ANÁLISE SISTÊMICA DA EFETIVIDADE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE RECOMPOSIÇÃO DA VEGETAÇÃO NATIVA NO ESTADO DO PARÁ

SYSTEMIC ANALYSIS OF THE EFFECTIVENESS OF PUBLIC POLICIES FOR NATIVE VEGETATION RESTORATION IN THE STATE OF PARÁ

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202507301534


Nayra Gomes Nicolau Almeida da Silva1
Maria Fernanda S. Quintela da C. Nunes2


Resumo

O estado do Pará, localizado na Amazônia brasileira, apresenta significativo passivo de vegetação nativa a ser recomposta, mesmo diante de um robusto arcabouço normativo e programático. Este artigo analisa a efetividade das políticas públicas de recomposição da vegetação nativa no Pará, utilizando a abordagem de Dinâmica de Sistemas para representar as principais variáveis e relações causais envolvidas. A metodologia incluiu levantamento de dados secundários, análise normativa e construção de um Diagrama de Enlace Causal (DEC), com base em princípios de modelagem sistêmica qualitativa. Foram identificados ciclos de feedback de reforço e de equilíbrio que expressam a dinâmica entre regularização fundiária e ambiental, incentivos econômicos, pressão por uso alternativo da terra e governança local. A análise evidenciou que, apesar do potencial ecológico e institucional, a recomposição florestal no estado permanece fragmentada e localizada, com baixa capilaridade nos municípios. O Pará, embora ocupe a quinta posição nacional em área restaurada, não possui nenhum município entre os dez mais atuantes, revelando disparidades territoriais e entraves operacionais. Os resultados sugerem que o avanço das metas de recomposição depende do fortalecimento das capacidades institucionais locais, da ampliação de incentivos financeiros e do engajamento de múltiplos atores em nível subnacional. A modelagem sistêmica demonstrou-se eficaz para identificar gargalos e pontos de alavancagem, oferecendo subsídios para o aprimoramento das estratégias públicas de restauração ecológica. Conclui-se que o alcance de metas ambiciosas de restauração requer não apenas planejamento e normativas adequadas, mas também maior integração entre esferas de governo e atores locais, considerando a complexidade socioambiental da região.

Palavras-chave:  Recomposição da vegetação nativa; políticas públicas; dinâmica de sistemas.

Abstract

The state of Pará, located in the Brazilian Amazon, presents a significant deficit in native vegetation restoration, despite a robust legal and programmatic framework. This article analyzes the effectiveness of public policies for native vegetation restoration in Pará, applying a System Dynamics approach to represent the key variables and causal relationships involved. The methodology included a review of secondary data, normative analysis, and the development of a Causal Loop Diagram (CLD), based on principles of qualitative systemic modeling. Reinforcing and balancing feedback loops were identified, reflecting the interactions between land tenure and environmental regularization, economic incentives, land-use pressure, and local governance. The analysis showed that, despite its ecological and institutional potential, forest restoration efforts in the state remain fragmented and geographically limited, with low municipal-level implementation. Although Pará ranks fifth nationwide in total restored area, none of its municipalities appear among the country’s top ten, highlighting territorial disparities and operational bottlenecks. The results suggest that advancing restoration targets requires strengthening local institutional capacities, expanding financial incentives, and engaging multiple stakeholders at the subnational level. The systemic modeling approach proved effective in identifying leverage points and structural barriers, providing insights for improving public restoration strategies. The study concludes that achieving ambitious restoration goals demands not only adequate planning and regulation, but also stronger integration among government levels and local actors, taking into account the region’s complex socio-environmental dynamics.

Keywords: Native vegetation restoration; public policies; system dynamics.

1.     INTRODUÇÃO

O Brasil abriga aproximadamente 20% das espécies do planeta e apresenta elevados níveis de endemismo, o que impõe grande responsabilidade quanto à conservação da biodiversidade (MMA, 2021; Silva et al., 2011). Apesar do seu potencial ecológico e econômico, o país enfrenta desafios estruturais relacionados à degradação ambiental, em especial na Amazônia Legal, onde a conversão de áreas florestais em usos alternativos do solo compromete a prestação de serviços ecossistêmicos fundamentais, como a ciclagem de nutrientes, o sequestro de carbono e a regulação hídrica (Embrapa, 2021; Silva et al., 2011).

