ANESTESIOLOGIA PEDIÁTRICA, PRECAUÇÕES ACERCA DOS PREJUÍZOS AO NEURODESENVOLVIMENTO.

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8011484


Ana Carla Sabini
Carolina Soletti
Rebeca Z Medes
Maria Thereza de Castro Leopoldino
Marina Ribeiro Rodrigues
Bruno José Delbó Daher
Ana Clara Delbó Daher
Luana Portes Costa Caetano
Artur Barbosa Azevedo Rocha


RESUMO

A anestesia pediátrica é um campo de estudo que requer atenção especial devido aos potenciais efeitos sobre o neurodesenvolvimento das crianças. A relação entre o uso de anestésicos e possíveis prejuízos ao neurodesenvolvimento tem sido objeto de investigação e debate na literatura científica. Este estudo tem como objetivo revisar a bibliografia existente para esclarecer essa relação. A metodologia adotada consistiu em uma revisão bibliográfica analítica, utilizando como fonte de dados o PubMed. Foram selecionados 16 artigos publicados entre os anos de 2009 a 2023, com base nos descritores de saúde: pediatrics, general, anestesia. Por meio dos descritores “Pediatric Anesthesia” e “NeuroDevelopment Assessment”. Os resultados obtidos revelaram que a anestesia pediátrica apresenta desafios específicos, uma vez que o neurodesenvolvimento das crianças pode ser influenciado por diversos fatores, além da simples exposição aos anestésicos. Estudos recentes indicam que fatores biológicos, ambientais e sociais desempenham um papel mais significativo nos desfechos adversos do neurodesenvolvimento em comparação com a exposição aos anestésicos. Embora a relação direta entre a droga anestésica e a neurotoxicidade ainda não tenha sido plenamente estabelecida, é amplamente reconhecida a importância de um cuidado intra operatório adequado para garantir uma perfusão cerebral adequada e outros parâmetros determinantes no neurodesenvolvimento. Além disso, estudos com neuroimagens ainda são necessários para elucidar melhor a toxicidade associada aos anestésicos. Em conclusão, o estudo da relação entre anestésicos e neurotoxicidade na infância está em estágios iniciais, e ainda não existe uma evidência sólida que comprove essa relação causal. Portanto, pesquisas e novos estudos estão em andamento para fornecer uma compreensão mais abrangente dessa relação causa e efeito.

Palavras-chave: anestesia pediátrica; neurotoxicidade; neurodesenvolvimento. 

INTRODUÇÃO

A anestesiologia pediátrica é uma área especializada da medicina que se dedica ao cuidado anestésico de crianças durante procedimentos cirúrgicos e diagnósticos (Davidson & Sun, 2018). As crianças apresentam características anatômicas, fisiológicas e farmacológicas distintas dos adultos, o que requer abordagens específicas no manejo anestésico. No entanto, embora os anestesiologistas busquem fornecer um cuidado seguro e eficaz, surgiram preocupações sobre os potenciais prejuízos ao neurodesenvolvimento em crianças expostas à anestesia em tenra idade.

Estudos em animais têm sugerido que a exposição a anestésicos em períodos críticos do desenvolvimento cerebral pode resultar em alterações duradouras no sistema nervoso central. Essas descobertas têm gerado inquietação e levantado a necessidade de precauções adicionais na anestesia pediátrica. É importante ressaltar, entretanto, que os resultados em animais nem sempre se traduzem diretamente em efeitos clínicos nos seres humanos (Wilder et al., 2009).

A evidência disponível em humanos sobre os efeitos a longo prazo da anestesia pediátrica no neurodesenvolvimento ainda é limitada e contraditória. Alguns estudos observacionais associaram exposições repetidas ou prolongadas a anestésicos a um maior risco de déficits cognitivos e de desenvolvimento em crianças (Davidson & Sun, 2018).

 No entanto, outros estudos não encontraram associação significativa ou demonstraram resultados inconsistentes. Além disso, é importante considerar que muitos outros fatores podem influenciar o neurodesenvolvimento infantil, tornando difícil estabelecer uma relação causal direta com a anestesia.

