APICECTOMIA PARA RESOLUÇÃO DE FRATURA DE LIMA ENDODÔNTICA: RELATO DE CASO

APICECTOMY TO RESOLVE ENDODONTIC FILE FRACTURE: CASE REPORT

REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.10210730


Gustavo Bruno Maders de Vargas [1]
Gustavo Miguel Barcelos de Matos [1]
Rafael Alberto dos Santos Maia[2]
Fernanda de Andrade Marafiga[2]


Resumo

O objetivo deste trabalho é descrever uma cirurgia parendodôntica do elemento dentário 14, com fratura de lima endodôntica ocasionada por uma iatrogenia. Nesse caso, a apicectomia pode ser uma alternativa terapêutica quando não for possível realizar o retratamento endodôntico. Dessa forma, solucionando problemas envolvidos com o ápice dentário como canais calcificados, combatendo agentes patógenos ou instrumentos fraturados. Trata-se de um relato de caso solucionado na clínica escola de odontologia, para resolução de dor e edema apresentados pela paciente após realização da endodontia. Como protocolo, verificou-se a radiografia periapical, que evidenciou a fratura da lima. Após o diagnóstico de lima fraturada e a impossibilidade de retratamento, optou-se pela cirurgia parendodôntica. Portanto, solicitou-se a tomografia computadorizada para o planejamento cirúrgico. O ato cirúrgico foi realizado com a seguinte sequência clínica: antissepsia da região e anestesia local, retalho de Newmann e localização do instrumento fraturado, resseção apical, curetagem, obturação retrógrada com MTA e sutura local. Posteriormente, orientou-se a paciente sobre a importância do controle tomográfico após quatro meses para evidenciar a neoformação óssea. Também, clinicamente, a paciente foi examinada e não relatou dor, mobilidade ou edema. Diante do exposto, concluiu-se que a apicectomia é indicada para fratura de instrumento endodôntico impossibilitado de retratamento, com objetivo de evitar perdas dentárias.

Palavras-chave: Apicectomia. Endodontia. Obturação retrógrada. Iatrogenia.

INTRODUÇÃO

O tratamento endodôntico convencional tem altas taxas de sucesso, todavia, podem ser verificadas algumas falhas por inadequada modelagem, obturação, limpeza, perda do selamento coronário ou iatrogenia (ESTRELA et al., 2018). Logo, a iatrogenia pode ser definida como uma alteração patológica provocada no paciente pelo erro na prática odontológica, sendo a fratura de instrumento endodôntico a mais observada. Desse modo, fatores como a geometria dos canais radiculares, características da cavidade de acesso, características transversais dos canais radiculares podem ser influenciados pela idade do paciente ou por patologia endodôntica. Também, podem ocorrer alterações devido a defeito ou imperfeição no instrumento, inadequada técnica de instrumentação ou diversos ciclos de esterilização, além da falta de experiência do clínico (AMZA et al., 2020).

A apicectomia está indicada quando não é possível ter acesso aos canais dentários que possuem algum tipo de lesão em razão de próteses fixas e núcleos intracanais, canais calcificados ou instrumentos fraturados (JUNIOR et al., 2022). Então, é uma manobra cirúrgica de ótima opção de tratamento quando o retratamento convencional está contraindicado, tornando-se exímia para preservar o elemento dentário e, consequentemente, evitando extrações desnecessárias (MORETI et al., 2019).

A técnica realizada com obturação retrógrada pode ser entendida como a resseção da porção apical de um dente, e subsequente preparo da cavidade na porção final desse remanescente radicular finalizando com a obturação do espaço com material adequado (MORETI et al., 2019). Dessa forma, promovendo o selamento hermético e evitando reinfecção ou microinfiltração bacteriana, proporcionando a cicatrização dos tecidos circundantes periapicais (TOIA et al., 2020).

Este caso, consiste na realização da apicectomia com obturação retrógrada retirando o material fraturado que causou reação óssea inflamatória e obturando a entrada da raiz com o agregado trióxido mineral (MTA), favorecendo uma formação de tecido mineralizado (LUFT, 2018). O MTA é designado com frequência em casos de apicectomia pela sua alta biocompatibilidade, alcalinidade, vedação e a capacidade de neoformação óssea (FEHLBERG e BITTENCOURT, 2019).

