Telas, com a formulação da estrutura familiar, no aspecto emocional e social. Os dados do estudo elucidaram que famílias emocionalmente mais afetuosas e com maior grau de estabilidade nas relações, possuíam crianças com menor acesso às telas e com melhor desempenho nos testes de linguagem.

No estudo de Varghese et al. (2024), foi observado que 2,4% dos pais relataram que seus filhos usavam esses dispositivos especificamente para entretenimento, e 62,5% para propósitos relacionados ao aprendizado. Porém os estudos variam,

Para mais, Kucker et al. (2024) correlacionou em seus estudos, o aumento indiscriminado do uso de telas nos últimos anos, mesmo com a contraindicação de especialistas, a talvez efeitos da pandemia da COVID-19, o qual alterou o padrão de consumo das mídias pelas famílias, e criou maiores necessidades de realizações de tarefas domésticas, muitas vezes dificultadas na presença das crianças, as quais eram submetidas ao uso de dispositivos para uma possível distração, a fim de facilitar o desenvolvimento das tarefas pelas famílias. No entanto, as autoras finalizam concluindo que necessita-se de mais estudos para entender esse padrão aumentado de uso, pois ele pode estar também alicerçado nos novos hábitos da sociedade atual. Corroborando com as autoras, Gomes et al. (2024), também cita em seus estudos como principais justificativas de exposição da criança às telas oferecida pelos pais,  a necessidade de realização das tarefas cotidianas, sendo uma via facilitadora para o cuidado das crianças durante esses períodos, tanto que os horários de maior utilização dos dispositivos – depois da pré-escola e antes de deitar – convergem com o tempo de realização destas atividades. Os autores Varghese et al. (2024) apresentaram no estudo, a porcentagem de 48,4% dos pais relataram usar dispositivos para simplesmente envolver a criança para ter tempo social.

Comparação entre estímulos e o respectivos impactos

O uso moderado de telas na primeira infância está relacionado a efeitos negativos, além disso, é crucial reconhecer que estímulos diferentes podem gerar variados impactos. Esse entendimento aponta nuances importantes na maneira como o uso de telas pode impactar o desenvolvimento da linguagem infantil (MADIGAN et al., 2020).

Gomes et al. (2024) demonstram que crianças com maior tempo de utilização de dispositivos digitais, como smartphones e tablets, apresentaram pontuações inferiores em termos de desenvolvimento da linguagem, sugerindo que a exposição prolongada a telas pode comprometer esse desenvolvimento. Esse resultado de menores taxas de sucesso em testes de linguagem se repetiram nos estudos de Mustonen, Alroqi, Rayce, Kucker, Sundqvist, todos realizados nos últimos 2 anos. O desenvolvimento tardio da linguagem tem sido associado ao aumento do tempo de exposição a telas, substituindo atividades que estimulam o desenvolvimento linguístico, como brincar, pintar e realizar jogos interativos com adultos (Gomes et al., 2024).

Crianças com maior tempo de tela diário apresentaram uma correlação negativa com suas habilidades gerais de linguagem, especialmente quando esse tempo era passado sozinhas. O tempo médio diário de tela foi de 79 minutos, dos quais 44 minutos foram passados estando sozinhas, enquanto 34 minutos foram em companhia de um dos pais (Mustonen et al., 2022). Ainda nos estudos destes autores, a covisualização, ou seja, o tempo de tela acompanhado de um dos pais, mostrou uma associação positiva com habilidades linguísticas expressivas e fonológicas, além da habilidade geral de linguagem. Em concordância com esse estudo, Sundqvist et al. (2021) também evidenciou em sua amostra resultados positivos quando as mídias fornecidas às crianças eram em companhia dos pais. No entanto, no aspecto geral, ela enfatizou a perda na qualidade do vocabulário e gramática na linguagem aprendida representada nos testes específicos da temática realizados na pesquisa. Dessa forma, a autora destacou que a linguagem social – responsável pela comunicação e interação com as vivências sociais – realmente pode vir a ser desenvolvida a partir de estímulos de telas quando na presença da interação dos pais, contudo, seu rigor metodológico do idioma é prejudicado.

