ANEMIA HEMOLÍTICA IMUNOMEDIADA DESENCADEADA POR MICOPLASMOSE EM GATO: RELATO DE CASO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10009484


João Victor Da Palma Galdino
Jennifer Caroline Barlati
Geovanna Santos Bezerra
Carolline Cardoso
Gabriela Pereira Dos Santos
Denise de Fátima Rodrigues


RESUMO

O presente trabalho apresenta informações abrangentes sobre a anemia hemolítica imunomediada e a micoplasmose hemotrópica em gatos. A AHIM é caracterizada por uma diminuição de eritrócitos devido à ação do sistema imunológico que produz anticorpos que destroem essas células. A micoplasmose é causada pelo Mycoplasma haemofelis e afeta os glóbulos vermelhos dos felinos. O diagnóstico envolve sintomas como anemia, além de testes moleculares como PRC para confirmar a micoplasmose. Na AHIM, os sintomas incluem icterícia, fraqueza e anorexia, com achados no hemograma como redução dos índices hematológicos e características especificas no esfregaço sanguíneo. O tratamento da AHIM secundaria visa eliminar a causa subjacente, como a administração de doxiciclina no caso de micoplasmose. Os glicocorticosteroides são usados para reduzir a hemólise, mas apresentam desvantagens. A terapia pode incluir transfusões sanguíneas e suplementos vitamínicos para apoiar o paciente. Essas condições requerem diagnósticos preciso e tratamento multidisciplinar para otimizar a recuperação. No presente relato disserta sobre o caso clinico de um felino com anemia hemolítica imunomediada desencadeada por micoplasmose. Após tratamento inicial com doxiciclina, prednisolona, eritromicina e mirtazapina, a infecção foi controlada, mas a anemia persistiu. Uma transfusão sanguínea foi realizada. Posteriormente, um novo hemograma revelou anemia hemolítica imunomediada (AHIM). O tratamento envolveu prednisolona, doxiciclina, folato, omeprazol e eritropoetina. Após o tratamento, os valores sanguíneos melhoraram, mas o desmame da prednisolona causou uma diminuição temporária nos índices sanguíneos, levando à administração intermitente do corticoide para evitar efeitos colaterais. Até a última consulta, houve melhora significativa nos índices hematimétricos.

Palavras-chave: anemia hemolítica imunomediada, micoplasmose, felinos, diagnóstico, hematologia.

ABSTRACT

The present study provides comprehensive information on immune-mediated hemolytic anemia (IMHA) and hemotropic mycoplasmosis in cats. IMHA is characterized by a decrease in red blood cells due to the immune system producing antibodies that destroy these cells. Hemotropic mycoplasmosis is caused by Mycoplasma haemofelis and affects the red blood cells of felines. Diagnosis involves symptoms such as anemia, along with molecular tests like PCR to confirm mycoplasmosis. In IMHA, symptoms include jaundice, weakness, and anorexia, with findings in the blood count showing reduced hematological indices and specific characteristics in the blood smear. Secondary IMHA treatment aims to eliminate the underlying cause, such as administering doxycycline in the case of mycoplasmosis. Glucocorticosteroids are used to reduce hemolysis but have disadvantages. Therapy may include blood transfusions and vitamin supplements to support the patient. These conditions require accurate diagnosis and multidisciplinary treatment to optimize recovery. In this report, a clinical case of a feline with immune-mediated hemolytic anemia triggered by mycoplasmosis is discussed. After initial treatment with doxycycline, prednisolone, erythromycin, and mirtazapine, the infection was controlled, but anemia persisted. A blood transfusion was performed. Subsequently, a new blood count revealed immune-mediated hemolytic anemia (IMHA). Treatment involved prednisolone, doxycycline, folate, omeprazole, and erythropoietin. After treatment, blood values improved, but tapering prednisolone caused a temporary decrease in blood indices, leading to intermittent corticosteroid administration to avoid side effects. By the last check-up, there was a significant improvement in hematimetric indices.

Keywords: immune-mediated hemolytic anemia, mycoplasmosis, felines, diagnosis, hematology.

