REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8372958
Pedro Henrique Ribeiro Araújo1
Laurentino Xavier da Silva2
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo realizar uma análise reflexiva sobre a pena de morte, um instituto que remonta aos primórdios da humanidade e que frequentemente emerge em discussões quando crimes graves são cometidos, despertando revolta e comoção na sociedade. A proposta é examinar a aplicabilidade e a ineficácia da pena de morte no contexto jurídico brasileiro, mesmo diante de sua vedação legal, a fim de avaliar se sua adoção seria efetiva na redução de crimes graves no país. Além disso, busca-se analisar os processos de aplicação da pena de morte em outros países, com o intuito de verificar a ineficácia desse tipo de punição na diminuição da ocorrência de delitos de natureza grave. A discussão acerca da pena de morte se baseia em aspectos éticos, morais, legais e práticos. Serão examinados os fundamentos que embasam a proibição da pena de morte na Constituição Federal de 1988, destacando-se a valorização da vida e a dignidade da pessoa humana como princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito. Nesse contexto, será abordada a relevância da proibição constitucional como um reflexo da posição adotada pela sociedade brasileira em relação à pena de morte. Dessa forma, esta análise reflexiva visa contribuir para o debate sobre a aplicabilidade e a ineficácia da pena de morte no direito penal brasileiro, ressaltando a necessidade de uma abordagem embasada em princípios de justiça, respeito à dignidade humana e busca por soluções mais adequadas para a punição de crimes graves.
Palavras-chave: Pena de Morte; Direito Comparado; Sistema penal brasileiro.
ABSTRACT
This paper aims to conduct a reflective analysis on the death penalty, an institution that dates back to ancient times and often arises in discussions when heinous crimes are committed, eliciting outrage and emotional reactions in society. The purpose is to examine the applicability and inefficacy of the death penalty in the Brazilian legal context, despite it’s legal prohibition, in order to assess whether its adoption would be effective in reducing serious crimes in the country. Additionally, it seeks to analyze the processes of implementing the death penalty in other countries to assess the ineffectiveness of this form of punishment in reducing the occurrence of grave offenses. The discussion surrounding the death penalty is based on ethical, moral, legal, and practical aspects. The foundations underpinning the prohibition of the death penalty in the 1988 Federal Constitution will be examined, highlighting the value placed on life and human dignity as fundamental principles of the Democratic Rule of Law. In this context, the constitutional prohibition will be discussed as a reflection of the position adopted by Brazilian society regarding the death penalty. Therefore, this reflective analysis aims to contribute to the debate on the applicability and inefficacy of the death penalty in Brazilian criminal law, emphasizing the need for an approach grounded in principles of justice, respect for human dignity, and the search for more suitable solutions for the punishment of serious crimes.
Keywords: Death penalty; Comparative law; Brazilian penal system.
1.INTRODUÇÃO
Este trabalho propõe uma análise reflexiva sobre a pena de morte, um instituto presente desde as primeiras sociedades, Mesopotâmia e Egito, que sempre emerge quando ocorrem atos delituosos de natureza grave, suscitando revolta e grande comoção na sociedade. No sistema jurídico brasileiro, a aplicação da pena capital como forma de punição é proibida, exceto em casos de guerra declarada. No entanto, diante das atrocidades que têm ocorrido em nosso país, surge o debate sobre a adoção da pena de morte, questionando sua efetividade na prevenção de crimes e na redução dos casos recorrentes de delitos hediondos.
Uma questão importante que surge nesse contexto é o fato de a pena de morte ser aplicada em alguns países, com a percepção de que, por serem nações desenvolvidas, estariam trilhando o caminho correto ao utilizar esse tipo de punição para certos crimes. Diante desses questionamentos, o objetivo deste trabalho é analisar a viabilidade da pena de morte em nosso país, apesar de sua proibição legal, a fim de verificar se a implementação desse instituto jurídico seria uma solução para a redução dos crimes graves no Brasil. Serão examinados processos de aplicação da pena de morte em outros países, com a finalidade de avaliar sua eficácia na diminuição da ocorrência de crimes de natureza grave.
