REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7830221
Wagner Silva de Souza1
RESUMO
Introdução: O transtorno do déficit de atenção/hiperatividade (TDAH) é um transtorno neurobiológico crônico cujas características principais são: desatenção, hiperatividade e impulsividade. São sinais que se manifestam na infância, podendo perdurar por toda a vida associados a comorbidades, caso não sejam devidamente identificados e tratados. Objetivo: revisar a literatura médico-científica quanto às comorbidades psiquiátricas do TDAH em adultos. Métodos: Este trabalho foi elaborado a partir de uma pesquisa bibliográfica na literatura médico-científica, preferencialmente dos últimos vinte anos, em bases de dados como National Library of Medicine (PubMed), Literatura Internacional em Ciências da Saúde (Medline), Scielo Eletronic Library Online (SciELO). Também foram consultados livros, como: manual diagnóstico e estatístico (DSM V) e o Tratado de Psiquiatria da Associação Brasileira de Psiquiatria (1ª edição), vigentes até o momento. Resultados: o TDAH está associado principalmente à maior incidência de comorbidades de Transtornos de uso/abuso de substância, Transtornos depressivos, Transtornos ansiosos e Transtornos de personalidade antissocial/delinquência e borderline. Conclusão: o TDAH é uma das doenças mentais mais comumente diagnosticadas, e seu diagnóstico precoce, o tratamento farmacológico e as intervenções psicoterapêuticas têm um impacto positivo sobre os resultados, o tratamento e as comorbidades.
Palavras-chave: transtorno de déficit de atenção e hiperatividade; adulto; comorbidades psiquiátricas.
ABSTRACT
Introduction: Attention deficit/hyperactivity disorder (ADHD) is a chronic neurobiological disorder whose main characteristics are: inattention, hyperactivity and impulsivity. These are signs that appear in childhood and can last for a lifetime associated with comorbidities, if not properly identified and treated. Objective: To review the medical-scientific literature regarding the psychiatric comorbidities of ADHD in adults. Methods: This work was elaborated from a bibliographical research in the medical-scientific literature, preferably, of the last twenty years, in databases such as National Library of Medicine (PubMed), International Literature in Health Sciences (Medline), Scientific Electronic Library Online (SciELO). Books were also consulted, such as: diagnostic and statistical manual (DSM V) and the Treaty of Psychiatry of the Brazilian Association of Psychiatry (1st edition), in force until now. Results: ADHD is primarily associated with a higher incidence of comorbidities of Substance use/abuse disorders, Depressive disorders, Anxiety disorders and Antisocial/delinquent and borderline personality disorders. Conclusion: ADHD is one of the most commonly diagnosed mental illnesses, and its early diagnosis, pharmacological treatment, and psychotherapeutic interventions have a positive impact on outcomes, treatment, and comorbidities.
Keywords: attention deficit hyperactivity disorder; adult; psychiatric comorbidities.
- INTRODUÇÃO
O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é um transtorno neuropsiquiátrico, multifatorial e caracterizado por padrões persistentes de desatenção, desorganização, impulsividade e hiperatividade. Esses indicativos estão presentes em pelo menos dois contextos diferentes (escola e em casa, por exemplo), interferindo principalmente no funcionamento social e no desenvolvimento do indivíduo (APA, 2014).
Segundo Hamed, Kauer e Stevens (2015), o transtorno do déficit de atenção/hiperatividade (TDAH) é uma das doenças neurocomportamentais mais comuns e desafiadoras da infância. É conhecido por afetar negativamente as crianças, suas famílias e comunidade. Cerca de um terço da metade dos pacientes com TDAH terá sintomas persistentes na vida adulta.
Deficiências associadas ao TDAH no adulto incluem sintomas de sofrimento, diminuição da capacidade funcional no trabalho e em ambientes acadêmicos e problemas em manter relacionamentos estáveis. A desordem é comumente associada a humores voláteis, comportamento antissocial e abuso de drogas e de álcool. Além disso, existe um risco aumentado de desenvolver ansiedade, depressão e distúrbios de personalidade (ASHERSON, 2005).
Justifica-se o interesse pelo tema, porque o TDAH é considerado um transtorno da infância, mas há muito menos investigação sobre o TDAH em adultos e suas situações comórbidas e o objetivo desse trabalho é revisar as comorbidades psiquiátricas do TDAH em adultos. Os pacientes adultos com esse transtorno compartilham características clínicas, comorbidades, disfunções neuropsicológicas e comprometimento funcional semelhantes à das crianças com TDAH.
