ANÁLISE EPIDEMIOLÓGICA DOS ÓBITOS POR NEOPLASIA MALIGNA DE ESÔFAGO NO BRASIL, NOS PERÍODOS PRÉ E DURANTE A PANDEMIA.

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/pa10202409291050


Deborah Raabe Rocha Firmino; Diala Aretha de Sousa Feitosa; Nathalia Cristina Domingues Ribeiro; Julia Alves da Silva; Marcelo Motta Tapajós Araújo; Ana Beatriz Ballester Mellem Kairala


Resumo

Introdução: A neoplasia maligna de esôfago é uma das mais letais, com alta mortalidade e prognóstico desfavorável. A pandemia de COVID-19 afetou diretamente o atendimento oncológico, com atrasos no diagnóstico e tratamento, especialmente em países em desenvolvimento. Objetivo: Investigar o impacto da pandemia de COVID-19 nos óbitos por neoplasia maligna de esôfago, comparando os períodos antes e durante a pandemia no Brasil. Métodos: Foi realizado um estudo epidemiológico, transversal, descritivo e retrospectivo, com dados secundários de óbitos por neoplasia maligna de esôfago entre 2017 e 2022. Os dados foram obtidos das bases do SIH/SUS, SIM/SUS e SINAN-Net/SUS via DATASUS. Foram analisados o número de óbitos por ano, a faixa etária, o sexo, a cor/raça e a região. Resultados: Entre 2017 e 2019, ocorreram 7.320 óbitos por neoplasia maligna de esôfago, e de 2020 a 2022, 7.109, totalizando 14.429 óbitos. A faixa etária mais afetada foi entre 60 e 69 anos, representando 32,74% dos óbitos. O sexo masculino predominou com 77,71% das mortes e a região Sudeste apresentou a maior mortalidade, com 51,47% dos óbitos. Discussão: A priorização da COVID-19 durante a pandemia impactou na redução de diagnóstico e tratamento das neoplasias malignas de esôfago, levando a possíveis subnotificações. No caso do câncer de esôfago, que já apresenta uma taxa de sobrevivência limitada, esses atrasos podem ter contribuído para uma aparente estabilização ou até redução do número total de óbitos, visto que muitos casos não foram devidamente confirmados ou tratados no tempo adequado. A predominância de óbitos em homens e em idosos reforça a necessidade de políticas públicas voltadas para esses grupos. Conclusão: A mortalidade por câncer de esôfago no Brasil é resultado de uma interação complexa entre fatores epidemiológicos, sociais e estruturais. A pandemia da COVID-19 influenciou na mortalidade por câncer de esôfago, exacerbou as desigualdades existentes, afetando desproporcionalmente populações vulneráveis ​​e regiões com menor infraestrutura de saúde, principalmente pela interrupção nos cuidados oncológicos, ressaltando a importância de melhorar a resiliência dos sistemas de saúde em crises futuras.

Palavras-chave: Neoplasias esofágicas. COVID-19. Mortalidade. Diagnóstico. Brasil.

Introdução

A neoplasia maligna de esôfago, uma das mais letais no campo oncológico, ocupa um papel de destaque na análise epidemiológica global devido à sua elevada taxa de mortalidade e ao prognóstico frequentemente desfavorável. Caracterizada por uma evolução rápida e muitas vezes assintomática em seus estágios iniciais. Essa neoplasia geralmente é diagnosticada tardiamente, resultando em uma sobrevida limitada. O câncer de esôfago é responsável por cerca de 3% dos novos casos de câncer no mundo e aproximadamente 5% das mortes por câncer. Esse cenário reforça a importância de monitorar as tendências de mortalidade associadas a essa doença, especialmente em contextos de crise sanitária, como a pandemia da COVID-19, que reconfigurou as prioridades dos sistemas de saúde em todo o mundo (Bray et al., 2018).

