APLICAÇÃO DO MÉTODO DESIGN DE SERVIÇO COMO SOLUÇÃO PARA AS DIFICULDADES NA COMUNICAÇÃO ENTRE MÉDICOS E PACIENTES SURDOS EM CONSULTÓRIO MÉDICO. 

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10722803


Daniella Christina Valença1
Charles Alberto villacorta de Barros2
Andreza Holanda de Oliveira Pinheiro3
Carlos Cunha Oliveira4
Carmen Françuasy Martins Nascimento5
Herick Pampolha Huet de Bacelar6
José Antonio Cordero da Silva7
⁠Edson Yuzur Yasojima8
Renata de barros braga9
⁠Rafael oliveira chaves10
Katia Simone Kietzer11
⁠Lêda Lima da Silva12
Emanuelle Costa Pantoja⁠13
Sérgio Antônio Batista dos Santos Filho14
Antonio Erlindo Braga Jr15


INTRODUÇÃO 

 “Há o design para tornar a vida possível, o design para torná-la mais fácil e o design para torná-la melhor” (FRASCARA, 2002). 

 No Brasil, segundo dados do IBGE, 2010, existem no país mais de 10 milhões de pessoas com deficiência auditiva, e entre eles 20% são completamente surdos. Mas  esse grande número parece não ser o suficiente para alterar a realidade que vivemos em nosso país.

 As pessoas com surdez necessitam de acesso à saúde, não apenas associado com a sua deficiência, mas pela busca de melhores condições de saúde relacionada às ações de promoção, proteção e recuperação (MUNOZ-BAELL, et al.,2011).

 O desafio de atender o sujeito surdo nas unidades de saúde se caracteriza, principalmente pela barreira comunicacional (COTTA, 2019)  fato devido à falta de preparo dos profissionais de saúde e falta de conhecimento a respeito deste indivíduo, de como se portar diante deste tipo de situação e de que maneira interagir com o mesmo.  

 Além do desafio linguístico, os surdos ainda enfrentam obstáculos na acessibilidade à saúde devido ao déficit de humanização na relação profissional-paciente, baixo conhecimento dos surdos sobre o processo de saúde-doença  e ao difícil processo de inclusão destes na sociedade (MUNOZ-BAELL, et al.,2011).

 Diante deste pensamento, salienta-se a importância do  “Design para solucionar  as barrareiras comunicacionais entre os surdos o os profissionais de saúde nos atendimentos, em especial em consultórios médicos, salientando então  o design de serviços  como também um modelador social.

 Consideraram-se, para tanto, as potencialidades das tecnologias da informação e da comunicação, e como estas podem servir como apoio à inclusão das pessoas com deficiência na realidade da saúde. Especificamente, como os surdos podem  ter autonomia  no processo atendimento na área da saúde, em especial  no atendimento médico, desde a marcação de consulta até o atendimento em si, demonstrando a importância do próprio de se inserir e vivenciar todo o processo de atendimento. Outrossim, são discutidas contribuições dos domínios do design de interfaces digitais, da acessibilidade comunicacional e do design inclusivo, com enfoque em métodos participativos para o projeto de artefatos digitais. Esses fundamentos foram aplicados na intervenção sobre o objeto investigado.

REVISÃO TEÓRICA

 A perda auditiva ou surdez é um problema sensorial caracterizado pela perda parcial ou total da capacidade de detectar sons em determinadas frequências desencadeadas por diversas enfermidades congênitas ou adquiridas (MONTEIRO, et al.,2017; OMS, 2016).  A audição proporciona o contato do homem com o mundo sonoro e através de uma estruturação lingual, possibilita o desenvolvimento de um código estruturado, característico da humanidade.  Por isso a perda auditiva está diretamente relacionada com a diminuição das habilidades sociais,  a diminuição da autonomia do sujeito e de sua emancipação (SILVA L, et al., 2015).

