REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/pa10202412261153
Carlos Roberto Sales1; Ana Flora Cintra Metchko Santos2; Bárbara Dellani de Assis3; Manuela Limoli Capelli4; Victória Reis Costa de Figueiredo5; Bruna Perin Correia6; Ellen Kátia dos Santos Pessoa7; Ileani Bastos Leite8; Adam Garcia Pereira9; Amanda Jaqueline Gabiatti10
Resumo
Os anestésicos locais são amplamente utilizados na prática clínica devido à sua eficácia na analgesia e anestesia em procedimentos médicos e odontológicos. No entanto, seu uso pode resultar em complicações, que variam de efeitos adversos locais a reações sistêmicas graves, como a toxicidade sistêmica por anestésicos locais (LAST). Este artigo revisa as principais complicações associadas aos anestésicos locais, abordando seus mecanismos, fatores de risco e estratégias de manejo. A análise baseia-se em estudos recentes encontrados nas bases PubMed, Scopus e SciELO. Observou-se que a toxicidade sistêmica, reações alérgicas e complicações locais são as mais prevalentes. A intervenção precoce e o tratamento adequado, como a administração de emulsões lipídicas intravenosas e suporte intensivo, são fundamentais para a segurança do paciente.
Palavras-chave: anestésicos locais, complicações, toxicidade, tratamento, reações adversas.
Introdução
Os anestésicos locais são medicamentos essenciais que bloqueiam a condução nervosa, promovendo analgesia e anestesia em diversos procedimentos médicos e odontológicos. Embora sejam considerados seguros, seu uso pode causar complicações, especialmente quando há administração inadequada ou predisposição individual.
Os anestésicos locais podem ser classificados em duas grandes categorias: ésteres e amidas.
A estrutura química dos anestésicos ésteres inclui um grupo funcional –COO– ligado a uma cadeia de hidrocarbonetos e um radical amina. Esses anestésicos são menos estáveis e mais propensos a reações alérgicas devido à formação de ácidos orgânicos quando metabolizados. Exemplos de anestésicos tipo ésteres: Procaína (novocaína), Tetracaína, Benzocaína.
As amidas possuem uma estrutura que inclui um grupo amida (–CONH–). Elas são metabolizadas principalmente no fígado por enzimas hepáticas, o que pode fazer com que seu efeito dure mais tempo do que o dos ésteres. São mais estáveis e menos propensos a causar reações alégicas. São Exemplos: Lidocaína, Bupivacaína, Ropivacaína, Mepivacaína, Prilocaína.
A biotransformação dos anestésicos locais ésteres ocorre pela ação da pseudoesterase no plasma sanguíneo. Isso resulta em metabolitos inativos, como o ácido para-amino benzoico (PABA), que pode estar associado a reações alérgicas em alguns pacientes.
Os anestésicos amidas são metabolizados no fígado por enzimas hepáticas, como a CYP450, e seus metabólitos são excretados principalmente pela urina. A biotransformação das amidas é mais lenta em pacientes com insuficiência hepática, o que pode prolongar a duração dos efeitos anestésicos.
A duração da ação dos anestésicos locais varia dependendo de fatores como a concentração da droga, o tipo de anestésico, a área de administração, a presença de vasoconstritores (como a adrenalina) e as características individuais do paciente.
Anestésicos com ação curta (exemplo: Procaína) têm uma duração de 30-60 minutos. Anestésicos com ação intermediária (exemplo: Lidocaína) duram de 1 a 2 horas.
Anestésicos com ação longa (exemplo: Bupivacaína, Ropivacaína) podem durar de 3 a 8 horas, sendo mais indicados para procedimentos de maior duração.
O uso de vasoconstritores, como a adrenalina, pode prolongar a ação dos anestésicos locais, além de reduzir a absorção sistêmica e o risco de toxicidade.
Embora as reações alérgicas a anestésicos locais sejam raras, elas podem ocorrer, principalmente com anestésicos ésteres, devido à formação de PABA durante a metabolização. As reações alérgicas podem variar de leves (erupções cutâneas) a graves (anafilaxia). As reações mais comuns incluem: Erupções cutâneas (urticária, prurido), Broncoespasmo e dificuldade respiratória, Anafilaxia (raramente), que é uma reação alérgica sistêmica grave que pode ser fatal se não tratada adequadamente.
Os anestésicos amidas são menos propensos a causar reações alérgicas, já que não geram PABA. No entanto, é sempre importante considerar a história de alergias do paciente ao escolher um anestésico local.
A toxicidade dos anestésicos locais ocorre quando as concentrações desses agentes no corpo atingem níveis prejudiciais. Isso pode acontecer devido à administração excessiva, absorção sistêmica rápida ou à injeção inadvertida diretamente em vasos sanguíneos. A toxicidade pode afetar diferentes sistemas do corpo, sendo mais comum no sistema nervoso central (SNC) e no sistema cardiovascular. As manifestações de toxicidade dependem de vários fatores, como o tipo de anestésico utilizado, a dose administrada, a técnica de aplicação e as condições individuais do paciente.