A incidência e a mortalidade por câncer de esôfago variam significativamente entre diferentes regiões geográficas, refletindo influências culturais, socioeconômicas e genéticas. De acordo com o Global Câncer Observatory (2020), as regiões com maior incidência incluem a Ásia Oriental e a África Meridional, onde o consumo de tabaco, álcool e alimentos conservados em sal são fatores de risco prevalentes. No Brasil, embora a taxa de incidência seja inferior à média mundial, o câncer de esôfago continua sendo uma importante causa de morte, especialmente em populações com menor acesso a serviços de saúde e em grupos de baixo nível socioeconômico (INCA, 2022). Essas disparidades evidenciam a necessidade de análises epidemiológicas detalhadas que possam fornecer insights sobre as especificidades regionais e orientar intervenções de saúde pública mais eficazes.

A pandemia da COVID-19 teve um impacto profundo na prestação de cuidados de saúde em todo o mundo, com consequências diretas e indiretas sobre o manejo de doenças crônicas, incluindo as neoplasias malignas. Com a necessidade de concentrar recursos no combate à pandemia, muitos países experimentaram uma redução nos serviços de diagnóstico e tratamento de câncer, levando a atrasos significativos no atendimento (Marra et al., 2020). No caso do câncer de esôfago, que já apresenta uma taxa de sobrevivência limitada, esses atrasos podem ter contribuído para um aumento na mortalidade. O impacto da pandemia no manejo oncológico foi particularmente severo em países em desenvolvimento, onde os sistemas de saúde já operavam no limite de suas capacidades (Ramos & Ferreira, 2024).

A análise dos óbitos por neoplasia maligna de esôfago nos períodos pré-pandêmico e durante a pandemia é crucial para entender como a crise sanitária global afetou a mortalidade por essa doença. Estudos longitudinais permitem observar mudanças nas tendências de mortalidade e identificar se houve um aumento nos óbitos devido ao atraso no diagnóstico e tratamento durante a pandemia (Jardim et al., 2022). Além disso, a estratificação dos dados por idade, sexo, raça e condições socioeconômicas pode revelar padrões específicos de mortalidade e iniquidades que foram exacerbadas durante esse período. Segundo a Organização Mundial da Saúde (2020), a pandemia destacou as desigualdades existentes nos sistemas de saúde, com os grupos mais vulneráveis sofrendo as maiores consequências.

As desigualdades no acesso a cuidados médicos durante a pandemia foram amplificadas, especialmente entre populações de baixa renda e comunidades rurais (Poiatti & Pedroso, 2022). Essas populações enfrentaram maiores barreiras para acessar serviços de saúde, o que pode ter resultado em um aumento desproporcional na mortalidade por câncer de esôfago. De acordo com o Instituto Nacional de Câncer (INCA, 2022), o impacto dessas desigualdades deve ser cuidadosamente analisado para que políticas de saúde mais equitativas possam ser desenvolvidas, visando mitigar os efeitos adversos em futuras crises sanitárias.

Além disso, a análise epidemiológica deve considerar a resiliência dos sistemas de saúde em manter o cuidado contínuo para pacientes oncológicos durante a pandemia. A capacidade de adaptação dos sistemas de saúde, incluindo a implementação de tecnologias de saúde digital e o reforço das redes de atenção oncológica, foi crucial para minimizar o impacto negativo da pandemia sobre a mortalidade por câncer de esôfago (Marra et al., 2020). No entanto, mesmo com esses esforços, muitos pacientes enfrentaram desafios significativos para continuar seus tratamentos, o que destaca a necessidade de uma preparação mais robusta para futuras emergências de saúde pública.

Diante disso, é possível perceber que a análise epidemiológica dos óbitos por neoplasia maligna de esôfago nos períodos pré e durante a pandemia da COVID-19 oferece insights valiosos sobre os impactos diretos e indiretos dessa crise sanitária global e necessita de extrema atenção dos sistemas de saúde mundial e brasileiro. Dessa forma, o presente estudo tem como objetivo analisar as variáveis epidemiológicas relacionadas aos óbitos por Neoplasia Maligna de Esôfago entre os períodos pré (2017-2019) e durante a pandemia (2020-2022), de maneira a observar as possíveis alterações nesses índices decorrentes do surto da COVID-19 e seus impactos nos cuidados em saúde. 