O impacto do TDAH não diagnosticado ou diagnosticado tardiamente, na vida adulta, pode ser grave. Portanto, é importante compreender as complexidades do procedimento diagnóstico desse transtorno, incluindo o efeito cultural, as limitações das definições do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM – Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders), o efeito das condições co-mórbidas no processo de diagnóstico, a interação genes-ambiente, e a necessidade de testes diagnósticos mais precisos e geralmente aceitos (BERGER, 2011).
Os estimulantes são o pilar do tratamento do TDAH e são eficazes em cerca de 70% dos casos. As intervenções psicoterapêuticas também têm um papel importante (ASHERSON, 2005).
- OBJETIVO
O objetivo deste trabalho é revisar a literatura médico-científica quanto às comorbidades psiquiátricas do TDAH em adultos.
- MÉTODOS
O método científico utilizado neste estudo é a revisão de literatura, que orienta o pesquisador sobre o que é ou não conhecido em uma área de investigação, identificando estruturas teóricas e conceituais importantes para a pesquisa. Ela tem a função de integrar e facilitar o acúmulo de conhecimentos. A pesquisa bibliográfica para esta revisão foi realizada em materiais já publicados, constituindo-se, principalmente, em artigos científicos.
Este trabalho foi elaborado a partir de uma pesquisa bibliográfica na literatura médico científica, preferencialmente, dos últimos vinte anos, nas bases de dados como National Library of Medicine (PubMed), Literatura Internacional em Ciências da Saúde (Medline), Scielo Eletronic Library Online (SciELO) e Google Acadêmico. Também foi consultado material em livros, como: manual diagnóstico e estatístico (DSM V) e o Tratado de Psiquiatria da Associação Brasileira de Psiquiatria (1ª edição), vigentes até o momento.
Os descritores utilizados na pesquisa foram: transtorno do déficit de atenção e hiperatividade – TDAH, adultos, TDAH em adultos, comorbidades, neurobiologia, diagnóstico, tratamento, attention deficit disorder with hyperactivity e comorbidity. Foi incluído na pesquisa material em língua portuguesa e inglesa dos últimos vinte anos e excluídos artigos fora desse período, além daqueles escritos em outras línguas.
- RESULTADOS
4.1 O TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO E HIPERATIVIDADE EM ADULTOS E SUAS IMPLICAÇÕES GENÉTICAS E NEUROBIOLÓGICAS
Briars e Todd (2016) comentam que crianças do sexo masculino têm duas vezes mais probabilidade de serem diagnosticados com TDAH do que mulheres com a mesma idade. No entanto, isso pode ser devido aos homens expressarem sintomas mais hiperativos, enquanto as mulheres demonstram frequentemente desatenção, podendo, assim, ser mais difícil de identificar.
A etiologia do TDAH não foi claramente identificada, embora evidências suportem origens neurobiológicas e genéticas. Estudos de imagens estruturais e funcionais sugerem que disfunção nas vias fronto-subcorticais, bem como desequilíbrios nos sistemas dopaminérgicos e noradrenérgicos, contribuem para a fisiopatologia desse transtorno (BIEDERMAN, 2005).
Estudos com famílias e gêmeos com TDAH demonstraram uma alta herdabilidade, estimada em cerca de 70-80% a partir de estudos individuais. Relativamente poucos estudos investigaram as contribuições genéticas e ambientais para o curso de desenvolvimento e resultados na idade adulta. Estudos longitudinais com gêmeos mostraram que a continuidade dos sintomas desde a infância até a adolescência é predominantemente devido a influências genéticas comuns. Embora tais efeitos genéticos estáveis tendem a continuar além da adolescência, existem poucos estudos que investigam tal situação (BURT, 2009; KUNTSI et al.., 2005; LARSSON, J.; LARSOON, H.; LICHTENSTEIN, 2004; VAN DEN BERG, 2006).
A pesquisa genética sobre o TDAH começou com a constatação de que a hiperatividade tende a agregar nas famílias. Desde então, estudos familiares mostraram que o TDAH mostra agrupamento familiar, tanto dentro como entre as gerações. O aumento das taxas de TDAH entre os pais e irmãos de crianças com TDAH têm sido observado. Observou-se um forte aumento de riscos (57%) para o TDAH entre filhos de adultos com TDAH. E, em comparação com o risco de desenvolver TDAH entre os irmãos de crianças com TDAH (15%), observou se, também, um forte aumento do risco de TDAH (41%). Tomados em conjunto, esses estudos sugerem que o risco para o TDAH pode ser maior entre os parentes de primeiro grau de indivíduos com TDAH (FRANKE et al.., 2012).
