AS CONSEQUÊNCIAS PSICOSSOCIAIS DO ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES IMPLICAÇÕES PARA O DESENVOLVIMENTO EMOCIONAL E SOCIAL

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102411131606


Vitória Castro Dos Santos
Orientador: Wallace Scantberuy da Rocha


INTRODUÇÃO

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) define como criança todo indivíduo até doze anos de idade. Sendo este um importante período na fase de desenvolvimento, já que, segundo Portugal (2009), são as consequências da infância e das primeiras experiências que definirão quem este indivíduo se tornará quando adulto, dando assim ainda mais importância à presença de desvantagens nesta fase com profundo impacto futuro. O ECA determina adolescente todo indivíduo entre doze e dezoito anos de idade.

É nesta fase que ocorre a transição da vida infantil para adulta, cheia de decisões biológicas, sociais, acadêmicas, organizacionais e psicológicas, decisões estas feitas muitas vezes para vida toda. Vulnerabilidade neste trabalho se refere a “[…] múltiplos fatores que fragilizam os sujeitos no exercício de sua cidadania.” (Carmo;Guizardi, 2017). Em conflitos de relação familiar, crianças e adolescente são os que mais sofrem. Esses acontecimentos podem deixar marcado o sofrimento, levando a sentimentos de ansiedade, solidão e outros transtornos psicológicos; consequências da irresponsabilidade, vulnerabilidade e da dependência de seus responsáveis.

A institucionalização de crianças e adolescentes, por meio de abrigos e instituições de acolhimento, constitui uma resposta a situações de vulnerabilidade e risco, oferecendo uma alternativa ao ambiente familiar quando este não pode garantir a proteção e o bem-estar dos jovens. No entanto, embora o acolhimento institucional tenha o objetivo de fornecer segurança e cuidados, estudos científicos têm revelado que essa experiência pode ter implicações profundas e frequentemente adversas no desenvolvimento psicossocial desses indivíduos.

A permanência em instituições de acolhimento, como abrigos e lares substitutos, pode ter um impacto significativo no desenvolvimento psicossocial de crianças e adolescentes. Esses impactos são multifacetados e podem influenciar aspectos diversos da vida desses jovens, desde seu bem-estar emocional até seu desempenho acadêmico e habilidades sociais. Este trabalho visa explorar as principais consequências psicossociais associadas à vida em abrigos, com base em evidências empíricas e teóricas.

A literatura acadêmica destaca que a permanência em abrigos pode gerar uma série de desafios emocionais e comportamentais. De acordo com o estudo de Johnson et al. (2019), crianças e adolescentes em instituições frequentemente enfrentam níveis elevados de estresse e ansiedade, associados à instabilidade e à falta de continuidade nas relações afetivas. Esses fatores podem interferir significativamente na formação de vínculos de apego seguros, prejudicando o desenvolvimento emocional e a capacidade de estabelecer relacionamentos interpessoais saudáveis (Smith; Jones, 2021).

Além das questões emocionais, a vida em abrigos pode impactar negativamente o desempenho acadêmico desses jovens. Estudos como os de Williams et al. (2022) mostram que a instabilidade frequente e a falta de suporte educacional adequado em ambientes institucionais frequentemente resultam em dificuldades acadêmicas e de aprendizado. A interrupção na continuidade escolar e o estresse associado ao ambiente institucional podem comprometer a concentração e o engajamento dos jovens nas atividades escolares, resultando em baixo rendimento acadêmico (Taylor; Wright, 2023).

No que diz respeito às habilidades sociais, a exposição a múltiplos cuidadores e a ausência de uma rede familiar estável podem prejudicar o desenvolvimento de competências sociais essenciais. Barker et al. (2021) identificaram que a falta de uma estrutura familiar consistente e a estigmatização associada ao status de acolhimento podem afetar negativamente a capacidade dos jovens de formar e manter relacionamentos saudáveis, exacerbando sentimentos de exclusão e baixa auto imagem (Martin; Thompson, 2023).

Neste contexto, a presente pesquisa tem como objetivo explorar as consequências psicossociais da vida em abrigos para crianças e adolescentes, analisando como esses fatores influenciam o desenvolvimento emocional, comportamental e acadêmico. A análise integrada de dados empíricos e teóricos permitirá uma compreensão mais aprofundada dos desafios enfrentados por esses jovens e contribuirá para a formulação de políticas e práticas que visem a melhorar a qualidade do acolhimento institucional e promover o bem-estar psicossocial dos indivíduos afetados.

