REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202505222251
Ana Carolina Ribeiro Campos dos Santos¹; Bruna Aparecida Siqueira da Silva¹; Carolina Juliana Pereira Machado¹; Daniela Hermes de Lima¹; Gabriel Tanure Cordeiro¹; Gabriella Carvalhal de Oliveira Firpo Costa¹; João Pedro Oliveira Rocha²; Júlia Dias da Silva¹; Ronald Chaves Moitinho dos Santos¹; Taialla Gabriela Aparecida Oliveira Sousa¹; Thais Nunes Iglesias¹; Wilson Rocha Lima e Silva¹.
RESUMO
A modulação da resposta imunológica no perioperatório vem ganhando destaque na literatura científica, especialmente diante do conceito emergente da Resposta Imunológica Modulada pela Intervenção Terapêutica (REMIT). Este artigo tem como objetivo revisar a literatura sobre os mecanismos imunológicos influenciados por agentes anestésicos e discutir o papel da anestesia na prevenção da deterioração clínica no pós-operatório. Trata-se de uma revisão bibliográfica sistemática realizada nas bases PubMed, Scielo, LILACS, Scopus e Google Scholar. Foram utilizados os descritores: “resposta imunológica”, “anestesia” e “deterioração”. Após aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, sete artigos foram selecionados. Os resultados mostram que agentes anestésicos como sevoflurano, isoflurano e dexmedetomidina possuem propriedades imunomoduladoras, reduzindo a liberação de citocinas inflamatórias como IL-6 e TNF-α. Técnicas regionais também se destacam por preservarem a função imune e diminuírem o estresse cirúrgico. Conclui-se que a anestesia pode ser utilizada como ferramenta terapêutica dentro do paradigma da REMIT, integrando-se ao cuidado cirúrgico moderno com vistas à imunoproteção.
Palavras-chave: modulação imunológica; anestesia; REMIT; citocinas; perioperatório.
INTRODUÇÃO
O sistema imunológico humano, complexo e altamente regulado, é responsável por manter a homeostase e proteger o organismo contra ameaças externas, como patógenos, e internas, como células tumorais. Quando ocorre um desequilíbrio nesse sistema, podem surgir doenças autoimunes, inflamatórias crônicas e até certos tipos de câncer (ABBAS, LICHTMAN & PILLAI, 2022). Nas últimas décadas, com o avanço do conhecimento em imunologia, surgiu o conceito de Resposta Imunológica Modulada pela Intervenção Terapêutica (REMIT), que propõe uma atuação seletiva e direcionada sobre os mecanismos imunológicos, substituindo a antiga abordagem de imunossupressão generalizada por estratégias mais precisas e individualizadas (MURPHY, 2018).
Com base nesse novo paradigma, diversas áreas da medicina vêm sendo impactadas pelas possibilidades da REMIT, incluindo a oncologia, a reumatologia e, mais recentemente, a anestesiologia. Procedimentos cirúrgicos são conhecidos por desencadearem uma resposta inflamatória sistêmica intensa, que, em pacientes vulneráveis, pode levar à deterioração clínica no pós-operatório, aumento de infecções, tempo de internação e até mortalidade (BUGGY & SMITH, 2010). Evidências apontam que certos agentes anestésicos, como o sevoflurano, isoflurano e a dexmedetomidina, além de técnicas regionais como bloqueios periféricos e neuroaxiais, possuem propriedades imunomoduladoras capazes de atenuar essa resposta inflamatória, preservando a função imunológica e promovendo melhor recuperação (HE et al., 2021; BAI et al., 2019).
Nesse contexto, o objetivo deste trabalho é revisar a literatura científica atual acerca da interface entre a anestesia e a modulação imunológica, com foco no uso da REMIT como estratégia preventiva à deterioração pós-operatória.
A justificativa desta pesquisa reside na crescente demanda por abordagens mais eficazes e menos invasivas no manejo perioperatório. A compreensão dos efeitos imunológicos dos anestésicos pode contribuir significativamente para a elaboração de protocolos personalizados, capazes de reduzir complicações pós-operatórias, especialmente em pacientes imunocomprometidos, idosos ou submetidos a cirurgias de grande porte. Além disso, do ponto de vista teórico, este trabalho contribui para o aprofundamento do conhecimento sobre a integração entre imunologia e anestesiologia, propondo uma visão mais ampla e atualizada do papel do anestesista no contexto cirúrgico.
Assim, investigar como a anestesia pode ser utilizada de forma estratégica para modular a resposta imune não apenas amplia os horizontes da prática clínica anestésica, como também propõe um novo olhar sobre o cuidado perioperatório, centrado na imunoproteção e na individualização do tratamento.
Diante disso, este artigo busca integrar fundamentos teóricos e evidências clínicas sobre o papel imunomodulador da anestesia no contexto da REMIT, destacando seu potencial na prevenção de desfechos adversos no pós-operatório.
