REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202411192155
Guilherme Zupo Teixeira, Felipe Costa Parreira, Thaynara Rafael Durães Ferronatto, Maria Fernanda Maciel, Maria Eduarda Dainese Pereira, Larissa Viana Alves, Leticia Santana de Castro Cesar
Resumo: Este relato descreve o caso de um paciente masculino de 46 anos com angiofibroma celular raro localizado na região pararretal direita. O angiofibroma celular é um tumor mesenquimal benigno, geralmente encontrado em áreas genitais, mas ocasionalmente manifestando-se em outras regiões. O paciente apresentou sintomas de dificuldade urinária progressiva, associada a abaulamento perineal.
O diagnóstico foi confirmado através de exames físicos, ressonância magnética e análise imunohistoquímica, revelando uma lesão bem circunscrita e vascularizada, composta por células fusiformes. O tratamento consistiu na ressecção cirúrgica completa da lesão, que resultou em melhora dos sintomas sem complicações pós-operatórias.
Este caso destaca a importância de um diagnóstico preciso utilizando técnicas imunohistoquímicas para diferenciar o angiofibroma celular de outros tumores mesenquimais e a eficácia da cirurgia como tratamento. A raridade do tumor em localização extra-genital e a ausência de recorrência pós-cirúrgica sublinham a relevância deste relato para a literatura médica.
INTRODUÇÃO
O angiofibroma celular é um tumor mesenquimal benigno raro, que apresenta tropismo pelo trato genital feminino distal e masculino. O tumor foi descrito pela primeira vez em 1997 por Nucci et al., como uma neoplasia mesenquimal distinta composta por dois componentes principais: células fusiformes e vasculatura proeminente. Inicialmente considerado como um tumor vulvar frequente em mulheres de meia-idade, entretanto, foram encontradas lesões histologicamente idênticas nas regiões inguinais de homens adultos e no tronco, mucosa oral, joelho e pálpebra superior. Histologicamente, o angiofibroma celular é bem circunscrito e expressa-se com uma proliferação celular de células fusiformes pequenas e citologicamente brandas, associado a um componente proeminente de vasos de pequeno a médio porte com hialinização mural e/ou deposição perivascular de colágeno, em 50% dos casos são encontrados adipócitos maduros individuais agregados ou dispersos. Imuno histoquimicamente, demonstra expressão variável de CD34, alfa-actina de músculo liso (SMA) e proteínas receptoras de estrogênio (ER) e progesterona (PgR) e perda de expressão da proteína retinoblastoma (Rb). O quadro clínico usualmente se manifesta com alterações degenerativas relacionadas com tromboses vasculares, alterações na matriz estromal e inflamação estromal ou perivascular. Normalmente tem evolução satisfatória sem recorrência após a excisão.
RELATO DE CASO
A.E.P., sexo masculino, 46 anos, comparece à primeira consulta com queixa de dificuldade urinária progressiva há 6 meses associada a abaulamento perineal crescente e dificuldade para se sentar. Nega alterações de hábito intestinal. Paciente hipertenso, em uso contínuo de atenolol, hidroclorotiazida e losartana, alérgico a contraste iodado e herniorrafia umbilical pregressa.
Ao exame físico, presença de abaulamento em região perineal predominantemente à direita, de caráter volumoso, endurecido, não depressível, indolor e sem alterações cutâneas. Toque retal com abaulamento extrínseco importante em região lateral direita cerca de 5 cm da margem anal, endurecido, não depressível e sem alterações da mucosa.
A Ressonância magnética identificou formação sólido-cística medindo 7,7 x 5,3 x 8,5 cm, bem circunscrita com extensas áreas de necrose/liquefação e multiloculada na região pararretal direita, que estende-se superiormente ao espaço reto-prostático e lateralmente ultrapassando o esfíncter externo, levando ao deslocamento do canal anal e do reto para esquerda e anteriormente determinando impressão na base peniana. Foi realizada também colonoscopia que evidenciou abaulamento extrínseco em reto distal e canal anal.
Ao estudo imunohistoquímico, foi revelada neoplasia mesenquimal ricamente vascularizada constituída por células fusiformes sem atipias nucleares e pequenos vasos sanguíneos de paredes hialinizadas em estroma fibromixóide, tal que tinha expressão difusa para CD34, desmina e receptores de estrógeno e andrógeno.