Diante do exposto, questiona-se se a adoção da pena de morte seria a solução para a redução dos crimes mais brutais e das reincidências no Brasil? Além disso, esta monografia tem como objetivo geral analisar o processo de aplicação e a ineficácia da pena de morte em países que a utilizam, realizando uma análise crítica sobre a possibilidade de sua aplicação no Brasil.
Quanto à metodologia, trata-se de um estudo descritivo, que utiliza o método hipotético-dedutivo por meio de revisão bibliográfica. O estudo é descritivo porque observa o que já foi estudado sobre o tema. Serão realizadas pesquisas bibliográficas em livros, artigos jurídicos, legislação nacional, jurisprudência e legislação específica sobre a temática.
2.PENA DE MORTE E A SUA EVOLUÇÃO HISTÓRICA
A pena de morte na história antiga foi amplamente praticada em diversas civilizações e mencionada por vários autores. Desde os tempos antigos, a punição capital era vista como uma forma de retribuição pelos crimes cometidos. Autores como Heródoto, historiador grego do século V a.C., relataram a aplicação da pena de morte por apedrejamento na antiga Pérsia (ARAGÃO, 1977).
Na Grécia Antiga, a pena de morte era aplicada para crimes graves. Um exemplo notável é o filósofo Sócrates, que foi condenado à morte por envenenamento com cicuta em 399 a.C., conforme descrito nos diálogos de Platão. Essa execução é relatada no diálogo “Fédon” (BRUNO, 1976).
Na Roma Antiga, a pena de morte era uma prática comum. O historiador Tácito, em suas obras, menciona a crucificação como uma forma de execução usada para punir crimes como rebelião e traição. Sêneca, filósofo estoico, abordou a questão da pena de morte em seu tratado Sobre a Clemência (56 d.C.), enfatizando a importância da clemência no sistema de justiça (ARAGÃO, 1977).
Outro autor relevante é o filósofo e orador romano Cícero, que discutiu a pena de morte em suas obras. Em seu tratado De Officiis (44 a.C.), Cícero defendeu a ideia de que a pena de morte era justificada em casos de crimes extremamente graves, a fim de preservar a ordem social (BRUNO, 1976).
Na tradição hebraica, a Bíblia faz referência à pena capital em várias ocasiões. O Antigo Testamento apresenta casos de execução por apedrejamento, como no caso da mulher adúltera mencionada no livro de João. O Talmude, importante texto de doutrina judaica, também aborda a questão da pena de morte em diferentes contextos legais (BITENCOURT, 2001).
Além desses autores, é importante mencionar os escritos de juristas e legisladores da antiguidade. Na Roma Antiga, o jurista Gaio escreveu sobre as diferentes formas de pena, incluindo a morte, em sua obra Institutiones (s/d.). O legislador ateniense Drácon, do século VII a.C., é conhecido por sua legislação rigorosa, que incluía a pena de morte para uma variedade de crimes (BITENCOURT, 2001).
Na Idade Média, a pena de morte persistiu através de práticas como a Inquisição e o poderio dos reis, que impunham penas corporais cruéis e degradantes. Os hereges eram condenados à fogueira, conforme determinado pelos Concílios de Latrão (1215) e Toulouse (1229). Durante a Idade Moderna e o início da Idade Contemporânea, destacando a Revolução Francesa, a pena de decapitação foi utilizada contra os inimigos em 1789 (BRUNO, 1976).
Posteriormente, Karl Marx argumentou que a pena de morte, que estava em vigor desde as primeiras sociedades, era ineficaz devido ao constante e acentuado aumento da criminalidade. Esse sistema de pena capital existia em toda a Europa, inclusive na França, Espanha e Portugal, e, consequentemente, foi trazido para o Brasil (NUCCI, 2007).
