REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th10247291926
Marcos Roberto Correia Silva1
Gleyciane da Conceição Alves Souza2
Cícero José Pacheco Lins3
Amanda de Araújo Cravo4
Juscelino da Silva dos Santos5
João Gustavo Rocha Peixoto dos Santos6
RESUMO: Aneurismas verdadeiros extracranianos da artéria carótida interna são raros, com incidência de menos de 1% de todos os aneurismas arteriais. Apesar de raro, este aneurisma está atrelado a um elevado risco de eventos tromboembólicos neurológicos, compressão de nervos cranianos e risco de ruptura fatal. Nos últimos anos, o tratamento cirúrgico vem sendo empregado com diferentes técnicas abertas e por meio da embolização. Relatamos aqui o caso de um jovem de 21 anos apresentando um aneurisma da Artéria Carótida Interna tratado por aneurismectomia com reconstrução do fluxo cerebral através da Artéria Carótida Externa homolateral.
Palavras-chave: aneurisma extracraniano gigante; artéria carótida externa; aneurismectomia; reconstrução de fluxo.
INTRODUÇÃO:
Em 1805 foi realizada a primeira cirurgia para ligadura da artéria carótida comum por Sir Astley Cooper. O procedimento foi bem-sucedido, porém o paciente veio a óbito após 40h. Posteriormente, Dimtza obteve sucesso realizando a primeira excisão de aneurisma carotídeo, por meio de uma anastomose término-terminal. Em 1959, Beall relatarou a utilização de um enxerto protético em substituição da carótida para doença aneurismática2. Até o momento não foi relatado nenhum tratamento utilizando a artéria carótida externa como enxerto para substituir o segmento da artéria carótida interna aneurismática nos casos de aneurismas gigantes, nos quais a ressecção e reconstrução do fluxo através de uma anastomose termino-terminal não é possível e a utilização de um enxerto protético em paciente jovem não tem uma patência confiável por um período mais longo. O método de escolha para o tratamento é o cirúrgico, tendo como objetivo ressecar um aneurisma e reparar o vaso, mantendo o fluxo sanguíneo cerebral5. O tratamento por ligadura da Artéria Carótida Interna é acompanhado de um risco de acidente vascular cerebral de até 30%9. Desse modo, optamos por ressecção no aneurisma e reconstrução do fluxo cerebral através da utilização da artéria carótida externa homolateral.
RELATO DE CASO: Paciente do sexo masculino, 21 anos, sem comorbidades, destro, apresentando massa cervical à direita, abaixo do ângulo da mandíbula (figura 1 e 3). Relata ter notado uma massa cervical do lado direito aos 16 anos, a qual vem, progressivamente, aumentando de tamanho. Nega trauma local, infecção ou história familiar de doença aneurismática. Apresentava dificuldade para dormir devido à massa pulsátil, nega dispneia e disfagia. Realizou arteriografia digital (figura 3) e com reconstrução 3D que evidenciou volumoso aneurisma de ACI direita, medindo 40.9 mm x 40.2 mm com comprimento craniocaudal de 6.9 mm e colo largo, iniciando na origem, sem trombo mural, fluxo cerebral mantido e ausência de doença aneurismática intracraniana (figura 2). Além disso, foi realizada uma arteriografia para avaliação do polígono de Willis através do teste de oclusão da Artéria Carótida interna direita. Observou-se a opacificação do território carotídeo direito via comunicante anterior com sincronismo venoso (diferença do retorno venoso de ambos os hemisférios < 2 segundos) compatível com polígono patente e com teste de oclusão positivo, sendo possível oclusão da artéria carótida interna direita sem prejuízo da irrigação intracraniana1.
Figura 1: Massa cervical infra-mandibular direita pulsátil
Figura 2: Arteriografia com reconstrução 3D
Figura 3: Arteriografia digital evidenciando o aneurisma
Figura 4: Ressecção do aneurisma evidenciando a peça cirúrgica
Figura 5: Término da Anastomose e reconstrução do fluxo.