JUSTIFICATIVA

O acolhimento institucional de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade é uma realidade que atinge milhares de jovens no Brasil. Essas instituições surgem como uma resposta necessária às circunstâncias de negligência, violência e abandono, proporcionando um ambiente que visa à proteção e ao cuidado. No entanto, estudos apontam que a vivência em abrigos pode gerar implicações psicossociais severas, afetando o desenvolvimento emocional, social e acadêmico dos indivíduos acolhidos.

A relevância deste estudo está na necessidade de aprofundar a compreensão sobre os impactos negativos que a institucionalização pode causar no desenvolvimento desses jovens, com foco em como a ausência de vínculos afetivos estáveis e a falta de continuidade em suas relações influenciam sua saúde mental e suas habilidades de interação social. As teorias da Psicologia Social e Psicanálise oferecem o embasamento teórico necessário para interpretar como esses fatores de vulnerabilidade podem influenciar o desenvolvimento psíquico e social ao longo da infância e adolescência, destacando-se o conceito de vínculos de apego seguro (Bowlby, 1988) e o impacto da falta de suporte emocional na formação do ego (Freud, 1923).

Além disso, a literatura acadêmica revela a importância de compreender o papel das intervenções psicológicas adequadas em ambientes de acolhimento, que podem mitigar esses efeitos negativos. Dessa forma, este estudo se justifica pela sua contribuição ao entendimento das consequências psicossociais vivenciadas por crianças e adolescentes que residem em abrigos e pela análise das possíveis abordagens para melhorar o ambiente institucional e o desenvolvimento desses jovens.

Ao analisar-se pelo viés social, ainda hoje, muitas crianças e adolescentes no Brasil são colocados em abrigos devido à perda da guarda pelos pais, geralmente em função de abuso, negligência, dependência de substâncias ou condições socioeconômicas precárias. Essas situações de vulnerabilidade não só expõem os jovens a riscos imediatos, mas também geram marcas profundas no seu desenvolvimento emocional e social.

A empatia gerada ao observar a situação de crianças e adolescentes que, mesmo em ambientes de proteção, sentem-se abandonados e incompreendidos, é um dos motivadores deste estudo. Essas crianças muitas vezes enfrentam dificuldades para se expressar e formar vínculos afetivos estáveis, o que pode agravar sentimentos de isolamento, baixa autoestima e insegurança. A pesquisa se propõe, portanto, a dar voz a essas experiências e sensibilizar tanto a comunidade acadêmica quanto a sociedade sobre a importância de práticas de acolhimento mais humanizadas, que busquem não apenas o bem-estar físico, mas também o emocional e social desses jovens.

Este estudo visa contribuir para o aprimoramento das políticas públicas e das práticas nos abrigos, promovendo discussões que ajudem a minimizar os danos psicológicos associados ao acolhimento institucional e a oferecer uma visão mais completa sobre o papel da psicologia na promoção do desenvolvimento saudável desses indivíduos.

OBJETIVO GERAL

Analisar as consequências psicossociais vivenciadas por crianças e adolescentes residentes em abrigos, com foco nos impactos emocionais e sociais que influenciam o seu desenvolvimento.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS

  • Identificar os principais fatores psicossociais que afetam o desenvolvimento emocional e social de crianças e adolescentes em abrigos.
  • Analisar o papel da psicologia na assistência e acolhimento desses jovens, explorando as práticas atuais de suporte emocional e social.
  • Comparar o desenvolvimento emocional e social de crianças e adolescentes residentes em abrigos com aqueles que vivem em ambientes familiares estáveis, destacando os desafios e dificuldades enfrentados.