Durante o período colonial do Brasil, os habitantes eram submetidos às Ordenações Portuguesas, que também previam a pena de morte em suas leis. Após a Proclamação da Independência em 1822, o Brasil, agora livre dos laços com Portugal, manteve em vigor o Código Penal do Império de 1830, que também estabelecia a pena capital para delitos graves (NORONHA, 1991).
Com o processo de Independência do Brasil (1822), surgiram desafios significativos para estabelecer instituições sólidas que garantissem a unidade nacional e promovessem a coesão do país em seu novo status. Dentre essas instituições, destaca-se a jurídica, que tinha como objetivo principal a criação de um sistema legal próprio e adequado às necessidades da nação recém-independente (NORONHA, 1991).
Um dos principais dilemas enfrentados na época era como dotar o Brasil de leis próprias, sem carregar a marca do período colonial, ao mesmo tempo em que se preservava o legado histórico e as referências jurídicas do país colonizador. Era necessário encontrar um equilíbrio entre a ruptura com o sistema legal português e a preservação de elementos importantes para a construção do novo país.
A solução para esse desafio veio de forma gradual, por meio de um processo de transição legislativa e codificação das leis. Inicialmente, foram promulgados atos normativos que revogaram explicitamente as leis portuguesas em vigor no Brasil. Em seguida, foram sendo elaborados códigos e leis específicas para os diferentes ramos do direito, buscando-se adequá-los à nova realidade brasileira (NORONHA, 1991).
No entanto, apesar do esforço de criação de um sistema jurídico próprio, é importante destacar que a influência do direito português ainda se fazia presente. Isso ocorreu devido à necessidade de se preservar certas tradições e instituições jurídicas já consolidadas, além da falta de recursos e expertise para elaborar um sistema legal completamente independente em um curto período de tempo (NUCCI, 2007).
Na primeira Constituição Brasileira de 1824, admitia-se a aplicação de penas sumárias, como a forca, seguida de uma liturgia própria para demonstrar o poder do Estado, com o objetivo de coibir crimes e incutir medo nos cidadãos. Entretanto, há evidências históricas de que a efetividade contínua de uma lei que sustentasse a pena capital foi questionada e revisada ao longo do tempo, buscando-se uma abordagem mais humanitária e coerente com os princípios de justiça e dignidade humana (NUCCI, 2007).
Foi somente após a deposição de Dom Pedro II que a pena de morte deixou de ser aplicada no Brasil. As últimas execuções por esse tipo de condenação ocorreram por volta de 1870. Com a proclamação da República em 1889, a pena de morte foi retirada do Código Penal.
Um caso notório que ganhou grande repercussão foi o erro do Judiciário brasileiro no caso do acusado Manuel da Mota Coqueiro Ferreira da Silva, mais conhecido como Mota Coqueiro, também chamado de “Fera de Macabu”. Ele foi erroneamente enforcado no lugar do verdadeiro criminoso, o que gerou maior cautela e preocupação por parte do ainda Império em relação à aplicação da pena de morte (CORRÊA; SHECARIA, 2002).
Mota Coqueiro, um fazendeiro do século XIX, tornou-se conhecido por ter sido condenado à pena de morte no Brasil. Embora não fosse comum que pessoas abastadas sofressem esse tipo de punição, Coqueiro possuía inimigos políticos na região que exerciam influência sobre a polícia, o judiciário e a imprensa. Diante dessas circunstâncias, a pena capital foi imposta a ele e, infelizmente, o imperador brasileiro da época, Dom Pedro II, não concedeu clemência a Coqueiro, que foi enforcado.
