ANOS DE VIDA PERDIDOS AJUSTADOS POR INCAPACIDADE POR CONDIÇÕES DE SAÚDE BUCAL NO BRASIL: ANÁLISE DE RESULTADOS DO ESTUDO CARGA GLOBAL DE DOENÇAS 1990-2019

DISABILITY-ADJUSTED LIFE YEARS LOST DUE TO ORAL HEALTH CONDITIONS IN BRAZIL: ANALYSIS OF RESULTS FROM THE GLOBAL BURDEN OF DISEASE STUDY 1990-2019

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202501251637


Yann Nobre Viana1; Yasmin Alves Teles da Silva2; Walyson Araújo Rodrigues3; Anastácio Torres de Mesquita Neto4; Ivo Aurélio Lima Júnior5; Igor Iuco Castro da Silva6; Myrna Maria Arcanjo Frota Barros7; Jacques Antonio Cavalcante Maciel8


RESUMO

O estudo da Carga Global de Doenças (GBD) emprega ferramentas analíticas que quantificam a magnitude da perda de saúde devido a doenças, lesões e fatores de risco. Objetivou-se analisar dados do estudo GBD acerca das desordens orais nos estados do Brasil entre 1990 e 2019. Foram utilizados dados secundários das estimativas GBD para desordens orais (edentulismo, cárie dentária, doença periodontal e outras desordens), compreendendo indicadores de prevalência, incidência, YLD (Years Lived with Disability) e DALY (Disability-Adjusted Life Years) por 100 mil habitantes. Resultados: O valor médio de DALY variou de 291,0 para 449,0 entre 1990 e 2019. O estado do Rio Grande do Sul apresentou o maior valor médio de DALY, variando de 383,0 anos em 1990 para 616,0 anos em 2019. Em 1990 o estado de Roraima apresentou um valor de DALY de 203,0 anos. Pode-se concluir que o valor do DALY se apresenta em tendência crescente nos estados do Brasil. O parâmetro DALY utilizado no estudo GBD consegue sintetizar de forma combinada os eventos fatais e não fatais, permitindo monitorar o padrão das doenças e eventos relacionados à saúde bucal e avaliar mudanças ou tendências durante um período de tempo.

Palavras-chave: Carga Global da Doença; saúde bucal; DALY.

ABSTRACT

The Global Burden of Disease (GBD) study employs analytical tools that quantify the magnitude of health loss due to illness, injury, and risk factors. The objective was to analyze data from the GBD study on oral disorders in the states of Brazil between 1990 and 2019. Secondary data from the GBD estimates for oral disorders (edentulism, dental caries, periodontal disease and other disorders) were used, comprising indicators of prevalence, incidence, YLD (Years Lived with Disability) and DALY (Disability-Adjusted Life Years) per 100,000 inhabitants. The average DALY value ranged from 291.0 years to 449.0 years between 1990 and 2019. The state of Rio Grande do Sul had the highest average DALY value, ranging from 383.0 years in 1990 to 616.0 years in 2019. In 1990, the state of Roraima presented a DALY value of 203.0 years. In 2019, the state of Amapá had the lowest DALY value, 311.0 years per 100,000 inhabitants. It can be concluded that the value of DALY shows an increasing trend in the states of Brazil. The DALY parameter used in the GBD study is able to synthesize fatal and non-fatal events in a combined way, allowing monitoring the pattern of diseases and events related to oral health and evaluating changes or trends over a period of time. In addition, it enables comparisons between populations, which can contribute to the planning of more efficient and well-targeted public policies.

Keywords: Global Burden of Disease; oral health; DALY.

INTRODUÇÃO

A rede de estudos da Carga Global de Doenças do inglês Global Burden of Disease (GBD) é uma ferramenta analítica que armazena dados que colaboram na elaboração de indicadores válidos e confiáveis, que expressem a situação de saúde e avaliem o desempenho de políticas e programas de saúde, além de quantificar a magnitude da perda de saúde devido a doenças, lesões e fatores de risco [1].