Diante dessas preocupações, é fundamental que os anestesiologistas pediátricos adotem medidas de precaução para minimizar os riscos potenciais. Isso inclui a avaliação criteriosa dos benefícios e riscos da anestesia em cada caso, a escolha de agentes anestésicos com perfil de segurança estabelecido, o uso de técnicas anestésicas adequadas e a otimização da gestão perioperatória (Davidson & Sun, 2018). 

MATERIAIS E MÉTODOS

A metodologia adotada consistiu em uma revisão bibliográfica analítica, utilizando como fonte de dados o PubMed. Foram selecionados 33 artigos publicados entre os anos de 2009 a 2023 para análise inicial, com base nos descritores de saúde: pediatrics, general anesthesia. Além disso, foram incluídos os descritores “Pediatric Anesthesia” e “NeuroDevelopment Assessment” para direcionar a busca e garantir a relevância dos estudos selecionados. Após a leitura destes artigos 16 foram selecionados para compor as referências.

A pesquisa foi conduzida no PubMed, uma base de dados amplamente reconhecida e abrangente na área da saúde. Foram utilizados os descritores em inglês para garantir a inclusão de estudos relevantes e maximizar o escopo da pesquisa.

Após a aplicação dos descritores e a definição dos critérios de inclusão, os artigos foram selecionados por meio de uma análise detalhada dos títulos, resumos e textos completos. Foram excluídos os estudos que não estavam diretamente relacionados aos efeitos da anestesia pediátrica no neurodesenvolvimento, bem como aqueles que não atendiam aos critérios de relevância e qualidade estabelecidos.

A partir dos artigos selecionados, foram extraídas as informações relevantes para a elaboração deste estudo, incluindo dados sobre os efeitos da anestesia pediátrica no neurodesenvolvimento, os desafios enfrentados na área da anestesiologia pediátrica e as medidas de precaução recomendadas para minimizar os riscos potenciais.

É importante ressaltar que esta revisão bibliográfica analítica tem como objetivo fornecer uma visão abrangente e atualizada sobre o tema, baseada em evidências científicas disponíveis na literatura. Limitações como a disponibilidade de artigos publicados e a seleção dos descritores utilizados podem influenciar a abrangência e a generalização dos resultados obtidos. No entanto, buscou-se adotar uma metodologia rigorosa e criteriosa para garantir a qualidade e a relevância das informações apresentadas.