O TDAH era, até recentemente, erroneamente percebido como presente apenas em pessoas jovens, com pouco ou nenhum impacto na vida adulta. Na realidade, ele pode ser um distúrbio neurológico extremamente debilitante que muitas vezes persiste além da infância, talvez em cerca de um terço a dois terços dos pacientes. Relatórios indicam que o TDAH afeta 2,5% a 5% dos adultos na população em geral, em comparação com 5% a 7% das crianças. Curiosamente, até 40% dos homens presos e 17% a 22% dos adultos que frequentam ambulatórios psiquiátricos para outras condições que não o TDAH, sofrem com o transtorno. No entanto, menos de 20% dos adultos com TDAH são diagnosticados e/ou tratados por psiquiatras. Alguns deles receberam um diagnóstico na infância, porém muitos deixaram de procurar atendimento nos serviços psiquiátricos e não têm acesso a tratamento. Por outro lado, outros adultos com TDAH não foram diagnosticados na infância (GINSBERG et al.., 2014).
Para Eklund et al. (2016), até dois terços das crianças com TDAH mantêm o mesmo diagnóstico na fase adulta, o que impacta, significativamente, na vida. Por exemplo, adultos com TDAH são mais propensos do que a população em geral para: (1) estar desempregado e ter experiência de perdas de emprego mais frequentes; (2) baixo rendimento escolar; (3) experimentar maior instabilidade nas relações emocionais; (4) comportamentos antissociais e ofensivos; e (5) sofrem de abuso de drogas, ansiedade e depressão.
O curso de desenvolvimento do TDAH no adulto é extremamente heterogêneo e, entre outras coisas, resulta de comorbidades variadas. Diferentes estudos relatam uma relação forte, especialmente com abuso de substâncias, transtornos afetivos, comportamento antissocial e transtorno de personalidade borderline (SCHMIDT; PETERMANN, 2009).
Para Haavik et al. (2010), o TDAH é um distúrbio prevalente na Psiquiatria de adultos, particularmente em ambientes ambulatoriais. Não há testes laboratoriais que possam estabelecer o seu diagnóstico e os critérios diagnósticos atuais para o TDAH são formulados, principalmente, em função do comportamento na infância, com base na idade e níveis de hiperatividade, impulsividade e desatenção. Outros sintomas, como a instabilidade de humor, intolerância e frustração não estão incluídos nos critérios atuais para o TDAH, mas são muito prevalentes nesse grupo de pacientes. O TDAH é frequentemente comorbidade com álcool, abuso de substâncias e outros transtornos psiquiátricos, em especial os transtornos de ansiedade e de personalidade.
Uma das alterações mais encontradas no TDAH infantil é um volume significativamente menor no caudado e uma região menor do putâmen – globo pálido. O caudado, juntamente com o putâmen e o globo pálido, fazem parte de discretos circuitos distribuídos essenciais para as funções executivas. Danos no corpo estriado são hipótese de associação ao TDAH: lesões do estriado em animais produzem hiperatividade, fraca memória de trabalho e inibição do desempenho de resposta. Finalmente, medicamentos estimulantes, comumente usados para tratar o TDAH, podem aumentar a dopamina sináptica, bloqueando o transportador de dopamina no corpo estriado (HAAVIK et al., 2010).
Alguns estudos do TDAH mostraram função atípica do circuito fronto-estriatal, diminuição do fluxo de sangue no corpo estriado e regiões do córtex pré-frontal e diminuição do metabolismo dos circuitos frontais-cerebrais. A dopamina parece ser a principal alteração neuroquímica subjacente a essas alterações morfológicas. Na verdade, os medicamentos estimulantes, até a data, têm sido os mais bem-sucedidos para TDAH (ZAMAN, 2013).
Alterações de rede de conexão entre hemisférios cerebrais em regiões parieto-temporais (atenção) e nos sítios fronto-posteriores (atenção e percepção) em pacientes com TDAH foram sugeridas em uma metanálise que abordou dez estudos de imagem. Esse estudo de imagem foi feito com tensor de difusão, avaliando a substância branca do cérebro e traçando modificações estruturais consistentes em região de esplênio do corpo caloso, cíngulo direito e outras estruturas associadas (CHEN et al.., 2016). Outras neuroimagens funcionais estudadas através de metanálises descreveram alterações replicáveis de hipoativação na região cerebral frontal (córtex inferior direito) (NORMAN et al.., 2016).