Métodos 

Trata-se de um estudo epidemiológico quantitativo, transversal, descritivo e retrospectivo. Os dados secundários de Neoplasia Maligna de Esôfago foram obtidos por meio de consulta às bases de dados do Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS), do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM/SUS) e Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN-Net/SUS), disponibilizados pelo Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS), no endereço eletrônico <http://datasus.saude.gov.br/>, que foi acessado em 19 de Agosto de 2024. 

A análise foi realizada a partir de um período de 6 anos, abrangendo Janeiro de 2017 a Dezembro de 2022, e os critérios utilizados foram a respeito do perfil dos casos de Neoplasia Maligna de Esôfago, como ano de diagnóstico, faixa etária e sexo.

A população do estudo foi constituída mediante à análise da morbidade hospitalar do SUS por local de internação no Brasil. Para isso, os filtros escolhidos se referiam ao Grande Grupo de Neoplasias -tumores- (Capítulo CID-10: II) e à Neoplasia maligna do esôfago (Lista Morb CID-10) associados à quantidade de óbitos por ano de atendimento, faixa etária, sexo e região.

O estudo foi realizado em uma única etapa. Nesse âmbito, buscou-se avaliar a quantidade de óbitos por ano de atendimento (2017 a 2022), por faixa etária (15 a 19 anos, 20 a 29 anos, 30 a 39 anos, 40 a 49 anos, 50 a 59 anos, 60 a 69 anos, 70 a 79 anos e 80 anos ou mais), por sexo (feminino ou masculino) e por região (Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste). 

De acordo com o Ministério da Saúde (MS), o Sistema DATASUS é um tabulador genérico de domínio público que permite organizar dados de forma rápida conforme a consulta que se deseja tabular. Sendo assim, os dados coletados podem ser utilizados livremente sem infringir quaisquer aspectos éticos, não havendo, portanto, a necessidade de aprovação de nenhum Comitê de Ética em Pesquisa.

A partir dos dados obtidos no sistema TABNET pelo DATASUS, foram construídas novas tabelas por meio do programa Microsoft Office Excel, permitindo, assim, o cálculo das médias, percentuais e seus respectivos gráficos de cada variável.

Resultados 

Óbitos por Neoplasia Maligna de Esôfago

Entre os anos de 2017 e 2019, período que antecede a pandemia de COVID-19, os óbitos por Neoplasia Maligna de Esôfagos corresponderam, em números absolutos, a 7.320 óbitos. Este número, no período da crise sanitária, entre 2020 e 2022, foi para 7.109, totalizando 14.429 hospitalizações no período estudado. 

Em relação à faixa etária, houve um maior número de óbitos na faixa de 60 a 69 anos dentro do período analisado, o que representou aproximadamente 32,74% do total (4.725), seguido da faixa etária de 50 a 59 anos com 27,04% (3.902), 70 a 79 anos com 21,02% (3.304), 80 anos e mais com 9,39% (1.356), 40 a 49 anos com 8,37% (1,209), 30 a 39 anos com 1,10% (159), 20 a 29 anos com 0,26% (38) e 15 a 19 anos com 0,04% (6), segundo demonstrado no Gráfico 1. 

Gráfico 1 – Óbitos por Neoplasia Maligna de Esôfago por local de internação por faixa etária

Fonte: Ministério da Saúde – Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS)

Quanto ao sexo, houve uma alta prevalência do sexo masculino em relação ao feminino, sendo respectivamente 77,71% e 22,28% do total. Ao longo do período observado, percebeu-se que a quantidade de óbitos não apresentou variação significativa, contendo os seguintes dados: Para o sexo feminino, em 2017 com 542 óbitos, 2018 com 541, 2019 com 524, 2020 com 506, 2021 com 528 e 2022 com 574. Já para o sexo masculino, em 2017 com 1816 óbitos, 1967 em 2018, 1930 em 2019, 1714 em 2020, 1827 em 2021 e 1960 em 2022. 