O presente trabalho tem por objetivo relatar a intervenção cirúrgica parendodôntica como solução de iatrogenia causada no tratamento endodôntico.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Em procedimentos endodônticos existem casos desafiadores, pois cada intervenção possui um grau de dificuldade e risco. Apesar de toda evolução tecnológica na área da odontologia, incidentes em tratamentos endodônticos tem alto ocorrência, sendo uma delas, a iatrogenia (AMZA et al., 2020). A fratura dessa “lima” normalmente está relacionada ao número de utilização desse instrumento, pela sua qualidade ou até pelo manejo irresponsável do cirurgião-dentista (ROSSI et al.,2014).Aproximadamente 10% a 15% desses pacientes tratados endodonticamente tendem a persistir com sintomas pós procedimento por falhas ocasionais. Dentre os tratamentos de uma má resolução endodôntica temos o procedimento cirúrgico periapical. O procedimento cirúrgico é dividido em várias etapas, sendo uma delas a necessidade de exposição apical, permitindo acesso ao ápice dentário (STUART e LIEBLICH., 2018).

Para o procedimento cirúrgico é necessário parâmetros clínicos e radiográficos. Nos parâmetros clínicos temos a estética do paciente, a condição, o biótipo, largura dos tecidos gengivais, presença de restauração marginal, estado do periodonto marginal e a extensão da lesão. Na osteotomia um dos fatores primordiais a serem cuidados é a identificação de uma possível lesão intraóssea, ou seja, penetrando em uma placa cortical. O operador deve estar ciente também com a proximidade dos dentes adjacentes e aos seios maxilares (ARX et al., 2015). Também, poderá ocorrer perda de tecido ósseo, variando o tamanho da lesão. Assim, uma intervenção cirúrgica sempre deverá preservar o máximo possível de tecidos periapicais e ósseos (BAIA et al.,2019). Após o deslocamento tecidual, a cortical óssea é localizada e a raiz é seccionada, sempre inspecionando e controlando a hemorragia, então procura-se o material fraturado para fazer sua remoção (ARX et al., 2015).

Em casos de apicectomia com obturação retrógrada o MTA é apregoado como padrão ouro para procedimentos de retro-obturação, pela alta biocompatibilidade, deposição cementaria, selamento marginal e capacidade de induzir a reparação de tecido ósseo. Assim, saber utilizar o material mais adequado que faça esse selamento apical, juntamente com o conhecimento profissional ocasionará ao sucesso da cirurgia parendodôntica (TRAVASSOS et al., 2020). Antes do encerramento do retalho, deve ser cuidadosamente inspecionado e lavado com soro fisiológico. Sutura deve ser removida de 5 a 7 dias, e prescrição de antibióticos (Arx et al., 2015).

METODOLOGIA

Paciente G.S.S, gênero feminino, 49 anos de idade, ASA I, compareceu na clínica escola de odontologia relatando tratamento endodôntico no elemento 14 há 6 dias. Relata dor e edema intraoral em região vestibular há 3 dias atrás. Foi realizada uma radiografia periapical onde visualizou-se uma lima fraturada, prescreveu-se antibiótico terapia com azitromicina 500mg (EMS S/A, Brasília, Distrito Federal, Brasil) 1 vez ao dia por 3 dais e anti-inflamatório a nimesulida 100mg (EMS S/A, Brasília, Distrito Federal, Brasil) de 12/12 horas por 3 dias para redução e melhora da dor e do edema (Figura1, 2, 3 e 4).

Após o exame clínico e melhora do edema, solicitamos exame tomográfico para planejamento do tratamento odontológico.

No exame tomográfico computadorizado cone beam, visualizou-se uma imagem hiperdensa compatível com lima endodôntica, ultrapassando o limite apical e gerando uma reação óssea inflamatória (Figura 5).

Figura 1 – Radiografia periapical de acesso endodôntico. Fonte: Arquivo pessoal.

Figura 2 – Radiografia periapical da localização dos canais. Fonte: Arquivo pessoal.

Figura 3 – Radiografia periapical da fratura da lima endodôntica. Fonte: Arquivo pessoal.

 Figura 4 – Radiografia periapical da obturação. Fonte: Arquivo pessoal.