Após a execução de Mota Coqueiro, surgiram informações que indicavam a possibilidade de sua inocência. Essas revelações geraram um forte impacto na opinião pública e também sensibilizaram o imperador. Diante da injustiça cometida, Dom Pedro II começou a comutar penas de morte para outras formas de punição, como a prisão perpétua. Essa atitude do imperador, ao exercer seu poder de conceder perdão, estava ligada à tradição do poder real português, que possuía a prerrogativa de comutar ou perdoar sentenças de morte. Essa ação do imperador foi vista como uma forma de correção do erro e como uma demonstração de clemência (ZAFFARONI, 2002).
Essa narrativa histórica evidencia a complexidade e as falhas do sistema judicial da época, destacando como a pena de morte foi aplicada de forma equivocada no caso de Mota Coqueiro e a posteriori a descoberta de sua inocência levou à reflexão sobre a necessidade de revisar e reavaliar a aplicação desse tipo de pena.
É importante compreender os contextos históricos específicos e as nuances envolvidas nas decisões relacionadas à pena de morte, a fim de avaliar criticamente as práticas punitivas do passado e buscar um sistema de justiça mais justo e humano no presente.
Segundo Cesare Beccaria, em Dos Delitos e das Penas (2009), a eficácia na prevenção de crimes não está diretamente relacionada ao rigor do suplício, mas sim à certeza da punição, ao zelo vigilante do juiz e à inflexibilidade da pena. Beccaria argumenta que a perspectiva de um castigo moderado, porém certo, causa um impacto mais significativo do que o vago temor de um suplício horrendo, que pode gerar a esperança de impunidade. Ele defende que o direito de punir não pertence a um indivíduo em particular, mas sim às leis, que representam a vontade coletiva. Nesse sentido, Beccaria afirma que, ao conceder graça, o soberano está implícita e indiretamente desaprovando as leis existentes (ZAFFARONI, 2002).
Beccaria acredita que a efetividade da pena reside na sua inevitabilidade, na sua previsibilidade e na sua proporção com a gravidade do delito cometido. Ele sustenta que a aplicação das leis deve ser justa e imparcial, sem qualquer forma de arbitrariedade. Além disso, enfatiza a importância da prevenção do crime por meio da certeza da punição, pois a incerteza ou a demora na aplicação das penas podem enfraquecer o efeito dissuasivo do sistema penal.
No contexto das graças e perdões, Beccaria argumenta que a prerrogativa do soberano de conceder clemência deve ser exercida com cautela e parcimônia. Ele enfatiza que o objetivo principal da punição é preservar a ordem social e dissuadir a prática de delitos, e que a aplicação excessiva de clemência pode minar a eficácia desse propósito. Ao mesmo tempo, Beccaria reconhece que o poder de conceder graça é uma manifestação do poder soberano, mas ressalta que o seu exercício implica uma desaprovação implícita das leis vigentes (ZAFFARONI, 2002).
3. POSSIBILIDADE DA PENA DE MORTE NO BRASIL
O direito à vida é um dos princípios fundamentais no plano constitucional brasileiro, estabelecido na Constituição Federal de 1988. Esse princípio reconhece e valoriza a vida humana como um bem essencial e inviolável. Permeia diversos aspectos do ordenamento jurídico brasileiro, abrangendo questões relacionadas à saúde, segurança, dignidade, integridade física e psicológica dos indivíduos.
A Constituição, em seu artigo 5º, estabelece que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” (BRASIL, 1988), assegurando a todos o direito à vida. Essa disposição reflete o compromisso do Estado brasileiro em proteger e promover a vida de todos os cidadãos, independentemente de sua origem, raça, gênero, orientação sexual, religião ou qualquer outra condição (LENZA, 2021).
No contexto da saúde, o direito à vida implica na garantia do acesso universal e igualitário aos serviços de saúde, bem como na implementação de políticas públicas que visem à prevenção, diagnóstico e tratamento de doenças. O Sistema Único de Saúde (SUS) é um exemplo importante desse compromisso, assegurando a assistência integral à saúde de todos os brasileiros (CANOTILHO, 2003).
