REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8266408
Brisa Corso Guimarães Cabral Monteiro1
Adriano Ezequiel Silva2
Antônio Felipe da Silva Souza3
RESUMO
O presente estudo aborda a evolução da ocupação humana no ambiente natural, destacando as transformações físicas e ambientais resultantes desse processo. No contexto brasileiro, a ocupação urbana inadequada em áreas de risco, como encostas, representa um desafio significativo. Para regulamentar o desenvolvimento urbano, o país possui legislações como o Estatuto da Cidade e o Plano Diretor. Nesse contexto, a Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) desempenha um papel crucial, integrando aspectos ambientais e buscando uma gestão urbana mais sustentável. Os resultados preliminares desta pesquisa concentram-se nos usos do solo urbano, com ênfase na ocupação de encostas em Aracaju, e buscam discutir os conflitos existentes nessa realidade.
Palavras-chave: Uso da terra, avaliação ambiental estratégica (AAE), planejamento urbano e conflito do uso do solo.
INTRODUÇÃO:
Ao analisarmos o processo evolutivo do ser humano em relação ao meio físico natural, observa-se que ele é um dos mais eficazes agentes modificadores da paisagem. Na antiguidade, as cidades eram construídas em locais estrategicamente escolhidos, onde o acesso a alimentos provenientes da caça, pesca e, posteriormente, da agricultura e pecuária era possível. Segundo Brunn et al (2003), as civilizações que dominaram estas técnicas passaram a criar centros mais densamente habitados, como centros de comércio e defesa locais.
Atualmente, a realização de intervenções urbanísticas em locais inadequados para ocupação tem desencadeado transformações significativas, refletidas em alterações físicas, topográficas, hídricas, pedológicas, biogeográficas, entre outras. No contexto brasileiro, o modelo de desenvolvimento urbano não escapa dessa realidade, pois ocorreu de forma tardia devido a fatores históricos, desigualdade socioeconômica e industrialização atrasada. Como resultado, temos a ocupação de áreas inadequadas para assentamentos urbanos, muitas vezes em regiões de risco, como encostas suscetíveis a inundações, alagamentos, movimentos de massa, rastejos, escorregamentos, entre outros eventos. De acordo com Kauffmann e Silva (2005), esse cenário evidencia a incapacidade da política e do planejamento urbanos em lidar de maneira eficiente com os impactos negativos da atividade humana no meio ambiente.
As inundações e enchentes são eventos naturais intrínsecos à dinâmica fluvial. São ocasionadas por fenômenos hidrometeorológicos ou hidrológicos extremos, tais como chuvas intensas e rápidas, ou chuvas prolongadas. Além desses eventos naturais, existem outros de grande importância e amplamente observados em áreas urbanas, conhecidos como acidentes, que incluem alagamentos e enxurradas. O Ministério das Cidades define alagamento como o “acúmulo momentâneo de águas em uma determinada área devido a problemas no sistema de drenagem, podendo ou não estar relacionado a processos fluviais”. A enxurrada, por sua vez, é caracterizada pelo “escoamento superficial concentrado e com alta energia de transporte, podendo ou não estar associada a áreas influenciadas por processos fluviais”. Completando esses fenômenos, destacamos também: movimentos de massa, rastejos e escorregamentos.
Esses eventos, anteriormente citados, são associados a diversas alterações antrópicas, tais como: retirada da cobertura vegetal, execução de cortes e aterros inadequados, saturação do solo por meio do lançamento e concentração de águas pluviais e servidas, vazamentos na rede de abastecimento e esgoto, presença de fossas, lançamento de lixo nas encostas e taludes e cultivo inadequado do solo, entre outros. Segundo Guidicini & Nieble (1984), o principal agente natural responsável pelo início desses eventos é a chuva, mas ela é geralmente associada a desmatamentos, erosão, variações de temperatura, oscilações do nível freático e fontes.
No Brasil, as principais legislações urbanísticas que regem o planejamento, uso e ocupação do espaço urbano são hierarquicamente categorizadas:
a) Constituição Federal: Estabelece diretrizes gerais para o desenvolvimento urbano, incluindo o princípio da função social da propriedade e a competência dos municípios para legislar sobre assuntos urbanísticos.
b) Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10.257/2001): “Lei do Plano Diretor”, estabelece diretrizes gerais para o desenvolvimento urbano, como o planejamento e a gestão democrática das cidades, a função social da propriedade urbana, a regularização fundiária, entre outros aspectos.
c) Plano Diretor: Instrumento básico de planejamento urbano utilizado pelos municípios para orientar o crescimento e o desenvolvimento das cidades.
Dentre os diversos arcabouços legais existentes, há outras normas, regulamentos e resoluções específicas relacionadas a diferentes aspectos do planejamento urbano, como zoneamento, preservação do patrimônio cultural, proteção ambiental e mobilidade urbana, dentre outros. Essas regulamentações podem variar de acordo com o município e a legislação estadual. Nesse contexto, destaca-se a importância da legislação ambiental, como o Novo Código Florestal 12.651/12 e a Resolução Conama 237/1997, que abordam o “licenciamento ambiental” e exigem a realização de estudos de impacto ambiental (EIA) e relatórios de impacto ambiental (RIMA) em casos específicos. Esses requisitos são estabelecidos nos artigos 4º, Inciso V e 1º, Inciso III do Novo Código Florestal, e no artigo 3º da Resolução Conama 237. Esta tem em seu escopo a ocupação urbana em áreas de declive suscetíveis a impactos ambientais.