Figura 5 – Exame tomográfico que evidenciou a fratura da lima. Fonte: Arquivo pessoal

Então, iniciou-se o planejamento cirúrgico para realização da apicectomia com uma resseção da porção apical e obturação retrógrada com MTA (Angelus, Londrina, Paraná, Brasil), afim de ocorrer uma neoformação óssea evitando a extração desse elemento.

Para o procedimento cirúrgico, anestesiou-se o paciente com a seringa carpule com refluxo (Golgran, São Caetano do Sul, São Paulo, Brasil), agulha longa (Injex Indústrias Cirúrgicas, Ourinhos, São Paulo, Brasil) e o anestésico de escolha foi a articaína 4% com epinefrina 1:100.000 (DFL Industria e comércio S.A, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil) bloqueando o nervo alveolar superior médio.

Posteriormente, realizou-se uma incisão de newmann com cabo de bisturi número 3 (Quinelato, Rio Claro, São Paulo, Brasil) e, lâmina de bisturi 15C (Maxicor Produtos Médicos, Pinhais, Paraná, Brasil) para exposição da porção vestibular e, consequentemente, apical desse elemento dentário (Figura 6).

Figura 6 – Incisão de newmann e visualização vestibular. Fonte: Arquivo pessoal.

Após a incisão, o procedimento transcorreu com o descolamento do tecido com molt nº 9 (Quinelato, Rio Claro, São Paulo, Brasil) para levantamento do retalho cirúrgico, seguindo com osteotomia na tábua óssea expondo a raiz com o material fraturado.

Subsequentemente ocorreu o corte da porção apical com a caneta de alta rotação (Kavo, São Paulo, São Paulo, Brasil) e broca carbide zekrya cônica ponta segura – FG (Prima Dental, Londrina, Paraná, Brasil) retirando uma fração apical juntamente com a lima, sequente curetagem com cureta de lucas (Quinelato, Rio Claro, São Paulo, Brasil) para remoção da lesão, regularização do rebordo ósseo e obturação retrógrada com MTA (Angelus, Londrina, Paraná, Brasil) (Figura 7, 8, 9 e 20).

Figura 7 – Porção apical com a lima. Fonte: Arquivo pessoal.

Figura 8 – Curetagem. Fonte: Arquivo pessoal.

Figura 9 – Aspecto apical após apicectomia. Fonte: Arquivo pessoal.

Figura 10 – Obturação com MTA. Fonte: Arquivo pessoal.

Foram realizadas suturas simples na região da incisão relaxante e nas papilas dentárias com auxílio do porta agulha Mayo Hegar com widea (Quinelato, Rio Claro, São Paulo, Brasil), pinça Dietrich (Golgran, São Caetano do Sul, São Paulo, Brasil) e fio de nylon 4-0 (Technew com. E Ind. Ltda, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil) (Figura 11).

Figura 11 – Síntese. Fonte: Arquivo pessoal.

Depois do procedimento cirúrgico prescreveu-se cefalexina 500mg (EMS S/A, Brasília, Distrito Federal, Brasil) de 8/8 horas por 7 dias, tylex 30mg (Janssen-Cilag Farmacêutica Ltda, São José dos Campos, São Paulo, Brasil) de 6/6 horas por 3 dias e decadron 4mg (EMS S/A, Brasília, Distrito Federal, Brasil) de 8/8 horas por 3 dias. Paciente retornou para o pós-operatório em 7 dias para remoção da sutura e orientação para o acompanhamento semestral do seu procedimento.

Após 4 meses, paciente retornou e solicitou-se uma nova tomografia para controle pós-operatório e apresentou um início de neoformação óssea, clinicamente sem edema, dor ou mobilidade dentária. Sugerindo o sucesso do procedimento (Figura 12).

Figura 12 – Exame de controle tomográfico. Fonte: Arquivo pessoal.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

No presente estudo foram realizados exames radiográficos que permitiram a visualização de rarefação óssea e a fratura de instrumento endodôntico no ápice dentário e, assim, necessitando do retratamento cirúrgico. Com base na literatura e na fundamental importância de manter o elemento dentário, optou-se pela cirurgia parendodôntica seguida da obturação retrógrada com MTA. O propósito do procedimento é a eliminação do foco causador da rarefação óssea que não é sanada através do procedimento endodôntico convencional, ou seja, a remoção da lima fraturada.