Há a importância, para desenvolvimento da linguagem, da sensibilidade materna na capacidade de responder de maneira adequada às iniciativas da criança. Quanto maior o tempo de uso de telas pela mãe quando ao lado de suas crianças, menor a interação e a sensibilidade responsiva, reduzindo diálogos e resultando em um desenvolvimento léxico mais fraco pelas crianças Mustonen et al (2022). 

Sun et al. (2023) avaliou, em seu estudo, as variáveis que implicam nos impactos da excessiva exposição de tela no desenvolvimento da linguagem, que compõem a idade inicial de exposição do vídeo, o tempo gasto assistindo TV, o tempo gasto assistindo ao celular, tempo total diário de exposição ao vídeo, tempo de narração de histórias e tempo de diálogo mãe-filho. A análise das variáveis mostrou que a combinação entre menor idade inicial de exposição a vídeos, maior tempo total diário de exposição e menor tempo de diálogo entre mãe e filho resultaram em menores valores de quociente de desenvolvimento de linguagem. Além disso, foi evidenciado por Mendelsohn et al (2008) que quanto maior era o tempo de exposição à TV, menor era a interação verbal entre pais e filhos. Nessa perspectiva, o estudo de Sun et al. (2023) demonstrou uma correlação positiva no tempo de diálogo mãe-filho, indicando esse fator como favorável ao desenvolvimento da linguagem infantil.

No estudo de Rayce et al. (2024), fatores sociodemográficos foram considerados, demonstrando, entre as famílias participantes da pesquisa, que há relação entre menor escolaridade dos pais com maior tempo de uso de telas pelos filhos. O uso de smartphones e tablets, que integraram a rotina diária das famílias, assume um papel diferente da televisão ou computador, pois são muitas vezes utilizados como recompensa ou distração, e o fácil acesso compromete o desenvolvimento de habilidades de comunicação cotidianas. Ainda, um ambiente de aprendizado doméstico que proporciona leitura frequente poderia atenuar os efeitos negativos do uso excessivo de telas no desenvolvimento da linguagem, mais especificamente na compreensão dela, mas não nas habilidades expressivas. A leitura compartilhada proporciona oportunidades para explorar a narrativa e enriquecer o vocabulário (Rayce et al; 2024). 

Desenvolvimento da Linguagem da Criança e seus pilares correlacionados ao uso de telas

O desenvolvimento da linguagem na criança abrange aspectos neurobiológicos e sociais. Para além de uma estrutura cerebral considerada sem alterações, e um parto sem possíveis intercorrências, os aspectos sociais e as dinâmicas familiares de interação são decisivas no processamento de aquisição de ferramentas para a construção da linguagem (Mousinho et. Al, 2008). A respeito dos aspectos psico-sociais, há a Teoria Histórico-Cultural, em que a comunicação é uma condição indispensável para a existência do homem e sua formação psíquica, dessa forma, o desenvolvimento da linguagem nesta perspectiva surge como algo não natural, mas como consequência da inserção da criança nas condições sócio históricas (Bissoli et al., 2021).

A forma básica é presente nos primeiros anos de vida, por ser a base inicial da linguagem: a comunicação material. Esse tipo de comunicação é realizada a partir do ato da criança de interagir com o adulto nomeando os objetos do cotidiano, assim, ela aprende os significados das palavras e passa, pouco a pouco, a desenvolver a comunicação intelectual, que refere-se a troca de sentimentos, impressões e expressões não totalmente dependentes das relações materiais (Bissoli el al., 2021). Com a dependência da linguagem material para o desenvolvimento de linguagens mais complexas e também para a vivência do cotidiano, esse tipo de comunicação desenvolvida no início da infância, torna-se essencial. Sobre esse tipo de linguagem associativa entre palavra e objeto, de acordo com XXX,  é dependente da interação dos pais, a qual pode ser comprometida com o uso de telas. Sobre isso, no artigo de Bissoli et al., ele afirma sobre os índices de desenvolvimento da comunicação infantil ser maior e mais complexo quando há um adulto interagindo comunicativamente com a criança, indo em convergência com outros estudos citados no texto anteriormente. 