Dessa maneira, com objetivo de atender essas legislações supracitadas, diversas ferramentas são disponibilizadas para avaliar diferentes aspectos e impactos ambientais, dentre essas podemos citar: Matriz de Leopold; Análise de Ciclo de Vida (ACV); Análise de Risco Ambiental; Análise de Vulnerabilidade Ambiental e Análise Ambiental Estratégica (AAE). Esta última destaca-se, por ser sistêmica, objetivando a integração de aspectos ambientais na tomada de processos decisórios em nível de políticas públicas (políticas, estratégias, planos setoriais, planos regionais, planos diretores municipais entre outros), diante disso, ela diverge da Avaliação de Impacto Ambiental (AIA), por essa tratar de projetos específicos.
A Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) pode desempenhar um papel essencial no suporte ao desenvolvimento e aprimoramento do Plano Diretor, ao fornecer uma abordagem abrangente e integrada para a consideração dos aspectos ambientais. Seu objetivo é melhorar o desenvolvimento e a modificação das cidades, com o intuito de aprimorar a qualidade de vida das populações em áreas urbanas consolidadas ou a serem planejadas. Esse processo leva em consideração a existência de locais que possam estar sujeitos a perigos naturais ou induzidos pela possível ocupação, visando uma gestão mais sustentável e segura do ambiente urbano. Para Polidori (2005), os encarregados dos planejamentos urbano e ambiental estão sendo desafiados, a cada dia mais, a integrar dados urbanos e dos ambientes naturais para compreender as cidades e planejar o seu futuro.
Com base no exposto, o objetivo deste estudo é fornecer resultados preliminares de uma pesquisa que aborda os usos do solo para fins urbanos, com foco específico na ocupação das encostas em determinados intervalos de declividade encontrados no município de Aracaju. Além disso, busca-se discutir os conflitos existentes relacionados a essa ocupação.
METODOLOGIA
Área de Estudo
O município de Aracaju está localizado no litoral sul do estado de Sergipe e possui uma área territorial com cerca de 181,9 Km². A população total é de 672.614(IBGE, 2021), convivendo na área urbana e na zona rural com densidade demográfica de 3.698,6 hab.∕ km² (IBGE, 2021). Está localizada nas coordenadas 10° 54′ 36″S e 37° 04′ 12″O. A cidade de Aracaju tem uma temperatura média anual de 26 graus Celsius, com mais chuvas de março a agosto e uma precipitação média anual de 1590 mm (World Bank, 2011). A área tem solos de mangue indiscriminados e a topografia é de planície flúviomarinha e planície marinha. A maior parte da área de Aracaju é uma planície. Duas bacias hidrográficas englobam a cidade: o rio Vaza-Barris e o rio Sergipe (World Bank, 2011).
Análise multicritério Método Ponderado Aditivo Simples – SAW
Os dados de uso da terra foram obtidos do Projeto Mapbiomas para o ano de 2021. Para a realização das análises, as imagens foram reclassificadas em 4 classes de uso da terra: áreas de floresta/mata, pastagem/agricultura, áreas urbanizadas e corpos d’água. Já para gerar o mapa de declividade em graus, foi utilizado o plug in Open Topography da versão 3.22 do Q.gis, Copernicus Global DSM 30 m. A imagem foi classificada nos intervalos de 0 a 3%, 3 a 15%,15 a 30% e acima de 30% como sendo intervalos de declividade para estudo de fragilidade natural à ocupação urbana.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Os resultados tabulares do mapa de uso do solo mostram que as áreas urbanizadas representam 47,04 % da área de estudo, seguida das áreas de agricultura/pastagem com 21,11%, das áreas de mata/floresta com 18,8% e dos corpos d’água com 13,05%. Apesar disso, uma vez que a maior parte do município apresenta declividade inferior a 30%, apenas 0,10km² das áreas urbanizadas são declivosas. Os resultados demonstram que apenas 48% das áreas declivosas são constituídas de vegetação, e que 52% dessas áreas estão em conflito de uso, sendo que 33% são utilizadas para cultivo agrícola e pastagens, e 19% estão constituídas de áreas urbanizadas. contrariando o que é previsto na Lei 4.771/1965 (Código Florestal) que proíbe a retirada de florestas situadas em encostas com inclinação entre 25º a 45 . A retirada da vegetação nativa dessas áreas torna-as ainda mais expostas à ocorrência de deslizamentos, uma vez que a composição geológica da região é constituída de argissolos amarelos e espodossolos susceptíveis à erosão (EMBRAPA, 2021)
Figuras 1 e 2: Classificação de usos da terra e níveis de declividade para o município de Aracaju.