Existem evidentes alterações cerebrais neurofisiológicas corticais e subcorticais, tanto em volume cerebral quanto na rede conectiva e substância branca dos pacientes com TDAH (NARDI; SILVA; QUEVEDO, 2022).
4.2 COMORBIDADES PSIQUIÁTRICAS DO TDAH EM ADULTOS
O TDAH está intimamente relacionado a comorbidades psiquiátricas, as quais dificultam o diagnóstico e impactam o curso do quadro clínico e prognóstico. A importância da avaliação psicopatológica de excelência é inegável e, quando da presença de duas ou mais comorbidades, será ainda mais difícil o rastreio diagnóstico, pois as comorbidades no TDAH chegam a 80% em amostras clínicas e a 50% em amostras comunitárias (NARDI; SILVA; QUEVEDO, 2022).
Os transtornos de ansiedade, humor e uso de substâncias são comumente relatados no TDAH adulto. Essas taxas de comorbidades não diferem em função do gênero. Dados sugerem que 43% das pessoas com TDAH com idades entre 18 e 29 anos já sofreram de uma comorbidade psiquiátrica, em comparação com 56% daqueles entre 30 e 44 anos de idade (KESSLER; ADLER; BARKLEY, 2006).
Em populações clínicas, históricos de transtorno de conduta e transtorno desafiador opositivo (TDO) ocorrem em aproximadamente 24%-35% dos adultos com TDAH. Isso é mais baixo do que as taxas frequentemente relatadas no TDAH pediátrico (50-60%) (FARAONE; ANTSHEL, 2008).
Distúrbios por uso de álcool também são comuns em adultos com TDAH. As taxas de prevalência de dependência de álcool ou de transtornos de abuso ao longo da vida variam de 21% a 53%. Distúrbios de maconha e cocaína são também relativamente comuns em adultos com TDAH. Ainda, foi demonstrado que o tabagismo é mais prevalente em adultos com TDAH (WILENS, 2004).
Indivíduos com TDAH foram relatados como tendo início mais precoce de abuso de substâncias em relação a adultos com abuso de substâncias que não têm TDAH, além de uma maior gravidade do abuso/dependência (KOLLINS; MCCLERNON; FUEMMELER, 2005).
Os transtornos de humor, como o transtorno depressivo maior, ocorrem em crianças com TDAH, especialmente naquelas com transtorno de conduta. Entre 16% e 31%, os adultos com TDAH têm grande transtorno com comorbidade atual depressiva, com taxas de vida altas como 45% (FARAONE; ANTSHEL, 2008).
Para Schmidt e Petermann (2009), devido à comorbidade e os déficits causados pelo TDAH, outros problemas emergem frequentemente e influenciam negativamente a vida social e o bem-estar emocional da pessoa afetada. Dificuldades na organização das tarefas diárias podem levar a problemas no trabalho, em casa e nas relações sociais. Problemas com a regulação da emoção podem provocar interações sociais negativas, que intensificam ainda mais a pressão psicológica da pessoa afetada e seus familiares, o que, por sua vez, aumenta o risco de desenvolver doenças co-mórbidas. A descrição detalhada de comorbidades a seguir irá sublinhar isso.
O DSM-5 é usado para diagnosticar oficialmente um paciente com TDAH. O DSM-5 separa os sintomas característicos em duas categorias: desatenção e hiperatividade/impulsividade. Dentro de cada categoria existe uma lista de sintomas e um paciente pediátrico (menor de 17 anos) deve ter seis ou mais desses sintomas em uma ou outra categoria para ser diagnosticado com TDAH. Os pacientes com 17 anos de idade ou mais requerem apenas cinco sintomas para o diagnóstico. Além disso, para ser diagnosticado, o paciente deve ter expressado os sintomas de TDAH por um período mínimo de seis meses e ter um histórico de desenvolvimento de vários dos sintomas antes da idade de 12 anos. Os sintomas também devem estar presentes em duas ou mais situações (como casa e escola) e deve haver evidência clara de que os sintomas interferem na vida do paciente (APA, 2014; BRIARS; TODD, 2016).