METODOLOGIA

A metodologia deste trabalho adota uma abordagem qualitativa, sendo realizada por meio de uma revisão bibliográfica. Segundo Prodanov (2013), a revisão bibliográfica se baseia na análise de materiais já publicados, como livros, revistas, artigos científicos, monografias, dissertações, teses, e outras fontes, com o objetivo de colocar o pesquisador em contato direto com o material já produzido sobre o tema. A abordagem qualitativa se justifica pela necessidade de investigar o fenômeno em seu contexto específico, buscando interpretar os significados que as pessoas atribuem a ele, conforme argumentado por Chizzotti (2008). A vivência no cotidiano do fenômeno facilita tanto a coleta de informações quanto a interpretação dos dados, sendo adequada para os objetivos desta pesquisa.

Os dados foram coletados por meio de materiais bibliográficos, conforme proposto por Marconi e Lakatos (2011), que definem esse método como a produção de um trabalho baseado em uma ampla gama de publicações relevantes ao tema abordado. Assim, procurou-se selecionar artigos científicos que tratassem diretamente do tema proposto. Os materiais utilizados passaram por uma rigorosa triagem, sendo selecionados apenas aqueles com base científica, com ênfase em publicações das Ciências Humanas, especialmente da Psicologia.

A análise dos dados foi realizada por meio da técnica de análise de conteúdo, conforme descrita por Bardin (1977). A análise de conteúdo é um conjunto de técnicas sistemáticas e objetivas para descrever e inferir indicadores a partir do conteúdo analisado, permitindo a extração de conhecimentos sobre as condições de produção e recepção deste conteúdo. O método previu que o discurso dos sujeitos seja analisado em sua totalidade para que possa ser interpretado de acordo com as técnicas de análise de conteúdo.

Os critérios de inclusão para os materiais considerados na pesquisa incluíram livros, artigos, monografias, teses e dissertações publicadas entre os anos de 2013 e 2023, desde que tenham caráter científico e estejam relacionados ao tema central. Já os critérios de exclusão envolvem trabalhos que não tenham cunho científico, não estejam diretamente ligados ao tema, ou que tenham sido publicados antes de 2013.

Esta pesquisa não apresenta riscos, uma vez que se baseia exclusivamente em análise de conteúdo já existente, sem envolvimento direto com indivíduos. O objetivo é analisar as possíveis consequências psicossociais para crianças e adolescentes que vivem em abrigos, sem expor qualquer participante a riscos.

2.  DESENVOLVIMENTO
2.1  As vulnerabilidades que atingem as crianças contemporâneas

Segundo Neves (2006), dado o caldeirão de culturas que compõem o país e as amplas desigualdades sociais exacerbadas durante a pandemia, os cenários de vida da maioria das crianças brasileiras são os mais diversos possíveis. As condições de vida que os adultos podem proporcionar às crianças estão relacionadas com as histórias de vida com vínculos familiares, grau de escolaridade, formação profissional, oportunidades profissionais e culturais, condições de moradia e áreas residenciais, temporárias ou permanentes.

Essa diversidade é facilmente identificável na maioria das cidades brasileiras, e existem alguns índices que mapeiam as piores e melhores cidades para se viver (Índice Desafio da Gestão Municipal 2021). Como se depreende do quadro geral da realidade brasileira, os tipos de vulnerabilidades que atingem as crianças são muito semelhantes em todo o território brasileiro. Vulnerabilidade deriva do latim vulnerare, que significa ferir, ferir, machucar, e ‘bÄlis – suscetível a – origina a palavra vulnerabilidade (Janczura, 2012, p 301).

No campo da bioética, a noção de vulnerabilidade como uma condição humana inerente, naturalmente necessitada de ajuda, referindo-se a um estado de estar em risco ou exposto a danos potenciais devido à vulnerabilidade associada à sua existência, é carregada de contradições (Neves, 2006, p 157).Grupos vulneráveis não são necessariamente prejudicados, mas são mais vulneráveis porque estão em desvantagem em termos de mobilidade social e lutam para alcançar uma melhor qualidade de vida na sociedade devido à cidadania enfraquecida.

De acordo com Calligaris (2020) entende-se que uma vulnerabilidade, definida como uma condição de vulnerabilidade, não ocorre isoladamente ou é desencadeada por uma única causa ou circunstância. A avaliação da vulnerabilidade é um exercício complexo, pois examina tanto a condição pessoal do indivíduo quanto o status social que ele ocupa. Uma gama de aspectos da vida privada e coletiva, as condições sociais e ambientais da vida de um indivíduo e a disponibilidade de serviços às necessidades por instituições sociais públicas são determinantes da vulnerabilidade individual.