RESULTADOS

Tabela 1

ArtigoAutor, AnoMetodologia ResultadoConclusão
Estudo comparativo sobre sevoflurano e halotano na indução e manutenção de anestesia pediátrica ambulatorial. CAGNOLATI, Carlos Alberto et al.;2020Quarenta e um pacientes ambulatoriais pediátricos, estado físico ASA I, foram alocados em dois grupos, pois receberam Sevoflurano e halotano em N2O/O2 (50/50%) para indução e manutenção da anestesia. A intubação orotraqueal foi realizada após dose única de succinilcolina. O monitoramento ao longo do estudo incluiu PET CO2, ET N2O, ET O2,ET SEVO, ET HALO, PAS, PAD e FC.O tempo de exposição aos anestésicos foi semelhante nos dois grupos. Não houve diferenças significativas na indução
tempos entre os grupos. Hora de abrir os olhos, obedecer ao comando, orientar e sair da fase I
a recuperação foi significativamente mais curta no grupo sevoflurano em comparação com o grupo halotano. Hora de descarregar
da recuperação da fase II também foi mais curta no grupo sevoflurano, embora não estatisticamente significativa. A incidência
de efeitos adversos foi semelhante em ambos os grupos. A estabilidade cardiovascular foi boa com ambos os agentes.
A indução suave e rápida, a boa estabilidade cardiovascular e a incidência relativamente baixa de efeitos adversos tornam o sevoflurano um bom anestésico para pacientes pediátricos ambulatoriais. Os resultados deste estudo sobre O tempo de recuperação pós-anestésica indica alguma vantagem do sevoflurano sobre o halotano. No entanto, a excitação precoce causa intensa percepção de dor logo após a interrupção do anestésico, exigindo assim um método eficaz de analgesia pós-operatória.
Isoflurano em Anestesia Pediátrica.NASCIMENTO, R. A.; DA SILVA, Jose Maria Couto; SARAIVA, Renato Angelo;2020Foram estudadas 60 crianças, de ambos os sexos, estados físicos I ou Il (A.S.A.), escaladas para’ diferentes tipos de cirurgias (Tabela I). A distribuição para OS grupos de estudo isoflurano ou halotano (30 pacientes em cada grupo) foi feita segundo Iista de distribuição aleatória. Consentimento escrito foi obtido de todos os responsáveis pelas crianças, durante a visita pré-anestésica. A dose média de pentobarbital foi da ordem de 5,1 ± 1,9 mg.kg-1 no grupo do isoflurano e 4,5 ± 1,0 mg. kg-1 no grupo do halotano. A dose média de tiopental sódico foi da ordem de 5,9 ± 1,3 mg.kg-1 no grupo do isoflurano e de 6,5 ± 1,9 mg.kg-1 no grupo do halotano. A dose média de succinilcolina foi de l,4 ± 0,3mg-1.kg-1 e 1,3 ± 0,4 mg.kg-1 , respectivamente nos grupos do isoflurano e halotano. A medicação pré-anestésica, a indução e a manutenção foram padronizadas e semelhantes em ambos os grupos, variando apenas o anestésico inalatório  isoflurano ou halotano. A respiração foi mantida sob controle manual ou mandatória intermitente. No pós-operatório imediato os pacientes permaneciam na sala de recuperação para observação de parâmetro cardiovasculares, respiratórios, temperatura e regrepós-anestésica. Na manutenção da anestesia, a concentração inspirada (F I ) média de isoflurano foi de 1,57 ± 0,30% (F l/CAM 1,3) e de halotano 1,45± 0,37% (Fl/CAM 1,9). ESS a diferença no índice F l/CAM entre isoflurano e halotano foi estatisticamente significativa. 