O estado do Pará, inserido no bioma Amazônia, lidera o ranking nacional de desmatamento por corte raso. Em 2020, a taxa anual de desmatamento atingiu 5.192 km², o que representou cerca de 47% do desmatamento total da Amazônia Legal (INPE, 2021). A partir de 2024, mesmo com ligeira redução, o estado manteve-se como o maior desmatador da região, somando 1.260 km² (Imazon, 2025). Esse contexto revela que os instrumentos de controle do desmatamento e promoção da recomposição florestal ainda não alcançaram eficácia suficiente para conter a degradação ambiental em larga escala.

A recomposição da vegetação nativa é regulada por diversos instrumentos legais, como o Código Florestal (Lei nº 12.651/2012), que estabelece a obrigatoriedade de recuperação de Áreas de Preservação Permanente (APPs) e Reservas Legais (RLs). Em nível federal, o Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg) e a Política Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Proveg) definem metas ambiciosas, como a restauração de 12 milhões de hectares até 2030 (Brasil, 2017; Decreto nº 8.972/2017). No contexto estadual, o Programa Regulariza Pará (Decreto nº 2.745/2022) e o Plano Estadual de Recuperação da Vegetação Nativa (PRVN-PA) visam estruturar ações de restauração alinhadas ao desenvolvimento sustentável (Pará, 2023).

Apesar desse arcabouço legal, a implementação das políticas públicas no estado do Pará enfrenta limitações práticas. A análise dos dados do Observatório da Restauração e Reflorestamento (ORR) indica que, até setembro de 2024, o estado havia restaurado cerca de 7,91 mil hectares por meio de ações ativas — valor que representa apenas 0,066% da meta nacional (ORR, 2025). Nenhum município paraense figura entre os dez com maior área restaurada no país, o que revela a baixa capilaridade das iniciativas em nível local.

Estudos apontam que a efetividade da recomposição depende não apenas da existência de marcos legais, mas também da articulação entre instrumentos de governança, incentivos financeiros, assistência técnica e regularização fundiária (Almeida et al., 2020; Imazon, 2017). Além disso, a pressão econômica por atividades como a agropecuária e a mineração frequentemente concorre com o uso da terra para fins de restauração (Imazon, 2013).

Diante desse cenário, torna-se necessário compreender a recomposição florestal como um sistema dinâmico, marcado por múltiplas interações entre variáveis institucionais, sociais e ecológicas. A Dinâmica de Sistemas, por meio da construção de Diagramas de Enlace Causal (DECs), oferece uma abordagem qualitativa eficaz para analisar essas relações complexas e identificar pontos de alavancagem capazes de promover a transição para modelos sustentáveis (Sterman, 2000; Fernandes, 2014).

Este artigo tem como objetivo avaliar a efetividade das políticas públicas de recomposição da vegetação nativa no estado do Pará, utilizando a Dinâmica de Sistemas como ferramenta analítica. A partir do levantamento de dados secundários e da modelagem de relações causais entre variáveis-chave, busca-se identificar gargalos, ciclos de feedback e oportunidades de intervenção que possam subsidiar o aprimoramento das estratégias de restauração ecológica em escala estadual e municipal.

2.     MATERIAL E MÉTODOS

Este estudo adota uma abordagem qualitativa e sistêmica, fundamentada na metodologia da Dinâmica de Sistemas, com o objetivo de compreender e representar os fatores que influenciam a efetividade das políticas públicas voltadas à recomposição da vegetação nativa no estado do Pará. A escolha dessa abordagem se justifica pela complexidade das interações entre variáveis institucionais, socioeconômicas e ecológicas, que envolvem múltiplas escalas e atores, exigindo uma análise integradora e não linear (Sterman, 2000; Fernandes, 2003).

2.1.  Etapas metodológicas

A pesquisa foi conduzida em três etapas principais: (i) levantamento e sistematização de dados secundários; (ii) construção do Diagrama de Enlace Causal (DEC); e (iii) análise qualitativa da dinâmica do sistema.