O estudo GBD tornou-se uma iniciativa que agrega diversos profissionais e pesquisadores de saúde pública a nível mundial desde o início dos anos 1990 até os dias atuais. A iniciativa foi estimulada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Banco Mundial, que propuseram aos países a seleção de métricas que superassem o problema dos indicadores tradicionais, além de fornecer dados de saúde precisos, compilando informações e fornecendo respostas importantes que poderão servir de base para tomada de decisões eficazes no âmbito das políticas públicas de saúde [2].

O Ministério da Saúde, com o intuito de inserir o Brasil nas estimativas e análises da carga de doença em nível subnacional, tomou a decisão de aderir à rede de estudos GBD. O principal objetivo dessa adesão é fazer com que os dados do País sejam quantificados para determinar a magnitude comparativa da perda de saúde devido a doenças, lesões e fatores de risco, segundo sexo, idade, causa, ano e localização geográfica; além de propor uma mudança na análise epidemiológica tradicional para um enfoque integrado das doenças e mortes comparáveis entre países  [1,2].

Em outubro de 2014, no Brasil, foi realizado uma oficina acerca da “Carga de Doenças no Brasil”, na ocasião diversos profissionais e pesquisadores de saúde manifestaram interesse sobre o estudo em questão e adentraram para contribuírem. No ano seguinte, em 2015, em parceria do Ministério da Saúde, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e do Institute for Health Metrics and Evaluation (IHME) da Universidade de Washington, lançaram o projeto GBD Brasil 2015, que foi constituído por uma rede de colaboradores. Este contou com a participação de pesquisadores brasileiros e técnicos do Ministério da Saúde que apoiam as análises da carga de doença no país e nos estados  [2].

A pesquisa faz uso de diversas ferramentas analíticas e de fontes de dados para gerar estimativas de número de óbitos, taxas de mortalidade, incidência e prevalência de doenças e anos vividos com determinada enfermidade, que possam ser comparáveis, segundo idade, sexo, causa, ano e localização geográfica e surgiu mediante a falta de uma estrutura de medição padronizada que permitisse essa análise comparativa com um grau maior de confiabilidade  [3].

O modelo utilizado no estudo foi desenvolvido para converter dados parciais e inespecíficos sobre determinada doença/ocorrência em uma descrição consistente dentro dos parâmetros epidemiológicos básicos. Além disso, são capazes de identificar as condições e fatores de risco não tão conhecidas, que são negligenciados, a fim de gerar estratégias e diálogos sobre as políticas públicas, tentando melhorá-las  [4].

Diversas condições orais (cárie em dentes decíduos e permanentes, doenças periodontais, edentulismo, entre outras condições) podem ser avaliadas nos levantamentos epidemiológicos, e têm sido largamente utilizados para a avaliação das condições orais no Brasil desde 1986, tanto em nível nacional quanto no âmbito municipal  [5,6].

Dentre as suas principais finalidades destacam-se determinar a situação de saúde atual e monitorar o padrão das doenças ou eventos relacionados à saúde bucal, além de servir para o planejamento de políticas públicas. Os levantamentos epidemiológicos são importantes fontes de avaliação para que seja possível realizar planejamentos e execuções de ações de saúde, além de inferir sobre a eficácia geral dos serviços [5,6].

Ao se tratar de desordens orais, no estudo GBD, são disponibilizados dados relacionados a edentulismo, cárie em dentes decíduos e permanentes, doenças periodontais e outras desordens, trazendo taxas comuns – de incidência e prevalência, e ainda medidas específicas desse estudo, como o YLD (Years Lived with a Disability) e o DALYs (Disability-Adjusted Life Years). Com o estudo GBD é possível traçar o perfil epidemiológico de saúde da população brasileira e mundial, e abordar conjuntamente as incapacidades e as implicações das doenças bucais na qualidade de vida dos indivíduos [7].

A medida do YLD corresponde aos anos vividos com a doença/condição e é calculada levando em consideração a prevalência, a duração (até a remissão ou morte) e a gravidade daquela condição. Enquanto a medida DALYs quantifica os anos de vida perdidos em resultado de morte prematura e de invalidez e é igual à soma dos anos de vida perdidos (YLLs) com os anos vividos com a doença (YLD) [7].