O Sistema de Bain: Uso em Anestesia Pediátrica.DA CONCEICAO, Mario Jose et al.,2020Foi realizado um levantamento dos prontuários e fichas de anestesia dos pacientes submetidos a atos anestésico-cirúrgicos, no período compreendido entre janeiro de 1980 e julho de 1989, separando-se para análise todos aqueles nos quais o sistema de Bain foi utilizado, observando-se faixa etária, tipos de procedimentos, anestésicos voláteis empregados, utilização do sistema antipoluição, complicações ocorridas no transoperatório relacionadas com o sistema e forma de ventilação. Entre janeiro de 1980 e julho de 1989, foram anestesiados 18.830 pacientes pediátricos, dos quais 15.391 foram ventilados com o sistema de Bain, observando-se um aumento progressivo para o uso do sistema através do período em estudo. A porcentagem do emprego do sistema de Bain foi de 81 ,74%. Em conclusão, pelos dados aqui levantados, podemos afirmar que o sistema de Bain, por sua simplicidade, leveza características e pelo número de pacientes anestesiados, pode ser empregado com segurança e utilidade em anestesia pediátrica.
Principais artigos de anestesia pediátrica do último ano. Vinícius Caldeira Quintão , 2018Revisão manual nas principais revistas  de  anestesiologia,  anestesiologia  pediátrica,  terapia  intensiva  pediátrica  e pediatria. Foram selecionados 170 artigos e, após a leitura dos resumos, 85 foram incluídos nesta revisão.Qualidade, segurança  do  ato  anestésico  são cada  vez  mais  estudados  e  vários artigos  foram  publicados  em 2017.  Procedimentos  cirúrgicos  e  de diagnóstico  em  pediatria  são  geralmente  para  condições benignas, o que aumenta a necessidade de desfechos favoráveis. Erros de medicação em anestesia são mais comuns em crianças do que em adultos, provavelmente  devido  às diferenças  no  peso  e  idade  das  crianças.Um dos grandes desafios do anestesiologista pediátrico é lidar com a ansiedade da criança e algumas vezes dos pais ou cuidadores. Para a grande maioria das  crianças  o  ambiente  perioperatório  é  um  local não acolhedor e de risco iminente, que pode levar a sua  separação  do  pais  e  potencialmente  dor. 
Efeitos da Anestesia geral no Neurodesenvolvimento Infantil. MANO, Diana Marta Feiteira. 2015.A revisão bibliográfica foi baseada em livros publicados e evidência disponível na base de dados online Pub Med. A pesquisa foi feita usando as expressões: anestesia geral, neuroapoptose, neurodesenvolvimento e neurotoxicidade. Estudos in vivo em ratos e macacos e estudos recentes in populo foram incluídos nesta revisão.In vivo, os anestésicos inalatórios assim como os intravenosos, particularmente quando usado em combinação, têm sido associados a apoptose das células neuronais com mudanças neurodegenerativa dose dependente e défices de aprendizagem, memória e cognição a longo prazo. Contudo,  conclusões dos estudos clínicos conduzidos in populo no sentido de investigar a relação entre a anestesia geral e os défices do neurodesenvolvimento têm sido inconsistentes. Os estudos retrospectivos disponíveis sugerem que múltiplas exposições anestésicas em idade jovem podem acarretar algum risco de défices neurocognitivos. Atualmente, estão em curso os estudos de grande escala como o PANDA, MASK e GAS para explorar esta relação de forma mais objetivaA anestesia é necessária para permitir procedimentos cirúrgicos seguros nas crianças que necessitam de cirurgia. Até serem clarificados a neurotoxicidade associada a anestesia e os seus mecanismos, parece sensato restringir as cirurgias e anestesia numa idade precoce aos casos absolutamente necessários.
ANESTÉSICOS USADOS EM CIRURGIAS PEDIÁTRICAS..MÜLLER, Iohana Menegaz et al., 2017.Foram incluídos artigos científicos publicados nos últimosdez anos, os quais abordaram especificamente o uso de anestésicos em cirurgias pediátricas, seus efeitose  riscos  nesta  população.Os  anestésicos  mais comumente  empregados  na  anestesia  pediátrica  são propofol, etomidato, cetamina, tiopental e os gases halotano, isoflurano, desflurano, sevoflurano e óxidonitroso. Sua ação específica sobre a indução, manutenção, analgesia e sedação varia e por isso observa-se o uso de mais de um fármaco no processo de anestesia.O uso de medicamentosoff labelou sem aprovação dos órgãos reguladores é uma prática comum na  pediatria,  não  sendo  diferente  com  a  utilização  de  anestésicos. Vários  tipos  de  fármacos  são administrados durante a anestesia geral. Seu uso visa indução ou manutenção da anestesia em crianças.
