REGISTRO DOI:10.69849/revistaft/th102412151315
Laysa Gabrielle Fonseca Sales
RESUMO
A reforma trabalhista (Lei 13.467/2017) tornou-se um marco importante dentro do Direito do Trabalho. Inúmeras foram as transformações no cenário laboral, dentre elas a licitude da terceirização da atividade-fim, o que antes era considerado ilícito pelo ordenamento jurídico brasileiro. Este trabalho aborda a evolução histórica das atividades desempenhadas por trabalhadores de empresas interpostas, especialmente as consequências jurídicas pré e pós Reforma Trabalhista. O objetivo geral deste trabalho é compreender a licitude da terceirização da atividade-fim, enquanto os objetivos específicos se moldam nos impactos sociais, mentais e jurídicos que essa conjuntura ocasiona aos direitos trabalhistas desses profissionais. A metodologia utilizada nesse artigo é baseada em legislações, doutrinas e súmulas que se destacam ao tema, sendo, portanto, uma pesquisa de cunho bibliográfico.
Palavras-Chaves: Terceirização; Atividade-Fim; Reforma trabalhista.
1 INTRODUÇÃO
A diversidade brasileira, marcada, sobretudo, pela grande dimensão territorial do país, é percebida não apenas em aspectos culturais, mas também pelas mais diversas formas de trabalho reconhecidas atualmente no Brasil, dentre elas a terceirização. Essa nomenclatura faz referência à transferência da prestação de serviços para outra pessoa jurídica, comumente chamada de terceiro. Essa delegação é feita pelos mais diversos motivos, os quais se destacam aspectos econômicos, estruturais ou de logística.
Para Maurício Godinho Delgado (2015, p. 473), a palavra terceirização “resulta de neologismo oriundo da palavra terceiro, compreendido como intermediário, interveniente. […] O neologismo foi construído […] visando enfatizar a descentralização empresarial de atividades para outrem, um terceiro à empresa”.
Diante desse cenário, a Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017), indiscutivelmente, trouxe uma expressiva mudança nas relações de trabalho terceirizadas, já que não havia licitude da terceirização da atividade-fim antes de entrada em vigor da referida lei, apenas da atividade-meio. A discursão acerca da diferença entre os institutos da atividade-fim e da atividade-meio será detalhadamente explicitada no decorrer deste trabalho.
A mudança em relação ao regime de terceirização repercute tanto na forma como o patrão enxerga financeira e logisticamente seus funcionários, quanto na maneira como o trabalhador se sente frente às incertezas desse modelo de labor. A Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017) aumentou as discussões já existentes em relação à terceirização.
Desta feita, o presente trabalho busca apresentar, de forma crítica, as consequências da regularização das atividades-fim terceirizadas. A relevância desse trabalho reside na análise dos impactos e dos efeitos trazidos pela licitude da terceirização da atividade-fim, sobretudo no que diz respeito aos direitos legais do trabalhador.
2 A HISTÓRIA DA ATIVIDADE TERCEIRIZADA NO BRASIL
O Brasil é historicamente retardatário quando se trata da regulamentação dos direitos trabalhistas, visto que discutir prerrogativas do trabalhador em um país marcado por longas décadas de escravidão é desafiador. Em um período de crimes brutais contra o trabalhador, falar em direitos trabalhistas era uma utopia. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2013), “O Brasil, como se sabe, tem sua história marcada por quase quatro séculos de escravidão, durante os quais falar de direitos do trabalho era pouco mais que obra de ficção. Desprovido da prerrogativa básica da cidadania – a liberdade –, o cativo não figurava sequer em nossa primeira Constituição. Inspirada em ideais iluministas, ela apresenta o que seriam direitos políticos sem concretizar nenhum direito social. Descreve os membros da população como “cidadãos”. Seu artigo 1º assim classifica o país:
“O Império do Brasil é a associação política de todos os cidadãos brasileiros. Eles formam uma nação livre, e independente, que não admite com qualquer outra laço algum de união, ou federação, que se oponha à sua independência”.”