1 INTRODUÇÃO

A anemia hemolítica imunomediada (AHIM) é uma condição sanguínea que causa a diminuição de eritrócitos através do sistema imunológico, que é responsável de produzir uma alta quantidade de anticorpos resultando a destruição de eritrócitos. A anemia hemolítica imunomediada pode ser considerada como primaria (idiopática) ou secundaria, quando é desencadeada por outros problemas clínicos. Na maioria dos casos, em cães e gatos, a sua categoria é primaria, ou seja, sua causa da AHIM não é encontrada através de exames e avaliações clinicas. Enquanto isso, a secundaria pode ser desencadeada por processos infecciosos e é possível identificar a origem através de exames laboratoriais e a sintomatologia. (JERICÓ, NETO e KOGIKA, 2017, LOURENÇO et al., 2021)

A micoplasmose hemotrópica, também chamada de anemia infecciosa em gatos, surge devido a um micro-organismo chamado Mycoplasma haemofelis, que anteriormente era denominado Haemobartonella felis. O micoplasma é um parasita minúsculo que penetra nas células sanguíneas vermelhas, provocando sua deterioração. Não é sempre que o gato desenvolve a condição e, em tais situações, o felino se torna portador assintomático. A anemia hemolítica secundaria pode ser desencadeada por infecções bacterianas como a do Mycoplasma haemofelis, uma bactéria patogênica, a qual possui um efeito considerável na saúde dos felinos. A AHIM pode ser desencadeada pela micoplasmose devido a resposta imunológica que ocorre após a infecção desse patógeno hemotrófico, causando a destruição dos eritrócitos. (BARKER, 2019; JERICÓ, NETO e KOGIKA, 2017)

O diagnóstico para micoplasmose se inicia na sintomatologia que pode variar de acordo com o estágio da infecção do animal. Os principais sintomas consistem em anorexia, apatia, mucosas hipocoradas, desidratação e hipertermia. No hemograma encontra-se os valores de eritrócitos, hemoglobina e hematócrito diminuídos, caracterizando a anemia. No esfregaço sanguíneo podem ser detectadas hemácias policromáticas, corpúsculos de HowellJolly e metarrubrícitos, indicando anemia regenerativa. Após isso para confirmação do diagnóstico podem ser solicitados testes moleculares, como a Reação em Cadeia da Polimerase (PCR). O PCR consiste na detecção genética do hemoparasita causador do micoplasma através da amostra de sangue total em EDTA. (JERICÓ, NETO e KOGIKA, 2017; GARDEN et al., 2019).

Enquanto isso, as manifestações clínicas da anemia hemolítica imunomediada consistem em icterícia, apatia, anorexia, fraqueza, febre e letargia. O hemograma de pacientes com AHIM geralmente apresenta redução dos eritrócitos, hemoglobina e hematócrito. Portanto, é necessária a confirmação dos parâmetros através da análise microscópica da extensão sanguínea. No esfregaço sanguíneo, pode ser observada a presença de anisocitose, policromasia, corpúsculos de Howell-Jolly, autoaglutinação e células fantasmas. Os achados laboratoriais identificados no esfregaço sanguíneos auxiliam de forma crucial no diagnóstico da anemia hemolítica imunomediada, possibilitando o início de abordagens terapêuticas. (MACNEILL et al., 2019; LOURENÇO et al., 2021)

O tratamento da AHIM secundaria consiste na eliminação da causa raiz para promover a recuperação do paciente. No caso da AHIM desencadeada por micoplasmose, é inicialmente necessária a administração de doxiciclina. Além disso, a abordagem terapêutica envolve a administração de glicocorticosteroides, que reduzem a produção de anticorpos e consequentemente diminui a hemólise dos eritrócitos. Algumas desvantagens associadas aos glicocortisteroides incluem a susceptibilidade do paciente a infecções, risco de ocorrência de eventos tromboembólicos, aumento da frequência urinaria e sede excessiva. A combinação com outras medicações resulta em níveis mais elevados de supressão imunológica, permitindo um controle inicial mais ágil da doença e uma diminuição gradual da dosagem de glicocorticosteroides. A realização da transfusão sanguínea e a administração de suplementos vitamínicos podem ser consideradas opções benéficas para fornecer suporte terapêutico ao paciente. (MACNEILL et al., 2019; JERICÓ, NETO e KOGIKA, 2017; LOURENÇO et al., 2021)

Portanto, o objetivo do presente estudo é apresentar e relatar o caso de uma paciente que foi diagnosticada com anemia hemolítica imunomediada desencadeada por Mycoplasma spp.