Efeitos do bloqueio peridural caudal em pacientes cirúrgicos pediátricos: estudo randomizado. BENKA, Anna Uram et al. 2020.Estudo clínico prospectivo randomizado que incluiu 60 pacientes submetidos à herniorrafia eletiva. Um grupo (n = 30) recebeu anestesia geral e o outro (n = 30), anestesia geral combinada a bloqueio caudal. Foram medidos os parâmetros hemodinâmicos (glicemia e cortisol foram obtido antes e após despertar dos pacientes), o consumo de medicamentos e a intensidade da dor.As crianças que receberam bloqueio peridural caudal apresentaram valores significantemente mais baixos para glicemia (p < 0,01), concentração de cortisol (p < 0,01) e escores de dor de 3 horas (p = 0,002) e 6 horas (p = 0,003) após a cirurgia, maior estabilidade hemodinâmica e menor consumo de medicamentos. Não foram observados efeitos colaterais ou complicações neste grupo.O bloqueio peridural caudal combinado à anestesia geral é uma técnica segura e que se associa a menor estresse, maior estabilidade hemodinâmica, redução nos escores de dor e baixo consumo de medicamentos.
Considerações anestésicas em pacientes pediátricos com transtorno do espectro autista. SILVA, Wallace Andrino et al. 2021.A  base  utilizada  para seleção dos trabalhos foi a PUBMED. A estratégia de busca estabelecida foi a seguinte:((anesthesia[MeSH   Terms])   AND   (autism   spectrum   disorder[MeSH   Terms]))   AND(child[MeSH  Terms]).A busca  identificou  inicialmente  34  artigos,  sendoconsiderados 12 artigos para a revisão.O transtorno do espectro autista gera diversas  dificuldades  práticas  para  a  aplicação  de  anestesias.  Criando,  inclusive,  a necessidade  de  sedação  em  uma  ampla  gama  de  procedimentos  médicos.  Contenção física e uso forçado de ansiolíticos para facilitar aplicações anestésicas, já não são mais eticamente  bem  vistos,  devendo  ser  utilizados  apenas  em  último  caso.  Trabalhos citam que  uma   interação   maior   com  os  pais   ou   cuidadores   sobre   as especificidades   mentais   de   cada  paciente   geram  bons   resultados.     Treinamento  de profissionais da  saúde e seus  desdobramentos comportamentais são importantes para que anestesias,  procedimentos cirúrgicos e exames tenham o sucesso desejado.
Anestesia regional em pediatria-estado da arte. SALES, Filipa Isabel Ramos. 2017.A pesquisa foi efetuada no PubMed com os MeSH Terms: Pediatric Regional Anesthesia e as palavras Regional Blocks. Foi restringida a artigos publicados nos últimos 5 anos em inglês. No total, foram consultados 43 artigos.Embora não tanto como no passado, as técnicas neuroaxiais continuam a ser muito usadas, com especial destaque para o bloqueio caudal. Bloqueios periféricos, tais como o do plano transverso abdominal e o para vertebral, têm sido usados com muito sucesso para o controlo da dor em contexto cirúrgico. Também os bloqueios dos membros e o peniano são usados com frequência em Pediatria. A ecografia melhora a eficácia e segurança da grande maioria das técnicas de Anestesia Regional. Apesar de não estarem estabelecidos os efeitos da Anestesia Geral no neurodesenvolvimento, a Anestesia Regional constitui   uma alternativa para ser usada de forma combinada para reduzir a dose de fármacos sistémicos.Espera-se que a evolução tecnológica dos próximos anos seja aplicada à Anestesia Regional de forma a alargar o leque de opções terapêuticas em Pediatria. 
AUTORIA PRÓPRIA 

