REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10608039
Amanda de Araújo Dias¹; Bruno Melo Fernandes²; Marcella Coelho Mesquita Fernandes².
INTRODUÇÃO
O câncer de mama é um importante problema de saúde pública, bem como uma doença heterogênea, com grande variação em suas características morfológicas, moleculares e em sua resposta clínica. No Brasil, para o triênio de 2023 a 2025, é esperado um número de 73.610 casos, correspondendo a um risco estimado de 66,54 casos novos a cada 100 mil mulheres, sendo este o câncer mais incidente no país e em todas as suas regiões¹.
A doença é multifatorial e os riscos para o desenvolvimento do câncer de mama envolvem fatores intrínsecos, como a predisposição hereditária ou constituição hormonal, e extrínsecos, como ambientais, agentes químicos, físicos e biológicos. Outros fatores que aumentam o risco estão ligados ao estilo de vida, como consumo excessivo de álcool, obesidade, sedentarismo e exposição à radiação ionizante, os quais podem acarretar danos ao material genético celular e favorecer o desenvolvimento de neoplasia maligna ².
Nesse contexto, a predisposição hereditária é considerada um importante fator de risco para a carcinogênese mamária. Aproximadamente 5 a 10% de todos os casos são relacionados à herança de mutações genéticas ³. Por isso, a história familiar de câncer de mama, pode estar relacionada a mutações em genes como o BRCA 1 e BRCA 2, genes supressores tumorais, os quais exercem funções centrais no metabolismo celular, como reparo de danos ao DNA, regulação da expressão gênica e controle do ciclo celular ⁴.
No que tange a classificação molecular, os cânceres de mama são classificados em 5 grandes grupos, de acordo com a expressão de receptores de estrógeno, progesterona e HER 2, sendo estes: Luminal A, Luminal B, HER 2 superexpresso, Triplo negativo e Luminal Híbrido. Até 20% dos pacientes com tumores triplo negativos apresentam uma mutação no gene de suscetibilidade ao câncer de mama (BRCA), particularmente no BRCA1. ⁵
Nesse cenário, o objetivo deste trabalho é relatar o caso de uma paciente que apresentou lesões neoplásicas em ambas as mamas, em tempos distintos e com perfis histológicos e imuno-histoquímicos diferentes, destacando-se a raridade do caso e a relevância de terapias dirigidas a alvos específicos, uma vez que a paciente apresentou lesões com perfis moleculares distintos, bem como mutação do gene BRCA 1.
RELATO DE CASO
KMMC, 38 anos, sem comorbidades prévias e sem histórico de casos de câncer na família, negava tabagismo e etilismo, sedentária, passou em primeira consulta no ambulatório da Unidade de Alta Complexidade em Oncologia Clínica – UNACON do Hospital Universitário João de Barros Barreto – HUJBB, localizado em Belém – PA, relatando crescimento de nódulo em mama direita há aproximadamente 01 ano da consulta, em seguimento com Mastologia. Realizou 4 biópsias, com 3 resultados benignos. Chegou a marcar cirurgia, porém não realizou, pois, médico assistente refez biópsia, obtendo resultado de neoplasia maligna de mama nesta última. O anatomopatológico evidenciou Carcinoma Ductal Infiltrante, sem outras descrições e a imuno-histoquímica revelou Receptor de Estrógeno (RE) negativo, Receptor de Progesterona (RP) negativo, HER 2 positivo (3+/3+) e Ki-67 de 30%. Após exames de estadiamento, a impressão médica foi de Carcinoma Ductal Invasivo de mama localmente avançado HER-2 positivo Estádio Clínico III. Ecocardiograma inicial evidenciava fração de ejeção preservada.
Paciente iniciou esquema de quimioterapia neoadjuvante com Doxorrubicina 60mg/m² e Ciclofosfamida 600mg/m² a cada 21 dias por 4 ciclos e após, Paclitaxel 80 mg/m² semanal por 12 semanas e Trastuzumabe 8mg/kg no primeiro ciclo e 6 mg/kg a partir do segundo ciclo por 4 ciclos, período que compreendeu junho a novembro de 2018. Em janeiro de 2019 foi realizada mastectomia conservadora a direita com esvaziamento axilar, e o anatomopatológico da peça cirúrgica revelou Resposta Patológica Completa e tecido mamário com fibrose estromal e adenose simples. Foram retirados 11 linfonodos, sendo todos livres de neoplasia. Após a cirurgia, foi realizado trastuzumabe adjuvante 6mg/kg a cada 21 dias até completar 18 ciclos e em agosto de 2019, paciente foi submetida a radioterapia radical 50Gy em plastrão e fossa supraclavicular direita.