2.1.1. Levantamento de dados

Foi realizado um levantamento extensivo de dados secundários provenientes de plataformas institucionais, bases públicas e documentos técnicos. Destaca-se o uso da base de dados do Observatório da Restauração e Reflorestamento (ORR), que fornece informações georreferenciadas sobre a área restaurada em cada município até setembro de 2024. Essa plataforma reúne informações oriundas de diferentes iniciativas de campo e é atualizada em parceria com redes regionais como a Aliança pela Restauração na Amazônia e o Pacto pela Restauração da Mata Atlântica (ORR, 2025).

Adicionalmente, foram analisadas legislações federais e estaduais pertinentes à recomposição florestal, como o Código Florestal (Lei nº 12.651/2012), o Decreto nº 8.972/2017 (que institui a Proveg) e os decretos estaduais nº 2.745/2022 (Programa Regulariza Pará) e nº 3.552/2023 (PRVN-PA). Também foram incluídos relatórios técnicos, publicações científicas e estudos de instituições especializadas, como Imazon (Almeida et al., 2020; Imazon, 2017), Embrapa (2021) e MMA (2021), além de dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE, 2021).

2.1.2. Construção do modelo sistêmico

A modelagem do sistema foi feita com base nos princípios da Dinâmica de Sistemas, por meio da construção de um Diagrama de Enlace Causal (DEC). Essa ferramenta permite representar graficamente as relações causais entre variáveis e identificar ciclos de feedback que caracterizam o comportamento do sistema ao longo do tempo (Sterman, 2000).

O processo de construção do DEC envolveu a identificação de variáveis-chave relacionadas à efetividade da recomposição florestal, tais como regularização fundiária, regularização ambiental, incentivos econômicos, capacidade técnica local, pressão por uso alternativo do solo, custo de recomposição, governança ambiental e engajamento comunitário. A seleção dessas variáveis baseou-se em três critérios principais:

•        Relevância empírica: presença em dados oficiais ou relatórios de órgãos como ORR, SEMAS/PA ou MMA;

•        Consistência teórica: respaldo em literatura científica e estudos técnicos;

•        Influência sistêmica: potencial de gerar efeitos em cadeia, especialmente por meio de ciclos de retroalimentação.

As relações causais foram representadas com os sinais “+” (mesmo sentido) e “– ” (sentido oposto), conforme a convenção metodológica da Dinâmica de Sistemas (Fernandes, 2003). A estruturação do modelo buscou evidenciar não apenas os vínculos diretos entre variáveis, mas também os efeitos acumulativos, os gargalos e os pontos de alavancagem para intervenção.

2.1.3. Análise qualitativa do sistema

Com o DEC estruturado, foi realizada uma análise qualitativa da dinâmica do sistema, com foco nos principais ciclos de feedback identificados. Essa análise permitiu compreender como determinadas variáveis se reforçam ou se equilibram mutuamente ao longo do tempo, influenciando os resultados das políticas de recomposição. Os ciclos foram classificados como de reforço (R+), quando promovem retroalimentação positiva, ou de equilíbrio (E–), quando atuam como freios que limitam o avanço do sistema.

Com base nessa interpretação, foram explorados cenários qualitativos simulando a intensificação de variáveis como investimentos financeiros, apoio técnico e descentralização da governança. Essa etapa teve o intuito de identificar possíveis estratégias para ampliar a escala e a efetividade das ações de restauração ecológica no Pará.

2.2.  Limitações metodológicas

Embora a abordagem qualitativa com Dinâmica de Sistemas ofereça uma visão integrada dos processos, ela apresenta algumas limitações. Em primeiro lugar, por não incorporar dados quantitativos diretamente, o modelo não permite projeções numéricas ou análises estatísticas de correlação. Em segundo, os dados espaciais disponíveis sobre restauração nos municípios ainda são limitados, especialmente quanto à periodicidade e à desagregação das iniciativas. Ademais, o DEC depende da interpretação da pesquisadora na seleção e conexão das variáveis, o que pode refletir um viés teórico ou analítico.