2 RELATO DE CASO

Uma felina SRD, de 4 anos e 11 meses de idade, castrada, pesando 3,9kg, deu entrada no Bertani Hospital Veterinário em março de 2022. A queixa principal do tutor era que o animal estava com emagrecimento progressivo, anorexia e sem episódios de vômito. Após a sintomatologia e analise física do animal, foi solicitado hemograma completo e um ultrassom. O animal foi transferido para o setor de preparo para a realização da coleta de sangue através da veia jugular. O sangue foi coletado em um tubo com anticoagulante do tipo EDTA para que a morfologia das células fosse preservada na realização do hemograma. O hemograma foi realizado no aparelho MAX CEL 500D VET, onde foi observada os seguintes parâmetros 

TABELA 1. Hemograma do primeiro atendimento. 

IMAGEM 1. Estruturas sugestivas de Mycoplasma spp.

Após analise clínica do resultado do hemograma, foi receitado doxiciclina 80mg SID durante 21 dias, pednisolona 5mg BID durante 4 dias, eritrós cat 1 grama SID durante 20 dias, mirtazapina 2mg a cada 48 horas até completar 3 doses. Após o proprietário administrar as medicações receitadas, o animal foi trazido para o retorno e não apresentou melhora significativa nos índices hematimétricos mesmo com administração da doxiciclina. Apesar disso, não foi mais observada a presença de Mycoplasma ssp no esfregaço sanguíneo, indicando que a infecção foi controlada. Entretanto, os hemogramas controle ainda demonstravam a presença de anemia, o que resultou na solicitação de transfusão sanguínea. 

Depois de alguns dias da realização da transfusão sanguínea, foi solicitado uma nova coleta de sangue para a realização de hemograma com confirmação em esfregaço sanguíneo para observar se houve melhora na série vermelha do animal. O hemograma realizado apresentou a serie vermelha ainda em níveis baixos com a presença de raras macroplaquetas, corpúsculos Howell-Jolly e com a identificação de células fantasmas. Esses achados foram indicativos de uma condição de anemia hemolítica imunomediada, especificamente devido a presença de células fantasmas. Além disso foi observado na série branca a presença de linfócitos reativos. Essa observação também é relevante para o contexto diagnóstico devido a funcionalidade linfocítica em relação com a produção de imunoglobulinas que são as responsáveis por causar a destruição dos eritrócitos. (NIVY et al., 2022)

TABELA 2. Hemograma após transfusão sanguínea.   

IMAGEM 2. Presença de células fantasmas no esfregaço sanguíneo.

Diante da suspeita de AHIM devido aos resultados observados no hemograma, iniciou-se o tratamento com prednisolona 2 a 4 mg/kg, pois a entrada com corticoide é crucial para inibir a hemólise eritrocitária. Além disso, foram prescritos doxiciclina 80mg, foli b, omeprazol 10mg e para administração injetável, eritropoetina 4000UI. 

TABELA 3. Hemograma após tratamento da AHIM.   

Após o tratamento, foi efetuado um processo de desmame da prednisolona, iniciando com a administração de um comprimido por dia durante os primeiros 5 dias. A partir do quinto dia, a dose foi reduzida para três quartos do comprimido diariamente, mantendo essa dosagem por mais 5 dias. Posteriormente, a dose foi novamente reduzida para meio comprimido ao dia durante mais 5 dias, culminando com um último estágio de desmame com um quarto do comprimido diariamente, administrado ao longo de 2 dias. Durante esse processo de desmame, um hemograma foi realizado, revelando uma diminuição nos índices da série vermelha, que levou à necessidade de manter a administração intermitente do corticoide, visando minimizar os potenciais efeitos colaterais. Até o momento em que o animal estava em atendimento e sobre a administração continua de prednisolona os exames apresentaram uma melhora significativa nos índices hematimétrico.