A proteção à vida também se manifesta no âmbito da segurança pública, em que o Estado tem o dever de adotar medidas efetivas para prevenir e combater a criminalidade, garantindo a segurança da população. A punição de crimes contra a vida, como o homicídio e o feminicídio, é essencial para a preservação desse direito.
No campo da dignidade humana, a valorização da vida é fundamental. A Constituição estabelece que a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, refletindo a importância de se respeitar a individualidade, autonomia e integridade física e moral de cada indivíduo.
O direito à vida também se relaciona com questões como a proibição da pena de morte, salvo em caso de guerra declarada, conforme previsto no artigo 5º, XLVII, “a”, da Constituição. Essa disposição reflete a preocupação em proteger a vida, considerando-a como um direito inviolável, mesmo diante de crimes graves (CANOTILHO, 2003).
Além disso, o direito à vida desde a concepção é uma temática que desperta debates intensos no Brasil. Correntes jurídicas e morais divergem quanto ao reconhecimento da proteção jurídica do feto desde o momento da fecundação. Essa discussão envolve questões éticas, religiosas e científicas, abrangendo o tema do aborto e suas regulamentações.
No campo dos direitos reprodutivos, a proteção à vida também se manifesta, sendo necessário ponderar os direitos da mulher em relação à sua saúde física e mental, bem como a situações específicas, como estupro ou risco à vida da gestante. A legislação brasileira ainda está em debate quanto aos limites e condições em que o aborto pode ser permitido (CANOTILHO, 2003).
A valorização da vida também implica na adoção de medidas de prevenção e combate à violência doméstica, ao tráfico de pessoas, à exploração sexual e a outras formas de violação dos direitos humanos. O Estado deve garantir a proteção das vítimas, promover a conscientização e punir os responsáveis por essas práticas.
Ademais, a valorização da vida está presente em outras esferas, como no direito à moradia, ao trabalho digno, à educação, à alimentação adequada, entre outros direitos sociais. O Estado tem o dever de implementar políticas públicas que visem a garantir a qualidade de vida e o bem-estar de todos os cidadãos (CANOTILHO, 2003).
A proteção à vida no plano constitucional brasileiro vai além do mero direito de existência física. Ela abrange a promoção de uma vida plena, com oportunidades e condições adequadas para o desenvolvimento pessoal e social. A valorização da vida é um princípio que orienta a atuação do Estado e dos agentes públicos na construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
4 A PENA DE MORTE E A SUA INEFICÁCIA
Um dos principais argumentos contra a pena de morte é a sua falta de efeito dissuasor. Vários estudos comparativos têm mostrado que não há correlação significativa entre a presença da pena de morte e a redução da criminalidade. Por exemplo, um estudo realizado nos Estados Unidos em 2018, que analisou dados de todos os estados americanos durante um período de 20 anos, concluiu que a pena de morte não tem impacto na redução dos crimes violentos. Esse estudo e outros similares reforçam a ideia de que a ameaça da pena de morte não impede potenciais criminosos de cometerem delitos (GROSS; BRIEN; KENNEDY, 2014).
Além disso, a pena de morte apresenta o risco de erros judiciais irreversíveis. Inúmeros casos têm sido documentados em que pessoas foram condenadas à morte erroneamente e, posteriormente, foram provadas como inocentes. De acordo com a Organização Não Governamental (ONG) Projeto Inocência, nos Estados Unidos, desde 1973, mais de 170 pessoas que foram condenadas à pena de morte foram posteriormente exoneradas. Esses casos ressaltam a falibilidade do sistema judicial e demonstram que a pena de morte não é um método confiável para a justiça (WILLINGHAM, 2010).