Ao longo dos anos, a escravidão foi abolida, pelo menos no papel com a edição da Lei Áurea, e o ambiente de trabalho escravista deu espaço ao labor assalariado, com o advento da Revolução Industrial. Esse marco histórico, embora defendesse a recompensa financeira pelo trabalho, não trouxe grandes mudanças em relação à exploração do trabalhador. Os modelos de trabalho Taylorista e Fordista que vigoravam na época (séculos XIX e XX) prezavam pela produção em massa, portanto o trabalhador deveria fabricar a maior quantidade de produto no menor tempo possível. Essa exigência era acompanhada de jornadas de trabalho exaustivas e salários extremamente baixos, além do trabalho infantil e da ausência de direitos básicos, como descanso semanal. Não demorou muito para os trabalhadores se rebelarem contra as péssimas condições de labor e reivindicarem direitos mínimos.
“Em junho de 1917, uma greve geral paralisa totalmente a cidade de São Paulo por oito dias. Os trabalhadores, organizados, entram com uma nova qualidade na agenda política nacional. Vitorioso, o movimento por melhores salários assusta as elites e demonstra que os limites institucionais da primeira República estavam se tornando estreitos para enquadrar uma nova complexidade social. Nos anos seguintes, manifestações de descontentamento com a ordem vigente se espalham” (IPEA, 2013).
As consequências da Revolução Industrial aumentaram, sobretudo após a Segunda Guerra Mundial, e, a partir de então, “surgiu a necessidade de aumento de produtividade na indústria bélica, com o objetivo de manter a oferta de armamento para os países em conflito. Como as grandes fábricas não conseguiam suprir toda a demanda, a saída encontrada (…) foi remodelar a forma de produção, transferindo atividades não essenciais a outras empresas. Dessa forma, a indústria percebeu que era necessário voltar seu foco para a produção de material bélico, delegando suas atividades secundárias a terceiros.” (DA CRUZ, Luiz Guilherme Ribeiro). Fenômeno que mais tarde seria conhecido como terceirização.
No Brasil, a terceirização foi regulamentada apenas em 1943 com a promulgação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) pelo Presidente da época Getúlio Vargas.
A terceirização é o ato de transferir à outra empresa as atividades que deveriam ser desempenhadas pela empresa “principal”. As empresas tendem a aderir a esse tipo de arranjo por ser mais cômodo econômica e logisticamente, uma vez que é pago um valor fixo para a prestadora de serviço a qual é responsável por selecionar os trabalhadores que irão executar os serviços para a empresa que a contratou, chamada de tomadora. Ao longo do presente trabalho será abordada a discussão acerca dos deveres da prestadora de serviço e da tomadora.
Para compreender melhor a diferença entre empresa prestadora de serviço e tomadora faz-se necessário buscar os preceitos da legislação. A Lei 13.429/2017, que regulamentou a Lei 6.019/1974, alterou o artigo 5º dessa norma dando a seguinte redação:
“Art. 5º Empresa tomadora de serviços é a pessoa jurídica ou entidade a ela equiparada que celebra contrato de prestação de trabalho temporário com a empresa definida no art. 4º desta Lei.”
“Art. 4º Empresa de trabalho temporário é a pessoa jurídica, devidamente registrada no Ministério do Trabalho, responsável pela colocação de trabalhadores à disposição de outras empresas temporariamente.”
A Lei Nº 6.019 trata do trabalho temporário, todavia, após a regulamentação dada pela Lei Nº 13.429, esses dispositivos também se aplicam ao trabalho terceirizado. Portanto, os conceitos dos artigos 4º e 5º também dizem respeito à terceirização. Em síntese, empresa tomadora é aquela que recebe os serviços, enquanto a empresa prestadora é aquela que dispõe dos serviços, isto é, oferece o trabalho dos seus empregados para a tomadora.
O ato de transferir os serviços para outra empresa pode ocorrer em dois momentos, conhecidos como terceirização da atividade-meio ou da atividade-fim. A atividade-meio diz respeito àquela não é a preponderante da empresa, isto é, não é a atividade principal. Uma boa análise desse assunto é o serviço de segurança em bancos públicos, como a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil. Apesar de essas instituições fazerem parte da Administração Pública Indireta e, portanto, admitem seus funcionários por meio de concurso público, podem optar por terceirizar alguns serviços que a lei permite, dentre eles o de segurança. Desse modo, o banco contrata uma terceira empresa para prestar esse serviço. Esse é um clássico exemplo de atividade-meio, visto que a atividade preponderante do banco não é a segurança. É importante ressaltar que esse trabalhador não faz parte do quadro de funcionários do banco e sim da empresa de segurança.