O caso foi discutido com a equipe de Neurocirurgia do serviço com as possíveis modalidades de tratamento: 1. Embolização com preservação do fluxo cerebral – tecnicamente difícil pelo extremo colo largo; 2. Embolização com oclusão total do aneurisma e interrupção do fluxo cerebral, uma vez que o polígono de Willis está patente – tecnicamente possível, porém, com risco de acidente vascular cerebral, além de não existir dados suficientes de como se comportaria uma ligadura de ACI em paciente extremamente jovem9; 3. Ressecção do aneurisma através de cirurgia aberta com reconstrução do fluxo com uma anastomose término-terminal2,3,4– não sendo possível devido ao grande tamanho do aneurisma; 4. Ressecção do aneurisma através de cirurgia aberta com reconstrução do fluxo através de um enxerto protético – sendo esta a cirurgia mais factível, porém, por se tratar de um paciente tão jovem, o risco de estenose e oclusão ou mesmo desgaste deste enxerto heterólogo ao longo dos anos também seria um fator limitante12; 5. Ressecção do aneurisma por meio de cirurgia aberta com reconstrução do fluxo através da utilização da artéria carótida externa homolateral com anastomose termino-terminal com o coto distal da artéria carótida interna (figura 6); devido à proximidade anatômica, a confecção da anastomose seria facilitada e a estrutura histológica idêntica promoveria boa acomodação destes vasos após liberação do fluxo arterial, corroborando também para o menor risco de estenose e oclusão ao longo dos anos. Diante disso, optamos por este manejo, apesar de não existir na literatura, relato de tratamento semelhante. O procedimento cirúrgico foi realizado sob anestesia geral através de uma incisão cervical longitudinal direita ao longo da borda anterior do músculo esternocleidomastóideo. A parede do aneurisma era elástica e íntegra, sem trombo mural (figura 4); O isolamento do coto proximal e distal ao aneurisma com identificação e reparo dos nervos que cruzam a bifurcação carotídea é a parte mais delicada deste tipo de cirurgia, porém não foram encontradas dificuldades por se tratar de paciente jovem sem doença inflamatória ou aterosclerótica.
Figura 6: Confecção da anastomose término-terminal do coto proximal da artéria carótida externa com o coto distal da artéria carótida interna.
Figura 7: Arteriografia no pós-operatório imediato, evidenciando fluxo livre do meio de contraste com discreta estenose na linha de sutura.
Figura 8: Arteriografia após termino da anastomose da ACE com ACI ( esquerda da foto); esquema para demonstrar como foi realizada a anastomose (direita da foto)
Em seguida foi realizado a dissecção da artéria carótida externa direita com ligadura e secção dos seus ramos até uma altura máxima na base do crânio, sendo administrado nesse momento heparina 5000UI in bolus, logo após realizado a secção transversa deste vaso com ligadura do coto distal e clampeamento da Artéria Carótida Comum próximo da sua bifurcação. A cirurgia seguiu-se com clampeamento distal ao aneurisma, ressecção do aneurisma, ligadura do coto proximal da Artéria Carótida Interna na sua origem e confecção da anastomose entre a artéria carótida externa com o coto distal da artéria carótida interna com pontos separados de prolene 6.0. Terminado a anastomose abre-se o clampe distal da artéria carótida interna e por último abre-se o clampe da artéria carótida comum (figura 8). O paciente foi extubado ainda na sala de cirurgia sem nenhuma alteração neurológica. Foi então realizado uma arteriografia de controle (figura 7) por punção femoral, evidenciando fluxo cerebral normal e uma discreta estenose residual na linha de sutura. O paciente foi então encaminhado para UTI onde recebeu alta após 48h da cirurgia, seguiu para a enfermaria, onde permaneceu por mais 24h, recebendo alta no 3o dia de pós-operatório. Após 18 meses de segmento, o paciente encontra-se assintomático. Está na programação de realizar Doppler arterial de carótida de controle e seguimento a cada dois anos. Está em uso de aspirina 100mg/dia contínuo. O resultado do histopatológico da peça evidenciou parede arterial desprovida de lâmina elástica compatível com aneurisma verdadeiro congênito.