Apesar dessas limitações, a modelagem sistêmica revelou-se eficaz como ferramenta de diagnóstico e formulação de hipóteses, fornecendo uma base sólida para discussões estratégicas sobre a melhoria das políticas públicas de recomposição da vegetação nativa no estado do Pará.

3. RESULTADOS

3.1.  Panorama da recomposição florestal no Pará

Com base nos dados do Observatório da Restauração e Reflorestamento (ORR, 2025), até setembro de 2024 o estado do Pará havia restaurado aproximadamente 7.910 hectares por meio de ações ativas. Embora esse valor posicione o estado em quinto lugar no ranking nacional de áreas restauradas, ele representa apenas 0,066% da meta nacional de 12 milhões de hectares até 2030 (Brasil, 2017).

O dado mais expressivo, entretanto, está na distribuição territorial: nenhum município paraense aparece entre os dez com maior área restaurada no Brasil. O município com maior volume de recomposição no estado, São Félix do Xingu, registrou apenas 810 hectares restaurados — menos de um terço da média dos municípios líderes, todos localizados no bioma da Mata Atlântica (ORR, 2025).

A Figura 1 apresenta os dez municípios com maior área restaurada no Pará, evidenciando uma concentração no sudeste do estado e a reduzida escala de atuação local.

Figura 1 – Dez municípios brasileiros com maior área de restauração (em mil hectares), até setembro/2024.

Figure 1 – Ten Brazilian municipalities with the largest restored area (in thousand hectares), as of September 2024.

Esse padrão revela baixa capilaridade institucional e operacional dos programas de recomposição. Ao contrário de estados como Minas Gerais, São Paulo ou Piauí, que contam com programas locais consolidados e acesso a PSA, crédito rural e assistência técnica, o Pará ainda depende fortemente da coordenação em nível estadual, sem replicação robusta em escala municipal (Almeida et al., 2020; Imazon, 2017).

Essa configuração indica que, embora haja esforços relevantes, a recomposição vegetal permanece localizada e fragmentada, sem alcançar escala suficiente para induzir efeitos ecossistêmicos regionais robustos. Além disso, fatores como a insegurança fundiária, a fragmentação da governança ambiental e a ausência de mecanismos econômicos atrativos limitam a adesão de proprietários e produtores às políticas de recomposição. Esses entraves já foram identificados por estudos anteriores como barreiras centrais à efetividade da restauração florestal no estado (Almeida et al., 2020; Imazon, 2017), reforçando a necessidade de estratégias mais articuladas e descentralizadas.

3.2.  Estrutura do modelo sistêmico

A partir do panorama empírico apresentado na seção anterior, foi elaborado um modelo conceitual com base na abordagem da Dinâmica de Sistemas, com o objetivo de representar as principais relações causais que influenciam a efetividade das ações de recomposição da vegetação nativa no estado do Pará. O modelo foi estruturado por meio de um Diagrama de Enlace Causal (DEC), construído com base em dados secundários, documentos normativos e literatura especializada. O DEC resultante contempla dez variáveis principais, organizadas em ciclos de feedback do tipo reforço (R⁺) e equilíbrio (E⁻), os quais explicam os comportamentos sistêmicos associados à implementação das políticas públicas de restauração florestal.

As principais variáveis incluídas no modelo são:

•        Regularização fundiária

•        Regularização ambiental

•        Políticas públicas

•        Incentivos econômicos

•        Governança ambiental

•        Pressão por uso alternativo do solo

•        Capacidade técnica local

•        Conflito com atividades econômicas

•        Custo de recomposição

•        Conservação dos recursos naturais

A Erro! Fonte de referência não encontrada. apresenta o DEC construído, destacando os principais elos causais e os ciclos de retroalimentação identificados.

Figura 2 – Diagrama de Enlace Causal representando os ciclos de feedback que influenciam a efetividade das políticas de recomposição da vegetação nativa no estado do Pará.

Figure 2 – Causal Loop Diagram representing the feedback cycles that influence the effectiveness of native vegetation restoration policies in the state of Pará.