Em contrapartida, a atividade-fim é aquela diretamente ligada ao exercício preponderante da empresa. Pode-se destacar o serviço de caixa em supermercados em que os funcionários desempenham atividades intimamente ligadas à ocupação principal da empresa que é a venda, estando vinculados a um contrato social. Da mesma forma, o trabalhador também não integra o rol de funcionários do supermercado e sim da empresa de caixa.
Para evitar confusão em relação à classificação da atividade, as empresas devem observar o artigo 581, parágrafo 2º, da CLT, que define o conceito de atividade-fim. Desse modo, atividade-meio é aquela que não se encaixa nesses critérios.
Art. 581, CLT
“§ 2º Entende-se por atividade preponderante a que caracterizar a unidade de produto, operação ou objetivo final, para cuja obtenção todas as demais atividades convirjam, exclusivamente, em regime de conexão funcional.”
3 O DUALISMO ENTRE CRÍTICAS E ELOGIOS À TERCERIZAÇÃO
O fenômeno da terceirização transpassa críticas e elogios dentro do ordenamento jurídico brasileiro. Entender a evolução histórica desse instituto auxilia na compreensão dos direitos que o rodeiam. A necessidade de mão-de-obra mais fácil, rápida e sem grandes responsabilidades durante a Revolução Industrial deram início a história da terceirização, sendo moldada ao longo dos anos no Brasil.
Consoante Maurício Godinho Delgado (2015, p. 473), “Para o Direito do Trabalho, terceirizaçãoé o fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica de trabalho da relação justrabalhista que lhe seria correspondente. Por tal fenômeno insere-se o trabalhador no processo produtivo do tomador de serviços sem que se estendam a este os laços justrabalhistas, que se preservam fixados com uma entidade interveniente. A terceirização provoca uma relação trilateral em face da contratação de força de trabalho no mercado capitalista: o obreiro, prestador de serviços, que realiza suas atividades materiais e intelectuais junto à empresa tomadora de serviços; a empresa terceirizante, que contrata este obreiro, firmando com ele os vínculos jurídicos trabalhistas pertinentes; e a empresa tomadora de serviços, que recebe a prestação de labor, mas não assume a posição clássica de empregadora desse trabalhador envolvido.”.
O trabalhador terceirizado tende a ser mais instável na sua relação de trabalho, uma vez que pode ser substituído por outro a qualquer momento. Sabendo disso, essas pessoas exercem suas atividades com grande produtividade em troca de salários menores, em virtude do medo constante da substituição.
Todo esse fenômeno é motivo de discussão no ordenamento jurídico brasileiro, sendo alvo de críticas, mas também de elogios.
“Em linhas gerais, o fenômeno da terceirização possui argumentos favoráveis e contrários. Os favoráveis são: a modernização da administração empresarial com a redução de custos, aumento da produtividade com a criação de novos métodos de gerenciamento da atividade produtiva. Os contrários são: a redução dos direitos globais dos trabalhadores, tais como a promoção, salários, fixação na empresa e vantagens decorrentes de convenções e acordos coletivos.” (NETO; CAVALCANTE, 2015, p. 454).
4 A TERCEIRIZAÇÃO ANTES DA REFORMA TRABALHISTA
A Reforma Trabalhista é um importante marco quando se trata da terceirização. Até 2017, ano da mudança na legislação trabalhista, havia uma expressa proibição quanto à terceirização da atividade-fim, observada na redação da Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho.
“SÚMULA 331 – TST
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) – Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011
I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).
II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).
III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
V – Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.
VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.”
A partir dessa Súmula, nota-se que o Tribunal expressou o entendimento de que haveria irregularidade na contratação de um trabalhador por empresa interposta, ou seja, decretou a ilicitude da terceirização da atividade-fim. Caso ocorresse essa contratação, haveria necessariamente o reconhecimento de vínculo de emprego, em que pese haja exceções trazidas pela própria Súmula.
A Súmula 331 do TST foi editada em 1993 e, até 2017, caminhava no mesmo sentido da legislação. A Reforma Trabalhista permitiu a licitude da atividade-fim terceirizada, mas, apesar disso, a Súmula ainda continua vigente. Essa confusão fragiliza o ordenamento trabalhista, sobretudo pelo fato de possuírem entendimentos absolutamente contrários.