Ainda de acordo com Calligaris (2020), diferentes áreas de vulnerabilidade merecem  atenção  para  entender  o  quão  vulnerável  cada  pessoa  é.  Vulnerabilidades individuais, sociais e programáticas, embora interseccionais, possuem características distintas. A vulnerabilidade pessoal diz respeito ao conjunto de informações que um indivíduo possui e sua capacidade de elaborar essas informações e tomar decisões práticas sobre suas vidas. A vulnerabilidade social é causada por uma variedade de fatores que acabam por colocar grandes segmentos da população em situações de exclusão social.

Carmo (2020), ressalta que engloba ainda os acessos a informações, serviços, a bens culturais e saúde. Questões como essas fazem com que grande parte da população sofra com falta de oportunidades e representatividade, acabando por viver em situação de fragilidade por não poder ter o mesmo acesso a recursos que outros grupos sociais possuem. Muitos jovens enfrentam dificuldade na busca do seu primeiro emprego, simplesmente por residirem em bairros de periferia e não gozarem de uma educação de qualidade e qualificação profissional, fatores esses primordiais para ingressar no mercado de trabalho.

Azevedo (2006), coloca que isso acaba gerando frustração e falta de perspectiva em relação ao futuro, fazendo com que esses jovens se voltem ao pensamento de serem sujeitos incapazes, facilitando o seu envolvimento nas atividades ilícitas. A vulnerabilidade programática, refere-se a oferta e acesso a políticas públicas e privadas, ao grau de compromisso e monitoramento dos programas nos diferentes níveis de atenção. Tomando por base a exclusão que afeta dois terços da população brasileira devido a desigualdade social, só na década de 70 é que acontece uma mudança de entendimento sobre a pobreza.

As situações de pobreza eram pensadas como uma inadaptação individual com relação à sociedade e a seguir, passou-se a questionar a sociedade sobre sua incapacidade de inserir a todos. É a partir dessa posição que se iniciam as discussões atuais sobre o assunto. A visão macro da desigualdade social no território brasileiro indica o quanto a realidade micro torna-se frágil, vulnerável e de risco, tanto para adultos quanto para crianças. A família, como instituição de proteção à criança, encontra grandes dificuldades no desempenho deste cuidado (Garcia, 1994).

Situações de miséria e empobrecimento configuram famílias e contextos que propiciam rupturas e vulnerabilidade de vínculos e afetos. Famílias desestruturadas, com princípios contraditórios, que se encontram em condições socioeconômicas degradantes, proporcionando cuidados precários básicos à infância, criam fatores de risco ao desenvolvimento saudável do infante. Em territórios onde as condições de vida são precárias, a sobrevivência acontece geralmente em ambientes que se configuram de maneira hostil, já que as relações tendem a ser mais impessoais e os cuidados às crianças passam a ser de sua própria responsabilidade (Azevedo, 2006).

Segundo Garcia (1994), a vulnerabilidade infantil atinge vários pontos da vida social da criança, e dependendo do que acontecer na sua infância, ela vai carregar para a vida toda o trauma adquirido. Muitas sofrem por discriminação social, abuso sexual, pobreza, falta de acesso à educação e principalmente a falta de afetividade entre a família, que é essencial desde o seu nascimento. Quando os pais/genitores estão ausentes na formação e educação de seus filhos, criam situações de inibição, de barreiras de comunicação, de falta de afetividade, que em alguns casos, podem levar a um ambiente de violência.

Essa violência pode ser física ou psicológica e em muitos casos praticada por familiares próximos, inclusive pelos próprios pais, como é de conhecimento público, como nos casos de abuso sexual. A violência contra crianças, em determinadas situações atingem contornos catastróficos, em que a ausência extrema de afetividade entre pais e crianças resulta em assassinatos como no caso ocorridos na cidade de Três Passos/RS, em que o pai e a madrasta, foram condenados pela morte do menino Bernardo Ugglione Boldrini. Recentemente, outro fato ocorrido na cidade de Planalto/RS, em que a mãe, 15 teve a participação confirmada na morte de seu filho Rafael Mateus Winques (GZH, 2020).

