REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10028948
Paulo Henrique Américo Lucindo¹
RESUMO
Este artigo analisa a respeito dos impactos socioeconômicos da extração de amianto. A metodologia utilizada foi o método de abordagem documental, descritivo e bibliográfico. No desenvolvimento foi realizada uma abordagem geral dos aspectos da extração e danos e; por fim, o deslinde do trabalho buscou abordar a responsabilidade pelos danos na extração do minério.
Palavras-chave: Amianto; Responsabilidade Civil; Danos; Direito Ambiental; Princípio da Prevenção e Precaução;
1. INTRODUÇÃO
Segundo o que dispõe a Organização Internacional do Trabalho, “o termo “amianto” refere-se à forma fibrosa dos silicatos minerais que pertencem às rochas metamórficas do grupo das serpentinas, ou seja, a crisotila (amianto branco), e do grupo das anfíbolas, isto é, a actinolita, a amosita (amianto azul), a tremolita, ou todo composto que contenha um ou mais desses elementos minerais” (Convenção número 162 da OIT, art. 2o). Enquanto os anfibólios, que representam 5% do amianto consumido no mundo, estão banidos em grande parte dos países há pelo menos duas décadas, a variedade crisotila, que representa cerca de 95% das reservas do mineral, ainda tem sua exploração e comercialização permitidas.
Os amiantos pertencem, portanto, a dois grupos de minerais, conforme o tipo de fibras em sua composição: anfibólios ou serpentinas. A principal diferença na composição química dos minerais amiantíferos respeita ao teor de ferro, magnésio e água. O potencial carcinogênico do produto parece estar ligado ao teor de óxidos de ferro, muito maior nos anfibólios. (Scliar, 2005)
O principal destino econômico das fibras de amianto é a indústria de fibrocimento, como telhas e caixas d’água. De acordo com dados do Departamento Nacional de Produção Mineral, a indústria do fibrocimento responde, no Brasil, por 98.21% do consumo interno de fibras de amianto. Mas a maior parte da produção dessas fibras está voltada para exportação.
O amianto é conhecido desde a antiguidade, mas seu uso se tornou abundante após a Revolução Industrial no século XIX, quando passou a ser usado como matéria prima para isolar termicamente as máquinas e equipamentos.
A produção mundial de asbesto é atualmente representada, em mais de 98%, pela variedade crisotila, a qual, no Brasil, representa 100% do amianto atualmente minerado. Entre 1964 e 1973, a produção mundial de asbesto aumentou cerca de 50%, tendo alcançado o pico de cinco milhões de toneladas/ano em meados da década de 70. Desde então passou a cair, até atingir um nível estimado hoje na ordem de 2,6 milhões de toneladas/ano. O declínio que permanece e propende a acentuar-se está diretamente associado à cronologia das crescentes restrições de extração e importação do amianto, que tendem a ampliar-se no mundo em função de sua nocividade. (Mendes, 2001)
O declínio da produção mundial de amianto coincide com a saída de Stephan Schmidheimy da Eternit, empresa mundialmente reconhecida pela produção de fibrocimento e uso de amianto, a venda da empresa e uma operação de lavagem biográfica do milionário suiço.
Com as progressivas proibições, a maioria da extração foi interrompida ou abandonada e, atualmente, apenas seis países concentram a produção mundial: Rússia, China, Brasil, Cazaquistão, Canadá e Zimbábue. No Brasil, o terceiro produtor mundial em toneladas, existem minas nos Estados da Bahia, de Goiás, de Minas Gerais e do Piauí, mas algumas delas estão desativadas e a exploração é exercida em grande parte pela SAMA (S.A. Mineração de amianto). Atualmente a totalidade do amianto explorado no Brasil é extraído e processado na Mina Cana Brava, em Minaçu, GO.
Hodiernamente o uso do amianto tem se modificado assim como as técnicas de exploração, provocando uma mudança nos riscos e problemas gerados pela atividade econômica desse produto.