5 A TERCEIRIZAÇÃO APÓS A REFORMA TRABALHISTA
A Reforma Trabalhista inovou em diversas áreas da seara trabalhista, em especial na terceirização. Os trabalhadores terceirizados sempre tiveram seus direitos garantidos, embora se tratasse de uma forma de trabalho com menos garantias. A Reforma manteve essas prerrogativas tanto para os trabalhadores que exercem a atividade-meio; já permitida por lei desde a sua criação; quanto para aqueles que realizam a atividade-fim, agora lícita.
A principal diferença entre a atualidade e o período pré Reforma é a licitude da terceirização da atividade-fim. O ponto inicial para essa mudança foi a ADPF 324 do Supremo Tribunal Federal (STF) em que essa Corte reconheceu como lícita qualquer forma de terceirização:
ADPF 324 – STF
“É lícita a terceirização de toda e qualquer atividade, meio ou fim, não se configurando relação de emprego entre a contratante e o empregado da contratada. 2. Na terceirização, compete à contratante: i) verificar a idoneidade e a capacidade econômica da terceirizada; e ii) responder subsidiariamente pelo descumprimento das normas trabalhistas, bem como por obrigações previdenciárias, na forma do art. 31 da Lei 8.212/1993.”
A partir de então, houve um novo viés acerca dessa temática, levando a jurisprudência a caminhar no mesmo sentido da ADPF editada pela Suprema Corte e trazer novos rumos para a atividade terceirizada no Brasil. Antes desse período, os Tribunais questionavam alguns dispositivos legislativos que tratavam desse tema, mas a Reforma, alinhada ao próprio entendimento dos Tribunais, tornou lícita todos os tipos de terceirização.
Ainda nessa seara, o Tema 725 do STF de relatoria do Ministro Luiz Fux ganhou destaque ao dissertar sobre a possibilidade lícita de terceirização da atividade-fim.
Tema 725 – Terceirização de serviços para a consecução da atividade-fim da empresa.
Descrição:Recurso extraordinário em que se discute, à luz dos arts. 2º, 5º, II, XXXVI, LIV e LV e 97 da Constituição federal, a licitude da contratação de mão-de-obra terceirizada, para prestação de serviços relacionados com a atividade-fim da empresa tomadora de serviços, haja vista o que dispõe a Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho e o alcance da liberdade de contratar na esfera trabalhista.
Tese: É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante.
Após o debate acerca da história da licitude da terceirização da atividade-fim no Brasil, resta discutir sobre as responsabilidades trabalhistas das empresas envolvidas. As obrigações trabalhistas dos terceirizados dizem respeito à empresa prestadora de serviço, não havendo grandes deveres por parte da tomadora. É importante compreender esse raciocínio para entender que os direitos concedidos pela tomadora aos seus funcionários diretos não devem, obrigatoriamente, ser estendidos aos terceirizados, já que essas prerrogativas alcançam apenas seus empregados. Os terceirizados não são empregados da tomadora e sim da prestadora de serviço. A empresa tomadora até pode, por espontânea vontade, estender essas vantagens aos terceirizados, mas não há obrigação legal, sobretudo quando se trata de benefícios e não de direitos, como assistência médica e odontológica. Não é difícil perceber que as condições dos trabalhadores terceirizados são diferentes daquelas oferecidas aos funcionários diretos, quase sempre com menos benefícios.
Outro ponto indispensável a essa discussão é o tipo de responsabilidade das empresas. Embora o trabalhador realize suas atividades nas dependências ou a mando da tomadora, a responsabilidade dela é subsidiária. A Súmula 331 do TST – que apesar de alguns parágrafos obsoletos, ainda continua em vigor – trouxe essa determinação. Responsabilidade subsidiária significa que não há obrigação trabalhista imediata do tomador pelos terceirizados, sendo do prestador de serviço (empresa terceirizada) essa responsabilidade, uma vez que a ele pertence o vínculo de emprego. Todavia, caso não haja subsídio e amparo por parte da empresa terceirizada, o tomador de serviço deve arcar com o ônus que por ventura exista.