 De acordo com OMS (2016), a surdez  é considerada um problema de saúde pública em virtude de  sua prevalência elevada.  Estima-se que  em 2018  existiam 466 milhões de pessoas com  no mundo com  algum tipo de deficiência auditiva.  

 Estudos recentes revelam que  no Brasil, de 10,7 milhões de pessoas apresentam deficiência auditiva. Desse total, 2,3 milhões têm deficiência severa. A surdez atinge 54% de homens e 46% de mulheres. A predominância é na faixa de 60 anos de idade ou mais (57%). Nove por cento das pessoas com deficiência auditiva nasceram com essa condição e 91% adquiriram ao longo da vida, sendo que metade foi antes dos 50 anos. (AGÊNCIA BRASIL, 2019).

 Na área da saúde a comunicação é de extrema importância, pois é com ela que pode haver uma interação entre paciente e profissional. Há várias formas de se comunicar e muitas delas não são adequadas, devido a diversos problemas perante o entendimento da relação durante uma consulta (COTTA, 2019) .

 O encontro entre profissionais de saúde e pacientes surdos costuma ser marcado por dificuldades na comunicação (SARAIVA, 2017). A dificuldade de se comunicar com os médicos, de entendê-los e o desconforto  no encontro com eles, também foi identificado por ZAZOVE (1994), cuja  investigação revelou que apenas 10% dos entrevistados surdos disseram terem entendido  tudo o que os médicos lhe disseram quando estavam sozinhos na consulta. 

 As pessoas com algum tipo de deficiência necessitam de cuidados especiais em saúde, por constituírem um grupo heterogêneo que reúne indivíduos com peculiaridades inerentes à sua deficiência (SARAIVA, 2017). 

 O conhecimento dessas questões por parte dos profissionais de saúde é essencial na tentativa de se obter sucesso na comunicação, impedindo que essa deficiência possa afetar a troca de informações entre a pessoa que a possui e os profissionais de saúde, afirma SARAIVA (2017). E para  melhorar esta comunicação é necessário um pensamento criativo para gerar soluções inovadoras.

 Desde 2004, por meio da Portaria GM n.º 2.073/04, de 28 de setembro, o Ministério da Saúde, instituiu a Política Nacional de Atenção à Saúde Auditiva com políticas públicas que beneficiam os pacientes portadores de perda auditiva. Em seguida, para a operacionalização da Política Nacional de Atenção à Saúde Auditiva, a Secretaria de Atenção à Saúde (SAS) publicou as Portarias n.º 587, de 7 de outubro de 2004, e n.º 589, de 8 de outubro de 2004, que regulamentam a organização das Redes Estaduais de Serviços de Atenção à Saúde Auditiva que traz em seu escopo o desenvolvimento de estratégias de promoção, prevenção, tratamento e reabilitação em todos os níveis de atenção e regulamentam a organização das Redes Estaduais de Serviços de Atenção à

Saúde Auditiva (MIN. DA SAÚDE, 2004)

 À partir de  2005, os direitos dos usuários de serviços de saúde dos surdos e portadores de deficiência auditiva  asseguraram-se através da reforma na   Política Nacional de Saúde da Pessoa Portadora de Deficiência. Este decreto  oferece  as seguintes diretrizes:  promoção da qualidade de vida das pessoas portadoras de deficiência;  assistência integral à saúde da pessoa portadora de deficiência; prevenção de deficiências; ampliação e fortalecimento dos mecanismos de informação; organização e funcionamento dos serviços de atenção à pessoa portadora de deficiência; e capacitação de recursos humanos (MIN. DA SAÚDE, 2010). Porém, mesmo que amparados legalmente, as pessoas com deficiência auditiva ainda enfrentam muitas dificuldades para inclusão e acesso aos serviços de saúde além do preconceito.

O design de serviços é um processo que propõe a busca, de forma empática, colaborativa e criativa, de soluções para problemas complexos (GOTTLIEB M, 2017).