Neves (2006) ressalta que uma das principais vulnerabilidades que acontece com as crianças e adolescentes, são problemas relacionados com a família. A afetividade é um ator primordial para a criança crescer saudável e com a autoestima elevada e infelizmente muitos vivem em uma situação de miséria, e não só no lado material, mas em especial no aspecto afetivo. Casos de alcoolismo e drogas entre casais resultam em agressões, é quando as crianças passam a ser vítimas desse convívio diário de rancor e ódio, fazendo com que as mesmas se adaptem, naturalizem essa forma de violência, se tornando mais vulneráveis aos riscos de envolvimento com drogas, prostituição, gravidez precoce e até à prática do roubo.

 

2.1   Psicologia e os serviços de acolhimento a crianças e adolescentes em situações de risco

Acolhimentos institucionais e projetos de casa lar são destinados às crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade. Segundo Castanheiras (2021) “acolhimento institucional é um dos serviços de Proteção Social Especial de Alta Complexidade do Sistema Único de Assistência Social”, tendo por seu objetivo principal o de, como seu nome diz, acolher indivíduos em situação vulnerável, prezando sua proteção moral e estrutural. Com este intuito, um serviço de convívio comunitário pode possuir características residenciais, formando um ambiente acolhedor, com estrutura física adequada.

Dos serviços de acolhimento podemos descrever segundo Carvalho (2015) que “o acolhimento institucional e o acolhimento familiar são medidas provisórias e excepcionais”, ou seja, buscam uma forma de transição para que a criança ou adolescente consiga reintegração social, com garantia de seus direitos e condição de vida. Sobre este acolhimento, Iochpe (2015) diz que seu objetivo deve ser “[…] zelar pela integridade física e emocional de crianças e adolescentes que tiveram seus direitos desatendidos ou violados.”

A criança e o adolescente que se encontra em situação de vulnerabilidade está numa fase da vida de aprendizagem, e enxerga tudo o que está acontecendo, acumulando várias incertezas que um dia podem a deixar inseguras permanentemente. Segundo Nunes (2021) “o acolhimento não é uma tarefa simples, muito pelo contrário, é uma tarefa de grande complexidade, pois em geral aqueles que são recebidos estão em condição de intenso martírio”.

Nesse ponto, por cada criança colocada nos serviços de acolhimento há uma história, uma vida ainda iniciada, em muitos casos, os abrigos estão por ato de contemplação do Estado, do Conselho Tutelar e Juizado da Infância e Adolescência, e segundo Denardi (2015) “a política de tutelagem de crianças e adolescentes não responde às necessidades das famílias, mas do Estado, que não é capaz de produzir inclusão social, promoção de cidadania e tratamento igualitários dos abrigados.”

Em síntese, o papel da Psicologia deve ser na busca do desenvolvimento dessas crianças, mesmo com grande dificuldade e com cada história envolvida. Pois a atuação do psicólogo influencia a manutenção da proteção integral das crianças e adolescentes e a capacitação do desenvolvimento humano e social para que possam superar essa situação.

2.1   Atuação da Psicologia no desenvolvimento Infantil e da Adolescência em situações de vulnerabilidade

        A atuação da Psicologia no desenvolvimento infantil e da adolescência em situações de vulnerabilidade é crucial, pois o psicólogo atua como facilitador dos direitos das crianças e adolescentes. Segundo Silva (2018), é responsabilidade do psicólogo realizar um trabalho comprometido com a proteção desses jovens, garantindo que sejam amparados em suas necessidades psicológicas. O papel protetivo da psicologia se destaca na redução dos impactos causados pelas realidades adversas enfrentadas por essas crianças e adolescentes.

        Nos abrigos e serviços de acolhimento, a atuação do psicólogo está centrada em vários eixos importantes, como a análise da situação, promoção da defesa dos direitos, atendimento especializado e prevenção de danos, sempre com foco na inclusão social e humanização. Castanheiras (2021) aponta que essas ações precisam ser planejadas de maneira a mobilizar aspectos positivos da psicologia, tanto no contexto social quanto comunitário, ajudando a enfrentar os principais riscos que essas crianças vivenciam.