O trabalhador terceirizado, seja da atividade-meio ou da atividade-fim, é empregado da prestadora de serviço. Sabendo disso, os requisitos da relação de emprego citados pela CLT devem ser observados pelo trabalhador em relação à empresa terceirizada e não à tomadora. Havendo, por ventura, o preenchimento desses critérios em relação à tomadora, caracteriza-se terceirização ilícita. De acordo com a CLT, são requisitos da relação de emprego cumulativamente:
“Art. 3º – Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.”
Ainda nessa alçada, os Tribunais possuem entendimento de que a tomadora possui algumas obrigações quanto ao trabalhador terceirizado, mas não se trata de responsabilidade trabalhista em sentido estrito. Para a jurisprudência, não pode haver discriminação entre o trabalhador direto da tomadora e o terceirizado, isto é, tratamento diferenciado ou situações vexatórias pela sua posição. O agravo de instrumento exemplificado abaixo é um claro posicionamento do TST quanto à vedação do tratamento diferenciado entre esses trabalhadores.
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. PRINCÍPIO DA ISONOMIA SALARIAL. PRINCÍPIO DA NÃO-DISCRIMINAÇÃO. TERCEIRIZAÇÃO. A contratação terceirizada de trabalhadores não pode, juridicamente, propiciar tratamento discriminatório entre o trabalhador terceirizado e o trabalhador inserido na categoria ou função equivalentes na empresa tomadora de serviços, nos termos dos arts. 7º, XXXII, e 5º, caput e inciso I, da CF. A própria ordem jurídica regulamentadora da terceirização temporária sempre assegurou a observância desse tratamento antidiscriminatório, ao garantir ao obreiro terceirizado remuneração equivalente à percebida pelos empregados da mesma categoria da empresa tomadora ou cliente calculados à base horária(art. 12, “a”, Lei nº 6.019/74). Ora, se o critério já se estendia, de modo expresso, até mesmo à terceirização de caráter provisório, é lógico concluir-se que a ordem jurídica, implicitamente, considera aplicável o mesmo critério às terceirizações de mais longo curso, as chamadas terceirizações permanentes. Agravo de instrumento desprovido.
(AIRR – 183040-80.2005.5.06.0013 , Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, Data de Julgamento: 04/06/2008, 6ª Turma, Data de Publicação: 20/06/2008).
Nota-se, portanto, que há dois ramos de obrigações quando se trata do trabalhador terceirizado: as pertencentes à tomadora e as de responsabilidade da prestadora. É esse dualismo, respaldado por lei, que permite a diferenciação de salários e de outros direitos, já que os empregadores são diferentes. Compreender essas diferenças é fundamental para entender quando há ou não ilegalidade no tratamento desses trabalhadores. Em síntese, os direitos trabalhistas são responsabilidade do prestador, já as condições igualitárias de trabalho são obrigações da tomadora.
6 CONSEQUÊNCIAS TRABALHISTAS E SOCIAIS DA TERCEIRIZAÇÃO DA ATIVIDADE-FIM
Diante de todo o exposto sobre as diferenças trabalhistas respaldadas pela legislação entre o trabalhador direto e o terceirizado, nota-se que é imensamente mais vantajoso para a tomadora contratar uma empresa terceirizada para prestação de serviço. Essa vantagem se sustenta pela redução de gastos trabalhistas quando comparado a um trabalhador direto, já que a responsabilidade geral por esse funcionário é da empresa prestadora. Para as empresas, contratar esse tipo de trabalho é uma saída lícita ao aperto econômico e às grandes obrigações trabalhistas.
Os trabalhadores, por sua vez, podem a qualquer momento ser substituídos por outro, já que o compromisso da empresa tomadora é com a empresa prestadora de serviço e não com o trabalhador. Essa instabilidade somada aos salários que tendem a ser menores torna-se um catalisador ao surgimento e ao aumento de transtornos mentais relacionados ao trabalho.
Essa situação de intensa produtividade do trabalhador terceirizado, visando manter seu emprego, tem como possível consequência a elevação do número distúrbios da mente relacionados ao trabalho, como o Burnout. No ano de 2022 esse transtorno foi considerado como doença do trabalho pela Organização Mundial da Saúde (OMS) que a incluiu na Classificação Internacional de Doenças (CID – 11).De acordo com o Ministério da Saúde, a “Síndrome de Burnout ou Síndrome do Esgotamento Profissional é um distúrbio emocional com sintomas de exaustão extrema, estresse e esgotamento físico resultante de situações de trabalho desgastante, que demandam muita competitividade ou responsabilidade. A principal causa da doença é justamente o excesso de trabalho. Esta síndrome é comum em profissionais que atuam diariamente sob pressão e com responsabilidades constantes, como médicos, enfermeiros, professores, policiais, jornalistas, dentre outros.”.