Ao se considerar as regiões do Brasil, como demonstrado no Gráfico 2, a região Sudeste apresentou uma média anual de, aproximadamente, 1.302,33 óbitos nos 3 anos que antecederam a pandemia, que passou para 1.173,33 durante o período pandêmico, sendo essa a região que apresentou o maior número de internações durante todo o período observado, com 51,47% do total. Em segundo lugar, a região Sul apresentou, em média, 619,66 internações por ano no período pré-pandemia e 587 no período pandêmico. Quanto às demais regiões, o Nordeste seguiu com médias de 363,33 entre 2017-2019, e 405,66 de 2020-2022. O Centro-Oeste, também, apresentou baixa variação durante os períodos pré-pandemia e pandêmico, com um total de 611 óbitos e média de 101,83 óbitos por ano. Já o Norte, com as menores médias registradas, em que antes do surto obteve 69,33 de média das internações e passou para 85,33 após o início da pandemia. 

Gráfico 2 – Média dos óbitos por Neoplasia Maligna de Esôfago por local de internação por região e período: pré-pandêmico: 2017-2019; pandemia: 2020-2022

Fonte: Ministério da Saúde – Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS)

Discussão

O estudo das tendências de mortalidade, considerando os determinantes sociais da saúde e a capacidade dos sistemas de saúde de se adaptarem, é essencial para entender as mudanças ocorridas durante a pandemia e para desenvolver estratégias de saúde pública que possam melhorar o manejo do câncer em situações futuras. A compreensão desses fatores permitirá que políticas de saúde mais eficazes e equitativas sejam implementadas, garantindo que as populações mais vulneráveis recebam o cuidado necessário, mesmo em tempos de crise. 

A neoplasia maligna do esôfago é uma das principais causas de morte por câncer em todo o mundo, sendo particularmente prevalente em regiões com altas taxas de consumo de tabaco e álcool (GUERRA, M. R. et al., 2017) No Brasil, os óbitos por câncer de esôfago apresentam uma tendência variada entre o período pré-pandemia (2017-2019) e durante a pandemia de COVID-19 (2020-2022). O impacto da pandemia nas taxas de mortalidade e no acesso ao tratamento oncológico é uma questão central para entender as mudanças observadas no comportamento dessa doença ao longo dos últimos anos.

Entre 2017 e 2019, o Brasil registrou um total de 7.320 óbitos por câncer de esôfago. Durante a pandemia, o número absoluto de óbitos caiu ligeiramente para 7.109, uma diferença de apenas 211 mortes. Nesse âmbito, tal redução aparentemente pequena deve ser comprovada com cautela, pois os impactos indiretos da pandemia, como a interrupção ou atraso nos serviços de saúde, influenciaram significativamente o diagnóstico e tratamento de diversas condições de saúde, incluindo o câncer de esôfago (VIEIRA et al., 2023). A pandemia de COVID-19 trouxe à tona desafios inesperados, como a reorganização dos sistemas de saúde para lidar com o surto da doença, o que levou à diminuição da capacidade de diagnóstico e tratamento de outras enfermidades graves, incluindo o câncer (ATTY, A. T. DE M. et al., 2022).

Um aspecto fundamental a ser considerado é o atraso no diagnóstico, especialmente em pacientes com neoplasias malignas. Durante a pandemia de COVID-19, muitos serviços oncológicos foram impactados, levando a uma redução nos diagnósticos de câncer e um aumento nos casos de diagnóstico tardio, com a doença já em estágio avançado. Estudos demonstram que houve um aumento significativo de diagnósticos em estágios avançados, afetando o prognóstico dos pacientes (Maringe et al., 2020). Essa situação se deve ao adiamento de exames de rastreamento e ao difícil acesso aos serviços de saúde durante a pandemia.

Outro fator relevante na discussão sobre a mortalidade por câncer de esôfago no Brasil são as faixas etárias dos pacientes. A maior concentração de óbitos ocorre entre indivíduos de 60 a 69 anos (32,74% dos casos), seguida pela faixa de 50 a 59 anos (27,04%), corroborando dados da literatura que indicam que o câncer de esôfago é mais prevalece em indivíduos mais velhos. Fatores de risco cumulativos, como o tabagismo e o consumo de álcool, desempenham um papel importante no desenvolvimento do câncer esofágico, particularmente em idades avançadas (GIMENO, S. G. A. et al., 1995). Contudo, é importante destacar que o câncer de esôfago não é exclusivo de faixas etárias mais elevadas. A ocorrência de 38 óbitos na faixa etária de 20 a 29 anos levanta a necessidade de investigar fatores genéticos e predisposições hereditárias que podem influenciar o desenvolvimento precoce da doença (BRAY et al., 2018).