3.3.  Ciclos de feedback

Seis ciclos de feedback foram identificados no sistema, sendo dois de reforço (R⁺) e quatro de equilíbrio (E⁻). A seguir, cada um é descrito, com base na lógica de causa e efeito estruturada no modelo.

3.3.1. Ciclo de reforço R1 – Regularização ambiental e benefícios ambientais e econômicos

Este ciclo positivo representa uma dinâmica virtuosa em que a regularização ambiental estimula a conservação dos recursos naturais. Como consequência, há maior acesso a incentivos econômicos, como pagamentos por serviços ambientais (PSA) e créditos verdes, os quais, por sua vez, reforçam o interesse pela regularização. Trata-se de um mecanismo central para o fortalecimento da agenda de recomposição:

Regularização ambiental → conservação dos recursos naturais → incentivos econômicos → regularização ambiental (R⁺)

3.3.2. Ciclo de reforço R2 – Integração entre regularização fundiária e ambiental

Neste ciclo, observa-se a interdependência entre os processos de regularização fundiária e ambiental. A obtenção de documentos legais da propriedade viabiliza a adesão a programas de recomposição, o que, ao ser implementado, reforça a regularidade ambiental e favorece a titulação definitiva:

Regularização ambiental → regularização fundiária → regularização ambiental (R⁺)

3.3.3. Ciclo de equilíbrio E1 – Custos da regularização como barreira

O aumento da exigência legal e da complexidade técnica para a recomposição pode elevar os custos para os produtores rurais, especialmente os de pequeno porte. Isso tende a limitar a adesão voluntária aos programas, freando o ritmo de avanço da regularização:

Regularização ambiental → aumento do custo → redução na regularização (E⁻)

3.3.4. Ciclo de equilíbrio E2 – Conflito com atividades econômicas

A recomposição florestal compete por espaço com atividades produtivas, como a agropecuária e a mineração. Em contextos de alta pressão econômica, a expansão dessas atividades pode reduzir a viabilidade política e territorial de programas de restauração:

Conflito com atividade econômica → enfraquecimento da governança → menor capacidade de recomposição → intensificação do conflito (E⁻)

3.3.5. Ciclo de equilíbrio E3 – Regularização fundiária, desmatamento e

recomposição

A regularização fundiária tende a reduzir práticas ilegais de ocupação e desmatamento. Isso estabiliza o uso da terra, o que favorece a recomposição. No entanto, esse processo pode ser lento e condicionado à capacidade institucional:

Regularização fundiária → redução do desmatamento → aumento da viabilidade da recomposição (E⁻)

3.3.6. Ciclo de equilíbrio E4 – Controle do desmatamento e estabilidade do sistema

A melhoria dos mecanismos de monitoramento e controle do desmatamento contribui para reduzir pressões sobre áreas de preservação. Isso promove maior estabilidade no sistema e reduz a necessidade de recomposição compulsória no futuro:

Regularização ambiental → controle do desmatamento → menor pressão sobre APPs/RLs → maior estabilidade (E⁻)

A análise desses ciclos permite visualizar os principais pontos de alavancagem do sistema, bem como os gargalos institucionais que limitam a efetividade das políticas.

3.4.  Pontos de alavancagem

Com base nos resultados empíricos e na estrutura do modelo, destacam-se os seguintes pontos de alavancagem para o avanço da recomposição florestal no estado:

Incentivos financeiros estáveis (ex.: PSA, mercados de carbono jurisdicionais);

Descentralização da política ambiental, com protagonismo dos municípios; •   Fortalecimento da assistência técnica local, com foco em pequenas propriedades; • Integração com políticas de regularização fundiária, reduzindo a sobreposição de conflitos;

Valorização do conhecimento comunitário, com engajamento de agricultores familiares, povos indígenas e extrativistas.