Grande parte dos adultos com TDAH possui pelo menos uma outra situação psiquiátrica comórbida. Isso dificulta o rastreio diagnóstico, pois a sintomatologia pode ser comum a ambas condições. Uma sobreposição sintomática em todos os aspectos clínicos pode coexistir (WEIBEL et al., 2019).
Os estimulantes são o pilar do tratamento do TDAH e são eficazes em cerca de 70% dos casos. As intervenções psicoterapêuticas também têm um papel importante (ASHERSON, 2005).
Os psicoestimulantes têm sido os medicamentos de escolha para o tratamento do TDAH há mais de 60 anos, no qual cerca de 75% a 80% dos pacientes com o transtorno se beneficiam com sua utilização. Metilfenidato, dexmetilfenidato, dextroanfetamina, lisdexamfetamina e os sais mistos de anfetamina (dextro e levo-anfetamina) constituem os psicoestimulantes atuais no mercado. Eles têm benefícios clínicos semelhantes, no entanto, as farmacocinéticas variam muito (BRIARS; TODD, 2016).
4.2.1 Abuso de substâncias
Estudos prospectivos mostram um aumento da taxa de abuso de substâncias. Em muitos casos, foi encontrada uma forte associação entre o consumo de substâncias, distúrbios de comportamento na infância e um ambiente social negativo (BROOK et al., 2008; COLLINS et al.., 2006; DAVIS; GASTPAR, 2005; ELKINS, 2007).
Muitos pacientes relatam uma melhor capacidade de concentração com a utilização de substâncias estimulantes. Isso certamente tem consequências para o processo de diagnóstico. Em primeiro lugar, tem de ser esclarecido se os sintomas podem ser considerados como reações para o abuso de substância em vez de sintomas específicos do TDAH. Além disso, devem ser avaliadas quais as sensações qualitativas que resultam do consumo de diferentes substâncias (nomeadamente em relação à melhora relatada no processamento de atenção). Resultados dessa avaliação também irão influenciar o planejamento do tratamento (FERGUSSON; BODEN, 2008).
4.2.2 Transtornos depressivos
A instabilidade e reatividade emocional ocorrem frequentemente em adultos com TDAH. Muitos pacientes, por exemplo, mostram reações extremas para eventos frustrantes. Alterações rápidas de humor, sem razão aparente, também são características da patologia. Em um estudo, a depressão maior foi encontrada em 15% dos pacientes com TDAH. Além disso, 7,6% da amostra preencheram os critérios de diagnóstico de um transtorno distímico e 10,4% de um transtorno afetivo bipolar. Por esse motivo, deve-se dar especialmente atenção à doença mencionada por último, que inclui sintomas semelhantes aos do TDAH, o que resulta na sobreposição de critérios de sintomas (KESSLER et al.., 2005). Fatores genéticos partilhados entre transtornos depressivos e a comorbidade entre TDAH têm sido notados (STERN et al., 2020).
Outros estudos que consideravam o TDAH como um fator de risco para o desenvolvimento de um transtorno afetivo bipolar alcançaram resultados heterogêneos (WILENS et al., 2003).
4.2.3 Transtornos de ansiedade
Muitas pessoas com TDAH desenvolveram estratégias (disfuncionais) para evitar o confronto com situações de ansiedade, a fim de gerir melhor sua doença (BOWEN et al.., 2008). Um aumento do nível global de excitação, bem como a tendência para hiper-focagem em algo podem facilitar o desenvolvimento de um transtorno de ansiedade. Diferentes estudos sobre a comorbidade dos transtornos do TDAH e ansiedade sublinham esses achados (PHAN et al.., 2006; TAYLOR, 2005).
Biederman (2005) relatou uma taxa de prevalência de transtornos de ansiedade comórbidos em 50% dos pacientes afetados pelo TDAH na idade adulta.
4.2.4 Transtorno de personalidade antissocial / delinquência
A presença de comportamento de oposição e, consequentemente, o desenvolvimento de um transtorno de conduta, elevam o risco de desenvolver um transtorno de personalidade antissocial (KOGLIN, 2007).
Em adultos com TDAH, esses sintomas são frequentemente expostos na forma de comportamento agressivo no tráfego, delinquência e como abuso de substâncias e de álcool (REIMER et al.., 2005).
O domínio da delinquência, em particular, desempenha um papel significativo, com diferentes estudos, destacando a relação do TDAH, transtorno de personalidade antissocial, comorbidade e comportamento delinquente (FALLGATTER et al., 2005; FAZEL; DOLL; LANGSTRÖM, 2008).