A distribuição por sexo também braymostra uma prevalência significativa de óbitos entre homens (77,71%) em comparação com mulheres (22,28%). Isso está alinhado com a literatura científica, que aponta uma maior incidência de câncer de esôfago entre homens, devido a uma maior exposição a fatores de risco, como o tabagismo e o consumo de álcool (CARVALHO et al., 2019). Além disso, estudos indicam que os homens têm uma maior letalidade em relação à COVID-19, o que pode ter exacerbado a mortalidade por câncer de esôfago nesse grupo durante a pandemia. A presença de comorbidades, como doenças respiratórias e cardiovasculares, mais prevalentes em homens, também aumenta o risco de complicações graves associadas tanto ao câncer quanto à COVID-19.

A pandemia também trouxe algumas disparidades regionais significativas no acesso ao diagnóstico e tratamento do câncer de esôfago. A região Sudeste concentra mais da metade das internações relacionadas à neoplasia maligna do esôfago (51,47%), reflexo da maior densidade populacional e do melhor acesso a serviços de saúde especializados. Estados como São Paulo e Minas Gerais, com centros de excelência em oncologia, desenvolvidos para essa alta taxa de internacionalização. Contudo, o declínio nas internações durante a pandemia sugere que mesmo regiões com maior infraestrutura de saúde foram afetadas pela crise sanitária. (OLIVEIRA, M. M. DE et al., 2021)

No extremo oposto, a região Norte registrou um aumento nas mortes por câncer de esôfago durante a pandemia, com as médias anuais subindo de 69,33 para 85,33 óbitos. Esse aumento pode ser atribuído à situação já precária dos serviços de saúde na região, que se agravou com a sobrecarga causada pela COVID-19, como observado em diversos estudos que avaliaram o impacto da pandemia na mortalidade por neoplasias e doenças crônicas no Brasil. Um estudo da Revista de Saúde Pública destacou que, durante a pandemia, houve aumento no excesso de mortes por câncer em regiões mais vulneráveis, incluindo a Região Norte, que foi uma das mais afetadas tanto pela pandemia quanto pela falta de estrutura de saúde para lidar com os pacientes oncológicos (Jardim et al., 2022)​. A falta de acesso a cuidados médicos especializados e o diagnóstico tardio em áreas mais remotas do Norte do Brasil refletem as desigualdades estruturais do sistema de saúde, agravadas durante a pandemia. A Região Norte foi uma das mais afetadas, com mais de 90% dos municípios apresentando as piores condições de desigualdade social em saúde ao longo da pandemia. Este cenário foi ainda mais grave em municípios de difícil acesso, como os do Maranhão e Amazonas, onde a infraestrutura de saúde e o acesso a serviços essenciais já eram limitados antes da crise sanitária (Fiocruz, 2022; VIACAVA et al., 2019)​

A análise de dados referentes ao Centro-Oeste mostra uma estabilidade nas taxas de mortalidade durante a pandemia, com variações mínimas no número de óbitos em comparação com outras regiões do Brasil. A pandemia impactou significativamente os serviços de saúde em algumas áreas, mas o Centro-Oeste não registrou excesso de mortalidade como outras regiões mais afetadas. Embora houvesse um aumento no número de mortes relacionadas à COVID-19 em outras partes do país, as taxas de mortalidade na região Centro-Oeste permaneceram dentro da média histórica. Esse cenário pode ser explicado pelo menor estresse nos sistemas de saúde locais e pela menor densidade populacional, fatores que, possivelmente, contribuíram para uma resposta mais eficaz na gestão da pandemia na região, em comparação a outras áreas mais densamente povoadas, como o Sudeste e o Norte, que enfrentaram maior pressão sobre os recursos de saúde​ (OLIVEIRA, M. M. DE et al., 2021)

Já no Nordeste, o aumento nas mortes por câncer de esôfago durante uma pandemia, de uma média de 363,33 para 405,66 óbitos anuais, reflete a sobrecarga do sistema de saúde local e a dificuldade de acesso a tratamentos especializados, que já eram escassos antes da crise sanitária (CANTARELLI, J. D. P. et al., 2024).