 Pode ser aprendido e aplicado por qualquer pessoa, para fins comerciais, sociais e educacionais. Representa um processo que, pautado na empatia, pode ser empregado na busca por soluções criativas, demandando dos que o utilizam um olhar holístico, multidisciplinar, com foco no usuário final do produto (CORTES; et al., 2020).

 Para Moritz (2005), o designer de serviços seria responsável por criar e moldar as interfaces de contato com o usuário e projetar todos os detalhes dessa jornada.  Um processo que, segundo Brown (2008), possui três estágios: inspiração, ideação e implementação.

 O modelo que segue na figura 1, sugerido por Moritz (2005), demonstra graficamente os componentes do design de serviços com uma visão geral das competências dessa área. 

Figura 1. Visão geral do modelo Design de Serviços

Fonte: MORITZ (2005, p. 152-153).

 Outro ponto importante a ser destacado é que o Design de Serviço necessita de contínuo aperfeiçoamento. Não se trata de um projeto que apenas desenvolve e lança um serviço. Mas, sim, de uma prática que trabalha com workshops e projetos, que integra e desenvolve pessoas que passam a pensar no Design de Serviço dentro das empresas (MORITZ, 2005). 

 Para Brown (2008) é  necessário que os funcionários de empresas públicas e privadas comecem a entender as necessidades dos usuários de um determinado serviço, para que, a partir daí, possam propor mudanças e melhorias e, assim, ajudar a desenvolver serviços  de qualidade. O entendimento do design como um processo interdisciplinar e colaborativo pressupõe que as pessoas que são responsáveis pela entrega de um serviço possam contribuir e expor suas ideias para a melhoria dele.

 O papel facilitador do design na surdez pode refletir-se de várias formas, designadamente, a nível gráfico, da criação de espaços, na intervenção em produtos utilizados como ajudas técnicas, e através da criação de produtos que em geral possam responder às suas necessidades específicas. “Devemos ter uma visão de longo alcance e entender o que as consequências poderiam criar uma ação do projeto, o uso de materiais e de energia para fins de igualdade social” (Sanford, 2012).

 O presente artigo é uma revisão da literatura feita no período de dezembro de 2021, sobre as possíveis soluções que a gestão tem para os problemas encontrados no atendimento de pacientes surdos em consultório médico. Para isso, fez-se busca de dados nas bases SciELO, LILACS e Google Schoolar, bem como em outras literaturas, como livros, legislação, teses, entre outros. A data de publicação dos documentos utilizados ficou no período de 2017 à 2021. O objetivo deste trabalho é entender e aplicar conceitos de design de serviços no desenvolvimento de uma solução para as dificuldades na comunicação entre médicos e  pacientes surdos  em consultório médico.

METODOLOGIA E RESULTADOS

 O presente artigo é um estudo bibliográfico para levantamento de soluções no âmbito da gestão para os problemas encontrados no atendimento de pacientes surdos por médicos em consultório. A presente pesquisa é de natureza qualitativa, uma vez que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito que não pode ser traduzida em números (SILVA; MENEZES, 2005), além disso, é descritiva, pois os pesquisadores tendem a analisar os dados de forma indutiva (MINAYO; DESLANDES; CRUZ NETO, 2007). Do ponto de vista de seus objetivos, é exploratória e tem como finalidades: desenvolver hipóteses, aumentar a familiaridade do pesquisador com um ambiente, fato ou fenômeno, para a realização de uma pesquisa futura mais precisa ou modificar e clarificar conceitos (PEREIRA, 2018). Com relação aos procedimentos técnicos, a pesquisa é uma revisão de literatura. A revisão de literatura é definida como aquela em que pesquisas já publicadas são sintetizadas e geram conclusões sobre o tema de interesse (PEREIRA, 2018).