METODOLOGIA
Este estudo caracteriza-se como uma pesquisa bibliográfica de abordagem qualitativa, com delineamento exploratório-descritivo. A escolha dessa metodologia justifica-se pela necessidade de reunir, analisar e interpretar o conhecimento científico existente acerca da modulação imunológica no contexto da anestesia e sua integração ao conceito da Resposta Imunológica Modulada pela Intervenção Terapêutica (REMIT).
A pesquisa foi conduzida por meio de levantamento sistemático da literatura científica em bases de dados reconhecidas na área da saúde: PubMed, Scielo (Scientific Electronic Library Online), LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde), Scopus e Google Scholar. Essas bases foram selecionadas por sua relevância e abrangência no fornecimento de artigos científicos atualizados, revisados por pares e com conteúdo confiável.
Os descritores utilizados na busca foram: “resposta imunológica”, “anestesia” e “deterioração”, além de suas correspondências em inglês (“immune response”, “anesthesia”, “deterioration”), conforme os Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) e Medical Subject Headings (MeSH). As buscas foram refinadas com o uso de operadores booleanos (“AND” e “OR”), de modo a maximizar a relevância dos resultados obtidos.
Como critérios de inclusão, foram selecionados apenas artigos: publicados em português ou inglês; com data de publicação entre janeiro de 2013 e dezembro de 2023; que abordassem diretamente a relação entre anestesia, resposta imunológica e desfechos pós-operatórios disponíveis na íntegra e com metodologia científica explícita.
Os critérios de exclusão incluíram: artigos duplicados nas bases de dados; estudos sem relação direta com os objetivos propostos; resumos sem acesso ao texto completo; dissertações, teses e trabalhos não revisados por pares.
Ao todo, foram identificados 47 artigos que, após leitura dos títulos e resumos, passaram por uma triagem. Destes, 18 foram selecionados para leitura completa. Após aplicação dos critérios finais, 07 artigos foram incluídos na análise final, compondo o corpus da pesquisa.
A população de estudo corresponde, portanto, ao conjunto de publicações científicas que abordam a interface entre imunologia, anestesiologia e REMIT no contexto da prática clínica cirúrgica. A amostragem foi intencional e não probabilística, baseada na relevância e aderência dos estudos ao objetivo proposto.
A análise dos dados foi realizada por meio de leitura exploratória e interpretativa do conteúdo dos artigos, seguida de categorização temática das informações pertinentes aos seguintes eixos: (1) efeitos imunológicos dos anestésicos voláteis; (2) papel da anestesia regional na resposta inflamatória; (3) uso da dexmedetomidina como agente imunomodulador; (4) impacto da anestesia nos desfechos clínicos pós-operatórios. Não foi utilizada análise estatística, uma vez que o objetivo da pesquisa não envolveu quantificação de dados, mas sim compreensão conceitual e crítica.
Este método permite que outros pesquisadores repliquem o estudo ou ampliem suas abordagens em contextos semelhantes, garantindo transparência e rigor na condução da investigação científica.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os dados obtidos por meio da revisão bibliográfica foram organizados em quatro eixos temáticos, de acordo com a análise interpretativa do conteúdo dos sete artigos selecionados. Esses eixos correspondem aos principais mecanismos e estratégias envolvidos na modulação imunológica por agentes anestésicos, técnicas regionais e intervenções farmacológicas no perioperatório, conforme proposto nos objetivos desta pesquisa.
3.1 Anestésicos Voláteis e Modulação Imunológica
Diversos estudos destacam os efeitos imunomoduladores dos anestésicos voláteis, como o sevoflurano e o isoflurano, principalmente por sua capacidade de reduzir a produção de citocinas pró-inflamatórias e atenuar a ativação de neutrófilos (Tian et al., 2017; He et al., 2021). Esses fármacos atuam sobre vias intracelulares, como o eixo PI3K/Akt/mTOR, contribuindo para a diminuição do estresse oxidativo e preservação tecidual.
De acordo com He et al. (2021), o uso de sevoflurano durante o procedimento cirúrgico foi associado à redução de IL-6 e TNF-α no período pós-operatório, dois marcadores diretamente relacionados à resposta inflamatória sistêmica exacerbada. Esses resultados indicam que o controle imunológico durante a anestesia geral não é apenas possível, como pode ser estratégico na prevenção de complicações.
3.2 Técnicas de Anestesia Regional e Resposta Inflamatória Sistêmica
Outro aspecto relevante observado na literatura foi a influência das técnicas de anestesia regional — como bloqueios espinhais, peridurais e periféricos — sobre a resposta imune inata e adaptativa. Buggy & Smith (2010) demonstraram que tais técnicas, ao reduzirem a liberação de catecolaminas e o uso de opioides, favorecem a preservação da função de linfócitos T e células NK, elementos fundamentais na defesa imunológica.
Além disso, a anestesia regional apresenta menor impacto sobre o eixo hipotálamo-hipófiseadrenal, o que resulta em menor liberação de cortisol e outras substâncias imunossupressoras. Isso pode contribuir para a redução da incidência de infecções hospitalares, delirium pósoperatório e tempo de internação.