Outro aspecto importante é o custo e a complexidade do sistema de pena de morte. Estudos têm mostrado que a aplicação da pena de morte é significativamente mais cara do que a aplicação de penas alternativas, como a prisão perpétua. Isso se deve às despesas envolvidas em processos judiciais prolongados, à necessidade de advogados especializados, aos recursos extras destinados a garantir a justiça e a exatidão dos procedimentos e aos custos associados à execução em si. Dessa forma, a pena de morte acaba sendo financeiramente onerosa para o sistema de justiça e para os contribuintes.
Além disso, a aplicação seletiva da pena de morte gera preocupações sobre sua equidade e imparcialidade. Estudos têm mostrado que a pena de morte é aplicada de maneira desproporcional em relação a fatores como raça, classe social e localização geográfica. Minorias étnicas e pessoas economicamente desfavorecidas têm maior probabilidade de serem condenadas à pena de morte do que pessoas brancas e de classes mais altas. Essa disparidade enfraquece a confiança no sistema de justiça e questiona a validade e a imparcialidade da pena de morte como forma de punição.
Outro ponto relevante são as alternativas à pena de morte que têm se mostrado mais eficazes e humanitárias. Países que aboliram a pena de morte, como Canadá, Alemanha e muitos outros, têm mantido índices de criminalidade comparáveis ou até mesmo mais baixos do que aqueles que ainda a praticam. Essa evidência sugere que é possível garantira segurança pública sem recorrer à pena de morte (WILLINGHAM, 2010).
Um estudo conduzido por pesquisadores da Universidade de Duke, nos Estados Unidos, analisou os dados de todos os homicídios ocorridos nos Estados norte-americanos durante um período de mais de 20 anos. Os resultados revelaram que os Estados que aboliram a pena de morte apresentaram taxas de homicídio semelhantes aos Estados que a mantiveram. Esses achados apontam para a conclusão de que a pena de morte não desempenha um papel significativo na prevenção ou na redução de crimes violentos.
Adicionalmente, a ineficácia da pena de morte pode ser observada em outros contextos além da dissuasão criminal. Por exemplo, países que aboliram a pena de morte demonstraram maior respeito pelos direitos humanos e pela dignidade humana. Essas nações têm se esforçado para desenvolver sistemas de justiça que promovam a reabilitação e a reintegração dos infratores, em vez de se concentrarem exclusivamente na retribuição e no castigo extremo (GROSS; BRIEN; KENNEDY, 2014).
Outro fator importante é o impacto psicológico sobre os familiares das vítimas e dos condenados. Estudos têm demonstrado que a longa espera pelo cumprimento da pena de morte, que pode se estender por décadas devido a recursos legais, causa sofrimento emocional prolongado para todos os envolvidos. Além disso, a execução em si é muitas vezes traumática para as testemunhas e para os familiares presentes (WILLINGHAM, 2010).
A análise de estatísticas também revela que a pena de morte não é uma solução para a redução dos crimes mais graves, como homicídios premeditados ou crimes violentos de natureza sexual. Países que aboliram a pena de morte mostraram que é possível combater esses delitos por meio de outras abordagens, como investimentos em segurança pública, fortalecimento das instituições de justiça criminal, melhorias nos sistemas de investigação e aplicação de penas mais rígidas, como a prisão perpétua.
5.CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante das discussões acerca da aplicabilidade e ineficácia da pena de morte no direito penal brasileiro, é possível concluir que a adoção desse tipo de punição não se mostra viável nem condizente com os princípios fundamentais do sistema jurídico do país. O debate em torno da pena de morte envolve não apenas aspectos morais e éticos, mas também questões práticas, financeiras e de eficácia.
Ao analisar a aplicabilidade da pena de morte no contexto do Direito Penal brasileiro, percebe-se que a Constituição Federal de 1988 proíbe expressamente essa forma de punição, estabelecendo a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito. Essa proibição reflete o entendimento da sociedade brasileira de que a vida é um direito inviolável e que o Estado não deve recorrer à pena máxima como forma de punição.