As observações sobre os efeitos nocivos dessa fibra remontam aos primórdios do seu uso, mas estima-se que a primeira menção, na medicina moderna, à doença relacionada ao amianto tenha ocorrido em 1907, quando o médico inglês H. Montagne Murray descreveu a asbestose como doença responsável pela morte de um trabalhador exposto ao asbesto em atividade de fiação. (Mendes, 2001)
A correlação entre a asbestose e a atividade laboral foi feita por Cooke em 1924; daí em diante a medicina foi capaz de relacionar diversas enfermidades não só através de exposição ocupacional como também por exposição ambiental.
As doenças mais comuns causadas pelo contato prolongado com o amianto, segundo o INCA (Instituto Nacional de Câncer) são:
Asbestose: A enfermidade é gerada pelo depósito nos alvéolos pulmonares de fibras de asbesto, o que gera uma reação inflamatória, seguida de fibrose e, consequentemente, sua rigidez, o que diminui a possibilidade de realização da troca gasosa, promovendo a perda da elasticidade do pulmão e da capacidade de respirar com graves limitações ao fluxo aéreo e incapacidade para o trabalho. Nos estágios mais avançadas da doença, esta incapacidade pode se expandir até o ponto de impedir a realização de tarefas mais simples e vitais para a sobrevivência humana, como a simples respiração.
Câncer pulmonar: O câncer de pulmão pode estar ligado com outras manifestações mórbidas como asbestose, placas pleurais ou não. O seu risco pode aumentar em até 90 vezes na hipótese de o trabalhador que se expõe ao amianto também ser fumante, pois o fumo potencializa o efeito sinérgico entre os dois agentes reconhecidos como promotores de câncer de pulmão. Estima-se que metade das pessoas que possuam asbestose desenvolvam câncer de pulmão. O adenocarcinoma é o tipo histológico mais frequente entre os cânceres de pulmão desenvolvidos por trabalhadores e ex-empregados expostos ao amianto, e o risco aumenta proporcionalmente à concentração de fibras que se depositam nos alvéolos pulmonares.
Câncer de laringe, do trato digestivo e de ovário: Também estas enfermidades estão relacionadas à exposição ao amianto.
Mesotelioma: É uma forma rara de tumor maligno, mas comumente atingindo a pleura, membrana serosa que reveste o pulmão, mas também incidindo sobre o peritônio, o pericárdio, a túnica vaginal e a bolsa escrotal. Está se tornando mais comum em nosso país, já que atingimos o período de latência de mais de 30 anos da curva de crescimento da utilização em escala industrial no Brasil, que se deu durante o período conhecido como o “milagre econômico”, na década de 70. Não se estabeleceu nenhuma relação do mesotelioma com o tabagismo, nem com doses de exposição. O mesotelioma maligno pode produzir metástases por via linfática em aproximadamente 25% dos casos.
Segundo a Organização Mundial da Saúde, OMS, todos os tipos de amianto tem potencial cancerígeno e não existem níveis seguros para seu uso. Dessa forma, a organização recomenda que todos os tipos de fibra de amianto sejam substituídos por materiais alternativos, mas encontra um entrave em grupos econômicos muito forte, pertencentes ao chamado lobby do amianto. Tal embate não poderia ser resolvido de outra forma senão judicialmente.
2. ASPECTO ECONÔMICO DO AMIANTO
O amianto é bastante utilizado devido à sua diversa utilidade, como na fabricação de roupas de proteção, telhas, caixas d’água etc., e toda essa utilidade se deve basicamente à sua resistência ao fogo e ao calor intenso, boa resistência mecânica, baixo custo/benefício e fácil manipulação, pois após as células de asbesto serem devidamente condicionadas, as mesmas se tornam de difícil destruição.