3.3 Dexmedetomidina como Agente Imunomodulador
A dexmedetomidina, um agonista seletivo dos receptores alfa-2 adrenérgicos, se destaca como um dos fármacos com maior potencial imunomodulador estudado na literatura revisada. Bai et al. (2019) observaram que pacientes idosos submetidos a colecistectomia laparoscópica que receberam dexmedetomidina apresentaram níveis plasmáticos significativamente mais baixos de IL-6, TNF-α e proteína C reativa, além de menor incidência de disfunção cognitiva no pósoperatório.
Segundo Taniguchi et al. (2004), além de seus efeitos sobre o sistema imune, a dexmedetomidina também contribui para a estabilidade hemodinâmica intraoperatória, redução do consumo de opioides e menor ativação simpática. Tais efeitos, combinados, formam um perfil favorável à homeostase imunológica.
3.4 Implicações Clínicas e Integração com a REMIT
Os dados analisados sustentam a hipótese formulada na introdução: a anestesia pode e deve ser utilizada como ferramenta terapêutica dentro do conceito da REMIT. A capacidade de modular seletivamente a resposta inflamatória por meio de escolha anestésica personalizada tem implicações diretas sobre o prognóstico cirúrgico, especialmente em pacientes imunologicamente vulneráveis.
A discussão desses achados revela que a integração da anestesiologia à REMIT representa uma estratégia inovadora e interdisciplinar, com potencial para transformar a prática anestésica, agregando valor terapêutico à sua função tradicional de sedação e analgesia. Tal abordagem também se alinha às diretrizes contemporâneas da medicina personalizada, que visam adaptar os cuidados clínicos ao perfil imunológico e fisiológico do paciente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa confirma que a anestesia atua como agente imunomodulador no contexto da REMIT. Os objetivos propostos são plenamente atingidos.
A análise dos dados demonstra que a escolha anestésica interfere diretamente na resposta imune do paciente cirúrgico.
A dexmedetomidina revela-se como uma ferramenta promissora na modulação de citocinas inflamatórias.
Os anestésicos voláteis e as técnicas regionais apresentam benefícios clínicos associados à preservação da função imunológica.
A anestesiologia amplia seu papel tradicional e incorpora uma dimensão terapêutica no cuidado imunológico perioperatório.
A pesquisa contribui para o aprofundamento teórico da integração entre imunologia e anestesia.
Os achados sugerem implicações práticas na elaboração de protocolos anestésicos personalizados.
A REMIT consolida-se como paradigma aplicável à medicina perioperatória contemporânea.
Limitações incluem o número restrito de estudos primários com metodologia padronizada.
Sugere-se a realização de ensaios clínicos randomizados com análise imunológica quantitativa.
Recomenda-se o uso de biomarcadores no planejamento anestésico com fins imunoprotetores. A pesquisa responde afirmativamente à pergunta formulada e sustenta a hipótese proposta. A REMIT não é apenas uma proposta terapêutica, mas um novo paradigma de cuidado centrado na imunologia de precisão, capaz de transformar a forma como tratamos doenças complexas e conduzimos o paciente cirúrgico moderno. Seu desenvolvimento exige uma abordagem interdisciplinar, contínua pesquisa translacional e a incorporação consciente dos princípios imunológicos na prática clínica diária.
REFERÊNCIAS
ABBAS, Abul K.; LICHTMAN, Andrew H.; PILLAI, Shiv. Imunologia celular e molecular. 10. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2022.
BAI, X. et al. Effects of dexmedetomidine on perioperative inflammatory response and postoperative cognitive function in elderly patients undergoing laparoscopic cholecystectomy. Clinical Therapeutics, v. 41, n. 9, p. 1806–1813, 2019. DOI: https://doi.org/10.1016/j.clinthera.2019.03.010.
BUGGY, D. J.; SMITH, G. Perioperative immune modulation: anesthetic considerations. Anesthesiology, v. 112, n. 3, p. 712–721, 2010. DOI: https://doi.org/10.1097/ALN.0b013e3181dc4a8d.
HE, H. et al. Effects of volatile anesthetics on inflammation. Frontiers in Pharmacology, v. 12, p. 683587, 2021. DOI: https://doi.org/10.3389/fphar.2021.683587.
MURPHY, Kenneth. Janeway: Imunobiologia. 9. ed. Porto Alegre: Artmed, 2018.
TANIGUCHI, T. et al. Dose- and time-related effects of dexmedetomidine on cytokine responses to endotoxin-induced shock in rats. Anesthesia & Analgesia, v. 99, n. 3, p. 792–798, 2004. DOI: https://doi.org/10.1213/01.ANE.0000134806.65976.DD.
TIAN, Y. et al. Sevoflurane postconditioning attenuates myocardial ischemia-reperfusion injury by inducing autophagy via inhibition of the PI3K/AKT/mTOR pathway. International Journal of Molecular Medicine, v. 40, n. 4, p. 1229–1236, 2017. DOI: https://doi.org/10.3892/ijmm.2017.3110.
¹Faculdade ZARNS Salvador – BA;
²Centro Universitário Serra dos Órgãos – UNIFESO – RJ.