 Dentro de uma lógica abdutiva, característica de Design de Serviços, a pesquisa propôs o seguinte protocolo para a avaliação problemática, conforme quadro 1: 

Quadro 1: Estrutura geral do protocolo de avaliação problemática

Fonte: Elaborado pela  autora, com base na pesquisa realizada.

1. FASE I

 Para a construção deste trabalho, a busca dos artigos foi realizada na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), com o auxílio das bases de dados Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Scientific Electronic Library Online (SciELO) e Schoolar Google. Os artigos foram coletados no período de dezembro 2021. Foram utilizados os descritores: “Assistência à saúde” AND “Surdez” AND “Saúde pública”, cruzados com o operador booleando “AND”, localizados na lista dos Descritores em Ciências da Saúde (DECs). Foram selecionados como critérios de inclusão: artigos completos disponíveis na íntegra, nos idiomas português, espanhol e inglês, com recorte temporal de 2017 a 2021. E os critérios de exclusão foram: artigos incompletos, duplicados, debates, resenhas, resumos ou artigos publicados em anais de eventos, indisponíveis na íntegra.

 Realizou-se também busca não-sistemática em publicações científicas referentes ao tema relação médico-paciente surdo. 

 Posteriormente, todas as palavras e conectores foram cruzadas e dessa busca emergiu um total de  411 resultados. Após a leitura de títulos e resumos, e análise de critérios de inclusão e exclusão, foram selecionados 13 estudos  para compor os resultados  conforme quadro 2.

Quadro 2. Caracterização dos artigos conforme autor, título, ano e metodologia.

            Fonte: Autora

 Pode-se verificar no Quadro 1 que o maior número de artigos foi encontrado em 2020. Verifica-se também que as publicações selecionadas abordam principalmente a relação médico-paciente surdo e as principais barreiras enfrentadas pelos profissionais no atendimento desses pacientes.

2. FASE II

 Nesta fase  do protocolo de avaliação problemática, a definição dos problemas é primeiramente elaborada a partir dos dados coletados anteriormente. Os primeiros dados desta pesquisa são provenientes da revisão bibliográfica sistemática (levantamento do contexto da acessibilidade aos surdos na saúde – problemas, soluções, situação atual). 

          As questões que nortearam esta análise foram: 

  1. Quais as dificuldades enfrentadas pela população surda na busca pelo atendimento em saúde na atenção primária?
  2. Os médicos em seus consultórios  estão preparados para atender esse público?
  3. O que fazer para melhorar o atendimento médico nesse segmento da população?

2.1. Classificação das Barreiras no atendimento médico-paciente surdo: 

 A leitura textual dos artigos proporcionou categorizar os estudos com relação às abordagens temáticas realizada pela autora referente aos obstáculos encontrados pelos surdos no acesso à saúde. Essa classificação reflete as concepções, áreas de interesse em investigações e intervenções com o fim de possibilitar uma maior acessibilidade e disponibilidade dos serviços de saúde à comunidade surda. Assim, classificamos em duas as barreiras encontradas:

2.1.1. Barreiras quanto ao acesso ao serviço de saúde (recepção, triagem e organização do trabalho)

 Os pacientes surdos apresentam dificuldade desde antes do atendimento médico em si, pela simples dificuldade na marcação de consultas por telefone ou pela falta de acolhimento nas recepções dos consultórios. Na recepção, os surdos não conseguem nem sequer expor o motivo que os levou a procurar o serviço de saúde (REZENDE; et al., 2020). A comunicação, geralmente, é estabelecida através de outros recursos, como: gestos, mímicas, escrita, leitura orofacial e mediação por familiares. Registraram-se questões de infraestrutura inadequadas para o acolhimento e falta de recursos interativos para o auxílio durante a consulta (CAVAGNA, Et, al., 2017).

 Para SANTOS (2021), Tais lacunas dificultam o agendamento de consultas; criam preconceitos/estigmas; geraram impaciência durante o atendimento; e sentimentos negativos como medo e angústia.