3 DISCUSSÃO 

De acordo com o estudo de Goggs, R. (2020), a anemia hemolítica imunomediada secundaria pode causar a diminuição de eritrócitos através do sistema imunológico. Enquanto isso, a micoplasmose pode desencadear a AHIM secundária devido a produção de uma alta quantidade de anticorpos que resulta na destruição dos eritrócitos. Portanto, de acordo com JERICÓ, NETO e KOGIKA, (2017), os sinais clínicos observados consistem em anorexia, apatia, mucosas hipocoradas, desidratação e hipertermia. Da mesma forma, no presente relato do caso, a paciente apresentou emagrecimento progressivo, anorexia e mucosas hipocoradas.

De acordo com JERICÓ, NETO e KOGIKA, (2017), a micoplasmose pode ser identificada através das estruturas no esfregaço sanguíneo e pode ser confirmada através do exame de PCR. Segundo GARDEN et al. (2019) não existe um padrão ouro para o diagnóstico da AHIM. Apesar disso, a solicitação do hemograma com esfregaço sanguíneo é crucial para o diagnóstico da doença, pois esses exames permitem a identificação da anemia e de estruturas como células fantasmas, corpúsculos de Howell-Jolly, policromasia e metarrubrícitos, indicando anemia regenerativa e sugerindo AHIM. Como evidenciado pelos estudos, no presente relato do caso houve a identificação de Mycoplasma spp , células fantasmas , anisocitose, policromasia e corpúsculos de Howell – Jolly, através do esfregaço sanguíneo.

De acordo com GOGGS (2020), o tratamento da AHIM depende de drogas imunossupressora como os glicocorticoides. Portanto, de acordo com Tasker, S. (2020), a micoplasmose depende do uso de antibiótico especifico como a doxiciclina. Embora, no relato do caso, o tratamento utilizado para combater a AHIM e a micoplasmose, foi utilizado a doxiciclina e prednisolona visando minimizar os potenciais efeitos colaterais.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Observou-se que o hemograma em conjunto com o esfregaço sanguíneo foi crucial para a prescrição do tratamento e consequentemente para a melhora do quadro clínico do paciente. Após o tratamento, houve uma melhora nos valores sanguíneos, mas o desmame da prednisolona causou uma diminuição temporária dos índices hematimétricos, levando à administração intermitente do corticoide para amenizar os efeitos colaterais. No geral, o acompanhamento revelou uma melhora significativa nos resultados do hemograma do paciente. Apesar disso, o desmame da prednisolona causou uma diminuição temporária nos índices sanguíneos. Portanto, o animal apresentou reicidiva no quadro, levando à administração intermitente do corticoide para inibir efeitos colaterais. 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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MacNeill, A. L., Dandrieux, J., Lubas, G., Seelig, D., & Szladovits, B. The utility of diagnostic tests for immune‐mediated hemolytic anemia. Veterinary and Comparative Clinical Immunology Society Diagnostic Task Force. Veterinary Clinical Pathology, 48, 716, 2019. Doi: 10.1111/vcp.12771

NIVY, R., LAVI‐GINZBERG, Y., DE SOUSA, K. C. M., GOLANI, Y., KUZI, S., NACHUM‐BIALA, Y., & HARRUS, S. Treatment of a cat with presumed Bartonella henselae‐associated immune‐mediated hemolytic anemia, fever, and lymphadenitis. Journal of Veterinary Internal Medicine, 36(3), 1106-1112, 2022. Doi:10.1111/jvim.16415

Tasker, S. Hemotropic mycoplasma. Clinical Small Animal Internal Medicine, 927-930, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1002/9781119501237.ch97. Acesso em: 12 set. 2023.


Trabalho De Conclusão De Curso – Bacharel Em Medicina Veterinária – Centro Universitário Nossa Senhora Do Patrocínio, Ceunsp, SaltoSp