Sintomas de Toxicidade dos Anestésicos Locais:
No Sistema Nervoso Central (SNC) os sinais de toxicidade compreendem desde um estado inicial de excitação tontura, zumbido nos ouvidos (tinnitus), nervosismo, e sensação de distúrbios visuais como visão turva. Quando os níveis tóxicos aumentam, pode ocorrer atividade convulsiva, com sintomas como tremores, espasmos musculares e convulsões tonico-clônicas. Se a toxicidade continuar sem tratamento, pode ocorrer uma depressão progressiva do SNC, levando ao coma e parada respiratória.
No Sistema Cardiovascular, no estágio inicial da toxicidade ocorre uma taquicardia depois uma Bradicardia. Na mesma cronologia uma hipertensão inicial seguida de Hipotensão muitas vezes associada a uma resposta adrenérgica inibida devido à ação do anestésico, arritmias, fibrilação ventricular e bloqueio cardíaco. Em casos graves, a toxicidade pode levar à parada cardíaca, especialmente em doses elevadas ou se o anestésico for administrado rapidamente em grandes volumes.
Os Sintomas Gerais de importância clínica são estes e pela ordem mais comum de surgimento: Tontura ou sensação de vertigem, zumbido no ouvido, alteração no paladar como gosto metálico na boca, nervosismo ou sensação de ansiedade, confusão mental ou dificuldade de concentração, diplopia, excitação inicial que podem incluir agitação, tremores leves ou espasmos musculares
Nos casos mais graves pode ocorrer, respiração superficial ou dificuldade respiratória, cianose, paralisia motora, parada respiratória, coma e morte.
O manejo da toxicidade de anestésicos locais envolve tanto, medidas preventivas quanto terapêuticas para neutralizar os efeitos adversos e estabilizar o paciente. Não há um antagonista farmacológico para o tratamento da toxicidade pelos anestésicos locais, devendo ser considerado principalmente as medidas preventivas e de suporte, conforme surgimento dos sintomas.
Recomenda-se usar anestésicos locais com menor risco de toxicidade (amidas como lidocaína e ropivacaína têm maior segurança em relação a ésteres como procaína), monitorar os sinais vitais, incluindo frequência cardíaca, pressão arterial e respiração, durante a administração do anestésico. A adição de vasoconstritores (como adrenalina) pode ajudar a reduzir a absorção sistêmica do anestésico e prolongar sua duração de ação no local da aplicação, minimizando o risco de toxicidade.
O manejo clínico envolve: suspensão imediata da administração do anestésico: Ao detectar os primeiros sinais de toxicidade, o anestésico local deve ser interrompido imediatamente, Oxigenação especialmente se houver sinais de dificuldades respiratórias. O uso de ventilação assistida ou intubação pode ser necessário em casos de depressão respiratória grave.
Para o manejo das convulsões, a administração de benzodiazepínicos (diazepam ou lorazepam) pode ser indicada. Em alguns casos, pode ser necessário o uso de barbitúricos ou propofol. Se houver hipotensão ou bradicardia, podem ser utilizados vasopressores (como norepinefrina) e antagonistas beta-adrenérgicos para controlar arritmias.
O uso de antiarrítmicos pode ser necessário para o tratamento de arritmias cardíacas induzidas pela toxicidade do anestésico. Caso ocorra parada cardíaca, deve ser iniciado imediatamente o suporte avançado de vida, incluindo ressuscitação cardiopulmonar (RCP) e, se necessário, a utilização de desfibrilação.
Um tratamento emergente para a toxicidade grave por anestésicos locais, especialmente no caso de bupivacaína ou ropivacaína, é a administração de emulsão lipídica intravenosa (lipid rescue). Este tratamento ajuda a “capturar” os anestésicos locais, facilitando sua eliminação e reduzindo sua toxicidade.
A emulsão lipídica age como um “recipiente” para a droga lipofílica, permitindo que ela seja removida do sistema circulatório, reduzindo os efeitos adversos.
A toxicidade dos anestésicos locais, embora rara, é uma emergência médica que requer diagnóstico rápido e manejo adequado. O reconhecimento precoce dos sintomas no sistema nervoso central e cardiovascular é crucial para iniciar o tratamento de forma eficaz. A prevenção da toxicidade envolve práticas cuidadosas de administração e monitoramento. Quando a toxicidade ocorre, as intervenções incluem medidas como a interrupção do anestésico, suporte respiratório e cardiovascular, e, em casos mais graves, o uso de emulsão lipídica intravenosa e medicamentos para controle de convulsões e arritmias.
Este artigo tem como objetivo revisar sistematicamente a literatura sobre as principais complicações dos anestésicos locais e os tratamentos recomendados, visando contribuir para a prática clínica segura.