As áreas com declividade acima de 30% estão concentradas na região norte do município, e estão protegidas pela unidade de conservação Área de Proteção Ambiental Morro do Urubu, criada em 1993 pelo Decreto 13.713/93. Esta possui 214 hectares e está localizada principalmente nos bairros Porto D’antas e Santo Antônio. A área vem passando por um processo de urbanização gradual incentivados tanto pela construção da Avenida Euclides Figueiredo , que permitiu o surgimento do Bairro Porto D’antas, quanto pela construção da ponte ligando Aracaju ao município de Nossa Senhora do Socorro. A ocupação desta área tem ocorrido com diversos conflitos, acentuação dos problemas de saneamento básico e constante fragilidade das moradias que sofrem com as voçorocas, escorregamentos de terra e alagamentos(SILVA, 2012). Tais problemas tendem a se intensificar com o aumento populacional na região e com a ausência de mecanismos de ordenamento e gestão no município, como o plano diretor. Um dos poucos instrumentos de planejamento e gestão para a região é o plano de manejo da APA Morro do Urubu, que divide sua área em três zonas de modo a ordenar o uso e a ocupação do solo: Zona de Conservação, Zona Urbano Industrial e Zona de Uso Moderado. Na zona de conservação está presente a maior parte das áreas de matas presentes em áreas declivosas. Para cada zona estão previstas no documento as atividades permitidas ou proibidas (SERHMA, 2021).
A presença de áreas urbanizadas em situação de fragilidade e suscetíveis à risco de deslizamento nos bairros da região norte do município de Aracaju indicam a necessidade imediata de estratégias para controle e ordenamento da urbanização. Estas medidas são fundamentais para evitar catástrofes ambientais em situações de fortes chuvas.
CONCLUSÃO
A partir do presente estudo pode-se concluir que o mapeamento do uso do solo e das áreas com restrições de solo à ocupação humana são etapas importantes na composição de uma Avaliação Ambiental Estratégica, permitindo a análise e a caracterização do cenário presente. Os dados demonstram que o município de Aracaju seria fortemente beneficiado com a realização de Avaliação Ambiental Estratégica que pudesse respaldar a construção de planos, projetos e políticas futuras de planejamento do município, contribuindo com o desenvolvimento sustentável do mesmo.
REFERÊNCIAS
BRASIL, Lei 5788/90. Estatuto da Cidade. Presidente da República em 10 de julho de 2001. BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidente da República, [2016].
BRASIL. Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012. Institui o novo código florestal brasileiro. BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Resolução CONAMA Nº 237, de 19 de dezembro de 1997.
Brunn S.D., Williams J.F., Zeigler D.J. 2003. Cities of the World: World Regional Urban Development. London: Rowan & Little fields. 258-260 p.
Diário Oficial da União, Brasília, 01 de janeiro de 1999. BRASIL. Lei Federal n. 10.257, de 10 de julho de 2001.
Guidicini, G.; Nieble, C. M. Estabilidade de taludes naturais e de Escavação. 2º Edição. São Paulo. Edgard Blücher, 1984, 194p.
IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – Sinopse do censo demográfico 2021. Estimativas/Contagem da População, 2021. Disponível em: < http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/popul acao/censo2010/default_sinopse.shtm>. Acesso em 18 de junho de 2023
KAUFFMANN, M.O. & SILVA, L.P. (2005) Taxa de impermeabilização do solo: um recurso para a implementação da bacia hidrográfica como unidade de planejamento urbano integrado à gestão dos recursos hídricos. In: XI Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional, 11., Salvador. Anais.. Salvador.
MINISTÉRIO DAS CIDADES/INSTITUTO DE PESQUISAS TECNOLÓGICAS – IPT – Mapeamento de riscos em encostas e margens de rios. Brasília: Ministério das Cidades; Instituto de Pesquisas Tecnológicas – IPT, 2007.
World Bank Integrated Urban Water Management Project. 2011. Estratégias para gestão integrada de águas urbanas Aracaju. Versão consolidada 1.0. Aracaju. SILVA, M. S. F. Territórios da conservação: uma análise do potencial fitogeográfico das UC’s de uso sustentável de Sergipe. Programa de Pós-Graduação em Geografia. Tese de Doutorado. São Cristóvão, 2012.
SERHMA – Plano de Manejo da APA Morro do Urubu. Aracaju, 2021. Disponível em : <https://docs.sedurbs.se.gov.br/wl/?id=7xwy5zI2AWQqLR8GPDA6X8ukcZQqaqTf>
EMBRAPA – Características de solos tropicais, 2021. Disponível em <https://www.embrapa.br/agencia-de-informacao-tecnologica/tematicas/solos-tropicais/sibcs/ chave-do-sibcs/argissolos/argissolos-amarelo>
1Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente (PRODEMA), Universidade Federal de Sergipe – (UFS), monteiro.brisa@gmail.com.
2Programa de Doutorado Interinstitucional (DINTER), Instituto Federal de Sergipe (IFS) / Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), adriano.eng@ifs.edu.br.
3Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente (PRODEMA), Universidade Federal de Piauí (UFPI), felipe.piripiri@hotmail.com.