A infância é uma fase crucial no desenvolvimento humano, e os cuidados médicos nessa etapa requerem uma atenção especial devido à vulnerabilidade das crianças, principalmente em relação ao desenvolvimento neurológico. A anestesia, que é amplamente utilizada em procedimentos cirúrgicos, apresenta desafios específicos quando aplicada em pacientes pediátricos. Durante muito tempo, acreditou-se que a exposição aos anestésicos por si só poderia perturbar a fisiologia do neurodesenvolvimento da criança. No entanto, estudos mais recentes destacam que fatores biológicos, ambientais e sociais desempenham um papel ainda mais relevante no desfecho do neurodesenvolvimento (GRAHAM, 2017).

Essa compreensão mais abrangente da influência de múltiplos fatores no neurodesenvolvimento pediátrico levanta a necessidade de revisão de ferramentas amplamente utilizadas, como o American Society of Anesthesiologists physical status (ASA-PS), que é utilizado em todo o mundo para avaliar o risco anestésico. É importante reconhecer que a acurácia desse sistema de classificação pode ser reduzida ao ser aplicado especificamente em pacientes pediátricos (FERRARI et al, 2020).

A neurotoxicidade é uma preocupação associada à exposição a anestésicos em crianças. Mecanismos como inflamação, aumento da apoptose e redução da neurogênese têm sido associados à neurotoxicidade. No entanto, os estudos ainda não conseguiram estabelecer de forma conclusiva uma relação direta entre o uso de anestésicos e a neurotoxicidade. Mais pesquisas, especialmente com o uso de neuroimagens, são necessárias para elucidar completamente os efeitos tóxicos dos anestésicos no neurodesenvolvimento pediátrico (MANO, 2015).

Apesar das incertezas sobre a neurotoxicidade direta dos anestésicos, é amplamente reconhecido que o cuidado intra operatório desempenha um papel crucial na preservação do neurodesenvolvimento. É essencial garantir uma perfusão cerebral adequada e monitorar outros parâmetros determinantes durante os procedimentos anestésicos em crianças. Estudos indicam que estratégias de manejo perioperatório podem ter um impacto significativo na mitigação de possíveis danos ao neurodesenvolvimento (BAILEY & WHYTE, 2022).

Em resumo, a relação entre anestesia e neurodesenvolvimento em crianças ainda está sendo investigada. Embora a exposição a anestésicos seja um fator importante a ser considerado, outros aspectos, como fatores biológicos, ambientais e sociais, parecem ter um papel mais relevante nos desfechos menos favoráveis. A pesquisa continua buscando uma compreensão mais completa dos efeitos dos anestésicos no neurodesenvolvimento pediátrico, e medidas de cuidado intraoperatório são enfatizadas para minimizar potenciais riscos.

DISCUSSÃO

A relação entre a anestesia pediátrica e o neurodesenvolvimento tem sido objeto de debate e estudo nos últimos anos. Vários estudos, incluindo o ensaio clínico randomizado multicêntrico GAS (General Anesthesia compared to Spinal anesthesia) e outros estudos observacionais, têm investigado os potenciais efeitos adversos da anestesia geral no neurodesenvolvimento infantil (Davidson et al., 2016; Ing & Sun, 2018; Sun et al., 2016; Wilder et al., 2009).

O estudo GAS, que acompanhou crianças até os 2 anos de idade, não encontrou diferenças significativas no neurodesenvolvimento entre as crianças submetidas à anestesia geral e as submetidas à anestesia regional acordadas (Davidson et al., 2016). 

No entanto, outros estudos observacionais levantaram preocupações, relatando associações entre a exposição à anestesia geral em idades precoces e déficits cognitivos e de desenvolvimento a longo prazo (Sun et al., 2016; Wilder et al., 2009).

Apesar dessas descobertas, é importante ressaltar que a associação entre anestesia pediátrica e neurodesenvolvimento não foi estabelecida de forma definitiva. Estudos observacionais apresentam limitações, como a dificuldade de controlar todos os fatores de confusão e a possibilidade de viés de seleção e informação (Ing & Sun, 2018).

Diante dessa controvérsia, é fundamental que os anestesiologistas pediátricos adotem precauções para minimizar os potenciais prejuízos ao neurodesenvolvimento. Isso inclui uma avaliação cuidadosa dos riscos e benefícios da anestesia em cada caso individual, levando em consideração fatores como a idade da criança, a duração da exposição anestésica e a complexidade do procedimento cirúrgico (Ferrari et al., 2020).

Além disso, é importante promover uma abordagem multimodal de analgesia e anestesia, incluindo o uso de técnicas anestésicas regionalizadas e o controle adequado da dor pós-operatória (Graham, 2017).

 A otimização dos cuidados perioperatórios, incluindo a manutenção da estabilidade hemodinâmica e da perfusão cerebral, também pode desempenhar um papel importante na minimização de potenciais efeitos adversos.

Embora ainda haja lacunas no conhecimento sobre a relação entre a anestesia pediátrica e o neurodesenvolvimento, é encorajador observar que a pesquisa continua a avançar nessa área. Estudos prospectivos bem desenhados, com amostras maiores e seguimento a longo prazo, são necessários para fornecer evidências mais robustas e ajudar a guiar as práticas clínicas (Bailey & Whyte, 2022).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ainda há muitas questões a serem respondidas sobre a relação entre a anestesia pediátrica e o neurodesenvolvimento das crianças. No entanto, as evidências sugerem que a exposição única à anestesia geral antes dos 3 anos de idade pode aumentar o risco de problemas de aprendizagem e comportamentais na infância. Portanto, os médicos e anestesiologistas devem considerar o risco-benefício de cada caso individual e trabalhar em conjunto para desenvolver planos anestésicos seguros e eficazes para crianças.

