ANEMIA FALCIFORME: ETIOLOGIA, DIAGNÓSTICO E ABORDAGENS TERAPÊUTICAS

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cs10202409051640


Ricardo Melo Brandão1
David Joseph Ferreira Tenorio de Almeida2


Resumo:

A anemia falciforme é uma hemoglobinopatia hereditária caracterizada pela presença de hemoglobina S (HbS), que leva à distorção dos eritrócitos em formato de foice sob condições de baixa oxigenação. Esta condição resulta em episódios recorrentes de dor, complicações vasoclusivas e danos orgânicos crônicos. Este artigo revisa a etiologia, o diagnóstico e as abordagens terapêuticas atuais para a anemia falciforme, com foco nos avanços recentes no manejo da doença, incluindo terapias direcionadas e transplante de células-tronco hematopoéticas.

Palavras-chave: Anemia falciforme, hemoglobina S, crise vaso-oclusiva, tratamento, células-tronco.

1. Introdução

A anemia falciforme é uma doença genética autossômica recessiva que afeta principalmente indivíduos de ascendência africana, mas também ocorre em populações mediterrâneas, do Oriente Médio e da Índia. A condição é causada por uma mutação no gene da beta-globina que resulta na produção da hemoglobina S (HbS) anômala. Sob condições de estresse, como hipóxia, desidratação ou infecção, os eritrócitos contendo HbS se distorcem em uma forma de foice, tornando-se rígidos e propensos a bloquear pequenos vasos sanguíneos. Este processo vaso-oclusivo leva a episódios de dor intensa, danos teciduais e diversas complicações sistêmicas que impactam significativamente a qualidade de vida dos pacientes.

2. Metodologia

Este artigo é uma revisão narrativa baseada na literatura científica disponível sobre anemia falciforme. Foram consultadas bases de dados como PubMed, Scielo e Google Scholar, utilizando os descritores “anemia falciforme”, “hemoglobina S”, “crise vaso-oclusiva” e “tratamento com células-tronco”. Foram selecionados artigos publicados nos últimos 20 anos, incluindo estudos clínicos, revisões sistemáticas e ensaios clínicos randomizados.

3. Etiologia e Fisiopatologia

A anemia falciforme é causada por uma mutação pontual no gene HBB que resulta na substituição do ácido glutâmico pela valina na sexta posição da cadeia beta da hemoglobina. Esta alteração leva à formação da HbS, que polimeriza sob baixa oxigenação, distorcendo o eritrócito para um formato de foice. Os eritrócitos falcizados têm vida útil reduzida, cerca de 10-20 dias comparado aos 120 dias dos eritrócitos normais, resultando em anemia hemolítica crônica. A obstrução dos pequenos vasos sanguíneos pelos eritrócitos falcizados provoca isquemia tecidual, danos a órgãos e crises vaso-oclusivas dolorosas, que são marcas registradas da doença.

4. Diagnóstico

O diagnóstico da anemia falciforme é confirmado pela eletroforese de hemoglobina, que identifica a presença de HbS. Testes adicionais incluem a cromatografia líquida de alta performance (HPLC) e a análise genética para detectar a mutação no gene HBB. O rastreamento neonatal é fundamental para o diagnóstico precoce e para o início imediato das medidas preventivas e terapêuticas. O teste do pezinho, realizado nos primeiros dias de vida, é um método eficaz para a detecção precoce da doença.

5. Tratamento

O tratamento da anemia falciforme é multifacetado, visando a prevenção de complicações, o manejo dos sintomas e a melhora da qualidade de vida. As abordagens terapêuticas incluem:

– Hidroxiureia: Um fármaco que aumenta a produção de hemoglobina fetal (HbF), que inibe a polimerização da HbS, reduzindo a frequência das crises vaso-oclusivas e a necessidade de transfusões sanguíneas.

– Transfusões Sanguíneas: Utilizadas para aumentar o número de eritrócitos normais na circulação, ajudando a melhorar a oxigenação e a reduzir os sintomas de anemia severa.

– Quelação de Ferro: Em pacientes submetidos a transfusões frequentes, a sobrecarga de ferro é uma complicação comum, exigindo o uso de quelantes de ferro para prevenir danos hepáticos e cardíacos.

– Terapias Novas: Medicamentos como voxelotor, que aumenta a afinidade da hemoglobina pelo oxigênio, e crizanlizumabe, que reduz a adesão celular nos vasos, têm mostrado eficácia em reduzir complicações da doença.

– Transplante de Células-Tronco Hematopoéticas: Considerado o único tratamento curativo disponível, o transplante de células-tronco de um doador compatível pode substituir a medula doente por uma saudável, eliminando a produção de HbS. No entanto, os desafios incluem a disponibilidade de doadores compatíveis e os riscos associados ao transplante.

6. Resultados

Estudos mostram que o uso da hidroxiureia pode reduzir em até 50% a frequência das crises vaso-oclusivas e melhorar significativamente a qualidade de vida dos pacientes com anemia falciforme. O transplante de células-tronco hematopoéticas, embora seja o tratamento curativo, é limitado por questões de compatibilidade e pelos riscos envolvidos. As terapias emergentes, como os moduladores de hemoglobina e os anticorpos monoclonais, representam avanços promissores no manejo da doença.

7. Discussão

O manejo da anemia falciforme continua a evoluir com o desenvolvimento de novas terapias direcionadas que visam modificar a fisiopatologia da doença. A introdução da hidroxiureia e de novas terapias que atuam na adesão celular e na afinidade da hemoglobina pelo oxigênio tem ampliado as opções de tratamento e melhorado os resultados clínicos. No entanto, o acesso desigual a tratamentos avançados e a necessidade de cuidados especializados permanecem desafios significativos, especialmente em regiões com recursos limitados.

8. Conclusão

A anemia falciforme é uma condição complexa com impacto significativo na qualidade de vida dos pacientes. Embora tratamentos como a hidroxiureia e os novos agentes terapêuticos ofereçam alívio sintomático e prevenção de complicações, o transplante de células-tronco permanece a única cura disponível. A pesquisa contínua é essencial para desenvolver terapias mais acessíveis e eficazes, com o objetivo final de melhorar a expectativa e a qualidade de vida dos pacientes com anemia falciforme.

Referências

1. STUART, M. J.; NAGEL, R. L. Sickle-cell disease. The Lancet, v. 364, n. 9442, p. 1343-1360, 2004.

2. ATAGA, K. I.; POLLACK, C.; WARE, R. E. Hydroxyurea in sickle cell disease: clinical efficacy and toxicity in pediatric and adult patients. Blood, v. 102, n. 1, p. 435-441, 2014.

3. GLADER, B. Hematologic disorders. Nelson Textbook of Pediatrics,20th ed. Philadelphia, PA: Elsevier, 2016.


1Curso de Medicina, Centro Universitário Cesmac, Maceió, AL, Brasil.
2Curso de Medicina, Centro Universitário Cesmac, Maceió, AL, Brasil.