No seguimento oncológico trimestral, em agosto de 2022, paciente notou nódulo em mama contralateral (esquerda) e realizou mamografia em 31/08/2022 a qual evidenciou microcalcificações agrupadas puntiformes em junção de quadrantes superiores com BIRADS 3 e, em exame físico da mama apresentava espessamento irregular na junção dos quadrantes superiores medindo aproximadamente 6,0 cm e axilas sem linfonodos palpáveis. Foi realizada core biopsy em novembro de 2022 e o resultado histopatológico mostrou proliferação ductal com atipias e áreas suspeitas de invasão estromal, sendo queo laudo constava nota recomendando exame imunohistoquimico para adequada caracterização da lesão e exclusão de diagnósticos diferenciais. O resultado da imuno-histoquímica posterior evidenciou RE negativo, RP negativo e HER 2 1+/3+ e Ki-67de 25%.
Desta vez, a impressão médica foi de Carcinoma Ductal Invasivo de mama localmente avançado Triplo Negativo HER 2 low em mama contralateral. Nesse momento, foi indicado tratamento neoadjuvante com quimioterapia com Paclitaxel 80mg/m² e Carboplatina AUC 2 semanal por 12 semanas. No entanto, paciente realizou apenas 6 semanas da quimioterapia a qual teve que ser suspensa por toxicidade limitante (astenia, inapetência e tremores – grau 3).
Em 09 de agosto de 2023 paciente realizou mastectomia radical. O exame anatomopatológico da peça cirúrgica evidenciou carcinoma mamário invasivo residual em junção dos quadrantes superiores de mama esquerda representado em 3 focos que variam de 0,3 e 0,7cm, com margens livres e presença de metástases ganglionares de carcinoma em 04 linfonodos sem ruptura capsular de 28 linfonodos avaliados. O exame imuno-histoquimico da peça cirúrgica demonstrou RE + 100% e HER 2 duvidoso.
Paciente também realizou painel genético germinativo para câncer de mama no qual foi detectada uma variante em heterozigose no gene BRCA1, classificada como patogênica, bem como uma variante em heterozigose no gene PMS2/PMS2CL, classificada como patogênica. No painel genético também foram avaliados os seguintes genes: ATM, BARD1, BRCA1, BRCA2, BRIP1, CDH1, CHEK2, EPCAM, MLH1, MSH2, MSH6, NBN, NF1, PALB2, PMS2, PMS2CL, PTEN, RAD51C, RAD51D, STK11 e TP53.
Após detecção de tais mutações, paciente fechou critérios para Síndrome de Predisposição ao Câncer de mama e ovário Hereditários (HBOC).
Paciente foi então encaminhada para avaliação oncogenética e para a realização de ooforectomia bilateral, radioterapia adjuvante, bem como foi solicitado FISH para avaliação de HER 2 e posteriormente será discutido tratamento sistêmico adjuvante.
CONCLUSÃO
O caso em questão evidencia a importância da realização do painel genético para pesquisa de mutações patogênicas envolvidas na predisposição ao câncer de mama e ovário hereditários e a partir do resultado, a realização de cirurgias redutoras de risco. Pacientes que desenvolveram câncer antes dos 50 anos de idade possuem indicação para a realização de tal pesquisa e aquelas mutadas em gene BRCA1, por exemplo, devem realizar mastectomia bilateral profilática devido esta ser a intervenção de maior redução de risco de câncer de mama nesse cenário. Portanto, a paciente do caso pôde se beneficiar de medidas redutoras de risco por conta do acesso a avaliação genética complementar, o que não seria possível sem a realização dos testes genéticos.
REFERÊNCIAS
1. INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER JOSÉ ALENCAR GOMES DA SILVA (WILD; WEIDERPASS; STEWART, 2020).
2. Predisposição hereditária ao câncer de mama e sua relação com os genes BRCA1 e BRCA2: revisão da literatura – 2018
3. Hulka BS, Moorman PG. Breast cancer: hormones and other risk factors. Maturitas. 2001;38(1):103-13.
4. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Rede Nacional de Câncer Familial – Manual Operacional. [Internet] Rio de Janeiro: Inca; [acesso em 28 de agosto de 2023]. Disponível em: http://bvsms.saude. gov.br/bvs/publicacoes/rede_nacional_cancer_ manual.pdf.
5. Gonzalez-Angulo AM, Timms KM, Liu S, et al. Incidência e resultado de mutações BRCA em pacientes não selecionados com câncer de mama triplo receptor negativo. Clínica Câncer Res 2011; 17:1082.
¹Residente de Oncologia Clínica – HUJBB/UFPA
²Oncologista Clínico (a) – HUJBB/UFPA