2.1.2. Barreiras quanto a comunicação médico-paciente surdo

 De acordo com os artigos analisados, observou-se que os pacientes surdos apresentam diversas barreiras ao acesso ao atendimento médico. SANTOS (2021) descreve em seus resultados de síntese de artigos três dificuldades principais enfrentadas pela população surda em relação à procura dos atendimentos na atenção básica: Comunicação, escassez de profissionais capacitados para o atendimento à população surda e falta de intérprete de Libras.

  Dentre eles, o que mais faz com este público não acessem  ou adiem sua visita a uma unidade de saúde, é a falta de comunicação com o profissional. Segundo ARAUJO (2020), 75% dos pacientes entrevistados em sua pesquisa, relatou procurar atendimento médico somente às vezes. Metade dos pacientes afirmou que nunca ou raramente procuram atendimento médico por sentir dor, desconforto ou injúria (COELHO, 2020 e SARAIVA, 2017). Eles têm receio de irem desacompanhados, pois já experimentaram situações de constrangimento durante a comunicação com um profissional da saúde (PEREIRA et al. 2020).

 Os  trabalhos analisados demonstram que  grande parte dos profissionais de saúde não compreende a linguagem de sinais e que esses profissionais enfrentam muitas dificuldades ao atender pacientes surdos, principalmente aqueles que não estão acompanhados de alguém que possa se comunicar por eles. 

ARAUJO (2019) demonstra em seu estudo que 56,2% dos pacientes entrevistados afirmaram que o acompanhante quando presente na consulta, auxilia na comunicação em todas as etapas do atendimento médico quase que totalmente ou totalmente. Porém, sabese que uma das grandes premissas do comportamento humanizado em saúde é a relação direta, sem atravessadores, entre profissional e paciente; essa condição permeia o potencial acolhedor e os princípios bioéticos dessa relação. Devido a isso, pessoas surdas não recebem atenção integral nos serviços de saúde, demonstrando o déficit na humanização na relação médico-paciente (SOUZA. 2017).

 A escassez de profissionais capacitados em LIBRAS ainda é uma realizada em nosso país. A grande maioria dos profissionais de saúde não sabe se comunicar em libras, logo o paciente não pode relatar seus sintomas com clareza e os médicos e enfermeiros não conseguem prestar o auxílio necessário (SANTOS; 2021).  

 Segundo SOUZA (2017), aliado à dificuldade de comunicação que existe entre profissionais-pacientes está o desconhecimento sobre a LIBRAS e suas diferenças básicas em relação à língua portuguesa, além do fato de uma ser visual-espacial e a outra oralauditiva. Os surdos, em sua maioria, não compreendem as informações e não há comunicação estabelecida com compreensão, apenas transmissão unilateral do que o outro interlocutor tenta expressar.  Essa expectativa é corroborada por estudos que descrevem a importância de formação e capacitação de profissionais, como fatores essenciais para o atendimento das necessidades de saúde e reconhecimento da cultura surda, o que poderia minimizar as barreiras comunicativas (REZENDE; Et. al., 2020).  A quase totalidade dos artigos avaliados constataram que a Língua Brasileira de Sinais é considerada uma estratégia de comunicação relevante no atendimento à pessoa surda. No estudo de SOUZA (2017), em relação aos profissionais de saúde, a grande maioria já ouviu falar em LIBRAS, porém, quando foram interrogados se utilizavam a comunicação por meio de LIBRAS, praticamente todos os profissionais responderam não ser capacitados.  Os médicos precisam conhecer a Libras, e, de acordo com os autores, antes de qualquer situação, é preciso interessar-se pelo surdo, ser empático, tentar compreender as dificuldades encontradas, conhecer sua cultura. Sendo que esse interesse deve ser estimulado na formação acadêmica dos profissionais (SOUZA, 2017).

