ANOMALIAS HEMATOLÓGICAS ASSOCIADAS AO HIV: FOCO NA PANCITOPENIA

HEMATOLOGICAL ANOMALIES ASSOCIATED WITH HIV: FOCUS ON PANCYTOPENIA

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202408041800


Humberto Novais da Conceição; Larissa Krautczuk Mach; Fabiana de Castro Machado; Davi Rebello Misukami; Pedro Henrique de Morais Manso; Vinicius Barros Prehl; Luiz Eduardo Rangel de Araújo; Marcus Vinícius Cordeiro Costa; Jonathan Matheus Martins Rodrigues; Mariana Ingrid Messias Gonçalves.


Resumo

A pancitopenia, caracterizada pela redução de glóbulos vermelhos, brancos e plaquetas, é uma condição frequentemente observada em pacientes infectados pelo HIV. Este estudo revisa as principais causas, mecanismos e tratamentos relacionados à pancitopenia nesses pacientes. A infecção pelo HIV afeta diretamente a hematopoiese na medula óssea, além de estar associada a infecções oportunistas e malignidades que podem contribuir para a pancitopenia. Entre os principais fatores etiológicos, destacam-se as infecções oportunistas como tuberculose e leishmaniose, além das malignidades como linfomas. Esses fatores podem resultar tanto na invasão direta da medula óssea quanto na produção de citocinas inflamatórias que inibem a produção celular. Os antirretrovirais, especialmente quando usados em combinação, também podem causar toxicidade medular, exacerbando a condição. O diagnóstico diferencial é essencial e envolve exames laboratoriais completos e coleta de biópsias. O manejo da pancitopenia em pacientes com HIV requer uma abordagem multifacetada. Esta revisão proporciona uma visão abrangente das complexidades associadas à pancitopenia no contexto da infecção pelo HIV, sublinhando a necessidade de estratégias de manejo individualizadas.

Palavras-chave: HIV. Pancitopenia. Hematopoiese. Manejo.

1 INTRODUÇÃO

A infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) resulta em uma condição sistêmica com várias complicações, incluindo disfunções hematológicas proeminentes (DAMTEW et al., 2021). A literatura relata a ocorrência de citopenias isoladas e pancitopenia em pessoas vivendo com HIV (PVHIV), onde todas as três linhagens sanguíneas estão reduzidas devido a várias condições desencadeantes (GANDHI & ABOULAFIA, 2023).

À medida que a doença progride, as anormalidades hematológicas tornam-se mais pronunciadas, representando uma causa significativa de morbidade e mortalidade em PVHIV. Um histórico clínico minucioso e exame físico, complementados por estudos laboratoriais focados, são essenciais para estabelecer um diagnóstico e selecionar o manejo apropriado (BERLINER, 2022).

Este capítulo visa reunir e analisar informações sobre a relação entre a infecção pelo HIV e a pancitopenia, proporcionando maior clareza sobre esta condição recorrente e, consequentemente, garantindo melhor atendimento e prognóstico aos pacientes afetados.

2 METODOLOGIA

Foi realizada uma revisão sistemática da literatura de maio a dezembro de 2023, através das bases de dados PubMed e Scielo. Utilizaram-se os descritores: HIV e pancitopenia. Foram incluídos artigos em português e inglês, publicados entre 2018 e 2023, que abordassem as temáticas propostas e estivessem disponíveis na íntegra. Artigos duplicados, resumos ou que não abordassem diretamente a proposta estudada foram excluídos.

Após a aplicação dos critérios de seleção, 10 artigos foram submetidos a uma análise detalhada para a coleta de dados. Os resultados são discutidos de forma descritiva ao longo do capítulo, divididos em categorias temáticas que abordam a definição da infecção e das anormalidades hematológicas, possíveis mecanismos causadores das citopenias nesses pacientes e a importância da terapia antirretroviral (TARV) para o manejo adequado.

3 RESULTADOS E DISCUSSÕES

A infecção pelo HIV causa a depleção de células T CD4+ e pode levar à AIDS. Além disso, o HIV pode reduzir a produção de células T virgens ao infectar timócitos CD4+. Embora a dinâmica das células-tronco/progenitoras hematopoiéticas em resposta ao HIV permaneça obscura (TSUKAMOTO, 2020), está bem estabelecido que as anormalidades hematológicas, especialmente citopenias, são comuns em pacientes infectados pelo HIV (FISEHA & EBRAHIM, 2022).