Não é difícil assimilar que esse transtorno torna-se muito mais comum em ambientes instáveis, como é o caso do trabalhador terceirizado. A necessidade de trabalhar pressionado psicologicamente, em virtude da obrigatoriedade de entregar um serviço superior aos demais em troca de um salário inferior, desestabiliza a mente do trabalhador, já que o medo constante da substituição ronda essas pessoas. Por vezes, a troca de um ambiente laboral por outro é motivo de preocupação e estresse, uma vez que o trabalhador adaptou sua rotina àquele local e a mudança não é, majoritariamente, bem-vinda. Além do degaste emocional relacionado à redução de direitos e benefícios já debatida neste trabalho.
A licitude da terceirização da atividade-fim trouxe uma nova oportunidade às empresas de contratar trabalhadores a menores custos e responsabilidades. O que antes se restringia à atividade-meio; a qual já possuía todas as dificuldades e críticas tratadas nesse trabalho; atualmente alargou-se à atividade-fim, contribuindo para o aumento da precarização.
A terceirização é uma saída para as pessoas que não conseguem um emprego diretamente com a empresa interessada e, para não ficar desempregadas, optam pelo trabalho terceirizado, apesar de todas as dificuldades que oferece. Alguns autores enxergam a Reforma Trabalhista como um modelo de precarização do trabalho que foi legalizado. Durante décadas os trabalhadores precisaram lutar pelos direitos que hoje fazem jus, mas que estão sendo relativizadas na conjuntura atual.
O sociólogo Ricardo Antunes faz uma crítica aos novos moldes de trabalho que, dentre eles, inclui-se a terceirização. Um trabalho que retira o trabalhador do desemprego, mas ao mesmo tempo o maltrata psicológica e socialmente.
“[..] com o advento do capitalismo, houve uma transformação essencial que alterou e complexificou o trabalho humano. Essa dupla dimensão presente no processo de trabalho que, ao mesmo tempo cria e subordina, emancipa e aliena, humaniza e degrada, oferece autonomia, mas gera sujeição, libera e escraviza, impede que o estudo do trabalho humano seja unilateralizado ou mesmo tratado de modo binário e mesmo dual.” (ANTUNES, Ricardo, 2008).
Para Ricardo Antunes, “Há, entretanto, outra [modalidade] muito significativa e que se caracteriza pelo aumento do novo proletariado fabril e de serviços, em escala mundial, presente nas diversas modalidades de trabalho precarizado. São os terceirizados, subcontratados, part-time, entre tantas outras formas assemelhadas, que se expandem em escala global. Com a desestruturação crescente do Welfare State nos países do Norte e aumento da desregulamentação do trabalho nos países do Sul, acrescidos da ampliação do desemprego estrutural, os capitais implementam alternativas de trabalho crescentemente “informais”, de que são exemplo as distintas formas de terceirização. No Brasil, quase 60% da população economicamente ativa encontra-se em situação próxima da informalidade.”
Em suma, as consequências trabalhistas e sociais dos terceirizados são delicadas. Além da instabilidade, a ausência de vantagens garantidas aos trabalhadores diretos da tomadora são pontos de extrema vulnerabilidade para esses trabalhadores.
A apreensão do trabalhador é dupla, visto que sofre por não conseguir um emprego direto com as tomadoras e se aflige quando é cercado pelas dificuldades estruturais, seja para se manter no emprego, seja pela contraprestação desproporcional. A tentativa de se perpetuar na mesma atividade impõe que sejam cumpridos expedientes mais desgastantes e salário não compatíveis aos esforços. Socialmente, o trabalhador terceirizado é julgado, tanto no âmbito laboral quanto fora dele, pois é visto pela sociedade como incapaz de conseguir um emprego “de verdade” e é tratado com diferenciação dentro do ambiente de trabalho. Os resultados desse cenário vão desde a insatisfação até transtornos mentais, como o Burnout.