No estudo com 129 presos do sexo masculino, Rösler et al. (2004) relataram uma taxa de prevalência de 45% do TDAH, de acordo com os critérios do DSM-IV. Assim, os subtipos de TDAH foram distribuídos da seguinte forma: 21,7% do tipo combinado, 21,7% do tipo predominantemente hiperativo-impulsivo e 1,6% do tipo predominantemente desatento. Com exceção do último tipo, todos os resultados foram significativos em comparação com um grupo controle. Em relação ao transtorno de personalidade antissocial, os autores detectaram uma taxa de prevalência de 9,3%, enquanto que no grupo controle nenhuma pessoa sofria de transtorno de personalidade antissocial. Essa diferença não é estatisticamente significativa, mas sim reflete uma tendência.
4.2.5 Transtorno de personalidade borderline
A comorbidade de TDAH e transtorno de personalidade borderline podem ser relatados como o maior desafio diagnóstico. Uma razão é a sobreposição substancial dos critérios de diagnóstico (PHILIPSEN et al., 2008; SOBANSKI et al., 2008).
O curso de desenvolvimento do TDAH no adulto é extremamente heterogêneo e, entre outras coisas, resulta em comorbidades variadas. Diferentes estudos relatam uma relação forte, especialmente com abuso de substâncias, transtornos afetivos, comportamentos antissociais e transtorno de personalidade borderline (SCHMIDT; PETERMANN, 2009).
Uma associação do TDAH na infância e o distúrbio de personalidade limítrofe foi encontrada em um estudo de Fossati et al. (2002). Entre 42 pacientes com transtorno de personalidade borderline, 59,5% relataram sintomas de TDAH na infância. Miller, Nigg e Faraone (2007) também relataram em estudo uma clara ligação entre TDAH e transtorno de personalidade borderline.
- DISCUSSÃO
Simon et al. (2009) comentam que apesar da crescente literatura sobre o TDAH, relativamente pouco se sabe sobre a prevalência e correlatos dessa desordem. Então, eles realizaram uma pesquisa para estimar a prevalência de TDAH em adultos (a média de idade variou entre 19,4 e 28,5 anos) e identificar seus correlatos demográficos. Constatou-se que a prevalência de TDAH em adultos foi de 2,5%. Sexo e idade média foram significativamente relacionados à prevalência de TDAH.
A análise de regressão indicou que a proporção de indivíduos com TDAH diminuiu com a idade, independente do sexo (SIMON et al., 2009), porém é 2,5 vezes mais frequente em meninos do que em meninas quando se refere à população geral. Entre pacientes encaminhados, tal razão passa a ser de 9:1 e isso pode ser explicado pelo fato de os sintomas serem subdiagnosticados em meninas (NARDI; SILVA; QUEVEDO, 2022).
Rösler et al. (2010) examinaram a literatura médico-científica disponível sobre o TDAH em adultos. Pode-se constatar que os sintomas de TDAH em adultos exercem um impacto negativo substancial na vida diária, incluindo o trabalho, a vida social e os relacionamentos. Co-morbidades são comuns, prejudicando ainda mais a qualidade de vida. O diagnóstico do TDAH em adultos pode ser difícil e como critérios atuais exigem-se provas de início dos sintomas antes da idade de sete anos e impacto do transtorno sobre as atividades normalmente realizadas por crianças. A terapia medicamentosa é o tratamento de primeira linha para o TDAH em adultos, especialmente medicação estimulante. A terapia psicológica pode ser benéfica em adultos que continuam a sentir os sintomas clinicamente significativos, enquanto recebem a farmacoterapia.
Mattson (2013) também confirma que embora o TDAH seja normalmente diagnosticado na infância, os sintomas podem persistir na vida adulta. Cerca de 66% das crianças de quatro a 17 diagnosticadas com TDAH tomaram a medicação para o transtorno em 2007. Os medicamentos estimulantes permanecem o tratamento de primeira linha em crianças e em adultos. Esses medicamentos estimulantes também podem ser mal utilizados para suprimir o apetite, aumentar o estado de alerta ou causar sentimentos de euforia. Se os medicamentos estimulantes para TDAH são mal utilizados e o monitoramento de efeitos adversos com atenção médica pode ajudar.