3. FASE III

 A fase III teve como objetivo propor soluções para os problemas de acessibilidade enfrentados pelos Surdos e deficientes auditivos no contexto dos serviços de saúde ambulatoriais, bem como que se adequem à realidade das clínicas e consultórios médicos.  Promover a inclusão de pacientes deficientes em consultórios pode ir além da acessibilidade, pequenos gestos e conhecimento sobre como realizar um atendimento especial e humanizado para essas pessoas ajuda muito a manter a qualidade e o sucesso do atendimento de uma clínica de saúde desde a recepção até a consulta com o profissional de saúde.

3. 1. REQUISITOS BÁSICOS  (Quadro 3)

Requisito 1 – Tornar a experiência do paciente surdo não frustrante e satisfatória; 

Requisito 2 – Facilitar/agilizar o trabalho do profissional e o entendimento do paciente em questão a todo o momento.  Foi pensado que, além de significar menos gasto financeiro e emocional para os profissionais, a agilidade do processo impacta também positivamente na experiência dos pacientes; 

Requisito 3 – Conceber alternativas de baixo custo: uma vez que a quantidade de pacientes atendidos em consultório médico com surdez não é muito intensa, com excessão em serviços específicos de atendimento à este público, como otorrinolaringologistas, etc…

Quadro 3: Requisitos básicos para alternativas de soluções dos problemas encontrados

Fonte: Dados da autora

Nesta fase foram desenvolvidas as alternativas de soluções e suas atividades associadas, a fim de atingir como objetivo, respostas à problemática da fase 2.  Seu desenvolvimento envolve a criação de uma lista de parâmetros associados ao problema que permitem a geração de alternativas para cada um deles, visando compreender com mais profundidade a situação do problema e descobrir combinações de componentes que poderiam não ser feitas sem o uso da técnica. 

3.2. LISTA DE PARÂMETROS ASSOCIADOS AO PROBLEMA E SOLUÇÕES PROPOSTAS:

3.2.1. Organização dos serviços

  • Formação profissional: 

 Orientação  da equipe de trabalho, com recrutamento de  profissionais capacitados que saibam interagir com  pessoas surdas: suas características, necessidades e diferenças. REIS e SANTOS (2019) identificaram  como principais barreiras de acessibilidade para a população surda a discriminação, o preconceito, estigmas e estereótipos nos serviços de saúde, iniciando primeiramente pelo despreparo dos recepcionistas de clínicas e serviços de saúde em geral. Investir nessa formação é fundamental para melhorar a comunicação e garantir a dignidade do paciente surdo. 

  • Intérprete de LIBRAS

 Estes profissionais  deveriam estar presentes em todas as clínicas e serviços de saúde em geral. Isso iria facilitar a interatividade e a experiência dos pacientes surdos em todas as etapas do processo, para que estes  aproveitem o máximo  as consultas e tirarem todas as suas dúvidas (SOUZA e ALMEIDA, 2017); Em contrapartida, ARAUJO, Et. al. (2020) relata que apesar  de  ser  obrigatória  a  inclusão  de intérpretes de LIBRAS língua de sinais nos atendimentos em serviços públicos para ajudar na comunicação com profissionais de saúde, na prática, além de quase nunca existir esses profissionais  nos serviços tanto públicos quanto particulares, a experiência dos pacientes ressalva a falta do direito à privacidade no atendimento quando se introduz uma terceira pessoa. 

  • Folhetos informativos

 Disponibilização de folhetos informativos com horários de atendimento dos médicos, atividades realizadas, formas de acesso, etc..

  • Distribuição de senhas com indicação do número do atendimento e setor onde será atendido (chamada através de painel visual);
  • Utilizar mecanismos como o computador em rede, ramais de telefone ou outro contato para que o recepcionista avise  ao médico que este irá receber um paciente surdo;
  • Uso de Softweres para uma comunicação efetiva entre surdos e ouvintes, assim como uso de aplicativos de celular intérpretes de linguagem de sinais. Esses recursos em último caso poderiam ser usados na melhoria da comunicação quando o paciente estivesse desacompanhado de ajudante ouvinte ou o serviço não ter tradutor de LIBRAS;
  • Confecção de Sites que ofereçam marcação de consultas online para facilitar o acesso sem a necessidade de comunicação por telefone. 