Por conta do baixo custo de produção e de suas boas propriedades, o asbesto (amianto) é bastante consumido pelas indústrias brasileiras: mais de 80% do seu uso é na indústria de cimento-amianto (telhas, caixas d’água etc.), menos de 4% é utilizado em materiais de autopeças, cujo uso está só diminuindo cada dia mais – o setor automobilístico foi o que mais investiu nos produtos de substituição por exigência do mercado internacional.
A República Federativa do Brasil está entre os cinco maiores utilizadores e fornecedores de amianto do mundo, com uma produção média de 250.000 toneladas/ano, tendência esta que vem caindo ano a ano ultimamente por força das campanhas anti-amianto. Esta redução no mercado interno tem feito com que o excedente (65%) esteja sendo exportado para países da Ásia, principalmente, e América Latina.
3. MATERIAIS DE SUBSTITUIÇÃO DO AMIANTO
Existem vários materiais que se utilizam hoje em dia como substitutos do amianto. Alguns deles são:
- silicatos de cálcio;
- fibras de celulose, cerâmica, carbono, vidro;
- polipropileno;
- polietileno;
- sílicas;
- serpentinas;
- PVA e PP (mistura de fibras sintéticas e celulose), utilizados muito na Europa.
O maior problema desses produtos substitutos é o custo mais elevado. Pesquisadores da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) desenvolveram um novo material com as mesmas qualidades e o mesmo desempenho do amianto para a fabricação de telhas. O composto reúne quantidade reduzida de fibras sintéticas – que têm preço elevado no mercado – e foi baseado na estrutura de materiais naturais como o bambu.
4. PRODUÇÃO DO AMIANTO: PRIMAZIA DO MERCADO ECONÔMICO OU PRIMAZIA DA VÍTIMA?
É visível o impacto do amianto na microeconomia do Brasil, bem como pode ser observado seu impacto na macroeconomia dos Estados Federados que sediam as empresas que fabricam tal material. Segundo o Relatório do Grupo de Trabalho da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento sustentável da Câmara dos Deputados (2010, p.58), o Brasil era o terceiro maior produtor de amianto do mundo e possuía a maior mina da América Latina, que exportou 68% da sua produção.
A contribuição do Brasil por volta do ano de 2007 era de 11% da produção mundial, com previsão de produção por décadas e mais décadas. O mesmo relatório demonstrou que em 2006 a Eternit/SAMA, faturou mais de US$ 45 milhões, com a exportação, chegando a mais de US$ 62 milhões. Em suma, é visível o impacto da produção do mineral sobre a economia local e nacional no âmbito das exportações, todavia, tal mercado encontra questões delicadas no que diz respeito aos trabalhadores e pessoas que têm contato com propriedades do material ou mesmo com os produtos que possuem componentes deste.
5. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA ATIVIDADE ECONÔMICA CONTRA OS DIREITOS SOCIAIS?
A República Federativa do Brasil tem como um dos seus fundamentais a livre iniciativa, art. 5º, IV da Constituição Federal de 1988. O princípio fundamental supracitado é elencado como um dos princípios da ordem econômica no art. 170 da Constituição da República. O mesmo inciso IV do art. 5º da Constituição Federal elenca em sua primeira parte o valor social do trabalho como princípios da República, mostrando a indissociabilidade dos princípios. Por tanto, no caso em tela, não se pode falar de uma livre iniciativa apartada dos demais preceitos constitucionais, que sejam a dignidade humana aos direitos sociais mais variados.
Assim chama atenção José Afonso da Silva (2013, p. 288) para a dificuldade de delinear os extremos dos direitos sociais e dos direitos econômicos; no entanto, o autor apresenta a dimensão institucional como especificidade do direito econômico e a dimensão de tutela pessoal aos direitos sociais, tal como o disposto no art. 6º ao 11 da Constituição da República. Neste diapasão, a produção do amianto e seus derivados não esá com o crivo da faceta da liberdade de iniciativa como aparenta ser, de forma desmedida e sem controle; pelo contrário, encontra-se sistematizada e indissociada aos demais princípios Constitucionais, lastrada principalmente pelo espírito da dignidade humana e da responsabilidade social de modo geral.