4. DISCUSSÃO

Os dados espaciais confirmam que a recomposição florestal no estado do Pará ocorre de forma localizada e fragmentada, sem alcançar escala suficiente para induzir efeitos ecossistêmicos regionais robustos. A ausência de municípios paraenses entre os dez com maior área restaurada do país revela que, apesar da liderança do estado em extensão territorial e em desmatamento, as políticas de recomposição ainda são pouco implementadas localmente. Isso contrasta com o cenário de estados como Minas Gerais e São Paulo, onde programas municipais articulados com ações estaduais e federais, como o Conservador das Águas e o Conservador da Mantiqueira, têm obtido resultados expressivos (Conservador da Mantiqueira, 2022).

Além disso, a maior parte dos municípios líderes em restauração está inserida no bioma Mata Atlântica, que, por sua condição histórica de degradação e adensamento populacional, recebeu investimentos sistemáticos e organizou um conjunto robusto de atores locais, como ONGs, instituições de pesquisa e redes colaborativas. Essa configuração institucional foi fortalecida por políticas específicas de proteção, como o reconhecimento da Mata Atlântica como Reserva da Biosfera pela UNESCO, sua inclusão em corredores ecológicos prioritários e seu status internacional de hotspot de biodiversidade (Ribeiro et al., 2009; Fundação SOS Mata Atlântica & INPE, 2023). Tais instrumentos favoreceram a consolidação de iniciativas como o Pacto pela Restauração da Mata Atlântica, que congrega mais de 300 instituições em ações de recomposição florestal em larga escala (Pacto pela Restauração da Mata Atlântica, 2024).

No caso paraense, o contexto é mais desafiador. A concentração das ações em polos específicos, a insegurança fundiária e a baixa institucionalidade municipal enfraquecem os mecanismos de coordenação territorial, dificultando o alcance de metas ambiciosas como a de restaurar 5,65 milhões de hectares até 2030, conforme estabelecido pelo PRVN-PA (Pará, 2023). Esses obstáculos reforçam conclusões de estudos anteriores que já apontavam gargalos institucionais, econômicos e operacionais, mesmo diante da existência de instrumentos como o Código Florestal, o Planaveg e programas estaduais como o Regulariza Pará (Almeida et al., 2020; Imazon, 2017).

A análise do modelo sistêmico elaborado neste estudo permite compreender como essas limitações operam de forma interligada. Os ciclos de feedback identificados evidenciam que os principais mecanismos de reforço da recomposição estão relacionados à integração entre regularização ambiental, acesso a incentivos econômicos e conservação dos recursos naturais. Essa dinâmica positiva foi destacada por autores como Brancalion et al. (2019) e Chazdon (2017), ao argumentarem que políticas públicas que oferecem benefícios econômicos aos proprietários rurais tendem a estimular a adesão voluntária à restauração, especialmente quando associadas a mecanismos como os pagamentos por serviços ambientais (PSA).

Por outro lado, os ciclos de equilíbrio revelam barreiras estruturais que atuam como freios à expansão da recomposição. Entre elas, destacam-se os elevados custos das ações, a ausência de assistência técnica local e os conflitos pelo uso da terra com atividades mais rentáveis no curto prazo. Esses entraves já haviam sido identificados por Imazon (2013), especialmente em áreas sob forte pressão agropecuária e com baixa presença institucional.

A literatura reforça que a recomposição florestal depende de arranjos institucionais locais sólidos, políticas públicas descentralizadas e incentivo a formas de produção sustentáveis (Suding et al., 2015; Holl & Aide, 2011). Nesse sentido, iniciativas que combinam restauração com geração de renda — como sistemas agroflorestais com espécies nativas e frutíferas — apresentam melhores resultados em termos de adesão de produtores e impactos socioambientais (Crouzeilles et al., 2017).

Outro aspecto importante evidenciado pelo modelo é a necessidade de integração entre as agendas de regularização fundiária e ambiental. Como demonstrado no ciclo de reforço R2, a ausência de titulação da terra é um dos principais obstáculos à adesão aos programas de recomposição, pois inviabiliza o acesso a crédito rural, assistência técnica e instrumentos de mercado, como os PSA (WRI Brasil, 2021). Essa limitação também foi apontada por Brancalion et al. (2019) como crítica para o avanço da restauração florestal em regiões amazônicas.