        O psicólogo deve considerar os aspectos econômicos, culturais e sociais da vida de cada indivíduo, como enfatiza Carvalho (2017). Ele deve estar atento às possibilidades de intervenção, reconhecendo que, na infância e adolescência, o desenvolvimento envolve diversos conflitos, tanto corporais quanto psicológicos, exigindo uma abordagem integrada e cuidadosa.

        Nos abrigos, o desenvolvimento das crianças e adolescentes precisa ser promovido por meio de práticas que incentivem a liberdade e a cidadania. É fundamental que o acolhimento propicie a escuta e o fortalecimento de vínculos, permitindo que as crianças se expressem de maneira autônoma. O psicólogo deve acolher cada criança de forma particular, ouvindo suas experiências, orientando-as a compreender seus direitos e a projetar um futuro mais promissor.

        Dessa forma, o desenvolvimento saudável em situações de vulnerabilidade depende de um acolhimento humano, do atendimento social e do trabalho da psicologia, que visa a promoção da saúde e da cidadania. Alves (2016) destaca que a Psicologia busca não apenas o bem-estar individual, mas também o coletivo, eliminando práticas de negligência e violência. O psicólogo, portanto, assume um papel central na vida dessas crianças e adolescentes, ajudando-os a trilhar um caminho digno em meio a adversidades.

DISCUSSÃO

Impactos psicossociais no desenvolvimento       

        O acolhimento institucional de crianças e adolescentes, embora tenha como objetivo fornecer proteção e segurança em situações de vulnerabilidade, gera consequências profundas para o desenvolvimento psicossocial desses indivíduos. Esse impacto se dá, principalmente, pela ausência de uma estrutura familiar estável, o que interfere diretamente na formação de vínculos afetivos seguros e no desenvolvimento emocional.

        De acordo com a Teoria do Apego de Bowlby (1988), o desenvolvimento emocional saudável de uma criança depende da presença constante de uma figura de apego que ofereça segurança e afeto. A falta de continuidade nas relações afetivas, típica do acolhimento institucional, prejudica essa relação de apego, levando ao desenvolvimento de vínculos inseguros. Crianças que não estabelecem vínculos afetivos estáveis tendem a apresentar dificuldades na regulação emocional, o que pode se manifestar em comportamentos agressivos, retraídos ou de hiperatividade (Smith; Jones, 2021). Esses padrões comportamentais indicam uma resposta ao trauma do abandono ou da separação precoce de suas figuras paternas.

        Além disso, o impacto na formação de identidade, especialmente em adolescentes, pode ser significativo. Freud (1923), ao discutir o desenvolvimento do ego, destaca que a ausência de suporte emocional adequado durante a infância pode comprometer a capacidade do indivíduo de lidar com os desafios emocionais da vida adulta. No contexto do acolhimento institucional, a falta de um ambiente seguro e estável pode resultar em fragilidade do ego, o que leva a dificuldades em enfrentar frustrações e estresse. Segundo Jonhson et al. (2019), crianças e adolescentes institucionalizados frequentemente apresentam níveis elevados de estresse, ansiedade e depressão, uma vez que a instabilidade no ambiente de acolhimento agrava a sensação de insegurança e incerteza quanto ao futuro.

        As consequências também se estendem ao desenvolvimento social. A exposição a múltiplos cuidadores, sem a presença de uma figura de referência constante, interfere na capacidade de formar relacionamentos interpessoais saudáveis. Como apontado por Barker et al. (2021), a falta de uma estrutura familiar estável e a estigmatização social podem prejudicar o desenvolvimento de competências sociais essenciais, como empatia e habilidades de comunicação. Isso é especialmente preocupante, pois tais competências são fundamentais para a integração social e a construção de uma autoimagem positiva.

        Por fim, o impacto social também afeta o desenvolvimento cognitivo. Crianças em acolhimento frequentemente enfrentam dificuldades acadêmicas, resultado tanto da interrupção frequente no processo escolar quanto do estresse emocional associado à institucionalização. A Teoria do Estresse Tóxico (Shonkoff et al., 2012) reforça que a exposição prolongada a ambientes estressantes, como os abrigos, afeta negativamente o desenvolvimento do cérebro, prejudicando a memória, a concentração e o aprendizado. Estudos como o de Williams et al.(2022) corroboram essa visão, apontando que a falta de suporte educacional e emocional adequado em ambientes institucionais frequentemente resulta em desempenho acadêmico abaixo da média.