Mattson (2013) analisou as estimativas nacionais de atendimentos do Departamento de Emergência envolvendo medicamentos estimulantes para TDAH, utilizando dados da Rede de Atenção de Abuso de Drogas de 2011. Entre 2005 e 2010, o número estimado de atendimentos envolvendo estes medicamentos aumentou de 13.379 para 31.244. Como o tratamento para o TDAH em adultos está mais difundido, os médicos prescritores (incluindo psiquiatras e outros profissionais de saúde mental) podem considerar cuidadosamente os riscos associados entre aqueles que têm doenças crônicas e/ou tomar outros medicamentos que possam interagir com medicamentos estimulantes para TDAH.
O Adult Self Report Scale (ASRS) representa uma ferramenta que pode ser utilizada com facilidade em consultório. Usando essas estratégias, os médicos de cuidados primários podem identificar e tratar adultos com TDAH (MONTANO, 2004).
De acordo com Culpepper e Mattingly (2008), os sintomas, déficits e consequências associadas ao TDAH no adulto podem ter um profundo impacto sobre a vida quotidiana dos pacientes e suas famílias. A auto-consciência destes sintomas pode às vezes ser difícil para os adultos que vivem com estes sintomas desde a infância. O TDAH é altamente comórbido com outros transtornos psiquiátricos e os médicos devem manter um alto índice de suspeita e integrar a triagem para TDAH quando sentem que a avaliação psiquiátrica é indicada nesses pacientes adultos.
Ginsberg et al. (2014) comentam que é preciso aumentar a consciência do TDAH como um problema muitas vezes subdiagnosticado, subtratado e debilitante em adultos. Em uma grande proporção de crianças com TDAH, os sintomas persistem na vida adulta. No entanto, embora os adultos com TDAH muitas vezes experimentem estilos de vida caóticos, com a realização educacional e profissional prejudicada e maiores riscos de abuso de substâncias e prisão, muitos permanecem sem diagnóstico e/ou sem tratamento.
Ainda conforme o estudo de Ginsberg et al.. (2014), o TDAH é geralmente acompanhado de outras comorbidades psiquiátricas (tais como distúrbio depressivo maior, transtorno de ansiedade e abuso de álcool). Apontou-se que, na verdade, os adultos com TDAH são mais propensos a se apresentar a uma clínica psiquiátrica para tratamento de suas doenças co-mórbidas, e seus sintomas são muitas vezes confundidos com os de suas co-morbidades. Foi possível perceber também que os transtornos não tratados em adultos com comorbidades psiquiátricas levam a desfechos clínicos e funcionais pobres para o paciente, mesmo que as co-morbidades sejam tratadas.
O tratamento eficaz do TDAH adulto melhora os sintomas, a labilidade emocional e o funcionamento do paciente, muitas vezes levando a resultados favoráveis (por exemplo, uma condução mais segura, criminalidade reduzida). Alguns medicamentos já foram aprovados para utilização em adultos com TDAH, enquanto uma abordagem psicoterapêutica também tem mostrado resultados promissores (GINSBERG et al., 2014).
- CONSIDERAÇÕES
De acordo com os estudos revisados, pode-se concluir que: o TDAH é um transtorno caracterizado por desatenção, hiperatividade e impulsividade – habitualmente, com início na infância – cujas características estarão presentes em todos os ambientes da criança e com intensidade e frequência maiores que em outros da mesma faixa etária.
Os sintomas podem ter início na primeira infância, mas geralmente se manifestam em idades maiores, mediante o aumento das demandas escolares. Além disso, as comorbidades na infância são preditores do diagnóstico no adulto. Há relatos na literatura de que os sintomas do transtorno diminui com a idade, principalmente os de impulsividade e desatenção.
Os fatores genéticos, ambientais e psicossociais estão envolvidos na etiologia do transtorno, sendo o TDAH um dos transtornos mais herdáveis: os fatores genéticos são responsáveis por mais de 70% da variabilidade encontrada na relação entre gêmeos monozigóticos e dizigóticos. Os pais diagnosticados apresentam chances de até 8 vezes mais de terem filhos com TDAH.
Sobre os fatores de risco: ambientais (Tabagismo – considerado o fator genético mais relacionado com o TDAH e estresse durante a gravidez, Prematuridade, Baixo peso ao nascer, Maus-Tratos, Exposição ao chumbo); e genéticos (estudos indicam que o TDAH resulta de alterações no neurodesenvolvimento e que seja resultado de alterações nas estruturas de córtex frontal, núcleos da base, córtex parietal e cerebelo. Essas áreas estão diretamente ligadas ao controle de função que estão prejudicadas no TDAH, como atenção, inibição de comportamento e outras funções executivas, como o planejamento e memória de trabalho).