Por fim, além dos fatores diretamente relacionados ao sistema de saúde, é necessário considerar os determinantes sociais da saúde. As disparidades socioeconômicas, o acesso desigual a serviços de saúde e a exposição a fatores de risco, como a obesidade e o tabagismo, são determinantes que afetam significativamente a mortalidade por câncer de esôfago no Brasil. Durante a pandemia, essas desigualdades foram acentuadas, com populações mais vulneráveis, como as de baixa renda e residentes de áreas remotas, enfrentando maiores dificuldades para acesso a diagnósticos e tratamentos adequados (Bray et al., 2021).

Essa análise evidencia que a mortalidade por câncer de esôfago no Brasil é resultado de uma interação complexa entre fatores epidemiológicos, sociais e estruturais. A pandemia de COVID-19 exacerbou as desigualdades existentes, afetando desproporcionalmente populações vulneráveis ​​e regiões com menor infraestrutura de saúde. O estudo desses dados é crucial para o desenvolvimento de políticas públicas que possam mitigar os impactos de futuras crises sanitárias e garantir o acesso equitativo ao tratamento oncológico em todo o país.

Conclusão

Com base nos dados coletados e analisados, este estudo identificou variações nas taxas de mortalidade por câncer de esôfago no Brasil, destacando diferenças entre o período pré-pandemia (2017-2019) e durante a pandemia de COVID-19 (2020-2022). Observou-se que a mortalidade não se deve apenas à redução da incidência da doença, mas também à limitação no acesso ao diagnóstico e ao tratamento, decorrente da sobrecarga do sistema de saúde durante a pandemia. Essa mortalidade é influenciada por uma interação complexa de fatores epidemiológicos, sociais e estruturais, especialmente entre populações vulneráveis e em regiões com menor infraestrutura de saúde. Os principais dados do levantamento, incluindo variáveis como sexo e região, corroboram essa análise e evidenciam a necessidade de estratégias de intervenção direcionadas que considerem as desigualdades existentes no sistema de saúde brasileiro.

A pandemia de COVID-19 mascarou a real gravidade dos óbitos por neoplasias malignas, criando uma lacuna temporal entre o desenvolvimento do câncer e sua identificação. Durante esse período, as desigualdades regionais nos serviços de saúde e o esgotamento funcional do SUS resultaram em um aumento no diagnóstico tardio, o que contribuiu para o desenvolvimento de estágios avançados do câncer de esôfago. A partir dos dados coletados e analisados, o estudo identificou mudanças nas taxas de mortalidade, além dos impactos diretos e indiretos causados pela sobrecarga do sistema de saúde durante a pandemia. Embora a reconfiguração das prioridades nos sistemas de saúde tenha levado a uma redução no número de óbitos atribuídos à neoplasia maligna de esôfago no Brasil, essa queda não reflete uma redução verdadeira na incidência da doença, mas sim uma diminuição no acesso a diagnósticos precoces e tratamentos oncológicos. Em suma, a pandemia não apenas obscureceu a gravidade dos óbitos por câncer, mas também acentuou as desigualdades existentes, reforçando a necessidade de uma abordagem mais integrada e eficiente para o manejo do câncer em contextos de emergência.

Diante dos resultados obtidos, destaca-se a importância da resiliência nos sistemas de saúde e a necessidade de adaptação contínua para garantir que a atenção ao câncer e a outras doenças crônicas não seja negligenciada, mesmo em tempos de crise. Essa situação evidencia a urgência de reorganização dos serviços de saúde em contextos de emergência. Além disso, a pesquisa fundamenta futuras investigações sobre o impacto da COVID-19 no diagnóstico e manejo de doenças crônicas não transmissíveis, como as neoplasias, e amplia a perspectiva sobre as populações vulneráveis que continuam a sofrer as sequelas da pandemia. Assim, o estudo reforça a necessidade de promover políticas públicas que visem melhorar a saúde coletiva e o bem-estar geral dessas comunidades, assegurando que suas necessidades sejam atendidas de forma eficaz.

Referências

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