A atividade terceirizada, como já foi debatida, é vista sob a ótica positiva, mas também negativa. Um ramo que deveria ser tratado como uma forma de driblar o desemprego tornou-se um fim em si mesmo, sobretudo após a licitude da terceirização da atividade-fim. O número de trabalhadores nessa situação é alto, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 2020, cerca de 4,3 milhões de profissionais eram terceirizados, número que, possivelmente, aumentou até o ano de 2024, embora não haja dados mais atuais. O setor de serviços, ainda conforme o IBGE, é o mais terceirizado, representando cerca de 70% do mercado.
Antes da reforma, todos esses debates eram tratados apenas para a atividade-meio, mas agora também dizem respeito à atividade-fim. Alargar a amplitude das atividades terceirizadas é, também, elevar o poder das empresas sobre o trabalhador, já que a exigência é muito maior e a recompensa menor. A tendência é que aumente a migração para esse tipo de labor porque é mais vantajoso, mas apenas para os empregadores. Essa conjuntura reduz o quadro de funcionários diretos, sobretudo quando os gastos com esses trabalhadores aumentam, enquanto com os terceirizados se mantêm.
As consequências trabalhistas para os terceirizados se resumem em aumento da produtividade, baixos salários, menores benefícios e direitos relativizados; e os efeitos sociais se moldam no preconceito, na baixa autoestima e nos transtornos mentais.
6 CONCLUSÃO
As análises sobre as repercussões da Reforma Trabalhista são as mais amplas e diversas. Este artigo buscou apresentar um desses balanços acerca dessa mudança. O ano de 2017, pós Reforma, trouxe novas visões para os direitos dos trabalhadores, seja aumentando essas prerrogativas, seja tornando-as objeto de precarização, como alguns autores criticam.
A regulamentação da licitude da terceirização da atividade-fim traz novas oportunidades para as empresas, já que podem optar pelo trabalho terceirizado em qualquer área; mas também para os trabalhadores, os quais encontram nessa modalidade uma saída imediata para o desemprego, ainda que não seja a melhor alternativa.
Apesar disso, as consequências trabalhistas e sociais não são as melhores possíveis, uma vez que afetam o financeiro e o psicológico desses trabalhadores. As complicações monetárias são difíceis de lidar, todavia as sequelas mentais são ainda mais penosas e árduas.
Portanto, a análise acerca da história da atividade terceirizada no Brasil é importante e essencial para compreender seus impactos atuais. Entender como a legislação encontrou saídas para o cenário do desemprego e como essas respostas foram e ainda são objeto de críticas é crucial para compreender o cenário atual e aprimorar as novas relações de trabalho.
Por fim, toda a análise feita por esse trabalho, desde o papel histórico até as consequências mais visíveis da licitude da terceirização da atividade-fim, é relevante para entender as dificuldades do trabalhador, as artimanhas das empresas e o papel da legislação nessa conjuntura.
7 REFERÊNCIAS
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 14ª edição São Paulo: LTR, 2015.
NETO, Francisco Ferreira Jorge; CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa. Direito do Trabalho, 8ª edição. São Paulo: Editora Atlas, 2015.
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BRASIL. Lei Nº 13.429 de 31 de março de 2017. Altera dispositivos da Lei n o 6.019 de 03 de janeiro de 1974, que dispõe sobre o trabalho temporário nas empresas urbanas e dá outras providências.
ANTUNES, Ricardo. (1995) Adeus ao Trabalho? Ensaio sobre as Metamorfoses e a Centralidade do Mundo do Trabalho, Ed. Cortez/Ed. Unicamp, São Paulo.
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Síndrome de Burnout já é classificada como doença ocupacional. Jornal da PUC-SP, 2022. Disponível em:https://j.pucsp.br/noticia/sindrome-de-burnout-ja-e-classificada-como-doenca-ocupacional#:~:text=S%C3%ADndrome%20de%20Burnout%20j%C3%A1%20%C3%A9%20classificada%20como%20doen%C3%A7a%20ocupacional,-Participa%C3%A7%C3%A3o%20da%20profa&text=Desde%20o%20dia%201%C2%BA%20de,Mundial%20da%20Sa%C3%BAde%20(OMS). Acesso em 01/10/2024.
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CRUZ, Luiz Guilherme Ribeiro da. A terceirização trabalhista no Brasil: aspectos gerais de uma flexibilização sem limite.
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