Uma questão importante é a escolha da anestesia. Enquanto a anestesia geral é necessária para muitos procedimentos cirúrgicos em crianças, a anestesia regional acordada pode ser uma opção segura em alguns casos, reduzindo o tempo de exposição à anestesia geral e seus potenciais riscos. Dito isso, os anestesiologistas devem monitorar e controlar cuidadosamente os níveis de anestesia durante a cirurgia para minimizar a exposição excessiva e desnecessária.

Outra questão importante é a avaliação pré-anestésica dos pacientes. A classificação do estado físico pediátrico pela Sociedade Americana de Anestesiologistas (ASA) é frequentemente usada como um indicador do risco anestésico, mas pode ser inadequada para crianças. É necessário um método de avaliação mais abrangente e preciso que leve em consideração a idade, peso, histórico médico e outras características individuais da criança.

Por fim, vale enfatizar a importância da pesquisa contínua nessa área. As evidências atuais são limitadas e mais estudos são necessários para esclarecer a relação entre a anestesia pediátrica e o neurodesenvolvimento das crianças. 

A pesquisa deve se concentrar em determinar os fatores de risco para problemas de neurodesenvolvimento, desenvolver e testar estratégias para minimizar os riscos da anestesia e melhorar o acompanhamento e monitoramento do desenvolvimento de crianças submetidas à anestesia.

Vale ainda ressaltar que a anestesia pediátrica é uma área complexa e delicada que requer atenção cuidadosa dos médicos e anestesiologistas. Embora as evidências sugiram que a exposição única a anestesia geral antes dos 3 anos de idade pode aumentar o risco de problemas de aprendizagem e comportamentais na infância, mais pesquisas são necessárias para compreender melhor a relação entre a anestesia e o neurodesenvolvimento das crianças.

É importante que os médicos e anestesiologistas considerem cuidadosamente o risco-benefício de cada caso individual e trabalhem juntos para desenvolver planos anestésicos seguros e eficazes para crianças.  As precauções e medidas preventivas que visam diminuir os riscos dos procedimentos cirúrgicos pediátricos são fundamentais e devem ser amplamente difundidas para a comunidade médica.

REFERÊNCIAS

  • BENKA, Anna Uram et al. Efeitos do bloqueio peridural caudal em pacientes cirúrgicos pediátricos: estudo randomizado. Revista Brasileira de Anestesiologia, v. 70, p. 97-103, 2020.
  • CAGNOLATI, Carlos Alberto et al. Estudo comparativo sobre sevoflurano e halotano na indução e manutenção de anestesia pediátrica ambulatorial. Brazilian Journal of Anesthesiology, v. 45, n. 4, p. 215-223, 2020.
  • DA CONCEICAO, Mario Jose et al. O Sistema de Bain: Uso em Anestesia Pediátrica. Brazilian Journal of Anesthesiology, v. 40, n. 4, p. 281-284, 2020.
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  • MÜLLER, Iohana Menegaz et al. ANESTÉSICOS USADOS EM CIRURGIAS PEDIÁTRICAS. Revista Conhecimento Online, v. 1, p. 12-23, 2017.
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  • QUINTÃO, Vinícius Caldeira. Principais artigos de anestesia pediátrica do último ano. Rev Med Minas Gerais, v. 28, n. Supl 8, p. S05-S19, 2018.
  • SILVA, Wallace Andrino et al. CONSIDERAÇÕES ANESTÉSICAS EM PACIENTES PEDIÁTRICOS COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA. JOURNAL OF SURGICAL AND CLINICAL RESEARCH, v. 12,n. 1, p. 40-56, 2021.
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