Além disso, ao considerar a ineficácia da pena de morte, evidencia-se que esse tipo de punição não atende aos objetivos do sistema de justiça criminal. A pena capital não possui um efeito dissuasor significativo na prevenção de crimes graves. Estudos e estatísticas têm demonstrado que a ameaça da pena de morte não é um fator determinante para evitar a ocorrência de delitos, uma vez que muitos crimes são cometidos em situações de impulsividade, emoções extremas ou outros fatores que não levam em consideração a possibilidade de punição.
Ademais, a pena de morte apresenta riscos inaceitáveis de erros judiciais irreversíveis. A aplicação da pena capital é suscetível a falhas, seja por equívocos na investigação, por erro de identificação do culpado ou por vieses raciais e socioeconômicos que podem influenciar o julgamento. A execução de pessoas inocentes é uma injustiça irreparável e vai contra os princípios básicos de um sistema de justiça justo e equitativo.
Outro aspecto relevante é a complexidade e o custo do sistema de pena de morte. A implementação e manutenção desse sistema demandam recursos financeiros significativos, envolvendo processos legais complexos, apelações, detenção prolongada e execuções. Esses custos poderiam ser direcionados para aprimorar outros aspectos do sistema de justiça criminal, como investigações mais eficazes, programas de prevenção da criminalidade, reabilitação de infratores e assistência às vítimas.
REFERÊNCIAS
ARAGÃO, Antônio Moniz Sodré. As três escolas penais: clássica, antropológica e crítica (estudo comparativo). 8. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1977.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão, causas e alternativas. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2012.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.
BRUNO, A. Das Penas. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1976.
CALHEIROS, B. Bonfim. A pena de morte. Rio de Janeiro: Editora Destaque, 1998.
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003
CORRÊA Júnior, Alceu; SHECARIA, Sérgio Salomão. Teoria da pena: finalidades, direito positivo, jurisprudência e outros estudos de ciência criminal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.
DAHER, Paulo Rodrigues. Pena de morte. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 1996.
DONOHUE, J. J.; WOLFERS, J. Uses and abuses of empirical evidence in the death penalty debate. Stanford Law Review, v. 58, n. 3, p. 791-846, 2005.
DUEK, Oswaldo Henrique Marques. A pena capital e o direito à vida. São Paulo: Ed. Juarez de Oliveira, 2000.
FAGAN, Jeffrey; WEST, Valerie. Cost, deterrence, incapacitation, and just punishment. Crime and Justice, [S.l.], v. 32, n. 1, p. 329-386, 2005.
GROSS, Samuel R. et al. Rate of false conviction of criminal defendants who are sentenced to death. Proceedings of the National Academy of Sciences, [S.l.], v. 111, n. 20, p. 7230-7235, 2014.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 25. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 37. ed. São Paulo: Atlas, 2021.
NORONHA, E. M. Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1991.
NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da pena. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
RADELET, M. L.; LACOCK, T. L. Do executions lower homicide rates? The views of leading criminologists. Journal of Criminal Law and Criminology, v. 99, n. 2, p. 489-508, 2009.
SALEILLES, Raymond. A individualização da pena. Tradução: Thais Miremis Sanfelippo da Silva Amadio. São Paulo: Rideel, 2006.
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 13. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 43. ed. São Paulo: Malheiros, 2020.
SILVA, Virgílio Afonso da. A Constitucionalização do Direito: os direitos fundamentais nas relações entre particulares. São Paulo: Malheiros, 2005.
SNELL, Tracy L. Capital Punishment, 2013-2014. Bureau of Justice Statistics, [S. l.], 2015.
WILLINGHAM, David Grann. Trial by fire: Did Texas execute an innocent man? The New Yorker, [S. l.], 2009.
ZAFFARONI, E. R. Manual de Direito Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
1Graduando em Direito pela Universidade Evangélica de Goiás – Campus Ceres.
2Orientador.