A hematopoiese ocorre na medula óssea, onde as células-tronco hematopoiéticas podem se diferenciar em qualquer tipo de célula sanguínea. Anormalidades hematológicas são definidas pela redução de uma ou mais linhagens de células sanguíneas e são avaliadas laboratorialmente, com valores de referência variando conforme idade, sexo e raça (BERLINER, 2022).

Anemia é definida como hemoglobina ou hematócrito abaixo da faixa de referência específica para idade e sexo, sendo a anormalidade mais comum no HIV, ocorrendo em até 95% dos pacientes. Está associada à qualidade de vida prejudicada, recuperação imunológica deficiente, progressão da doença e risco elevado de hospitalização ou mortalidade. Trombocitopenia é caracterizada por contagem de plaquetas inferior a 150.000/microL, encontrada em até 40% dos pacientes HIV positivos, podendo aumentar o risco de sangramento, especialmente com contagens inferiores a 30.000/microL. Neutropenia é definida como contagem absoluta de neutrófilos inferior a 1800/microL, com o risco de infecção dependendo da causa subjacente. Linfopenia refere-se a contagem absoluta de linfócitos inferior a 1000 células/microL em adultos e crianças mais velhas, podendo ser mais alta em crianças mais novas. Bicitopenia é a redução de duas linhagens celulares, enquanto pancitopenia é a redução em todas as linhagens do sangue periférico, podendo estar associada a várias doenças graves (BERLINER, 2022).

A ocorrência de citopenias em todos os estágios do HIV é amplamente documentada, sendo mais prevalente em pacientes com doença avançada ou sem tratamento prévio com TARV. Essas anomalias podem servir como parâmetros para prever a evolução clínica dos pacientes, indicando baixa resposta ao tratamento (FISEHA & EBRAHIM, 2022). Pesquisas específicas demonstram a alta prevalência de citopenias em PVHIV, com anemia e pancitopenia sendo frequentemente observadas (RAJME-LOPEZ et al., 2022; gebreweld et al., 2020).

As citopenias no HIV podem ser causadas por hipoproliferação da medula óssea, hematopoiese ineficaz e destruição celular periférica. Fatores desencadeantes incluem infecção direta pelo HIV, toxicidade medicamentosa, infecções oportunistas, coinfecção com hepatite B e C, processos autoimunes e deficiência de micronutrientes (RAJME-LOPEZ et al., 2022; FISEHA & EBRAHIM, 2022; GEBREWELD et al., 2020).

O HIV pode infectar células-tronco hematopoiéticas, prejudicando a produção de células sanguíneas. Além disso, a infecção das células do nicho da medula óssea e a desregulação do ambiente de citocinas podem levar a uma hematopoiese defeituosa (TSUKAMOTO, 2020; HERD et al., 2023). A medula óssea pode ser afetada por infiltração de malignidades hematológicas, câncer metastático, infecções e distúrbios nutricionais (BERLINER, 2022).

Infecções oportunistas também podem afetar as células sanguíneas, e doenças hepáticas podem causar citopenias leves devido ao hiperesplenismo. Citopenias induzidas por medicamentos são comuns, mas a TARV atual raramente causa essas anomalias, diferindo dos tratamentos iniciais com zidovudina (GANDHI & ABOULAFIA, 2023).

A anemia relacionada ao HIV pode ser causada por infecções oportunistas, tratamentos quimioterapêuticos, alterações de citocinas, distúrbios metabólicos e deficiências de micronutrientes (DAMTEW et al., 2021). A progressão do HIV pode levar à neutropenia e linfopenia, enquanto a trombocitopenia é causada por vários fatores, incluindo destruição plaquetária, hiperesplenismo e infecções oportunistas (FISEHA & EBRAHIM, 2022).

A estabilização clínica é a prioridade inicial para pacientes com pancitopenia clinicamente instável. A hospitalização pode ser necessária para controlar infecções, fornecer suporte com produtos sanguíneos e gerenciar emergências médicas (RAJME-LOPEZ et al., 2022; BERLINER, 2022).