        Diante desses desafios, a intervenção psicológica é fundamental. O papel do psicólogo no contexto do acolhimento institucional deve incluir a promoção de práticas de vinculação afetiva, suporte emocional e estratégias de enfrentamento que ajudem a mitigar os efeitos negativos da institucionalização. A integração de abordagens terapêuticas voltadas para o fortalecimento do apego e da autoestima é essencial para promover o desenvolvimento emocional e social saudável dessas crianças e adolescentes.  A integração de abordagens terapêuticas voltadas para o fortalecimento do apego e da autoestima é essencial para promover o desenvolvimento emocional e social saudável dessas crianças e adolescentes.

Estresse e ansiedade em ambientes de acolhimento

        A experiência de acolhimento institucional, embora necessária em muitos casos para garantir a proteção de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade, pode ser uma fonte significativa de estresse e ansiedade. A instabilidade no ambiente institucional, a rotatividade de cuidadores e a ausência de vínculos familiares sólidos criam um cenário que frequentemente agrava o sofrimento emocional dos jovens, gerando repercussões a longo prazo em seu desenvolvimento.

        O estresse tóxico, conforme descrito por Shonkoff et al. (2012), refere-se à exposição contínua a situações de estresse intenso sem o apoio adequado de um cuidador. Em ambientes de acolhimento, essa exposição pode ocorrer devido à ausência de uma figura de apego que proporciona suporte emocional, o que, por sua vez, interfere no desenvolvimento do sistema de resposta ao estresse da criança. Esse tipo de estresse pode comprometer áreas do cérebro ligadas à memória e à regulação emocional, afetando de forma duradoura o comportamento e o desempenho acadêmico dessas crianças (Johnson et al., 2019).

        O estresse nesses ambientes decorre, principalmente, da incerteza quanto ao futuro e da falta de continuidade nas relações afetivas. De acordo com Shonkoff et al. (2012), a Teoria do Estresse Tóxico sugere que a exposiçãoprolongada a ambientes emocionalmente adversos, como os abrigos, pode ter efeitos prejudiciais ao desenvolvimento cerebral de crianças e adolescentes. A ausência de um ambiente estável e seguro contribui para o aumento dos níveis de cortisol, um hormônio diretamente relacionado à resposta ao estresse. Estudos demonstram que altos níveis de cortisol podem comprometer áreas cerebrais responsáveis pela memória, aprendizado e regulação emocional, prejudicando o desenvolvimento cognitivo e comportamental desses jovens (Johnson et al., 2019).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente revisão bibliográfica destaca a complexidade das vulnerabilidades que afetam crianças e adolescentes no Brasil, evidenciando que as desigualdades sociais e a falta de recursos familiares e comunitários configuram um ambiente propenso a diversos tipos de riscos. As crianças que crescem em contextos de pobreza e violência enfrentam desafios profundos para seu desenvolvimento emocional, social e cognitivo, o que torna a intervenção precoce e a promoção de políticas públicas de proteção e acolhimento ainda mais urgentes.

As abordagens da psicologia nos serviços de acolhimento institucional se mostram fundamentais para mitigar os impactos negativos da falta de uma estrutura familiar estável, fornecendo suporte emocional e incentivando o desenvolvimento de vínculos saudáveis. Contudo, a revisão também ressalta as limitações desses serviços, como a rotatividade de cuidadores e a falta de um ambiente estável, que podem exacerbar o estresse e a ansiedade dessas crianças. Assim, torna-se evidente a necessidade de aprimorar as políticas de assistência social e capacitar profissionais para atuarem de forma mais integrada e humanizada, assegurando que as crianças e adolescentes acolhidos tenham acesso a um ambiente que estimule o desenvolvimento de sua autonomia, resiliência e cidadania.

Por fim, recomenda-se que estudos futuros investiguem novas estratégias de intervenção psicológica e social para fortalecer as relações de apego e os vínculos afetivos, proporcionando melhores condições de crescimento e aprendizagem. Além disso, pesquisas que contemplem as experiências das crianças e adolescentes em diferentes tipos de acolhimento podem contribuir para uma compreensão mais profunda dos desafios enfrentados por esses indivíduos e das melhores práticas para ampará-los em suas trajetórias.

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