3.2.2.  Atendimento médico-paciente surdo

  • Necessidade de aprendizado de Libras na formação profissional

 Observa-se que alguns profissionais costumam não compreender as particularidades dos surdos. Várias atitudes são observadas pelo paciente surdo quando estão em consulta desacompanhados.  Segundo PEREIRA (2020) em seu trabalho que analisa a Interação Médico-Paciente Surdo durante Assistência à Saúde, várias são as estratégias utilizadas pelos médicos e pacientes surdos para comunicação durante o atendimento. A presença de um acompanhante foi o recurso mais utilizado entre os entrevistados, correspondendo a 36,3% (33) para os médicos, 28,20 e 30% (24) para os surdos. A escrita foi mais utilizada entre os profissionais – 19,8% (18) dos médicos e 19,7% – do que pelos surdos, 16,3% (13). A LIBRAS foi usada quase nove vezes mais pelos surdos do que por médicos. A mímica foi mais utilizada pelos profissionais.

A impaciência demonstrada ao explicar sobre o tratamento ou a doença quando o paciente não compreende o que está sendo falado, falar gritando ou tentar realizar a consulta escrevendo sem olhar para o sujeito, demonstram o despreparo profissional. PEREIRA (2020) afirma que o médico, como prestador de serviços na área da saúde, deve zelar não apenas por sua competência técnica, mas também pelo conhecimento aprofundado e pelas habilidades que favoreçam o estabelecimento de processos de comunicação e relações de caráter interpessoal.

 Para ARAUJO e VASCONCELOS (2020), assim como diversos outros autores,  é necessário a implementação do ensino das libras durante o processo  formativo do profissional que poderia contribuir substancialmente para superação da barreira

comunicacional.   Além   de   tornar   igualitários   os   atendimentos   tanto   para   pessoas   sem  deficiências,   como   para   surdos,   visto   que   a  promoção   da   saúde   deve   estar   acessível independentemente de sua condição de vida na perspectiva do cuidado integral. 

  • Mudanças de comportamento dos médicos no atendimento ao paciente surdo. 

Segundo COSTA E MOREIRA (2009), além do aprendizado de LIBRAS, outras pequenas mudanças de comportamento já ajudariam em uma melhor relação e comunicação médico-paciente surdo:  

  • Falar olhando para o paciente, de frente pra ela, e não de lado.  Quando a pessoa surda estiver acompanhada de um intérprete, dirija-se à pessoa surda, não ao intérprete.
  • Não gritar ou alterar o to da voz. Além de o esforço ser em vão, já que ele não vai ouvir, o surdo pode entender que a pessoa está brava.
  • Não escrever enquanto estiver falando.
  • Ter o rosto iluminado, falar de forma pausada e clara; Quando falar com uma pessoa surda tente ficar num lugar iluminado. Evite ficar contra a luz (de uma janela, por exemplo), pois isso dificulta ver o seu rosto. Faça com que a sua boca esteja bem visível.

Gesticular ou segurar algo em frente à boca torna impossível a leitura labial.

  • Evitar falar palavras longas; 
  • Saber que o uso de bigode, barba ou máscara pode dificultar a leitura labial; 
  • Articular bem as palavras; 
  • Escrever. Quando a mensagem fica muito complicada para ser transmitida, usar da comunicação escrita pode ser uma boa solução. Os especialistas recomendam fazer desenhos ou até escrever para facilitar a comunicação.
  • Fazer expressão facial, mímica; Seja expressivo ao falar. Como as pessoas surdas não podem ouvir mudanças sutis de tom de voz que indicam sentimentos de alegria, tristeza, sarcasmo ou seriedade, as expressões faciais, os gestos e o movimento do seu corpo serão excelentes indicações do que você quer dizer.
  • Usar palavras simples; 
  • Explicar antes e às vezes durante algum procedimento; 
  • Escrever a receita passo a passo: hora a hora – relógio de 1 hora à noite; 2 horas da tarde; 
  • Ter paciência. Isso é fundamental no atendimento do paciente com surdo. 