Nestes termos, a produção do amianto encontra na própria Carta Magna fundamento de responsabilidade, seja no seu manejo e produção de forma segura, seja no seu banimento do Estado brasileiro, a exemplo de outros países. Nunca é suficiente relembrar que a Constituição é feita para as pessoas, seja individuais ou coletivas, alcançando os direitos individuais, difusos, coletivos e homogêneos.
No que diz respeito ao dano ao meio ambiente (leia-se meio ambiente natural, artificial, cultural e do trabalho), nos mostram uma direção as palavras de Daniela A. Rodrigueiro, (2004, p. 161), “pelo que se depreende afetar o meio ambiente é afetar em última análise a dignidade humana, a soma da dignidade individual e o encontro da dignidade coletiva, se assim podemos classificar.” Tomando estes ensinamentos, tem-se o balizamento da conduta justa, ética e honesta, tanto do Estado brasileiro quanto da mineradora.
6. PRINCÍPIOS DA PREVENÇÃO E PRECAUÇÃO E O BANIMENTO DO AMIANTO
O Direito Ambiental é alicerçado pelos princípios da prevenção e precaução, que em suma são princípios que dão primazia ao meio ambiente que por óbvio pressupõe primazia à sociedade. Deste modo seria possível, pelo princípio da prevenção, a produção do amianto, observando as melhores técnicas e cuidados para não causar danos, tendo em vista que, em sede de tal princípio, pode-se aferir cientificamente os efeitos ou a probabilidade dos efeitos de danos ao meio ambiente.
Todavia, o princípio da precaução se mostra mais aplicável ao caso, tendo em vista que ainda hoje não se pode aferir ou prever de fato, mesmo com extenso número de trabalhos e pesquisas científicas indicando, todos os efeitos à saúde e ao meio ambiente. Nesta perspectiva, a incerteza ou imprevisão de todos os efeitos causados pelo mineral engendra proteção dos indivíduos e do meio ambiente pela precaução, que lastreado ao princípio romano do alterum non leadere (não causar dano a outrem), se lança de modo a banir a produção do mineral pela incerteza dos seus efeitos. Eis que a primazia da vítima, pessoas ou meio ambiente se faz componente do espírito da dignidade humana.
Em poucos termos, o princípio da precaução, está no número 15 da Declaração do Rio 92, que diz:
Com o fim de proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deverá ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não será utilizada como razão para o adiamento de medidas economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental.
Assim, os requisitos da ameaça de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não podem fundamentar justificativa para a iniciação ou continuação de danos; sendo assim, a produção do amianto é totalmente infundada, visto que os danos são irreversíveis ou graves, além de não serem absolutamente conhecidos cientificamente, a exemplo do câncer de pulmão causado pela poeira do mineral.
Deste modo, o § 2º do art. 225 da Magna Carta não é suficiente como forma de reparação do meio ambiente pela extração do minério, é necessário vedar a produção deste, tendo em vista que suas propriedades afetam diretamente as vidas de centenas ou milhares de pessoas de modo irreparável.
No entanto, o caput do artigo supracitado traz que todos têm direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Ora, os preceitos do caput, por si só demonstram o espírito do princípio da precaução como fundamento da primazia do meio ambiente e da sociedade, ou seja, o dispositivo constitucional, analisado sistematicamente, demonstra a responsabilidade dos mais poderosos em relação aos vulneráveis.
Insta observar que os princípios constitucionais do Direito Ambiental derivam da mesma árvore e nem mesmo o princípio do poluidor pagador justifica a produção do amianto em detrimento das vidas das pessoas e da saúde do meio ambiente, como bem coloca Paulo de Bessa Antunes (2013, p. 54):
Os diferentes princípios aplicáveis ao direito ambiental giram em torno de um princípio constitucional básico, que é o princípio da dignidade da pessoa humana, e devem ser compreendidos e, sobretudo, aplicados à luz daquele que é um dos próprios fundamentos da Constituição Federal e da própria República.
