REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7103072
Autor:
Rafael Lima Ribeiro
Imagine a seguinte situação, o acionista da empresa X que obteve lucros estratosféricos não recebe dividendos que entendia ter direito e opta por ajuizar ação contra a empresa sob o fundamento de que é acionista investidor da instituição e que deveria ter recebido dividendos correspondentes as suas ações preferenciais que não foram pagos pela empresa, afirmando que seria consumidor e que portanto o CDC deveria ser aplicado a situação.
É possível aplicar o CDC na relação jurídica estabelecida entre empresas de capital aberto, seus acionistas e as corretoras que negociam os valores mobiliários em mercado?
A luz do que dispõe o CDC, a relação consumeirista é definida pelos sujeitos da relação e pelo finalismo ou não do produto ou serviço envolvido na relação, assim consumidor é a pessoa física ou jurídica que utiliza ou adquire o produto como DESTINATÁRIO FINAL, ou seja, tira o bem de circulação para consumo próprio ou final do bem.
A discussão doutrinária e jurisprudencial é sobre o que seria destinatário final, tendo o STJ adotado o finalismo mitigado. Essa teoria introduz a noção de vulnerabilidade no conceito. Havendo vulnerabilidade em um dos polos do negócio há aplicação do CDC, sendo assim, uma PJ poderia ser consumidora.
Assim, destinatário final, segundo a teoria subjetiva ou finalista, adotada pelo STJ, é aquele que ultima a atividade econômica, ou seja, é a pessoa que retira de circulação do mercado o bem ou o serviço para consumi-lo, suprindo uma necessidade ou satisfação própria, não havendo, portanto, a reutilização ou o reingresso dele no processo produtivo, seja na revenda, no uso profissional, na transformação do bem por meio de beneficiamento ou montagem, ou de outra forma indireta. Para exemplificar, não incide o CDC na relação entre franqueador e franquia, assim como não se aplica o CDC na relação entre sociedade empresária e factoring. Mas o CDC é aplicado em aquisição de avião por empresa administradora de imóveis (há vulnerabilidade em um dos lados).
Por isso, fala-se em destinatário final econômico (e não apenas fático) do bem ou serviço, haja vista que não basta ao consumidor ser adquirente ou usuário, mas deve haver o rompimento da cadeia econômica com o uso pessoal, a impedir, portanto, a reutilização dele no processo produtivo, seja na revenda, no uso profissional, na transformação por meio de beneficiamento ou montagem ou em outra forma indireta. A relação de consumo (consumidor final) não pode ser confundida com relação de insumo (consumidor intermediário).
Pelos conceitos e teorias acima podemos concluir que o código de defesa do consumidor não se aplica para o investidor que adquire ações no mercado acionário visando recebimento de lucros e dividendos porque nessa atividade não há prestação de serviços, havendo uma relação de cunho puramente societário e empresarial.
A discussão envolve a de aquisição de ações da companhia (sociedade anônima) no mercado mobiliário, de forma que o objetivo do adquirente é unicamente obter lucro. Essa característica afasta a condição de consumidor do investidor acionista.
Facilitando, o acionista se torna sócio da empresa, não sendo considerado um consumidor de serviços e produtos, portanto a relação estritamente empresarial.
Por outro lado, o CDC se aplica perfeitamente na relação entre corretoras e investidores. Aqui há produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos e serviços, por exemplo, o fornecimento da plataforma de compra e venda de valores mobiliários, prestação de consultoria por assessores financeiros, serviços de auxilio, tudo isso nos termos do art. 2º do CDC. As corretores funcionam quase como uma instituição financeira em diversos momentos da prestação do serviço, sendo inclusive comparadas a instituições financeiras pela lei que regula a atividade. Sendo assim, as corretoras são as intermediarias dessa relação. São elas que prestam o serviço.
Vale ressaltar que o CDC, em regra, se aplica para as relações jurídicas envolvendo instituições financeiras, conforme nos diz a súmula 297 STJ.