Discussão
Os aneurismas extracranianos da Artéria Carótida Interna são lesões raras, representando cerca de 1% dos aneurismas que acometem a periferia6. A etiologia mais comum é a aterosclerose, por conta disto, a associação desses aneurismas com outros periféricos é comum. Os aneurismas ateroscleróticos são, geralmente, encontrados na população idosa. A aterosclerose é observada em 37%–42% dos aneurismas14, outra causa frequente são as lesões por trauma, correspondendo a (35%–51%), seguido dos pseudoaneurismas pós-endarterectomia que representam 26% a 57% dos aneurismas11. O surgimento deste aneurisma em jovens é incomum e frequentemente está associado à etiologia infecciosa, como infecções por HIV ou tuberculose, além de fatores genéticos13. No caso do nosso paciente o histopatológico deu compatível com doença congênita. O quadro clínico é, geralmente, caracterizado por uma massa pulsátil na região cervical acompanhado de dor. Porém, caso o aneurisma esteja na artéria carótida interna distal, há o risco de acometimento das fibras nervosas simpáticas pós-ganglionares e dos nervos cranianos, que, por sua vez pode levar a dificuldades de deglutição, rouquidão ou mesmo síndrome de Horner. Nesse contexto, um estudo detalhado do tipo de aneurisma é fundamental para definição de uma melhor conduta terapêutica. O diagnóstico, comumente, é feito por meio da ultrassonografia, associada ao Doppler (colorido e pulsado), método não invasivo, prático, com baixo custo, sem exposição do paciente à radiação ionizante. A angiografia é o exame padrão-ouro para diagnosticar os aneurismas. Porém, no contexto atual, a angiotomografia é o método mais realizado, fornece detalhes anatômicos extravasculares que podem ser utilizados para planejar a abordagem cirúrgica. No primeiro relato de um aneurisma extracraniano foi realizada ligadura da artéria carótida, porém essa técnica, foi associada a um risco >30% de ocorrência de Acidente Vascular Encefálico9. Sendo assim, a aneurismectomia com preservação do fluxo arterial, por meio de uma anastomose térmimo-terminal passou a ser o tratamento de escolha10,12. No entanto, a realização desse método não é possível diante de um aneurisma volumoso. Surgiu então a utilização de enxertos protéticos (PTFE ou Dacron) como uma opção para reconstrução no segmento aneurismático ressecado15,16. Porém, esta abordagem possui uma menor patência, maior risco de infecção e ocorrência de rejeição. O método endovascular com oclusão do aneurisma e manutenção do fluxo, na maioria das vezes, não é possível. Este fato está associado a complexidade do colo do aneurisma, além do risco maior de Acidente Vascular Encefálico, quando comparado ao método aberto8,17. Outra forma de tratamento é a oclusão do aneurisma pelo método endovascular sem manutenção do fluxo arterial, mas esta abordagem é reservada para casos selecionados. No caso relatado neste artigo, o paciente tinha um aneurisma volumoso e, por conta disto, a ressecção do aneurisma com anastomose primária termino-terminal não era possível. Somado a isto, por se tratar de um paciente de 21 anos de idade , o uso de enxerto sintético para reconstrução do fluxo teria um desgaste natural da prótese com o tempo, caracterizando um risco maior de estenose ou oclusão no futuro. Após estudos detalhados das imagens, notou-se uma anatomia favorável para utilização da artéria carótida externa como enxerto para restauração do fluxo após ressecção do aneurisma da artéria carótida interna; esta foi a cirurgia realizada, tendo como principal vantagem a utilização de um conduíte arterial vascularizado, com baixo risco de infecção, sem risco de rejeição e com expectativa de patência superior ao enxerto sintético.
Comentários finais
O Aneurisma Extracraniano da Artéria Carótida Interna pode manifestar-se com sintomas ou ser assintomático, sendo o Acidente Vascular Encefálico é o sintoma mais comum. Pode ter localização mais proximal junto a bifurcação da artéria carótida ou mais distal na base do crânio. O tratamento cirúrgico aberto com ressecção do aneurisma e manutenção do fluxo arterial através de uma anastomose término-terminal é o tratamento de escolha, sendo o método endovascular reservado para casos selecionados. Apresentamos um caso no qual o aneurisma estava localizado na origem da bifurcação, porém, devido a grande dimensão do aneurisma não foi possível a reconstrução do fluxo com anastomose primária , sendo utilizado a artéria carótida externa homolateral como conduíte. Após revisão da literatura não foi encontrado nenhum relato de tratamento de aneurisma da artéria carótida interna usando esta técnica. Acreditamos que a utilização da artéria carótida externa como conduíte para revascularização e manutenção do fluxo arterial em aneurisma gigante da artéria carótida interna é um método factível, de abordagem segura e com boa patência principalmente quando se tratar de pacientes jovens.
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1- Médico cirurgião vascular do Serviço de Cirurgia Vascular do Hospital Carvalho Beltrão, Coruripe/Alagoas/Brasil,
2- Acadêmica de Medicina do Centro Universitário CESMAC – Maceió/Alagoas/Brasil,
3- Médico neurocirurgião do Serviço de Neurocirurgia do Hospital Carvalho Beltrão, Coruripe/Alagoas/Brasil,
4- Acadêmica de Medicina do Centro Universitário de Maceió UNIMA- Maceió/Alagoas/Brasil
5- Médico residente de cirurgia vascular do Serviço de Cirurgia Vascular do Hospital Carvalho Beltrão Coruripe/Alagoas/Brasil,
6- Professor do curso de Medicina do Centro Universitário CESMAC – Maceió/Alagoas/Brasil.