A medida DALY é a mais relevante nos estudos de saúde pública, pois é capaz de avaliar os anos de vida vividos com incapacidade e expressa os anos de vida perdidos devido à morte prematura, ou seja, os anos em que o indivíduo não estava em seu estado de plena saúde [8].

Os dados do estudo do GBD podem colaborar no estudo dos indicadores que contribuem para o gerenciamento de políticas públicas que promovem estratégias para qualificação da rede de atenção à saúde bucal com objetivo de reduzir a carga das condições orais. Além disso, são capazes de monitorar os países com as maiores necessidades de ação e as condições de saúde que causam a maior carga, no intuito de inserir estratégias e planejar a integração da saúde bucal na agenda de prevenção de doenças não transmissíveis [3].

O presente estudo objetivou analisar os dados obtidos na plataforma acerca das desordens orais nos Estados do Brasil entre os anos de 1990 e 2019.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo de abordagem quantitativa do tipo ecológico. A coleta de dados utilizou as estimativas da GBD do IHME denominada Global Health Data Exchange (GHDx) disponível no endereço http://ghdx.healthdata.org/gbd-results-tool. Foram selecionados dados relacionados a desordens orais, terminologia utilizada na metodologia do estudo para agregar problemas de saúde bucal como edentulismo, cárie em dentes decíduos e permanentes, doenças periodontais e outras desordens orais.

No estudo GBD a definição de caso de edentulismo é qualquer indivíduo com zero dentes permanentes remanescentes. A definição de caso para cárie dentária não tratada é “dentes com cavidade coronária inconfundível ao nível da dentina, cavidade radicular no cemento que parece macia ou coriácea à sondagem, restaurações temporárias ou dentes perdidos extraídos devido a uma lesão de cárie”. A definição de referência para modelagem de cárie foi a presença de um ou mais dentes com cárie atual (para prevalência), enquanto cada dente cariado adicional foi contado como um evento incidente separado. A definição de caso para periodontite é “perda de tecido gengival e destruição do osso alveolar”. A definição de referência para dados de modelagem sobre periodontite foi o Índice Periodontal Comunitário de Necessidades de Tratamento (CPITN) = 4, seguido por Perda de inserção > 6 mm e profundidade de bolsa > 5 mm.  “Outras desordens orais”, de acordo com o estudo, seria a ampla variedade de distúrbios e malformações do sistema estomatognático que não estão incluídos nas demais classificações. Essas definições poderiam ser avaliadas por autorrelato ou exame clínico.

Os dados coletados pelo presente estudo compreenderam os anos de 1990 e 2019, incluindo toda a população brasileira de ambos os sexos e de todas as faixas etárias, por Estado brasileiro e Distrito Federal.

Fez-se uma recuperação integral dos dados disponíveis na plataforma, sendo estes quantificados utilizando as taxas de prevalência, incidência, YLD e DALY, utilizando uma base populacional de 100.000 habitantes. A pesquisa utilizou informações de acesso público, nos termos da Resolução nº 510 do ano de 2016 do Conselho Nacional de Saúde, na qual informações referentes a bancos de dados públicos de organização por agregados espaciais, sem possibilidade de identificação individual.

RESULTADOS

O valor de DALY observado sofreu variações ao longo dos anos. O valor médio de DALY variou de 291,0 para 449,0 entre 1990 e 2019. (Figura 1). O estado do Rio Grande do Sul apresentou o maior valor médio de DALY, variando de 383,0 anos em 1990 para 616,0 anos em 2019 (Tabela 1). Em 1990 o estado de Roraima apresentou um valor de DALY de 203,0 anos (Tabela 1). Sendo substituído no ano de 2019, o estado do Amapá apresentou o menor valor de DALY, 311,0 anos por 100.000 habitantes (Tabela 1).

Figura 1. Prevalência das desordens orais em cada estado brasileiro, nos anos 1990 e 2019.