Metodologia
Estratégia de Busca: Foi realizada uma busca nas bases de dados PubMed, Scopus e SciELO, utilizando os termos: “local anesthetics complications”, “adverse effects”, “toxicity”, e “management”.
Critérios de Inclusão: Estudos publicados nos últimos 10 anos, em inglês ou português, que abordassem complicações de anestésicos locais e estratégias de tratamento.
Critérios de Exclusão: Estudos que não apresentassem informações detalhadas sobre o manejo das complicações ou revisões não sistemáticas.
Análise dos Dados: Foram incluídos artigos revisados por pares, com dados extraídos e analisados em categorias: complicações locais, sistêmicas e estratégias terapêuticas.
Resultados
Foram encontradas diversas complicações associadas ao uso de anestésicos locais, com ênfase em reações adversas graves, como toxicidade sistêmica e alergias. As complicações locais incluem lesões nos nervos, infecção no local da injeção, e reação inflamatória. Já as complicações sistêmicas englobam efeitos como convulsões, arritmias cardíacas e parada respiratória, geralmente decorrentes da toxicidade dos anestésicos locais. A maioria dos artigos analisados sugeriu que o monitoramento adequado e a escolha do agente anestésico são cruciais para minimizar esses riscos.
As principais complicações descritas em termos de maior incidência foram:
Complicações locais como: dor e edema relacionados à técnica de aplicação ou irritação local, Hematomas pela ocorrência de trauma de punção, infecções associadas à assepsia inadequada, são as mais prevalentes. Esse tipo de complicação é mais comuns do que as reações sistêmicas ou alérgicas, e ocorrem em cerca de 1% a 5% dos pacientes que recebem anestésicos locais
As complicações como: Toxicidade Sistêmica por Anestésicos Locais (LAST), caracterizada por sintomas como tontura, gosto metálico na boca, depressão motora e respiratória, convulsões, arritmias e parada cardíaca, foram relatadas num percentual de 0,1% a 0,5% dos pacientes que recebem anestésicos locais
As Reações alérgicas flutuam desde uma urticária, angioedema, broncoespasmo até uma reação de anafilaxia. Foram relatadas neste estudo uma baixa frequência e ocorrência, sendo raras e variando entre 0,1 % a 2% dos casos dos pacientes que recebem anestésicos locais, e sendo mais comum nos anestésicos tipo ésteres.
Em relação ao tratamento empregado no manejo clínico das complicações por anestésicos locais verificou-se nas complicações locais o uso de compressas frias ou quentes, anti-inflamatórios e antibioticoterapia. Nos casos de Toxicidade Sistêmica (LAST), não há reversores medicamentosos, ou antagonistas, e frequentemente vem sendo utilizado a administração imediata de emulsões lipídicas intravenosas, a fim de absorver e reduzir as concentrações de anestésicos. Além disso manter tratamento de suporte, principalmente ventilatório e cardiovascular intensivo.
Nas reações alérgicas a administração de adrenalina, anti-histamínicos e corticoides é recomendada além de eventuais medidas de suporte.
Discussão
Os achados confirmam que as complicações locais são geralmente autolimitadas, enquanto as complicações sistêmicas requerem intervenção imediata. LAST, embora rara, é uma condição grave, e o uso de emulsões lipídicas IV tem demonstrado um uso crescente com boa eficácia.
Reações alérgicas, embora raras, requerem preparação para manejo emergencial, especialmente em ambientes odontológicos e cirúrgicos. Estratégias preventivas, como avaliação prévia do paciente e monitoramento rigoroso durante os procedimentos, são essenciais para reduzir os riscos.
Conclusão
Os anestésicos locais são ferramentas indispensáveis na medicina moderna, mas seu uso pode acarretar complicações significativas. A toxicidade sistêmica e as reações alérgicas destacam-se como as mais graves, exigindo diagnóstico rápido e tratamento imediato. A capacitação dos profissionais de saúde para identificar e manejar essas complicações é fundamental para garantir a segurança e o bem-estar dos pacientes. Porém diante do baixo percentual de ocorrências de complicações dos anestésicos locais, apresentações disponíveis, propriedades químicas, escolha correta de acordo com procedimentos, uso e manejo adequado pelo profissional, disponibilidade de medidas de suporte em emergências, considera-se seguro o uso dos anestésicos locais com baixo índice de complicações.
Referências
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1Graduando em Medicina pela Uninassau/Vilhena/RO
2Graduando em Medicina pela Uninassau/Vilhena/RO
3Graduando em Medicina pela Uninassau/Vilhena/RO
4Graduando em Medicina pela Uninassau/Vilhena/RO
5Graduando em Medicina pela Uninassau/Vilhena/RO
6Graduando em Medicina pela Uninassau/Vilhena/RO
7Graduando em Medicina pela Uninassau/Vilhena/RO
8Graduando em Medicina pela Uninassau/Vilhena/RO
9Graduando em Medicina pela UNEMAT/Cáceres/MT
10Graduando em Medicina pela Uninassau/Vilhena/RO