Em geral, os indivíduos com TDAH têm maior chance (chegando a 80%) de terem comorbidades psiquiátricas em relação aos indivíduos com outros transtornos. As principais são: Transtornos disruptivos (TDO e Transtorno de Conduta), Transtornos de humor e ansiedade (até 50%), Transtornos por abuso de substâncias, Transtornos de personalidade antissocial / delinquência, Transtorno de personalidade borderline.
A partir do DSM-5, pode-se diagnosticar TDAH comórbido em pacientes com autismo, caso sejam preenchidos os critérios diagnósticos. Além disso, o TDAH pode ser fator de risco para um uso problemático de substâncias e para dificuldades em relacionamentos. Entretanto, permanecem as exigências diagnósticas de os sintomas não ocorrerem exclusivamente durante outro quadro (esquizofrenia, por exemplo) e de serem mais bem explicados por outro transtorno (ansiedade e depressão, por exemplo). Acrescido a isso, o limite de idade foi modificado para 12 anos – aquilo que alguns grupos de pesquisa já vinham fazendo anteriormente. O uso de escalas de avaliação padronizadas e listas de verificação ajudam o médico a diferenciar TDAH de outros transtornos psiquiátricos comórbidos comumente vistos em cuidados primários. Com base na literatura, existem evidências de que os psicoestimulantes têm um efeito positivo no tratamento do TDAH em até 70%. Além disso, há indícios de uma ótima relação dose-efeito. Por isso, para se alcançar uma resposta ótima das drogas, a dose deve ser determinada numa base individual. Mas, há a necessidade de estudos de alta qualidade que comparem diretamente vários agentes – um aspecto que é relevante para a eficácia médica dessa terapia.
O tratamento eficaz do TDAH no adulto melhora os sintomas, a labilidade emocional e o funcionamento do paciente, muitas vezes levando a resultados favoráveis (por exemplo, uma condução mais segura, criminalidade reduzida). Alguns medicamentos já foram aprovados para utilização em adultos com TDAH, enquanto uma abordagem psicoterapêutica também tem mostrado resultados promissores.
Apesar do TDAH ter sido reconhecido como uma desordem que afeta indivíduos em todo o ciclo de vida desde o final dos anos 90, ainda há um debate considerável sobre a forma de conceituar a doença nos adultos e sobre a melhor maneira de operacionalizar critérios diagnósticos para essa faixa etária.
O TDAH tem início na infância e persiste, pelo menos parcialmente, em cerca de 60% dos indivíduos atingidos; os principais sintomas incluem: desatenção, hiperatividade e impulsividade. A psicopatologia adicional envolve o comportamento desorganizado e a desregulação emocional é comum na idade adulta; a grande maioria dos adultos afetados também apresenta comorbidades psiquiátricas.
Há comprometimento grave da vida cotidiana e qualidade de vida; o TDAH é uma condição pouco diagnosticada, subtratada e muitas vezes debilitante em adultos; o tratamento eficaz do TDAH adulto melhora os sintomas, a labilidade emocional e o funcionamento do paciente, muitas vezes levando a resultados favoráveis, tais como a condução mais segura e criminalidade reduzida; os psiquiatras devem se familiarizar com os sintomas do TDAH em adultos, a fim de diagnosticar e tratar adequadamente o transtorno e as comorbidades envolvidas.
LISTA DE SIGLAS
CID-10 Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde CPFDL Córtex pré-frontal dorsolateral
DSM Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais)
TDAH Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade
TDO Transtorno desafiador opositivo
REFERÊNCIAS
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1Pós-doutor em Direitos Humanos e Sociais pelo Departamento de Direitos Humanos pela Universidade de Salamanca, USAL, Salamanca, Espanha. Doutor em Psicologia Social pela Universidade Argentina John F. Kennedy, C. A. B. A., Buenos Aires, Argentina. Mestre em Psicanálise pela Universidade Argentina John F. Kennedy, C. A. B. A., Buenos Aires, Argentina. Médico Psiquiatra em formação pelo Centro de Estudos José de Barros Falcão, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. https://orcid.org/0000-0003-3090-0280. E-mail: wagnerlines@hotmail.com.