7. RESPONSABILIDADE POR DANOS NA PRODUÇÃO DO AMIANTO
É inconcebível falar em extração da fibra do amianto para a produção de mais de três mil produtos no Brasil sem falar em responsabilidade por danos. Nos ensinamentos do Professor Pablo Malheiros da Cunha Frota (2014, p. 213 a 214), não se trata, a princípio, de responsabilidade consumerista ou extracontratuais propriamente ditas, mas sim de uma responsabilidade por danos, com a relativização do nexo causal segundo a previsibilidade, probabilidade e potencialidade do dano.
Também compõe os fundamentos acima a teoria do Thin Skull Rule, também chamada de egg-shell skull rule, ou ainda de responsabilidade pelo dano mais grave, conforme podemos depreender da lição do professor Maurício Requião (2013), que de igual modo relativiza o nexo causal para a imputação da responsabilidade por danos, afastando-se do âncora da culpa e dos pressupostos mais básicos do nexo causal para um patamar acima, capaz de flexionar esta para a devida reparação ao dano causado.
Neste diapasão, a extração, produção e comercialização do amianto, seja qual for a espécie, não pode se aceitar, sob pena de responsabilização pelo dano mais grave, a custa da saúde ou própria sorte dos trabalhadores, moradores dos arredores das minas ou consumidores diretos e indiretos dos produtos com tais propriedades. Trata-se de um material que produz danos de certa forma conhecidos, e outros que ainda não se tem certeza da gravidade, porém indícios fortes de nocividade.
A doutrina clássica da Responsabilidade Civil sempre coloca que é imprescindível a existência do dano para haver a responsabilização, no entanto, Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona em obra conjunta (2009, p.35) reconhecem que “mesmo em se tratando de responsabilidade contratual, o comportamento da parte inadimplente que deixa de cumprir a obrigação convencionada carrega em si a presunção de dano”. Ora, tal compreensão é perfeitamente cabível ao caso da produção do amianto, visto que mesmo sem o dano, o comportamento voltado ao dano, ou seja, produção de material nocivo à saúde, mesmo que não cause danos de imediato, perfaz a presunção, e esta é necessária para o banimento.
O fato inquestionável é que de um modo ou de outro a produção do material derivado do amianto incorre nos princípios da prevenção e precaução do direito ambiental, bem como incorre nos mesmos princípios emprestados à teoria da responsabilidade por danos pela potencialidade, probabilidade ou previsibilidade do dano. Em poucas palavras, o conhecimento dos reais efeitos danosos à saúde, que desde o início do Século XX, mais especificamente 1907, com os estudos de Montagne Murray, chamam atenção para o perigo oferecido pelo mineral, são mais que suficientes para seu banimento, independentemente do quão grandioso efeito econômico será apurado para uma determinada região ou setor.
Deste modo, utilizando a responsabilidade por danos, restando ou não dúvidas sobre os verdadeiros efeitos de uma espécie ou outra do mineral, a simples potencialidade, probabilidade ou previsibilidade do dano é fator que dilui todo e qualquer argumento econômico que sustente a continuidade da produção do amianto. O que se quer demonstrar nesta breve análise é muito simples: basta retornarmos aos pilares romanos da responsabilidade civil, quais sejam, alterum non leadere (não causar dano a outrem), primazia da vítima e socialidade, que teremos a resposta lógica e justa sobre quem o direito quer proteger sob a égide de seu escudo.
Assim, tomando por base o explanado até aqui, é possível compreender melhor a relativização do nexo causal da teoria da responsabilidade por danos na produção do amianto. Tem-se, assim, duas situações bem delineadas, uma que diz respeito à responsabilidade por danos com a relativização do nexo causal apenas pela potencialidade ou probabilidade do dano, juntamente com a previsibilidade, mesmo que este não tenha acontecido, e outra pelo dano já ocorrido e, embora suave, seja previsível a reparação pelo dano mais grave, mesmo este não tendo sido causado necessariamente pela ação do agente, mas derivado da quebra dos status quo.