A Dinâmica de Sistemas mostrou-se uma ferramenta útil para representar a complexidade do sistema de recomposição e para identificar pontos de alavancagem estratégica. Estudos anteriores também destacam a eficácia dessa abordagem na análise de sistemas socioecológicos, permitindo visualizar como os efeitos acumulativos e os ciclos de retroalimentação moldam o comportamento do sistema ao longo do tempo (Sterman, 2000; Fernandes, 2003; Melo et al., 2020).

Portanto, os resultados indicam que a superação dos gargalos observados no Pará exige ações coordenadas em múltiplas frentes:

•        Fortalecimento da governança ambiental municipal, com maior protagonismo dos territórios;

•        Ampliação de incentivos financeiros estáveis, integrando PSA, créditos de carbono e subsídios produtivos;

•        Apoio a arranjos produtivos sustentáveis, como agroflorestas com espécies nativas e modelos de concessão florestal para restauração (The Nature Conservancy, 2024);

•        Valorização de redes comunitárias, como cadeias de sementes e viveiros operados por agricultores familiares, indígenas e extrativistas (OTCA/ISA, 2024; Mongabay, 2023).

A efetividade da recomposição depende, portanto, da articulação entre esferas de governo, setor privado, sociedade civil e comunidades locais. Sem essa coordenação, o Pará continuará a apresentar baixa escala e fragmentação das ações, comprometendo suas contribuições às metas climáticas nacionais e internacionais.

5. CONCLUSÕES

Este estudo analisou os fatores que influenciam a efetividade das políticas públicas de recomposição da vegetação nativa no estado do Pará, a partir de dados empíricos e da aplicação da Dinâmica de Sistemas como abordagem metodológica. A análise dos dados municipais revelou que, embora o estado ocupe posição de destaque em extensão territorial e pressão antrópica, suas ações de recomposição florestal ainda são pontuais, com baixa capilaridade em nível local. A ausência de municípios paraenses entre os principais em área restaurada do país evidencia o descompasso entre o potencial ecológico do estado e a efetividade das políticas implementadas.

A construção do Diagrama de Enlace Causal (DEC) possibilitou integrar variáveis institucionais, econômicas, sociais e ambientais, oferecendo uma visão sistêmica dos gargalos e oportunidades que moldam a dinâmica da recomposição no Pará. O modelo destacou a importância dos ciclos de reforço baseados na articulação entre regularização ambiental, acesso a incentivos financeiros e conservação dos recursos naturais. Ao mesmo tempo, evidenciou ciclos de equilíbrio que limitam o avanço da recomposição, como os elevados custos, os conflitos pelo uso da terra e a fragilidade da governança local.

A superação desses entraves requer intervenções estratégicas que envolvam: (i) fortalecimento da governança ambiental municipal, com descentralização de competências e recursos; (ii) ampliação de mecanismos financeiros estáveis, como pagamentos por serviços ambientais e créditos de carbono; (iii) apoio técnico e produtivo à restauração em pequena escala, especialmente via sistemas agroflorestais; e (iv) valorização de saberes locais e estruturas comunitárias, como redes de sementes nativas e viveiros rurais.

Conclui-se que a recomposição da vegetação nativa no Pará depende da consolidação de um ambiente institucional que articule instrumentos normativos, financiamento adequado e participação efetiva dos atores locais. A modelagem com base na Dinâmica de Sistemas demonstrou-se eficaz para mapear essas interações e oferecer subsídios para o desenho de políticas mais eficientes, territorializadas e alinhadas à complexidade socioambiental da Amazônia.

Por fim, ressalta-se que o alcance das metas brasileiras de restauração até 2030 dependerá, em grande medida, da capacidade de estados como o Pará em ampliar a escala e a efetividade de suas ações de recomposição. Para isso, é indispensável investir em soluções estruturantes, sustentáveis e integradas ao desenvolvimento territorial.

6.     REFERÊNCIAS

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1Escola Politécnica, Universidade Federal do Rio de Janeiro – Programa de Engenharia Ambiental (PEA); nayranicolau@yahoo.com.br
2Escola Politécnica, Universidade Federal do Rio de Janeiro – Programa de Engenharia Ambiental (PEA); mfquintela@gmail.com