O diagnóstico diferencial deve ser restrito após uma avaliação inicial completa, incluindo exames laboratoriais e exame do esfregaço de sangue periférico. Testes auxiliares devem ser determinados para otimizar o diagnóstico etiológico e a necessidade de encaminhamento para hematologia (RAJME-LOPEZ et al., 2022; BERLINER, 2022).

O aspirado de medula óssea (AMO) e a biópsia (BMO) são tradicionalmente realizados para pacientes com citopenias inexplicáveis, especialmente se houver suspeita de distúrbios hematológicos primários (HERD et al., 2023). A avaliação da medula óssea pode fornecer informações limitadas em casos de destruição ou sequestro de células sanguíneas periféricas (BERLINER, 2022).

Para PVHIV, a OMS recomenda iniciar a TARV o mais cedo possível para proteger as células-tronco e preservar a capacidade hematopoiética (TSUKAMOTO, 2020). Estudos demonstram que a TARV pode reverter citopenias em uma alta porcentagem de pacientes (GANDHI & ABOULAFIA, 2023; DAMTEW et al., 2021).

A realização de testes para identificar infecções oportunistas é apropriada para PVHIV com contagem reduzida de células CD4, acompanhada por febre ou outros sintomas sistêmicos. A avaliação inicial inclui hemoculturas, análise de urina e radiografia de tórax, com administração de antibióticos empíricos enquanto se aguarda os resultados (GANDHI & ABOULAFIA, 2023).

4 CONCLUSÃO

A relação entre a infecção pelo HIV e a pancitopenia é complexa e multifatorial, envolvendo infecção direta pelo vírus, toxicidade medicamentosa, infecções oportunistas e outros fatores. O manejo adequado requer uma avaliação clínica completa, testes laboratoriais e a utilização de TARV precoce para minimizar as complicações e melhorar o prognóstico dos pacientes.

REFERÊNCIAS

BERLINER, N. Approach to the adult with pancytopenia. UpToDate, 2022.

DAMTIE, S. et al. Hematological abnormalities of adult HIV-infected patients before and after initiation of highly active antiretroviral treatment at Debre Tabor comprehensive specialized hospital, Northcentral Ethiopia: a crosssectional study. HIV/AIDS – Research and Palliative Care, v. 13, p. 477, 2021. doi: 10.2147/HIV.S308422.

FISEHA, T. & EBRAHIM, H. Prevalence and predictors of cytopenias in HIV-infected adults at Initiation of antiretroviral therapy in Mehal Meda Hospital, Central Ethiopia. Journal of Blood Medicine, v. 13, p. 201, 2022. doi: 10.2147/JBM.S355966.

GANDHI, R.T. & ABOULAFIA, D.M. HIV-associated cytopenia. UpToDate, 2023.

GEBREWELD, A. et al. Prevalence of cytopenia and its associated factors among HIV infected adults on highly active antiretroviral therapy at Mehal Meda Hospital, North Shewa Zone, Ethiopia. PlosONE, v. 15, e0239215, 2020.

HERD, C.L. et al. Consequences of HIV infection in the bone marrow niche. Frontiers in Immunology, v. 14, 2023. doi: 10.3389/fimmu.2023.1163012.

KATSURA, M. et al. Progressive cytopenia developing during treatment of Cryptococcosis in a patient with HIV infection and bone marrow cryptococcal infection. Internal Medicine, v. 61, p. 257, 2022. doi: 10.2169/internalmedicine.7282-21.

RAJME-LOPEZ, S. et al. HIV-positive patients presenting with peripheral blood cytopenias: is bone marrow assessment a priority? Hematology, Transfusion and Cell Therapy, v. 44, p. 542, 2022. doi: 10.1016/j.htct.2021.02.008.

SAHU, K.K. et al. Mycobacterium avium complex: a rare cause of pancytopenia in HIV infection. Journal of Microscopy and Ultrastructure, v. 8, p. 27, 2020. doi: 10.4103/JMAU.JMAU_18_19.

TSUKAMOTO, T. Hematopoietic stem/progenitor cells and the pathogenesis of HIV/AIDS. Frontiers in Cellular and Infection Microbiology, v. 10, 2020. doi: 10.3389/fcimb.2020.00060.