A respeito da possibilidade de responsabilização por danos sem culpa ou até mesmo sem ato, ensina o magnífico Pontes de Miranda (2012, p. 271 – 272) “O que se põe, em caso de ato ilícito absoluto, é a responsabilidade, sempre, pela culpa, embora possa haver, também, fundada noutro princípio, a responsabilidade sem culpa e, às vêzes, até sem ato”. Por tanto, está claro que a mais clássica doutrina já compreendia a possibilidade da relativização do nexo causal, de modo que a responsabilidade sirva à dignidade humana.
Ilustrando as teses supracitadas, vislumbra-se o caso de Minaçu, cidade do norte do Estado de Goiás, uma das maiores produtoras de amianto, onde sua extração deixa as casas, carros e qualquer objeto da cidade exposto coberto com uma pequena camada de um pó branco. Ora, tal pó não causou de fato um dano às pessoas ou ao meio ambiente, mas sua conhecida potencialidade maligna é o suficiente para se concluir que a probabilidade do contato, inevitável, com esse material desencadeie doenças graves como o câncer e isso abre espaço para a reparação imediata do dano, mesmo sem a existência de fato do dano. Em suma, estar-se-ia reparando (seja compensando, seja proibindo a produção), não um dano concreto, mas um dano potencial (que por si só já é ofensivo em seu núcleo) baseado na primazia da vítima ou potencial vítima.
Tal exemplo acima citado traz a fundamentação da responsabilidade por danos como um guia do valor da vida humana, ou seja, o que está implícito na reparação por um dano potencial encontra seu núcleo no sopesar da vida humana e da prosperidade econômica, de modo que esta última não é e nem deve ser maior que aquela. Aliás, os bens e serviços bem como todo o arcabouço econômico foram criados pela necessidade humana para servi-las ou para destruí-las? Eis que se torna reflexivo o papel do direito e da ética nas relações econômicas, principalmente quando se fomenta uma concorrência absurda e descabida de princípios e direitos fundamentais em detrimento dos destinatários destas.
Chegado a tal estágio, é necessário ressaltar que o fundamento da reparação por danos tanto na compensação pecuniária, quanto na proibição ou imposição de restrições na fabricação do amianto encontra seus pilares nos princípios e no rol de direitos fundamentais garantidos pela constituição, a exemplo da dignidade da pessoa humana, art. 1º, III, o direito à vida, à segurança etc. art. 5º, caput, bem como os direitos sociais à saúde, segurança moradia e ao trabalho digno, art. 6º e 7º, todos da Constituição Federal, dentre tantos outros como o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, qualidade de vida e preservação destas, art. 225 da mesma lei máxima.
Isto posto, fala-se em responsabilidade na produção do amianto pelo prisma dos preceitos constitucionais e sua unicidade e indissociabilidade na Constituição da República, de modo que dar primazia às pessoas para que estas não sejam vitimadas por danos é nada mais nada menos que aplicar a Constituição aos seus destinatários sem deixar o lobby político e econômico dos grupos produtores do material colocar o fetiche dos supostos benefícios econômicos acima das vidas e integridades físicas das pessoas.
Em suma, o banimento do amianto encontra sede no que é mais valoroso para a sociedade e seu direito, e tal como demonstrado, os danos, potenciais danos e prováveis danos superam os valores micro ou até macroeconômicos em torno do caso. O fato mostra que a prevenção ou precaução lastreadas como princípios da responsabilidade por danos figura como melhor solução para o caso, contemplando a primazia da vítima ou potencial vítima, a socialidade e a ética da alteridade como forma de priorização do valor da vida humana independente de contexto econômico.
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Graduado em Direito Universidade Federal de Goiás – UFG.