Fonte: Institute for Health Metrics and Evaluation.

Tabela 1 – Anos de Vidas Ajustados por Incapacidade (DALYs) das desordens orais em cada estado brasileiro, nos anos 1990 a 2019.

Fonte: Institute for Health Metrics and Evaluation.

A figura  representa os anos de vida ajustados por incapacidade (DALYs) por 100 mil habitantes em cada estado brasileiro de 1990 a 2019. Nota-se que o estado do Rio Grande do Sul foi o estado que apresentou as maiores taxas, tanto em 1990 quanto em 2019. Seguido dos estados do Rio de Janeiro e de Minas Gerais.

Figura 3. Anos de Vidas Ajustados por Incapacidade (DALYs), em cada estado brasileiro, 1990 a 2019. 

Fonte: Institute for Health Metrics and Evaluation.

O valor do DALY corresponde à soma do YLD com o YLL, no entanto, ao se tratar de desordens orais, o YLL não é considerado. Por isso, o valor do DALY é igual ao valor do YLD em todos os anos. (Tabela 2).

Tabela 2 – Anos Vividos com Incapacidade (YLDs) das desordens orais em cada estado brasileiro, nos anos de 1990 a 2019.

Fonte: Institute for Health Metrics and Evaluation.

O coeficiente de prevalência entra em paridade com a medida DALY e o estado do Rio Grande do Sul também apresenta os maiores resultados no ano de 2019. Enquanto Amapá, Acre e Roraima obtiveram os menores números. (Figura 1)

O coeficiente de incidência, por outro lado, foi maior nos estados do Norte e Nordeste, o estado do Maranhão apresentou o maior número de novos casos com 59.676 em 2019, seguido do estado do Amazonas, com 59.444. O estado do Rio Grande do Sul apresentou o menor número, com 48.042 por 100.000 habitantes. (Figura 2)

Figura 2 – Incidência das desordens orais em cada estado brasileiro, nos anos 1990 e 2019.

Fonte: Institute for Health Metrics and Evaluation.

Analisando a Carga Global de Doenças do Brasil por Anos de Vida Ajustados por Incapacidade (DALYs) entre 1990 e 2019 (Figura 4), destaca-se o aumento das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT). As desordens orais que em 1990 ocupavam a 30ª posição foram para a 20ª posição em 2019 no ranking das maiores cargas de doenças (Figura 4).

Figura 4. Ranking da Carga Global de Doenças por Anos de Vidas Ajustados por Incapacidade (DALYs), do Brasil, 1990 e 2019.

Fonte: Institute for Health Metrics and Evaluation.

A Figura 5 evidenciou que o edentulismo e as doenças periodontais são, nessa ordem, as desordens orais mais presentes tanto no ano de 1990, quanto no ano de 2019.

O estado do Rio Grande do Sul foi o que apresentou as maiores variações de DALY no campo das desordens orais, sendo o edentulismo a desordem predominante. No ano de 1990, o edentulismo apresentou uma média de DALY de 173 anos para o sexo masculino e 270 anos para o sexo feminino. Já no ano de 2019, o panorama mudou de 341 anos para cada 100.000 habitantes no sexo masculino e 499 anos para cada 100.000 habitantes para o sexo feminino (Figura 5).

Figura 5. Distribuição das Desordens Orais por Anos de Vidas Ajustados por Incapacidade (DALYs) em cada estado brasileiro nos anos de 1990 e 2019.

Fonte: Institute for Health Metrics and Evaluation.

DISCUSSÃO

No presente estudo destaca-se a predominância do edentulismo e das doenças periodontais como principais desordens que acometem a população brasileira. Salienta-se que o estado do Rio Grande do Sul foi o que apresentou as maiores variações de DALY no campo das desordens orais, sendo o edentulismo a desordem predominante. Ademais, observou-se que o Brasil concentra uma das maiores distribuições das cargas de doença relacionadas a desordens orais mundiais, concentradas principalmente na região Sul e Sudeste.