A cirurgia parendodôntica é uma técnica amplamente utilizada e descrita que consiste na resseção da porção apical radicular, favorecendo a neoformação óssea e preservando elementos dentários (STROPARO et al., 2021). O retratamento cirúrgico visa retirar a porção apical com o instrumento fraturado, fornecendo um selamento apical com o material obturador escolhido (TOIA et al., 2020).

A primeira etapa do procedimento cirúrgico foi iniciada com a incisão de Newmann e sucessiva apicectomia com broca tronco-cônica, removendo a porção apical com a lima e, posteriormente, o preenchimento com MTA, finalizando com a curetagem óssea.

A escolha do retalho de Newmann permitiu uma completa visualização, promovendo rápida regeneração com diminuição da sintomatologia dolorosa pós-operatória e uma menor cicatriz (TRAVASSOS et al., 2020). É de suma importância que a incisão do tecido, o reflexo e a retração sejam realizados de forma a permitir uma cicatrização por primeira intenção, além da manipulação dos tecidos moles ser sucinta, evitando trauma, rasgadura, corte e dessecação (SILVA, 2018).

A utilização de pontas ultrassônicas se mostrou mais vantajosa que as brocas na realização do preparo, pois são de tamanho menor e permitem sua colocação paralela ao canal radicular, fornecendo menor desgaste a estrutura dentária (ANDRADE, 2019).

Entretanto, nesse caso, foi escolhida a broca tronco-cônica por ser o material disponibilizado na clínica escola para a resseção apical, mostrando-se promissora aos resultados obtidos no caso.

 Na sequência, realizou-se a obturação retrógrada, sendo um dos procedimentos mais importantes, pois promove um completo selamento da região apical impedindo qualquer infiltração ou infecção na região, tornando o remanescente radicular o mais hermético possível.

O MTA é um material obturador que possui excelente capacidade seladora e propriedades mecânicas, mesmo estando em contanto com a umidade. Um bom material possui essas características de selamento apical, induzindo o reparo nos tecidos periapicais. Também, pode induzir a formação de hidróxido de cálcio, fornecendo alta alcalinidade, biocompatibilidade e a capacidade de neoformação de tecido mineralizado. Portanto, concluiu-se que as obturações com MTA conferem ao elemento dentário maior resistência a fratura (JACOBOVITZ et al., 2008).

4 CONCLUSÃO

Em casos de insucesso no tratamento endodôntico convencional ocasionado por alguma iatrogenia, deve-se preconizar o retratamento, todavia, podem surgir doenças relacionadas à polpa dentária e também aos tecidos periodontais, tornando o retratamento ineficaz. Quando houver impossibilidade de retratamento, a cirurgia parendodôntica é uma opção resolutiva para manutenção do elemento dentário com previsibilidade e eficácia, evitando a exodontia, reabilitação protética ou implante dentário. É de suma importância a realização do planejamento cirúrgico, tanto com exames de imagens, como a correta execução da técnica cirúrgica escolhida, tornando possível para o paciente, o melhor prognóstico.

Para a obturação retrógrada, o MTA é visto como o melhor material, apresentando biocompatibilidade, deposição cementaria, selamento marginal e, principalmente, a capacidade de neoformação óssea. Também, apresenta afinidade com a umidade e confere ao dente uma maior resistência a fratura.

Portanto, com as imagens radiográficas obtidas nesse relato de caso, é possível afirmar que a cirurgia parendodôntica com obturação retrógrada (MTA) é uma ótima opção de retratamento frente a adversidades endodônticas, como a fratura de uma lima, evitando a perda desse elemento dentário e iniciando o processo de neoformação óssea. Todos esses resultados garantem o melhor prognóstico e, consequentemente, uma melhora na qualidade de vida do paciente.

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[1] Discente do Curso Superior de Odontologia da Faculdade Cnec C Santo Ângelo  e-mail: gustavomaders_@hotmail.com

[2] Docente do Curso Superior de Odontologia da Faculdade Cnec Santo Ângelo. Especialista em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial. e-mail: 1432.rafaelmaia@cnec.br