DISCUSSÃO

 Os consultórios médicos particulares  têm como principal fator de existência seus clientes, por isso há uma necessidade de enfoque na satisfação deles. Na busca por melhorias na gestão, o setor deve conhecer os problemas e o que os desencadeia, e assim buscar o que se deve fazer para solucioná-los. 

 Vivemos em uma sociedade pautada pela comunicação oral e isso se torna um entrave importante  para a assistência à comunidade surda. 

 É inegável a necessidade de uma melhor comunicação dos médicos com os pacientes surdos, no entanto a comunicação com as pessoas surdas continua negligenciada nos sistemas de saúde. O Estado brasileiro já tomou a iniciativa de legislar a respeito sancionando a Lei Nº 10.436/ 2002, regulamentada pelo Decreto 5.626/2005. Neste Decreto, consta que a rede de serviços do Sistema Único de Saúde (SUS) deve atender às pessoas surdas ou com deficiência auditiva, além de apoiar a formação e capacitação dos seus profissionais para o uso de Libras e sua tradução e interpretação (MINISTÉRIO DA SAÚDE; 2002).  Apesar  do acesso e o acolhimento da comunidade surda nos serviços de saúde públicos brasileiros estarem assegurados por lei, o mesmo não acontece nos serviços particulares de saúde.

 Para ARAUJO, Et. al (2020), os médicos não estão suficientemente preparados para cuidar do paciente surdo, pois na formação acadêmica o currículo não contempla as habilidades necessárias para atender essa população.

 O Design de Serviços, ao projetar soluções para organizações e usuários, é capaz de lidar com problemas complexos e oferecer soluções viáveis para quem presta o serviço e soluções eficientes e eficazes para quem o utiliza (MORITZ, 2005).

Após análise das principais dificuldades encontradas no atendimento médicopaciente surdo através de revisão de literatura, entre as diferentes sugestões de estudos a serem desenvolvidos estão: implantação de educação permanente na equipe de atendimento para prepará-los a receber o paciente surdo de modo a facilitar o atendimento e evitar a discriminação, o preconceito, estigmas e estereótipos nos serviços de saúde. Contratação de intérprete de LIBRAS, além de ferramentas tecnológicas especificas como sites para marcação e orientação de horário de consultas, softwares e aplicativos de celular com tradução de LIBRAS, painel visual para chamada do paciente pelo médico, folhetos informativos, etc…

 Na consulta do médico com o paciente surdo, várias mudanças de comportamento para o médico foram propostas, na tentativa de aproximar mais os sujeitos e fortalecer a relação médico-paciente.  Falar olhando para o paciente, não gritar ou alterar o to da voz. Não escrever enquanto estiver falando, ter o rosto iluminado, falar de forma pausada e clara; articular bem as palavras, entre outras atitudes que favoreçam o entendimento do paciente. 

 A perspectiva alcançada com esse projeto pode chegar a níveis bem mais profundos que apenas a melhoria da comunicação médico-paciente surdo. Hoje temos dúvidas, hipóteses e sugestões, mas assim como esse projeto pode trazer visibilidade a esse problema, novas soluções irão surgir, tendo em vista que o ser humano vem investindo em maneiras de melhorar sua qualidade de vida e longevidade, e se utilizar do design para melhorar nossas interações sociais e nosso desenvolvimento como pessoa, é algo que não pode ser contabilizado, ainda que possa ser contemplado.

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