A carga mundial relacionada às principais doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), incluindo a maioria das doenças bucais, tem se elevado rapidamente e constituem o grupo de doenças de maior magnitude, atingindo principalmente as populações em maior vulnerabilidade socioeconômica [10].  

Pode-se associar esse fenômeno ao processo de urbanização, visto que este trouxe mudanças de estilo de vida e de hábitos alimentares. A adoção de uma dieta baseada em alimentos com baixo teor nutritivo e alto teor calórico, associada a maus hábitos de higiene e ao acesso limitado ao serviço odontológico, contribuem fortemente para o desenvolvimento de agravos relacionados à saúde bucal [11]. Em contrapartida, a alta prevalência e a natureza recorrente dessas condições, tornam o cuidado dispendioso para o estado e representam a quarta despesa sanitária mais elevada em comparação com outras DCNTs [11,12].

No estudo em questão, observou-se um aumento no ranking das maiores cargas de doenças, principalmente as desordens orais, que em 1990 ocupavam a 30ª posição e em 2019 foram para a 20ª posição, merecendo atenção do poder público por afetar diretamente no bem-estar da população.

A implicação das doenças bucais na qualidade de vida é gigantesca e estas podem, em casos mais severos, levar à desnutrição, crescimento retardado, isolamento social, distúrbios do sono relacionados à dor e problemas de autoestima. Apesar disso, nota-se uma lacuna nas principais bases de dados brasileiras de domínio público, uma vez que estas não revelam com precisão o peso das morbidades, sendo o padrão de saúde determinado tomando como base principalmente indicadores de mortalidade [13,14].

As doenças bucais, que participam quase que exclusivamente do quadro de morbidade, não constam no perfil epidemiológico populacional se apenas a mortalidade for computada para compor as estimativas das doenças que mais afetam a população mundial. Por isso a importância de se estimar a Carga Global de Doença das condições orais [15].

O parâmetro DALY utilizado no estudo GBD consegue sintetizar de forma combinada os eventos fatais e não fatais, permitindo monitorar o padrão das doenças e eventos relacionados à saúde bucal e avaliar mudanças ou tendências durante um período de tempo. Além disso, possibilita a comparação entre populações, podendo contribuir para o planejamento de políticas públicas mais eficientes e bem direcionadas.

A nível mundial, maiores cargas de doenças estão presentes principalmente em regiões mais pobres e subdesenvolvidas, mostrando uma relação direta desses coeficientes com fatores socioeconômicos. Ao avaliar as desordens orais no cenário brasileiro, nota-se que as maiores taxas de DALY foram estimadas para áreas com maior nível de desenvolvimento. O estado do Rio Grande do Sul aparece com as maiores cargas de doença do país, enquanto os estados da região Norte ficaram em último lugar no ranking. Possivelmente em decorrência de riscos competitivos ou de subnotificações.

Na região Norte do país as doenças infecciosas e parasitárias, como verificado nos dados obtidos por este estudo, participam em proporções muito mais elevadas do que nas demais regiões e podem atrapalhar a análise das desordens orais, afetando a medida do YLD e, consequentemente, do DALY [16]. Assim como o acesso limitado ao serviço de saúde bucal pode abrandar as notificações. A região possui altos índices de pessoas que nunca frequentaram o dentista e uma grande carência de profissionais, tornando provável que sejam notificados bem menos eventos do que é esperado ou devido [17].

O edentulismo em predominância na população adulta observado no presente estudo é reflexo de um modelo de odontologia que por muitas décadas foi norteado por princípios curativistas e mutiladores. Infelizmente, mesmo com o atual Programa Nacional de Saúde Bucal (PNSB) que preconiza ações de promoção e educação em saúde, é prevalecente na atenção odontológica esse tipo de modelo assistencial e as ações de prevenção ainda permanecem em segundo plano [18,19].

Este estudo mostra que as condições bucais continuam sendo um grande desafio para a saúde pública. Existe uma notável carência de dados de vigilância confiáveis e padronizados sobre doenças bucais e esses são essenciais para entender a extensão do fardo da doença, monitorar o progresso e planejar políticas públicas eficazes.