Recomendações dos Órgãos de Saúde quanto ao uso de Telas na Infância – Sociedade Brasileira de Pediatria

A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), em seu Manual de Orientação sobre Uso de Telas, estabelece diretrizes rigorosas para o uso de dispositivos eletrônicos por crianças entre 0 e 6 anos, devido aos impactos negativos que o excesso de telas pode ter no desenvolvimento neuropsicomotor, social e cognitivo das crianças. Para a faixa etária de 0 a 2 anos, o uso de telas deve ser *totalmente evitado, exceto em casos de chamadas de vídeo supervisionadas, com o objetivo de manter contato com familiares. Nessa fase, as interações diretas com pais, cuidadores e o ambiente são essenciais para o desenvolvimento saudável.

Entre 2 e 5 anos, o uso de telas deve ser limitado a no máximo 1 hora por dia, e sempre com supervisão ativa dos pais ou responsáveis, que devem ajudar a interpretar e a discutir o conteúdo visto. É fundamental que as crianças acessem conteúdos de alta qualidade, preferencialmente educativos e interativos, que possam complementar o aprendizado e estimular o desenvolvimento cognitivo e social. Mesmo nessa fase, a SBP reforça a importância de priorizar atividades que não envolvam telas, como brincadeiras ao ar livre, interações sociais e leitura, essenciais para o desenvolvimento motor e a criatividade.

Para crianças de 5 a 6 anos, a recomendação é que o tempo de tela seja limitado a 1 a 2 horas diárias, sempre supervisionado, com foco em conteúdos educativos e adequados à idade. A SBP alerta para os riscos associados ao uso excessivo de telas, como problemas de atenção, dificuldades de sono, obesidade, sedentarismo, atrasos no desenvolvimento da linguagem e prejuízos no desenvolvimento emocional, já que o tempo em frente às telas pode reduzir as interações familiares e sociais. A recomendação é que as telas não sejam usadas durante as refeições ou uma hora antes de dormir, e que os dispositivos eletrônicos fiquem fora do quarto das crianças, promovendo uma rotina de sono adequada.

A SBP enfatiza a importância do exemplo dado pelos pais: o comportamento deles em relação ao uso de telas influencia diretamente as crianças, sendo essencial que os adultos pratiquem o uso consciente e equilibrado de dispositivos eletrônicos para estimular hábitos saudáveis nas crianças.

CONCLUSÃO 

Em suma, o uso de telas na primeira infância apresenta várias nuances que devem ser levadas em consideração devido a influência sobre o desenvolvimento cognitivo e linguístico da criança. Constatou-se que o uso de telas previamente descrito o qual desaconselha o uso até 2 anos de idade e restringe a 1h até os 5 anos (SBP, 2022) é essencial e deve ser associado a outras questões, como o conteúdo apresentado nas telas, os estímulos presentes e o acompanhamento de um adulto responsável. Destes, o conteúdo demonstrou-se benéfico quando abordado por uma linguagem simples, sem muitos estímulos visuais contrastantes e apresentando uma forma lúdica na qual a criança consegue interagir com a tela e adquirir novos conhecimentos, sejam eles linguísticos ou formando novos conhecimentos de mundo. Ademais, a presença de um adulto para acompanhar o conteúdo e reforçar o conteúdo visto pela criança se mostra benéfico e determinante para o processo de aprendizado, sendo a ausência desses um possível fator desencadeante para dificuldade na linguagem oral (Mousinho et. Al, 2008). Além do aspecto cognitivo e de linguagem, essa presença de um adulto acompanhando a criança fortalece vínculos e propicia maturidade social e emocional à criança, de maneira que o aprendizado seja mais fluido e o desenvolvimento se torne efetivo (Gomes et. al, 2024).

AGRADECIMENTOS

Agradecemos ao setor de Humanização da Primeiríssima Infância do Hospital Pequeno Príncipe e à Fundação Araucária de Pesquisa – PIBEx pelo suporte essencial na realização deste estudo a partir do Projeto de Extensão Primeiríssima Infância realizado em parceria com a Faculdades Pequeno Príncipe.

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1Discente do Curso de Medicina das Faculdades Pequeno Príncipe e Bolsista pelo Programa Institucional de Bolsas de Extensão da Fundação Araucária
2Discente do Curso de Enfermagem das Faculdades Pequeno Príncipe
3, 4, 5, 6, 7, 8, 9Discente do Curso de Medicina das Faculdades Pequeno Príncipe
10Docente do curso de Psicologia das Faculdades Pequeno Príncipe. amarilis.rocha@professor.fpp.edu.br