Insta trazer diversas aplicações do que estamos discorrendo: Vejamos as seguintes noticias:
Banco e corretora são condenados por falha em consultoria de investimentos: https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/noticias/2020/junho/bancoecorretora-são-condenados-por-falha-em-consultoria-de-investimentos
Em meio à pandemia, falhas em corretoras aumentam pedidos de compensação financeira: https://valorinveste.globo.com/produtos/servicos-financeiros/noticia/2020/03/31/em-meioapandemia-f…
A jurisprudência e em especial, o supremo tribunal de justiça também tem começado a cuidar do assunto, assim vejamos:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. CORRETORA DE AÇÕES. EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA. RELAÇÃO DE CONSUMO. COMPETÊNCA DO JUÍZO DO DOMICÍLIO DO CONSUMIDOR. 1. O contrato de intermediação de pessoa física com corretora de valores para compra e venda de ações é uma relação de consumo, pois o investidor é o consumidor final dos serviços de assessoria e intermediação de investimentos em mercados de ações, o que justifica o ajuizamento da ação indenizatória no foro do seu domicílio. 2. Agravo de Instrumento conhecido, mas não provido. Unânime.(TJ-DF – AGI: 20150020277165, Relator: FÁTIMA RAFAEL, Data de Julgamento: 24/02/2016, 3ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 09/03/2016 . Pág.: 183)”
“Deve ser reconhecida a relação de consumo existente entre a pessoa natural, que visa a atender necessidades próprias, e as sociedades que prestam, de forma habitual e profissional, o serviço de corretagem de valores e títulos mobiliários.Ex: João contratou a empresa “Dinheiro S.A Corretora de Valores” para que esta intermediasse operações financeiras no mercado de capitais. Em outras palavras, João contratou essa corretora para investir seu dinheiro na Bolsa de Valores. A relação entre João e a corretora é uma relação de consumo. STJ. 3ª Turma. REsp 1599535-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 14/3/2017 (Info 600).”
RECURSOS ESPECIAIS. DIREITO CIVIL E EMPRESARIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. DIVIDENDOS. INVESTIDOR. ACIONISTA MINORITÁRIO. SUCESSORES. SOCIEDADE ANÔNIMA DE CAPITAL ABERTO. MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS. AÇÕES NEGOCIADAS. RELAÇÃO EMPRESARIAL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. NÃO INCIDÊNCIA. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. INVIABILIDADE.
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
2. Cinge-se a controvérsia a perquirir se incidentes na relação entre o investidor acionista e a sociedade anônima as regras protetivas do direito do consumidor a ensejar, em consequência, a inversão do ônus da prova do pagamento de dividendos pleiteado na via judicial.
3. Não é possível identificar na atividade de aquisição de ações nenhuma prestação de serviço por parte da instituição financeira, mas, sim, relação de cunho puramente societário e empresarial.
4. A não adequação aos conceitos legais de consumidor e fornecedor descaracteriza a relação jurídica de consumo, afastando-a, portanto, do âmbito de aplicação do Código de Defesa do Consumidor.
5. Não se aplica o Código de Defesa do Consumidor às relações entre acionistas investidores e a sociedade anônima de capital aberto com ações negociadas no mercado de valores mobiliários.
6. Recurso especial de ITAÚ UNIBANCO S.A. provido a fim de julgar integralmente improcedentes os pedidos iniciais. Recurso especial de DIAIR REMONDI BORDON e outros não provido. Embargos de declaração de DIAIR REMONDI BORDON e outros rejeitados.
(REsp 1685098/SP, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, Rel. p/ Acórdão Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/03/2020, DJe 07/05/2020)
Um exemplo de suma importância é a ocorrência de operações por parte das corretoras sem autorização dos investidores, assim, à luz do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, o prestador de serviço, responde objetivamente, independentemente de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços.
Dessa forma, tendo em vista o descuido das diretrizes inerentes ao desenvolvimento regular da atividade da corretora, que assumiu os riscos de sua conduta ao realizar as operações sem a devida autorização dos investidores, impõe-se o reconhecimento de que houve falha na prestação do serviço, culminando em prejuízos aos autores.
Dessa forma, há incidência das normas do direito consumidor na relação investidor e corretoras, mas não na relação do acionista com a empresa da qual passa a fazer parte como acionista investidor, posto que a intenção precípua é a obtenção de lucros e dividendo. A relação acionista e empresa é regida pela lei 6.404/1976.
Referências Bibliográficas
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Não se aplica o Código de Defesa do Consumidor às relações entre acionistas investidores e a sociedade anônima de capital aberto com ações negociadas no mercado de valores mobiliários. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/0ea6f098a59fcf2462afc50d130ff034>. Acesso em: 20/09/2022
https://www.conjur.com.br/2020-jun-25/stj-compra-acoes-nao-estabelece-relacao-consumo