Em 2004, ao se implementar as Diretrizes Nacionais de Saúde Bucal, um dos problemas evidenciados foi a questão da assistência odontológica pública no Brasil se restringir quase que completamente aos serviços básicos e com grande demanda reprimida. Mais de dezoito anos depois, mesmo com a ampliação e qualificação do serviço básico, secundário e terciário, notamos que este problema persiste. Ainda é evidente a baixa capacidade de oferta dos serviços da atenção secundária e terciária. Após a implantação dessas Diretrizes, houve uma melhoria na área, relacionada principalmente a ampliação da oferta de serviços. No entanto, esta não foi suficiente para mudar significativamente o cenário, principalmente em decorrência dos recursos insuficientes para atender toda a demanda populacional [16,20].

A partir dos resultados do presente estudo, observou-se que os dados do estudo GBD são capazes de determinar a situação de saúde atual mostrando um panorama das doenças ou eventos relacionados, possibilitando assim subsídios de comparação entre populações, além de servir para o planejamento de políticas públicas, além disso, é essencial que haja expansão e aprimoramento constante da rede assistencial odontológica, garantindo a incorporação da atenção integral à saúde bucal [16,20].

CONCLUSÃO

Com a utilização da plataforma GBD foi possível perceber o impacto das condições orais sobre a qualidade de vida dos indivíduos residentes nos estados brasileiros no período de 1990 até 2019, numericamente representado pelo aumento do DALY. As regiões Sudeste e Sul foram as que mais sofreram modificações no DALY com o passar do tempo, apresentando as maiores cargas de doenças no ano de 2019. Apesar de se esperar cargas de doenças maiores em áreas mais pobres, foram observados índices mais elevados em regiões mais desenvolvidas. Tais achados foram associados à ocorrência de riscos competitivos e/ou de subnotificações nas demais regiões brasileiras.

Dessa forma, foi possível concluir que as políticas públicas de saúde bucal brasileiras ainda apresentam falhas, principalmente relacionadas a carência de dados de vigilância confiáveis e padronizados e a necessidade da expansão da rede assistencial odontológica, garantindo atenção integral à saúde da população. Ao utilizar o indicador DALY no estudo da carga de doenças orais, é possível traçar de forma mais fidedigna o perfil epidemiológico da população do Brasil, uma vez que este aborda conjuntamente as incapacidades e os impactos da doença sobre o indivíduo. Podendo, portanto, auxiliar a delinear estratégias e medidas preventivas mais eficientes para tais agravos.

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1Graduando em Odontologia pela Universidade Federal do Ceará – Campus Sobral. E-mail: yannnobre@alu.ufc.br Orcid: https://orcid.org/0009-0005-7719-6675

2Cirurgiã-Dentista pela Universidade Federal do Ceará-Campus Sobral. E-mail: yasmin.teles56@gmail.com Orcid: https://orcid.org/0000-0002-1097-6977

3Cirurgião-Dentista pela Universidade Federal do Ceará- Campus Sobral. E-mail: walysonaraujo21@gmail.com Orcid: https://orcid.org/0000-0002-4860-8336

4Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Saúde da Família pela Universidade Federal do Ceará- Campus Sobral. E-mail: anastacioneto2008@hotmail.com https://orcid.org/0000-0003-4394-9518

5Doutor em Saúde Pública pela Fundação Oswaldo Cruz. E-mail: ivoaureliolima@gmail.com Orcid: https://orcid.org/0000-0002-4104-0565

6Doutor em Odontologia pela Universidade Federal Fluminense. E-mail: igor.iuco@sobral.ufc.br Orcid: https://orcid.org/0000-0003-4815-6357

7Doutora em Odontologia pela Universidade Federal do Ceará. E-mail: myrnaarcanjo@ufc.br Orcid: https://orcid.org/0000-0001-7689-175X

8Doutor em Odontologia pela Universidade Federal do Ceará. E-mail: jacques.maciel@sobral.ufc.br Orcid: https://orcid.org/0000-0002-2293-8433