Diante dos achados do exame físico e de imagem, associado ao estudo imunohistoquímico, foi feito o diagnóstico de lesão peri-retal compatível com angiofibroma celular, sendo adotada abordagem cirúrgica como medida terapêutica. O paciente foi submetido a ressecção total da lesão tumoral pararretal direita com incisão de 10 cm de comprimento em região perianal direita. Na sala de cirurgia, foi posicionado em posição de litotomia e realizada anestesia geral e peridural, não haviam aderências às estruturas adjacentes nem mesmo lesão da parede do reto ou da uretra, apesar da proximidade com tais estruturas em sua porção mais profunda. Não houve colocação de drenos. Paciente recebeu alta no primeiro dia do pós operatório em uso de Ciprofloxacino e Metronidazol por 7 dias, associado a cuidados locais e afastamento de atividades por 8 semanas.
No pós cirúrgico, paciente evoluiu com melhora completa da dificuldade urinária acompanhada de dor ao contato no local correspondente ao trauma cirúrgico. Na última consulta, 3 meses após a cirurgia, o paciente compareceu sem complicações, sinais de recidivas, retrações em topografia cirúrgica e sem sintomas urinários ou evacuatórios.
DISCUSSÃO
O Angiofibroma celular consiste em uma condição rara de tumor benigno que surge nas células mesenquimais dos vasos sanguíneos presentes nos tecidos moles superficiais. Histologicamente, é formado por células fusiformes uniformemente distribuídas e envoltas por feixes de colágeno associadas a proeminentes vasos sanguíneos redondos com paredes hialinizadas e tecido adiposo entre as células fusiformes, as regiões com baixa celularidade possuem edema estromal ou hialinização, mas pleomorfismos significantes ou mitoses anormais não estão presentes. Os locais mais comumente acometidos são as regiões inguinoescrotal em homens na faixa dos 70 anos de idade, e vulvovaginal nas mulheres por volta de 50 anos, no entanto, já foram relatados casos de aparecimento em cavidade oral, parede torácica e retroperitônio.
Geralmente, o tumor pode ser definido clinicamente como uma massa tumoral < 3 cm, indolor à palpação, bem circunscrita, semelhante a uma hérnia, porém que não reduz à digitopressão. Apesar de ser uma condição benigna, pode desencadear sangramentos e penetrar as estruturas adjacentes, o que explica a necessidade de intervenção cirúrgica para seu tratamento.
É importante uma abordagem diagnóstica minuciosa a fim de diferenciar o angiofibroma celular de outros tumores mesenquimais, uma vez que suas características patológicas são muitos semelhantes, assim como, distinguir de outros diagnósticos diferenciais, entre os quais podemos citar angiomixoma agressivo, angiomiofibroblastomas, leiomiomas, tumores de células de Schwann, lipomas, melanomas, cistos dermóides e hérnia inguinal. O desafio diagnóstico do angiofibroma celular reside principalmente quando ele se localiza fora da região genital, onde outras patologias mais comuns correntemente se manifestam.
Nesse sentido, a pesquisa imuno-histoquímica mostra-se essencial para diferenciar o tumor de outros tumores mesenquimais. Ao analisar a presença ou ausência de marcadores imunes distintivos de angiofibroma celular, o exame permite o diagnóstico preciso. Quanto às características imunohistoquímicas, o tumor é geralmente positivo para a molécula de adesão célula a célula CD34 e receptores estrógenos, sendo que pode ser variavelmente positivo para actina e desmina muscular. Anticorpos como a proteína S100, PR, Dog1, Stat 6 e Cam5.2 tem papel complementar na diferenciação do tumor em questão de outras condições como melanoma e tumor estromal gastrointestinal.
No que infere ao tratamento, atualmente, o padrão ouro corresponde à ressecção cirúrgica com margens negativas, sendo que é baixo o risco de recorrência no sítio de ressecção. Porém, ainda são poucas as noções acerca do tempo de acompanhamento pós-cirúrgico que o paciente deve receber.
CONCLUSÃO
O presente artigo relata o caso de um paciente portador de angiofibroma celular em região pararretal direita cuja ressecção cirúrgica foi medida terapêutica de sucesso. Destaca-se a relevância do tema abordado devido à sua condição de raridade, uma vez que são poucos os casos relatados na literatura sobre esse específico tumor. Na mesma medida em que, realça a importância da correlação entre os achados do exame físico, de imagem e histopatológicos para o diagnóstico correto e consequente escolha de tratamento de maneira adequada.
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Palavras Chave: Reto, Neoplasia Mesenquimal, Angiofibroma Celular, Tumor Benigno, Coloproctologia